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Research Report

Referencial processes on televisive politic debate: argumentatives and textuality aspects

Janyellen Martins Santos

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https://orcid.org/0000-0001-8064-0400

Romildo Barros da Silva

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Maria Francisca Oliveira Santos

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https://orcid.org/0000-0002-0455-6431


Keywords

Argumentation
Political debate
Referencing
Textuality

Abstract

This paper analyzes how the referential processes act in the political television debate genre, both in the argumentative perspective and in the textuality. In this sense, an approach to referencing was made, a phenomenon of discourse that establishes the reconstruction of reality through language. Some reference processes were dealt with, such as the indirect and associative anaphor, the encapsulation and the recategorization. Regarding the theoretical basis, the contributions of Cajueiro (2013), Cavalcante, Custódio Filho and Brito (2014), Costa (2009), Custódio Filho (2011), Cavalcante, Rodrigues and Ciulla (2014), Ferreira (2010), Koch (2011, 2015), Koch and Elias (2009), Marcuschi (2003 and 2010), among others. The study brings a qualitative perspective, showing the relevance and functionality of the observed referential processes. In the analysis, it was observed that the referential processes evidenced in the debate acted in the constitution of the textual fabric, with regard to the maintenance of gender and themes addressed. In the argument, in turn, these processes allowed the reconstruction of speech objects, since each debater performed it from their point of view, trying to disqualify the opponent and to praise himself as the best candidate for the election.

Introdução

O presente trabalho analisa processos referenciais no debate político, atentando para a forma como esses processos contribuem para a construção da textualidade e da argumentação nesse gênero oral. Para isso, promoveu-se uma discussão sobre a referenciação, no que concerne aos seus conceitos e às suas evoluções nos estudos da Linguística Textual, na seção 2; na subseção 2.2, tratou-se especificamente sobre os processos referenciais em estudo; na subseção 2.3, discutiu-se sobre alguns aspectos argumentativos da referenciação; na seção 3, por sua vez, buscou-se discutir sobre o gênero debate político televisivo, atentando para sua caracterização e definição; na seção 4, apresentou-se a metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho. Na penúltima seção, foram dispostas as análises do corpus e, na última seção, dispôs-se a conclusão do estudo.

Este estudo adveio de um trabalho de mestrado concluído em 2018, intitulado “A referenciação no debate político: processos referenciais na construção do sentido”, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Federal de Alagoas e orientado pela Profa. Dra. Maria Francisca Oliveira Santos. Nesse sentido, este trabalho traz contribuições importantes no campo da Linguística Textual por analisar a referenciação em um gênero oral, símbolo da democracia, evidenciando, sobretudo, os objetos de discurso que circulam no dizer dos enunciadores por meio dos processos referenciais, tais como a anáfora indireta, a associativa, o encapsulamento e a recategorização, atuando, dessa forma, tanto na argumentação quanto na tessitura textual do debate político.

1. Referenciação: conceitos e reflexões

No atual estágio da Linguística Textual (LT), os estudos voltados à coesão textual evoluíram bastante, sobretudo no que concerne às pesquisas em referenciação. Nesse sentido, as investigações nessa categoria buscam analisar de que forma as ações linguísticas, cognitivas e humanas podem dar sentido e estruturar o mundo e a realidade1 (MONDADA; DUBOIS, 1995 apud CAVALCANTE; RODRIGUES; CIULLA, 2014). Dessa forma, a questão é ver como a realidade é reconstruída pela linguagem e não simplesmente representada por ela. Assim, o sujeito promove essa reconstrução mediante os seus pontos de vista, por isso, a referenciação é caracterizada como um fenômeno constituído na (re)construção discursiva dos objetos de discurso (KOCH; ELIAS, 2015).

Vale destacar que essa terminologia se deve ao fato de essa categoria ser mais abrangente do que se configurava inicialmente nos estudos da LT, pois falava-se em referência e não em referenciação. Nessa perspectiva, Halliday e Hasan (1976) em sua classificação dos tipos de coesão, tratavam da referência como a relação de elementos linguísticos com outros que são importantes para a sua interpretação, já que aqueles não poderiam ser interpretados sozinhos.

Assim, nessa relação, seria construída uma representação do referente do mundo extramental, a fim de que se formasse uma cadeia coesiva à formação de uma unidade de sentido (texto). O fato é que, como já foi dito, a linguagem não representa a realidade, mas a modifica, transforma-a, portanto, reconstrói-a por meio da visão de mundo dos sujeitos.

