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Experience Report

Attention, class! Redesigning discourse practices in the light of Activity Theory

Lívia Aparecida de Almeida e Sousa

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https://orcid.org/0000-0001-6421-1614


Keywords

Activity Theory
Expansive Learning
Distance Learning

Abstract

The aim of this report is to bring to light how the educational design (FILATRO, 2010) for the subject Study Techniques and Academic Research Development (DL) has affected the expansive learning (ENGESTRÖM, 2002) in the Development Course for Air Force Officers. The course is a pilot project for the implementation of distancelearning modality at Universidade da Força Aérea that has started in 2018. I intend to correlate elements of the educational design (which fosters the production of academic essays as a written genre) to the knowledge arisen from air force practices, through language and digital skills on the Moodle 3.2 platform. My experiences as a Portuguese language professor, subject coordinator, instructional designer and researcher are influenced by the perspective of a critical and collaborative research (MAGALHÃES,2009), which allows me to intervene in the learning process. I also understand language as a mediator and constitutor of human relations, in all its socio-historical and cultural contexts. I seek, in accordance with the Activity Theory (ENGESTRÖM, 2002), to identify new interactional elements that had emerged from the aforementioned course.

Introdução

Com o Plano de Modernização da Força Aérea Brasileira, elaborou-se um documento contendo o planejamento estratégico para FAB até 2041: Concepção Estratégica da Força Aérea 100 (DCA 11-45/2016). A reestruturação de sistemas não só interferiu nos meios aéreos, com a introdução de novos equipamentos e aeronaves de última geração, mas também em uma capacitação mais inovadora dos recursos humanos, alinhada com um pensamento reflexivo, crítico e dinâmico, uma vez que são as pessoas que provocam mudanças desejadas ou não.

A partir deste documento macro, foi elaborado o Plano de Modernização do Ensino da Aeronáutica (PCA 37-11/2017, p.54), onde há o reconhecimento que as inovações tecnológicas podem ser uma grande aliada ao processo de formação e pós-formação dos militares de carreira, bem como uma facilitadora no cumprimento eficaz das missões atinentes ao Comando da Aeronáutica.

Com intuito de iniciar o processo, foi definido, em 2017, pelo então Departamento de Ensino da Aeronáutica, que seria criado, na Universidade da Força Aérea, um Centro de Educação a Distância (CEAD). Com a implantação desse Centro, o primeiro projeto em EaD foi o segundo módulo do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica na modalidade a distância sob o gerenciamento e execução do CEAD /UNIFA.

Na época, o CEAD contava com doze integrantes, militares (seis oficiais e quatro graduados) e duas civis inexperientes na área de educação a distância para compor a equipe multidisciplinar nas áreas pedagógicas; de tecnologia e de gerenciamento administrativo. O módulo deveria iniciar em 21 de fevereiro de 2018 e terminar em 29 de junho de 2018 com carga horária de 150 horas/aula que incluía as atividades avaliadas e as administrativas. Esse módulo a distância, gerenciado pela UNIFA, é a interseção dos conteúdos de gestão de projetos e processos administrativos da primeira parte do Curso de Aperfeiçoamento, ministrado por uma instituição de ensino superior contratada e civil, também em EaD, com o último módulo presencial na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica, também no campus da UNIFA e constituído, na maior parte, por instrutores militares de carreira.

Fui designada1 para coordenar esse projeto intitulado “Técnicas de Estudo e Produção Textual das Pesquisas Acadêmicas”. Paralelamente, iniciei o curso de Planejamento, Implementação e Gestão de Educação Distância (PIGEAD), na Universidade Federal Fluminense, iniciado em 2017, com a defesa do Trabalho Final em fevereiro de 2019. Cada Unidade desenvolvida no PIGEAD servia como um instrumento de intervenção no processo de ensino e aprendizagem, naquele contexto institucional, por meio da co-criação de um desenho educacional mais coletivo e próximo à realidade do perfil profissional do oficial intermediário: capitão.