Isso é possível pelo fato de o referente não refletir a realidade, pois ele pode ser modificado ao longo da cadeia textual, a partir das crenças e dos valores dos sujeitos, por isso se diz que ele é dinâmico e denominado como objeto de discurso. De acordo com Custódio Filho (2011), é por essa dinamicidade dos objetos de discurso que se justifica o uso do termo referenciação, ao contrário de referência.

Diante dessas colocações, viu-se como essa categoria da coesão textual evoluiu em seus estudos, pois não se trata apenas de uma análise entre uma forma referencial e o referente, mas sim de um evento muito maior, que promove um novo olhar sobre as relações referenciais e o mundo. Isso mostra a capacidade que a linguagem tem de transformar a realidade ao curso da perspectiva dos sujeitos.

1.1. Processos referenciais: textualidade e argumentação

Com a evolução das pesquisas em referenciação, os estudos não se limitam à anáfora ou à catáfora, por exemplo. Existe uma gama de possibilidades no que se refere aos processos referenciais que podem ser analisados, tanto no âmbito da textualidade quanto na argumentação. Isso é possível devido ao caráter multifuncional que as diversas expressões referenciais podem apresentar, segundo Koch (2011).

Nesse sentido, este trabalho procurou mostrar a funcionalidade de processos referenciais e, por uma questão de recorte, foram analisados alguns processos, como a anáfora indireta e associativa, o encapsulamento e a recategorização anafórica/catafórica. Dessa forma, esses processos fazem muito mais que formar uma cadeia coesiva, pois atuam na perspectiva de modificar os objetos de discurso no que se refere à construção dos sentidos, já que nesses processos de recuo e avanço do texto, todo o texto é unificado por laços referenciais que permitem a atualização e, portanto, promovem e mantêm a textualidade. A seguir, serão explanados os processos já referidos.

A anáfora, de modo geral, pode ser compreendida como um movimento de recuo, de retrospecção referente a um item ou segmento textual que fora introduzido no texto. Esse processo se apresenta de formas diferentes em um texto. Assim, quando elementos ou expressões referenciais reiteram um mesmo objeto de discurso que já foi introduzido anteriormente, a anáfora se denomina como direta ou correferencial (CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014).

Além da chamada introdução não-ancorada, há a ancorada, na qual um referente novo é introduzido no texto a partir de uma espécie de associação implícita a itens presentes no cotexto ou no contexto sociocognitivo (KOCH; ELIAS, 2015). Assim, a introdução ocorre como se o objeto de discurso já fosse conhecido. As anáforas indireta e associativa são tipos de introdução de referente ancorada.

A anáfora indireta é um tipo de introdução de referente ancorada que se caracteriza pelo fato de não se relacionar diretamente a um elemento explícito no cotexto, mas a “um elemento de relação que se pode denominar âncora” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 128, grifo das autoras), o qual é extremamente importante para a sua identificação. Em outras palavras, traz um novo objeto de discurso que aparenta já ser conhecido no universo textual. Esse fenômeno, por sua vez, é resultado “do fato de o contexto estabelecido até um determinado momento permitir uma gama de referentes potencialmente ativáveis, os quais, quando aparecem, já são esperados.” (CUSTÓDIO FILHO, 2011, p. 131).

Nesse processo referencial, utiliza-se de uma inferência mais complexa, de conhecimento de mundo e, também, de conhecimento semântico (verbal/nominal), de acordo com Koch (2004). Dessa forma, nesse processo as

formas nominais [...] se encontram em dependência interpretativa de determinadas expressões da estrutura textual em desenvolvimento, o que permite que seus referentes sejam ativados por meio de processos cognitivos inferenciais, possibilitando, assim, a mobilização de conhecimentos dos mais diversos tipos armazenados na memória dos interlocutores.

(KOCH, 2011, p. 107).

Além da mobilização do processo inferencial, as anáforas indiretas possuem outra característica que as diferencia das anáforas diretas: o fato de elas não retomarem um mesmo referente, sendo esse último recategorizado ou não. Por isso são chamadas também de não correferenciais, pois não remetem a nenhuma entidade já mencionada no texto (CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014). Nesse sentido, por não reiterarem um mesmo referente, introduzirem um objeto de discurso como este já fosse conhecido na superfície textual, as anáforas indiretas exigem que o interlocutor inter-relacione as pistas do cotexto, bem como os aspectos contextuais.

A anáfora associativa é um modo de ativação ancorada do objeto de discurso, numa perspectiva metonímica, em que as partes retomam um elemento já posto, relacionando-se com ele por meio de uma associação, segundo Koch (2004 e 2015). Elas se valem de um processo interpretativo menos complexo e de relações semânticas mais estritas (CUSTÓDIO FILHO, 2011). Dessa forma, é necessário a inter-relação entre partes para se estabelecer o referente.

A partir dessas explanações, vê-se como a anáfora é um processo referencial multifacetado, que não se limita a uma referência direta a um item já introduzido, mas sim necessita de inferências e associações semânticas entre contexto e cotexto para que não somente se faça o texto progredir, mas, sobretudo, permita a instauração e manutenção da superfície textual.

O encapsulamento ocorre tanto anafórica quanto cataforicamente; consiste na sumarização, na condensação de informações de segmentos textuais precedentes ou subsequentes por meio de expressões nominais, pronomes (demonstrativos), segundo Koch e Elias (2009 e 2015) e, principalmente, por nominalizações, as quais são consideradas por Koch (2004 e 2011) e Koch e Elias (2015) como o recurso próprio desse fenômeno. Nele, um determinado segmento de texto é encapsulado e transformado em objeto de discurso (KOCH; ELIAS, 2015).

Os encapsulamentos também são considerados por Koch (2004 e 2011) como anáforas complexas, pois “não nomeiam um referente específico, mas referentes textuais abstratos, como estado, fato, evento, atividade, questão etc.” (KOCH, 2011, p. 94). Koch (2011) afirma que a interpretação desse tipo de anáfora exige muito do interlocutor, pois, este último, além de necessitar do uso de estratégias cognitivas de formação de complexos, ele precisa ter a habilidade de interpretar informações adicionais. Isso remete diretamente à questão da participação ativa do interlocutor no processo da construção de sentidos no texto, corroborando muito para a referenciação como fruto de uma negociação.

O encapsulamento realizado por meio de expressões nominais funciona como um rótulo, que designa e/ou classifica o segmento encapsulado. O processo de rotulação pode ocorrer das seguintes formas, de acordo com Koch e Elias (2009): existe a que ocorre em relação a eventos, fatos e situações que estão inscritas no segmento encapsulado; há a rotulação que designa as ações atribuídas aos personagens de um segmento de texto encapsulado; e, por fim, existe aquela que repete outro rótulo já apresentado textualmente como forma de mostrar crítica ou ironia, por isso, em geral, esse tipo de rótulo vem entre aspas.

Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) ressaltam que nem sempre a rotulação é clara ou evidente para o interlocutor, exigindo deste, por sua vez, usar a inferência para compreender a existência de um rótulo, além da própria sumarização de uma porção textual e, assim, permitir a manutenção do sentido. Outra questão a ser observada sobre os rótulos é que eles podem designar o gênero textual que o locutor produz(iu) a partir da nomeação e/ou classificação da própria atividade interativa.

Dessa forma, Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014, p. 84) atentam para o fato de esse processo referencial ser complexo, “pois exige do produtor, ao mesmo tempo, a percepção apurada de como a expressão escolhida para encapsular se refere ao contexto precedente e o vislumbre de como ela pode contribuir para a progressão textual.”. Além disso, o interlocutor também precisa ativar estratégias cognitivas, fazendo uso, por exemplo, da inferência para fazer relações de sentido a fim de perceber não só a sumarização, como também a rotulação, caso esse fenômeno esteja presente, mas não tão evidente.

A recategorização, por sua vez, é um processo referencial que se configura em uma reativação de objetos de discurso, promovendo sua transformação e não somente sua reiteração no texto. Isso ocorre porque um mesmo referente recebe, ao longo do texto, diferentes designações através de variadas formas referenciais (expressões nominais) que vão mudando o seu status no universo textual (CUSTÓDIO FILHO, 2011). Essas expressões nominais, formadas em geral por artigos definidos ou pronomes demonstrativos, seguidos de um nome, definem, descrevem e caracterizam o objeto de discurso, adicionando-lhe informações novas.

Vale destacar que essas reconstruções do referente são feitas à luz das opiniões do sujeito; isso implica dizer que esse processo além de promover a progressão do texto e sua textualidade, atua argumentativamente por revelar a maneira como esse sujeito vê, descreve e caracteriza um objeto de discurso e, portanto, como ele deseja que o interlocutor também o veja.