Com a colaboração de sete professores da UNIFA criamos um grupo de conteudistas. Precisávamos unir duas disciplinas – Metodologia da Pesquisa Científica e Redação Acadêmica – em uma, cujo trabalho escrito no final deveria ser um ensaio. Nossa trilha de aprendizagem seguiu o seguinte roteiro: 1. Perfil Profissional do Militar do século XXI; 2. Tipos de conhecimentos e de pesquisa e suas caracterizações; 3. Tipos e Características de Textos Acadêmicos; 4. Tipos de Leitura e Técnicas de documentação; 5. Fontes de Divulgação e Busca do Conhecimento; 6. Linguagem Acadêmica (6.1 Modos de organização do Discurso; 6.2 Coesão e Coerência e 6.3 Argumentação).

Depois de apresentar as circunstâncias que motivaram a escrita deste relato, levo em consideração o contexto sócio-histórico-cultural (DUARTE, 2015) da EaD na UNIFA, uma vez que impacta nas construções de novas formas de relacionamento entre as pessoas no quartel-escola. Tais reconfigurações desencadearam o surgimento do Centro de Educação a Distância, num contexto de reestruturação da própria Força Aérea Brasileira.

Assim, a partir de um viés sócio-histórico-cultural, minha motivação para a escrita deste texto foi: de que modo o desenho educacional, na modalidade a distância, poderia promover aprendizagem expansiva para o desenvolvimento de habilidades linguísticas e digitais num contexto de educação formal e militar?

Para buscar possíveis respostas a essa indagação, procuro pistas em documentos, no planejamento da disciplina, nas estratégias de aprendizagens, nas minhas notas em diário de campo, nas participações dos fóruns temáticos e nas tarefas dos oficiais-alunos e nos feedbacks dos tutores possíveis rupturas no modo de ensinar e de aprender. Observo, a partir dos indícios discursivos registrados no desenho educacional e nos registros das participações das atividades, a potência de aprendizagem expansiva.

Logo, o objetivo geral deste estudo é analisar, à luz da Teoria da Atividade, como o desenho educacional do CAP tem impactado na aprendizagem em expansão, por meio das práticas educacionais na modalidade a distância. Tal objetivo foi motivado pela provocação teórica de Engeström (2002, p. 197) que diz: “o objeto de aprendizagem expandido consiste do contexto da crítica, do contexto da descoberta e do contexto da aplicação dos conteúdos curriculares específicos sob exame”.

Em uma visão preliminar dos dados gerados, observo que o ensino transmissivo e passivo não dá conta de questões complexas e dinâmicas na hora de assessorar e de tomar decisões em prol da coletividade. A perspectiva de desenvolvimento sócio-histórico-cultural dialoga com o momento vivido no cenário em transformação de perspectivas educacionais expressas na linguagem. A ideia não é colocar uma teoria na prática em uma realidade tão imprevisível e mutante, mas sim fazer novas práticas para aprender novas atitudes, de modo a compreendê-las na ambivalência das ações. As situações-problemas devem ser apreendidas e pensadas estrategicamente no ambiente acadêmico da UNIFA, antes das práticas, ou seja, do desempenho de funções-chave de comando e assessoramento. Antes de desenvolvê-las, há a necessidade de fazer experimentações a partir da realidade e das contingências circundantes.

O grande desafio da situação-problema que se apresenta não é dominar o conhecimento para poder aplicá-lo no trabalho, mas sim, construir, a partir das experiências de saberes, novas práxis; novas competências, tanto para a instituição; para a equipe que desenvolve o desenho educacional; como para os tutores; e para os alunos. Observa-se, assim, nesse conjunto sistemático, de comunidades aprendentes, ora integradas; ora mediando e sendo mediadas, compostas por sujeitos sociais construindo e reinventado significados num jogo ininterrupto da "verdade", tão presente nas áreas de produção de conhecimento científico, conforme cita Fabrício (2006, p.57)

1. Perspectivas Teóricas e Metodológicas

Em um mundo fluido, ambivalente e plural, falar em tendências teóricas, que compõem uma arquitetura pedagógica (FILATRO, 2010) em educação a distância, tendo como o foco o aluno, requer mais que um instante de reflexão. Não é possível compreender o fenômeno educacional no qual vivemos simplesmente olhando através do "olho mágico" da porta. Faz-se necessário adentrar ou reinventar a “lente” para compreensão mais ampla e aprofundada do processo de ensino e aprendizagem, quando se fala em educação a distância e de aprendizagem por expansão.

As novas tecnologias da comunicação e informação revolucionaram os modos de fazer e pensar. Conforme afirma Horn (2016, p. 8), “os estudantes hoje estão entrando em um mundo no qual necessitam de um sistema de ensino centrado neles”, por conta das múltiplas habilidades a serem aplicadas em múltiplas tarefas (atividades). A nova divisão do trabalho requer um indivíduo cada vez mais criativo, flexível, proativo, com domínio de conteúdo, colaborativo e cooperativo, ou seja, mais ativo. Mas, de que modo acontece o ensino e a aprendizagem neste contexto de transformação?

Retomando a metáfora das ‘lentes’, ou seja, ajustando a visão para perceber as condicionantes externas que interferem nas ações dos participantes, observa-se, por meio de uma perspectiva de pedagogia histórico-crítica (DUARTE, 2015), que a aprendizagem ocorre na interação de redes de sistemas de atividades, isto é, "aprendendo por expansão" em uma concepção de mundo materialista, histórico e dialético. Engeström (2002), ao propor uma teoria da atividade, proveniente dos estudos de Vygotsky e seus seguidores, demonstra como as atividades escolares são "encapsuladas", ancoradas em técnicas reprodutoras de saberes cristalizados. Conhecimentos replicados, homogeneamente, sem a compreensão, muitas vezes, do aprendiz, pois são só memorizados.

Os alunos, como sujeitos passivos, ora são percebidos como "vasos vazios" (ENGESTRÖM, 2002) que se imprimem conhecimentos; ora como máquinas reprodutoras de saberes inertes. Ele afirma que “não aprendemos para a escola, mas para a vida”, ou seja, o objeto da atividade é o contexto da prática no desenvolvimento de competências. E como esse processo tem ocorrido na EaD na última década?

Percebe-se que esse processo educacional acontece de modo ambivalente, uma vez que a influência do modelo tradicional de ensino, na modalidade presencial, tem sido refletida na modalidade a distância com algumas roupagens/maquiagens tecnológicas. Por outro lado, a necessidade social em preparar profissionais mais eficientes e eficazes diante de um mundo em descontrole (GIDDENS, 2007) impulsiona a colocar o aluno no centro do processo em atividade que o faz protagonista da sua aprendizagem em uma nova configuração de sistema escolar. A EaD, com o foco no aluno, compõe-se por quatro outros sistemas em intercessão uns com os outros: teórico - episteme moderna (empirismo, inatismo e dialética); formação polidocente - professor (mediador; orientador; tutor); cibercultura - introdução de novas tecnologias e dispositivos de aprender, impactando na formação de equipes multidisciplinares e na mediação entre os partícipes do processo; por fim, prática ou resultado da construção de competências - alunos como co-construtor ativo da aprendizagem significativa (GODOI, 2012).

As tendências teóricas pairam no contexto de construção dos desenhos educacionais da EaD, distinguindo-se o papel do aluno (mais passivo ou ativo) de acordo com as regras, comunidade e divisão de trabalho no qual se insere o processo educacional.  Quando analiso essas interconexões de teorias pedagógicas, na expansão dos sistemas de atividade, posso notar que o desenho educacional com o foco no aluno, não é apenas uma quebra de paradigma com o modelo tradicional de ensino e aprendizagem, mas sim um novo sistema de percepção educacional que não empurra a escola para a vida, mas faz da vida a própria escola. A aprendizagem baseada no "fazer para aprender" contribui, assim, para embasar um sistema de aprendizagem centrado no aluno.

Dessa maneira, pode-se re-organizar, reflexivamente, a aprendizagem escolar dentro de um sistema de atividade, motivado por uma necessidade de competências advindas das práticas sociais e que retornam a elas. Por isso, o indivíduo deixa de ser um mero espectador que observa pelo “olho mágico” da porta, e passa a ser agente de seu próprio processo de aprendizagem através de atividades multimediadas por artefatos, regras e divisão de trabalho (TAVARES, 2004). Logo, a Teoria da Atividade, compreendida como um sistema conceitual de análise, ajuda a compreender a totalidade do trabalho e a experiência desenvolvida na prática de ensino e aprendizagem na modalidade a distância, em que novos instrumentos medeiam as relações humanas no contexto militar em foco.