Com a explanação desses processos, percebe-se como a referenciação é um processo, de fato, multifacetado, que atua na progressão e na manutenção da tessitura textual, porém vai muito além da estruturação da cadeia coesiva, atuando argumentativamente no universo textual, para sua demonstração.

1.2. Argumentação no debate

Como se viu na subseção anterior, a referenciação é um fenômeno plurifacetado que não se reduz, portanto, às retomadas de referentes, já que pode atuar de maneira argumentativa em um texto, sobretudo nos gêneros argumentativos, como é o caso do debate político televisivo. Isso mostra que, ao se falar em argumentação na língua, pode-se ir além da ideia de que a força argumentativa de um texto só pode ser dada pela sequenciação (fenômeno da coesão que atua na progressão e argumentação textuais por meio de operadores lógicos e argumentativos).

Nesse sentido, é interessante ver como a língua dispõe de formas e processos textuais para atuar argumentativamente em textos, uma vez que a linguagem é efetivamente argumentativa (KOCH, 2012), pois “os indivíduos produzem textos com determinados objetivos a serem alcançados e sempre direcionados a alguém, afinal, ninguém se comunica sem um propósito e sem a existência do outro.” (SANTOS J.M.; SANTOS M.F.O., 2018, p. 211).

Neste trabalho, vê-se a atuação da argumentação no debate político por meio de processos referenciais como a recategorização e a anáfora indireta. O primeiro, como foi abordado no subitem 2.2, promove uma modificação do referente ao reiterá-lo, a partir das diferentes caracterizações atribuídas a ele, por meio do uso de expressões nominais. As variadas designações feitas nos objetos de discurso são realizadas mediante as crenças e visões de mundo do sujeito, ou seja, da maneira como ele enxerga esse objeto e como deseja que seus interlocutores também o vejam.

O segundo processo, por sua vez, ao reiterar um referente por meio de um processo inferencial, pode recategorizá-lo. Dessa maneira, o sujeito pode reconstruir um objeto de discurso procurando convencer seu interlocutor que a forma como ele o descreve/caracteriza, é a mais acertada, atuando, portanto, de forma argumentativa. Será possível verificar a atuação argumentativa desses processos no debate político nas análises presentes na subseção 4.1.

Assim, observar-se-á que, em um gênero que apresenta exposição de ideias e propostas de governo por candidatos, a atividade argumentativa é “custosa, tanto do ponto de vista cognitivo como do ponto de vista interpessoal; só nos engajamos nela pressionados pela resistência do outro à opinião que estamos expondo.” (PLANTIN, 2008, p. 63). A partir disso, faz-se necessário o uso dos mais diversos recursos referenciais para poder argumentar e contradizer o candidato opositor.

2. O debate político televisivo e suas características

De uma maneira geral, pode-se dizer que o debate é um gênero bastante presente na sociedade e difundido nas mais diversas esferas comunicativas, desde as mais comuns, como as discussões entre familiares e amigos sobre assuntos cotidianos, religião, política etc., até as mais formais, como debates em universidades, as discussões em tribunais e sessões parlamentares. De acordo com o Dicionário Aurélio (2010, p. 218), o debate é definido como uma “discussão em que se alegam razões pró ou contra.”. Dessa forma, o debate é um gênero pautado em discussões, nas quais duas partes ou mais expõem seus posicionamentos, defendem seus pontos de vista e refutam ideias contrárias.

No contexto político, entende-se como “a argumentação e resolução formais de uma monção diante de uma assembleia legislativa ou outro corpo deliberativo público, de acordo com regras do procedimento parlamentar ou regulamentar.” (COSTA, 2009, p. 75). Nessa perspectiva, o debate político televisivo se configura como tal por conter participantes dessa categoria, promovendo discussões em emissoras de televisão. Em geral, esses debates ocorrem no período eleitoral, sendo, portanto, uma manifestação clara de democracia, uma vez que os candidatos estão discutindo suas propostas e ideias, a fim de convencerem os eleitores de que são os melhores e que merecem ser eleitos.

Nesse gênero, como os candidatos buscam o voto do público e, para tanto, procuram convencê-lo do quanto estão aptos a assumir um determinado cargo público (prefeito, vereador, deputado, senador, governador e presidente), o debate político televisivo se configura como um gênero textual argumentativo, visto que os debatedores argumentam, contra-argumentam na defesa ou refutação dos mais diversos assuntos perante o público.