Em uma sociedade industrial, a lógica da reprodução em massa (BENJAMIN, 1994) também tem refletido no planejamento educacional de nossas escolas militares, que, sem diálogo com o meio social, recria divisões de trabalho, colocando em extremidades opostas professor e aluno. Nessa perspectiva, a ilusão de unidade e durabilidade do saber cristalizado no currículo (um produto de consumo) aproxima-se da ideia da reprodução de conhecimentos e a repetibilidade de certas formas de fazer e de pensar também no chão da escola. Por isso, como reflete Benjamin (1994, p. 170): “ orientar a realidade em função das massas e as massas em função da realidade é um processo de imenso alcance, tanto para o pensamento como para a intuição”. O docente se limita a ensinar o conteúdo programático, muitas vezes utilizando como recurso pedagógico apenas o livro didático, a exposição oral e o quadro. Já o aluno comporta-se como mero espectador de informações que se limita a copiar, a memorizar e a repetir conteúdos, frequentemente dissociados dos aspectos práticos da vida. Ao elaborar o desenho educacional da disciplina em foco, eu me questionava: Será que, na modalidade a distância, esse modelo se repetiria?

Por um outro viés, Engeström chama atenção para a situação da aprendizagem em um “contexto crítico”, no qual os aprendizes precisam ter a chance de analisar suas atividades de modo crítico, reflexivo e sistemático. Além disso, eles devem, também, perceber as contradições internas da linguagem, para escolherem novas rotas de se realizar o trabalho escolar. Um modelo de Educação a Distância que se propõe a criar espaços de troca de aprendizagens, nos quais os aprendizes traçam seus próprios percursos, indicaria um rompimento com paradigma de educação passiva descrita anteriormente. O professor deixa de ser o detentor e o transmissor do saber para se tornar um provocador e/ou um orientador entre o conhecimento e a vontade de conhecer do aluno, transmutando esse em ser aprendente, autônomo e gestor de sua própria aprendizagem. Logo, conforme Engeströn (2002), “os alunos têm de aprender algo que ainda não está ali; eles adquirem sua atividade futura enquanto a vão criando”.

Nesse novo modo de realizar o processo de ensino e aprendizagem, a arquitetura do desenho poderia ser desenvolvida por um professor; ou um designer instrucional; ou uma equipe multidisciplinar de profissionais da área educacional, ou seja, uma comunidade aprendente. Quanto mais sujeitos envolvidos, mais vozes construiriam caminhos para aprendizagem em cooperação e para as fases de desenvolvimento do desenho, que segundo Filatro (2010, pp.66-67) são: análise, design; desenvolvimento; e implementação e avaliação. Assim, essas etapas do desenho educacional norteariam o planejamento que também é compartilhado por uma comunidade. Ele não engessaria, pois criaria espaço para a flexibilidade das ações e co-responsabilidades em uma via de mão dupla: docentes e discente.

Sob essa perspectiva de educação a distância, o principal objeto de análise é o da linguagem como ação situada em uma prática social particular e em construção: desenho educacional. Linguagem, essa, percebida como ação de natureza sócio-histórica-cultural e dialógica que molda e é moldada na interação com os outros. A linguagem em ação, ou seja, o discurso-texto de prática social, histórica e co-participativa, é o instrumento de mediação principal (MOITA LOPES, 2002, p. 97) na construção da arquitetura pedagógica para interação entre os membros da comunidade. A perspectiva é que as mediações humanas, proporcionadas pelas novas tecnologias educacionais, possam provocar, com o tempo, novas ações, concepções e atitudes. Há de se ter cautela para que os dispositivos de comunicação (JESÚS, 2003) não deteriorem a coesão política e cultural das comunidades envolvidas.

Como destaca Fabrício (2006, p. 46), “a realidade é um efeito, uma operação de práticas discursivas ‘ordenadoras’ do mundo social”, em que os sujeitos sociais criam domínios de saber que incitam a produção de discursos e a manifestação de comportamentos. O efeito/realidade seria um sistema aberto entrelaçado pelas práticas discursivas em arranjos semânticos fluidos e em processo, muitas vezes contraditórios (MOITA LOPES, 2006).

A aplicação de novas tecnologias ou metodologias, por elas mesmas, não provoca mudança reflexiva e crítica nem a expansão da aprendizagem. Como assevera Engeström (2002, p. 196) a abordagem da aprendizagem expansiva “não é construída sobre a reforma benévola de cima para baixo. Ela se constrói enfrentando as contradições presentes e tira sua força na análise conjunta da mesma”. Nesse sentido, implementar a EaD, por Decreto, por modismo ou por economia de recursos financeiros e humanos, pode não ressignificar o processo de ensino e aprendizagem com uma formação crítica e reflexiva para o profissional de qualidade, pois não houve tempo de maturação suficiente para imprimir novas práticas em velhas estruturas mentais. Engeström (2002) afirma que esse processo é “longo, distributivo, não uma transformação de uma vez e para sempre ditado de cima para baixo”.

Dialogando com o auto acima, Jesús (2003, p. 12) alerta que é extremamente necessáriomanter a estratégica tensão, epistemológica e política, entre as ‘mediações históricas’ que dotam os meios de sentido e alcance social e o ‘papel de mediadores’ que podem estar desempenhando hoje. Nesta perspectiva, é importante, para os alunos, identificar os modos de agência (o fazer para aprender) na EaD, uma vez que o conhecimento e as habilidades precisam estar vinculados à aplicação concreta do que se aprende por meio do discurso-ação. Por outro lado, entendendo palavra/discurso como ação, deve-se aplicar um olhar cuidadoso e uma leitura sensível sobre as escritas e as falas produzidas e replicadas neste novo ambiente de aprendizagem virtual com o uso das TDICs.

Foi a partir dessas reflexões de saberes e agências em interseção, que construímos e desenvolvemos (eu e a equipe multidisciplinar e polidocente) o primeiro desenho educacional do Centro de Educação a Distância na UNIFA: Disciplina Técnicas de Estudos e Produção de Pesquisas Acadêmicas para o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica (capitães).

2. Resultados e Impressões

Busquei desenvolver uma pesquisa de intervenção, conhecida como pesquisa crítica de colaboração (MAGALHÃES, 2009), no processo de ensino e aprendizagem que compreende a linguagem como mediadora e constituidora das relações humanas, nos vários contextos sócio-histórico-culturais das experiências diárias. Como coordenadora da disciplina e conteudista de algumas subunidades, desenhei e intervim no planejamento político e pedagógico, sem desconsiderar o conhecimento da comunidade militar envolvida.

Esse tipo de pesquisa foca no desenvolvimento de aplicações em ambientes de ensino e aprendizagem. Ela é um tipo de investigação eminentemente pedagógica e política, que serve à educação do ser humano consciente de sua cidadania e preocupado em organizar a existência coletiva.

A compreensão de como as tecnologias de informação e comunicação podem contribuir para aprendizagem em expansão representa uma oportunidade de redescobrir a consciência social da língua: cria; empodera; classifica; distingue; sintetiza; opõe-se, enfim, posiciona o sujeito por meio do texto-discurso. É nesse contexto de rupturas, embates ideológicos e políticos e de transição, que o desenho educacional atua. Esse conceito entendido como o planejamento, o desenvolvimento e a utilização sistemática de métodos, técnicas e atividades de ensino para projetos educacionais apoiados por tecnologias (FILATRO, 2010:32).

Ao investigar o contexto histórico-sócio-cultural da implementação da EaD na educação continuada dos oficiais de carreira, por meio dos documentos de criação, busquei compreender uma visão aumentada do sistema político e estratégico, no qual o CEAD está inserido. Uma análise dedutiva, partindo do documento da Estratégia Nacional de Defesa, a Portaria de criação do CEAD possibilita entender de modo mais claro esse contexto como sistema funcional de interações socioculturais que constitui o comportamento (TAVARES, 2004).

Considerando que as ações devem ser compreendidas dentro do contexto da atividade coletiva (TAVARES, 2004), discute-se, preliminarmente, que qualquer mudança no contexto impacta diretamente na divisão do trabalho e regras na comunidade envolvida, ou seja, no processo de ensinar e de aprender. O desenho educacional (atividade macro) está interconectado a outros sistemas de atividades. Cada sistema é composto por indivíduo(s) que interage(m) para dar vida ao planejamento e deixá-lo mais próximo à práxis. Leontiev (apud TAVARES, 2004) sugere três níveis da estrutura hierárquica da atividade: atividade (necessidades humanas orientadas para objeto: motivo para agir); ação (orientada por metas conscientes) e operação (comportamentos rotineiros; automatizadas) para compreensão do sistema e os participantes da mediação coletiva.