Para que esse processo ocorra da melhor forma possível, sem distrações ou desvios, existem regras que coordenam todo o debate, as quais são definidas pelas emissoras e acordadas entre os participantes previamente. No debate em análise neste trabalho, debate do segundo turno da Rede Bandeirantes, os dois candidatos tinham um minuto para perguntas, réplicas e tréplicas e dois minutos para respostas, bem como para as exposições iniciais e finais. A posição e ordem de participação foram definidas a partir de um sorteio na presença dos seus respectivos assessores antes do debate.

Os temas discutidos eram introduzidos a cada pergunta de forma livre durante os quatro blocos do debate, que foi mediado por um âncora de um dos principais jornais da emissora. Vale lembrar que em cada emissora existem algumas variações, como, por exemplo, a participação da plateia ou sorteio dos temas a serem discutidos, mas, quanto à estrutura de funcionamento, é quase a mesma. Ressalta-se que, com pequenas diferenças ou não, a essência do debate é mantida, que é mostrar como cada candidato é e se posiciona frente a diversas temáticas.

3. Método de pesquisa

Este trabalho se enquadra na linha de estudos qualitativos, pois o estudo se voltou à análise interpretativa dos dados, cujo objetivo fora a atribuição de sentidos ao corpus (CAJUEIRO, 2013). Por não se valer da quantificação, mas sim da funcionalidade dos processos referenciais no debate, este estudo seguiu de forma flexível e dinâmica (MOREIRA, 2002).

Para compor o corpus da pesquisa, selecionou-se um debate político televisivo entre os nove ocorridos nas eleições de 2014 (do primeiro e do segundo turno) para a transcrição, a seleção de fragmentos e a sua respectiva análise. Nesse sentido, foi selecionado aleatoriamente o debate transmitido pela Rede Bandeirantes de televisão no segundo turno. A transcrição seguiu uma adaptação das normas de transcrição de Preti (2000) e Marcuschi (2003) e procurou-se manter certa fidelidade à modalidade oral pelo fato de o debate nela enquadrar-se. Assim, momentos de fuga ao padrão da língua escrita foram mantidos para mostrar justamente as características da língua falada (MARCUSCHI, 2010).

Em relação às análises, buscou-se averiguar a funcionalidade dos processos referenciais discutidos anteriormente (anáfora indireta, associativa, encapsulamento e recategorização) na constituição e manutenção da textualidade e na construção da argumentação no debate político televisivo.

3.1. Processos referenciais no debate político

Nas análises, são apresentados quatro excertos retirados de diferentes momentos do debate. As temáticas abordadas foram segurança, considerações finais, serviços públicos e educação. Nesse primeiro excerto, tem-se um recorte de uma resposta de E2.

Excerto 1

E2: mas a coisa vai bem?... claro que não vai... não vai em Minas... não vai em parte alguma do BraSIL... foram cinquenta e seis mil assassinatos no ano passado... e o governo federal?... o que diz?... terceiriza responsabilidades... essa é a marca principal do seu governo... na econoMIA... o problema é da crise internacional /.../

Esse excerto apresenta uma resposta de E2 a um questionamento de E1 sobre segurança. Aqui, o candidato afirmou que a questão da segurança pública não ia bem no país e destacou números que atestavam o seu argumento a respeito disso. Adiante, questionou seu oponente quanto à responsabilidade do governo em relação à violência no país, afirmando que “terceiriza responsabilidades... essa é a marca principal do seu governo...”.

A expressão “essa é a marca principal” reitera um referente implícito e passível de ser identificado pelo contexto, que seria a terceirização de responsabilidades. Esse objeto de discurso é apresentado como sendo conhecido e é retomado pelas pistas co(n)textuais. Além disso, essa expressão não só reitera esse referente, como também traz a ideia de que terceirizar responsabilidades por problemas do país foi um símbolo do governo de seu oponente, o que funcionou como argumento a favor de E2 e contra E1. Assim, E2 procura mostrar para o telespectador que o governo de seu opositor (que então era o presidente do Brasil) não se responsabilizava pelos problemas com a segurança pública.

Excerto 2

E2: /.../ eu sou imensamente grato:: a cada um... a cada uma... desses companheiros... de lá para cá várias forças políticas extremamente importantes se somaram a nós... agradeço... a cada uma delas... na figura de dois companheiros aqui presentes... B A... candidato a vice... de M S... e W F... porta voz... da rede /.../

Esse recorte se insere nas considerações finais de E2 no debate. Nesse trecho, esse candidato expressa sua gratidão às pessoas que o apoiaram na campanha e aos apoios políticos que obteve, o que ele denomina de “várias forças políticas”. Essa expressão designa o objeto de discurso, o qual é retomado de forma associativa pelas expressões “na figura de dois companheiros /.../ B A... candidato a vice... de M S... e W F... porta-voz... da rede...” que trazem dois apoios políticos que designam parte das forças políticas tratadas por E2 e, portanto, reiteram o referente. Isso mostra como a anáfora associativa estabelece a tessitura textual ao promover amarrações textuais que unificam as partes do texto, tornando-o uma unidade de sentido.

Excerto 3

E2: /.../ eu introduzi em Minas Gerais a me-ri-to-cra-cia... nós passamos candidata... a remunerar melhor:: aqueles que apresentavam... melhores resultados... essa foi a razão pela qual... nós tivemos os resultados que tivemos extremamente positivos na educação... OUtros ahn na saúde... infelizmente... nenhuma proposta no campo da valorizaÇÃO do servidor que presta serviço de boa qualidade... foi incorporado no seu governo /.../

Nesse recorte, há um trecho de uma pergunta de E2 sobre educação direcionada ao seu oponente. Esse debatedor afirma que introduziu a prática da meritocracia em Minas Gerais (estado em que fora governador), declarando que o estado passou a remunerar de uma maneira melhor os profissionais que mostravam melhores resultados, destacando que “... essa foi a razão pela qual... nós tivemos os resultados que tivemos extremamente positivos na educação...”.

É possível ver que o termo “meritocracia” é retomado e recategorizado por meio da expressão definida “essa foi a razão”, que redefine o referente como o motivo que levou o estado de Minas Gerais a ter bons resultados na educação, segundo E2, como se vê no enunciado “nós passamos candidata... a remunerar melhor:: aqueles que apresentavam... melhores resultados...”, explicando o procedimento da meritocracia, o objeto de discurso recategorizado. Isso traz um aspecto argumentativo a sua fala, visto que esse debatedor procura mostrar ao telespectador que uma de suas intervenções na educação desse estado permitiu que este obtivesse resultados positivos, ao contrário do governo de seu oponente, como afirmou E2.

Além disso, esse processo permitiu a manutenção da textualidade por esse movimento que atualizou as temáticas tratadas no texto, como também reconstruiu o referente por meio da visão do referido candidato, que destacou como o motivo, o fundamento pelos bons resultados da educação em Minas Gerais.

Excerto 4

E1: é... FUNdamental reforMAR os currículos... de TANto do ensino fundamental... mas SOBRETUDO do ensino médio... por quê?... porque  HOje... uma pessoa que faz... as DOZE matérias... se for reprovada em UMA DELAS... é obrigada... a repetir... TOdas as outras doze – as  onze matérias... por exemplo... ISSO vai levar a uma per::da de estímulo... a um NÍvel de evasão /.../

Nesse trecho, E1 responde a uma pergunta de E2 sobre educação, o qual questionou sobre o que ele faria para melhorar a educação do país. Em sua reposta, E1 trata da flexibilização dos currículos do ensino fundamental e médio como ponto importante, para se evitar a evasão escolar, já que afirma que “HOje... uma pessoa que faz... as DOZE matérias... se for reprovada em UMA DELAS... é obrigada... a repetir... TOdas as outras doze – as onze matérias... por exemplo... ISSO vai levar a uma per::da de estímulo... a um NÍvel de evasão”.

A situação é retomada e resumida adiante pelo demonstrativo “isso”, que encapsula todo o enunciado anterior em destaque, caraterizado como o referente. Nesse caso, vê-se que a condensação foi feita em parte do que foi enunciado anteriormente pelo locutor, o que implica dizer que a sumarização pode acontecer com segmentos textuais maiores ou menores, desde um enunciado a um parágrafo inteiro. Isso permite que o texto se torne mais fluido e conciso.

A partir dessas análises, envolvendo os processos referenciais tratados neste trabalho (anáfora indireta, associativa, encapsulamento e recategorização), foi possível ver como eles auxiliaram tanto na tessitura textual quanto na argumentação no debate político televisivo, demonstrando como os movimentos de retrospecção, instaurados pelos referidos processos referenciais permitiram a manutenção dos sentidos e mostrando como em um gênero oral cada segmento está interligado.