Modelos pedagógicos contraditórios podem coexistir, por um tempo, até a acomodação de um novo sistema de relacionamentos, que no futuro será novamente confrontada por outros dispositivos desestabilizadores. Novas comunidades, regras, divisão de tarefas eclodem a partir da reconfiguração de sistemas conceituais relacionados ao conjunto de práticas aplicadas, ou de atividades em contexto (TAVARES, 2004).

Essa estrutura hierárquica da atividade não é fixa, uma vez que elas podem trocar de status a depender da necessidade ou motivação dos sujeitos envolvidos. Exemplificando, o desenho educacional da disciplina é uma atividade que demanda várias ações interconectas motivadas pelo motivo de implementação da modalidade a distância no CEAD (UNIFA). Destaco duas ações que se tornam atividade, que demandam outras ações e que se operacionalizam: equipe multidisciplinar (desenvolvimento do desenho educacional) e tutoria (mediação do desenho pedagógico).  Uma equipe motivada, pela necessidade de desenvolver um desenho educacional, reúne-se presencialmente, em um momento do dia, para criar estratégias relacionadas à missão. Para realizar essa atividade, algumas ações são realizadas, tais como: pesquisa sobre metodologias; capacitações; divisão do trabalho. Essas ações passam por operações, como: criação de organogramas, protocolos de comunicação, Normas Padronizadas de Ações (NPAs) em cada seção de trabalho, regimentos internos, revisão de materiais, conteúdos, edição, elaboração videoaulas.

Nesta configuração, a atividade de desenvolvimento do desenho educacional no CEAD disparou ações e operações não previstas inicialmente, como fluência em letramento digital e habilidade em lidar com a tecnologia aplicada à educação entre os integrantes da equipe e também dos professores colaboradores. Nessa ambiência, novas contingências surgiram por conta de regras, como o prazo de entrega e diretrizes políticas e pedagógicas, e da divisão de trabalho que também envolve um jogo de poder e de sensibilidades, principalmente em um ambiente onde a hierarquia é um dos princípios basilares. Todo o processo de criação foi marcado pela tensão e pelas contradições, principalmente cultural, até se chegar a uma síntese que foi a implantação e desenvolvimento da disciplina no AVA.

Outro sistema correlato ao primeiro foi a mediação do desenho desenvolvido, ´[os-implementação do desenho educacional. Novos arranjos foram colocados à baila. O script e o cenário mudaram, novos atores surgem: tutores e alunos; o meio de interação passa a ser o ambiente virtual de aprendizagem; tempo e espaço de interação são flexibilizados, assincronamente, na maioria das vezes; linguagem predominantemente escrita ou imagética, a hierarquia se inverte (tenente sendo tutor de capitães).

Para a atividade de mediação, as ações necessárias são: leitura do material disponibilizado para a semana; leitura atenta de mensagens dos colegas e tutores; colaboração e cooperação para fomentar a discussão temática; redação coesa e coerente com as propostas levantadas em cada fórum temático, etc. A partir dessas ações, os partícipes realizam outras operações mais corriqueiras de quem têm fluência no letramento digital, tais como: digitar textos respondendo aos enunciados e interagindo com os demais colegas; anexar outros dispositivos: imagem, link, vídeos (...) que permitem aprofundar nas questões; acessar sites recomendados e contribuir como outros textos multimodais, principalmente nos fóruns temáticos.

Como resultado observei que a co-construção dos conteúdos escolares pelas comunidades pode influenciar novas práticas pedagógicas atreladas às necessidades do mundo do trabalho e da vida, uma vez que um oficial-aluno escreve em uma das avaliações do fim de disciplina “aprender a fazer fichamento, por exemplo, me ajudou a organizar meus pensamentos na hora de escrever um ofício e também a ensinar meu filho a estudar na escola”.

Os meios de mediação digitais impactam quando as atividades coletivas, que compõem o CEAD e que realizam o projeto CAP, aproximam práticas educacionais com os desempenhos profissionais. A Teoria da Atividade proposta por Engenströn (2002) ajuda compreender o contexto da atividade como um conjunto de unidades de análise que provocam um resultado que nem sempre está alinhado com o objetivo primeiro, uma vez que é na atividade que os humanos transformam propositalmente a realidade (LIBERALI, 2018). São esses resultados que podem se tornar instrumental para novas atividades e, assim, provocar uma aprendizagem por expansão, conforme pode ser observado na figura abaixo:

Figure 1. Figura 1 Fonte: autora, adaptado de Engeströn, 2002.

Com uma nova configuração nas regras; na comunidade; na divisão de trabalho; sujeitos mediados pelo desafio de criar, na modalidade a distância, um novo planejamento de interação pedagógica e didática, o objeto foi alterado na atividade de mediação, uma vez que o objetivo extrapolou a apreensão da técnica de escrita do gênero ensaio. Houve um processo de trocas e compartilhamento que instigou o pensamento crítico e reflexivo nas escritas socialmente construídas, como as dos fóruns temáticos. Assim, a atividade de aprendizagem não se limitou a reproduzir técnicas de redação de ensaio, mas instigou a ir mais fundo nos processos de construção crítica do pensamento por meio das escritas: de e-mails; relato autobiográfico; mapas mentais; fichamentos; resumos; fóruns entre tantos outros recursos que promoveram a interação e expansão, por meio digital.

Explorar esse cenário, a fim de diagnosticar como acontece a aprendizagem expandida na auto-organização de rearranjos políticos e sociais, possibilitará intervir na realidade e criar novas rotas de aprendizagens expansivas em um contexto sócio-histórico-cultural específico da caserna.

3. Considerações Finais

Em 2017, a orientação do Alto Comando da Aeronáutica foi de que a Universidade da Força Aérea (UNIFA) sediaria e administraria um Centro de Educação a Distância, a fim de promover maior dinamicidade e flexibilidade à educação continuada entre os cursos presenciais de carreira, de forma modular. Logo, a Portaria UNIFA nº83/CEAD, de 17 de agosto de 2017 instituiu o Centro de Educação a Distância, com uma equipe formada por treze profissionais (onze militares e duas civis), coordenada por um coronel aviador.

O contexto investigado foi o primeiro desenho educacional (Disciplina Técnicas de Estudo e Produção Textual de Pesquisa Acadêmica) do Curso de Aperfeiçoamento, desenvolvido pelo CEAD/UNIFA. A proposta desse planejamento concentrou na construção de novas estratégias pedagógicas, a fim de mobilizar ações em prol de uma aprendizagem significativa, cooperativa e colaborativa e atividades coerentes e coesas com o perfil profissional do militar deste século.

A disciplina Técnicas de Estudos e Produção de Pesquisas Acadêmicas (EaD) foi o impulso para a transformação do processo de ensino e aprendizagem no contexto em tela, como foi observado tanto no sistema de atividade de desenvolvimento e implantação do desenho educacional dela, como no sistema de atividade de mediação e interação nesse desenho planejado coletivamente.

O objetivo deste relato foi mostrar como iniciou o processo de implementação do Centro de Educação a Distância na Universidade da Força Aérea, Rio de Janeiro, por meio do desenvolvimento do desenho educacional da disciplina em tela. Como mencionado, ela é fruto da junção de outras duas disciplinas que eram ministradas presencialmente no Curso de Aperfeiçoamento para capitães da FAB e passou por uma nova releitura.

O que busco com este relato? Talvez de um modo muito ousado seria a possibilidade de criar um lugar fecundo de interlocuções, entre civis e militares, na qual uma nova prática pedagógica e responsiva possibilite ‘desencapsular’ os processos de aprendizagens. Temos um longo caminho a percorrer. Estamos interconectados, independente da visão ideológica ou política.

Estamos, assim, vivendo um processo histórico de rupturas sobre os modos de aprender e ensinar: de uma educação focada no ensino de transmissão de conhecimento cartesiano (GODOI, 2012), para uma intenção de aprendizagem em expansão (ENGESTRÖM, 2002), em que as vozes periféricas negociam com as propostas hegemônicas os desenhos educacionais (FILATRO, 2010) aplicados à mediação pedagógica. Logo, a ação reflexiva, diante da atividade e do uso de artefatos tecnológicos, deve ser a tônica desse redesenho como um ato político responsivo de todos os participantes do sistema de atividade maior: educação.

How to Cite

SOUSA, L. A. de A. e. Attention, class! Redesigning discourse practices in the light of Activity Theory. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 01–14, 2020. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n2.id214. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/214. Acesso em: 25 apr. 2024.

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