Além disso, esses processos funcionaram como recursos argumentativos no debate político, sobretudo a anáfora indireta e a recategorização, uma vez que, por se tratar de um gênero argumentativo, os candidatos utilizaram-se desses recursos para mostrar que eram os melhores candidatos e que deveriam ser eleitos. Essas colocações demonstraram, portanto, como a referenciação é, de fato, multifuncional.

4. Conclusão

Diante do que foi desenvolvido neste estudo, foi observado que a referenciação encontrou-se manifestada no gênero oral debate político televisivo e que os processos referenciais em análise atuaram tanto na tessitura textual quanto na argumentação desse gênero, os quais exerceram uma reconstrução dos objetos de discurso a partir dos processos analisados (anáfora indireta, associativa, encapsulamento e recategorização).

Dessa forma, por meio da anáfora indireta, viu-se como as pistas co(n)textuais são importantes para a reconstrução de objetos de discurso. Além do mais, esse processo referencial pode atuar argumentativamente em enunciados dos debatedores, uma vez que, como ocorreu nas análises, uma anáfora indireta pode reconstruir o referente implícito por meio do uso de expressões nominais que imprimem a opinião do candidato, que se utiliza disso para defender seus pontos de vista ou contra-argumentar as ideias de seu adversário.

Por meio da anáfora associativa, constatou-se como um referente pode ser retomado por subpartes que o retomam; observou-se como o encapsulamento foi importante para a sumarização de informações e segmentos textuais; com a recategorização, percebeu-se como o referente pôde ser reconstruído a partir da visão de mundo do debatedor, logo, a própria realidade foi reconstruída discursivamente.

Além disso, ao recategorizar um referente, o candidato (E2) promoveu uma imagem de si para o telespectador, apresentando sua opinião e visões de mundo em sua fala a partir das reconstruções feitas nos objetos de discurso, argumentando a favor de suas ideias ou refutando propostas de seu oponente.

Assim, com a atuação desses processos, viu-se como a referenciação não se resume a retomadas, abrange um fenômeno maior que transforma a realidade posta nos debates, como auxiliar na instauração da textualidade e, sobretudo, na argumentação.

Avaliação

AVALIADOR 1: Renata Palumbo

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6969-0802

FILIAÇÃO: Faculdade Sesi de Educação, São Paulo, Brasil.

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AVALIADOR 2: Zilda Gaspar Oliveira de Aquino

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0432-7046

FILIAÇÃO: Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2020-02-25 | 14:54

O trabalho foi bem escrito e apresentou importante tema para as pesquisas sobre texto e discurso, que é a referenciação. No entanto, em razão de o trabalho dar atenção à função argumentativa dos processos referenciais, é necessária a apresentação de uma discussão teórica sobre argumentação.

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AVALIADOR 2

2020-02-23 | 17:36

O artigo atende plenamente as orientações do plano de avaliação do periódico, conforme segue. \o título ajusta-se ao trabalho. O resumo é claro . Os objetivos do Resumo, da Introdução e da retomada da Conclusão coadunam-se. O método utilizado é apropriado, bem como o modo. Embora as análises nãos ejam extensas, prestam-se ao encaminhamento  de provas. A posição dos autores qaunto á referenciação, anáforas, encapsulamento são extremamente viáveis no que concerne à argumentação e à textualidade. As discussão são acompanhadas de referências apropriadas, inclusive quanto  à indicação teórica de autores básicos no tratamento  do tema (Mondada, Koch, marcuschi e Cavalcante). As regras da ABNT foram seguidas. Pelo exposto, considero ajustado aceitar o artigo para publicação.

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RODADA 2

AVALIADOR 1

2020-07-05 | 15:37

Caros,

Observou-se que os objetivos enunciados no resumo e na introdução foram alcançados durante o artigo, bem como que os ajustes indicados, na primeira rodada, foram atendidos.

Tendo em vista os apontamentos anteriores e a importância do trabalho para a área dos estudos sobre texto-discurso, o parecer é favorável para a publicação.

How to Cite

SANTOS, J. M.; SILVA, R. B. da; SANTOS, M. F. O. Referencial processes on televisive politic debate: argumentatives and textuality aspects. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 01–14, 2020. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n2.id131. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/131. Acesso em: 26 apr. 2024.

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