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Pilot Study

The post-truth in social networks as a discursive resource for mass manipulation

Istárlet Kétile Santos de Melo

Universidade Federal Rural de Pernambuco image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-2354-4962


Keywords

CDA
Speech
Fake News
Manipulation
Post-truth

Abstract

This work aims to present the discursive strategies of manipulation presente in the production of fake news from the gay kit, addressed to presidential candidate Fernando Haddad, during the presidential election period in Brazil, in 2018.
As specific objectives, the article proposes to investigate the post-truth in today's society and how this event influences discursive practices, in addition to identifying the elements that reveal the manipulation in the discourses exposed in the sphere of social networks and the discursive resources behind fake news in analyze. Thus, to work with social media discursive practices, due to the material for analysis, speeches from Facebook's social network were initially collected, related to the field of politics. After this process, a general corpus was selected, based on the data collected, and then a more specific corpus to be exposed in the analysis of this work. From this, the collected material was identified and selected. Therefore, for the analysis of the corpus, the “discursive strategies for the analysis of the manipulative discourse” were adopted as categories of analysis, outlined by van Dijk (2008b, 2009). The present article is inserted in the perspective of Critical Discourse Analysis (CDA), coined by linguist Norman Fairclough and consolidated as a discipline in 1990. Within the manipulation strategies, the use of ideological polarization, positive self-presentation, speech macroates, among others, were verified.

Introdução

Este artigo surge do questionamento de como as fake news (notícias falsas, em tradução do inglês) tomaram conta das eleições brasileiras no ano de 2018, podendo ter sido, inclusive, decisórias no resultado dos votos para o candidato à presidência eleito; surgiu mediante necessidade de compreender como a prática discursiva utilizada na produção de fake news estava ligada à aplicação de mecanismos linguísticos que possibilitavam a contestação de fatos verídicos, beneficiando certo segmento social em detrimento de outro, no eixo político.

A linguagem é, inevitavelmente, prática social, e como os gêneros textuais também estão relacionados a isso, a necessidade de se investigar a produção em massa desse fenômeno veio com a busca por descortinar estratégias de manipulação presentes em quem compartilha e produz esses discursos.

Tomada como palavra do ano na língua inglesa em 2016, pelo Oxford Dictionaries1 (Dicionário de Oxford), a post-truth, a “pós-verdade”, refere-se à estratégia na qual a modelação da opinião pública está em razão dos apelos emocionais, ao invés da abordagem dos fatos objetivos. A popularização do termo, em 2016, deu-se devido à divulgação de informações falsas por Donald Trump, em suas redes sociais, no período de eleições dos Estados Unidos. Também nesse período, a campanha de Brexit divulgou estatísticas fictícias para orientar a opinião pública a seu favor. É nesse meio que a pós-verdade surge como a desvalorização dos fatos em prol dos interesses pessoais.

Em análise, o termo “pós”, que etimologicamente indica uma determinada fase histórica, refere-se à ideia de um “depois”; sendo assim, não estaríamos mais em uma modernidade, mas em uma pós-modernidade. A “pós-verdade” está intimamente ligada à ideia de um pensamento “pós-moderno”, o qual se configura em uma situação histórica advinda da virada do século XX ao XXI, em razão da publicação do livro A Condição pós-moderna, de Jean-François Lyotard, publicado em 1979. Lyotard aponta a irrealização no projeto dos modernos de liberar a humanidade da ignorância e da miséria, que na verdade teria produzido sociedades que permitem o imperialismo, a guerra, o desemprego, a tirania da mídia e a falta de respeito à vida humana em geral.

Sobre o processo de veiculação de informações, as redes sociais surgem como novas fontes para esse mesmo objetivo, sendo o Facebook, o Instagram, o WhatsApp e o Twitter novos espaços para difusão de notícias, não importando serem factuais ou não. A “pós-verdade” entra, então, em cena, e a própria mídia, antes tida como única fonte de verdade reconhecida pela população, agora está envolta em outros meios reprodutores de “notícias”.

Classificadas como uma espécie de subproduto da pós-verdade, às fake news (notícias falsas) seriam a materialização desse “vale-tudo” do discurso, em razão das crenças e interesses pessoais (RODRIGUES, 2018). Essas notícias se espalham e, ao contrário do que se pensa, ganham credibilidade. Na verdade, boatos/notícias falsas sempre estiveram presentes no meio social, o que modificou foi a forma como isso ganhou repercussão, em razão da presença de novos recursos tecnológicos. A jornalista Jéssica de Almeida, em seu artigo “Pós-verdade, fake news e fact-checking: impactos e oportunidades para o jornalismo” (2017) aponta que, em uma análise do BuzzFeed (SILVERMAN, 2016), verificou-se que nos três últimos meses de campanha presidencial de Donald Trump, nos EUA, 20 histórias falsas, de sites que se dizem informativos e de blogs, relacionadas às eleições, geraram 8,711 milhões de compartilhamentos, reações e comentários no Facebook.

A legitimação da verdade, por meio da mídia, ganha novos contornos. O que se buscava como verdade dá lugar ao verossimilhante. Não importa ser factual, o importante é confirmar um ponto de vista do que se acredita, independentemente de ser comprovado ou não. Em razão de checar a veracidade das notícias/informações na mídia, criam-se, no jornalismo, as agências de checagem de fatos, Facts-Checking, que embora permitam a análise mais profunda do que seriam consideradas notícias falsas, também permitem talvez uma armadilha, determinando a alguém ou a um grupo de pessoas o poder definitivo de dizer o que são os fatos. É, então, neste cenário, que a “pós-verdade” se instaura no advento das redes sociais como mais um recurso discursivo para a manipulação de massa.

Mediante as informações apresentadas, o intuito deste artigo é apresentar as estratégias discursivas de manipulação presentes na produção da fake news do “kit gay”, dirigida ao candidato à presidência Fernando Haddad, no período da eleição presidencial no Brasil, em 2018. Além disso, ao investigar como a pós-verdade se sustenta na prática discursiva de uso das redes sociais, serão identificados os elementos que revelam a manipulação nos recursos discursivos por trás da fake news em análise. Para isso, parte-se da ideia de que o discurso é uma forma de ação e interação, é histórico e realiza um trabalho ideológico (VAN DIJK, 2008b). Diante de tal afirmação, acreditamos ser necessário, então, analisar o discurso como objeto sócio-histórico e linguístico, para compreender o indivíduo e o seu contexto histórico. Nesse sentido, busca-se entender o momento atual a partir do uso desenfreado da tecnologia como mediadora no processo de produção e recepção de discursos.

Inserido na perspectiva da Análise Crítica do Discurso, o artigo traz, no que tange ao referencial teórico sobre discurso, VAN DIJK (2008b, 2009), e D’ANCONA (2018), sobre o conceito de pós-verdade. Para se trabalhar com o que é proposto pelo artigo, em razão do material para análise, foram realizados recortes da rede social Facebook, relacionados ao campo da política. Foi selecionado um corpus geral, a partir dos dados coletados, e, em seguida, um corpus mais específico para ser exposto na análise deste trabalho.

1. Fundamentação teórica

1.1. Quanto à origem do termo pós-verdade

Considerada a palavra do ano 2016 pelo Oxford Dicitionaries, que a define como “circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”2, a pós-verdade, ou post-truth, está intimamente ligada ao contexto político. A repercussão midiática que conquistou a vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos e a campanha próspera do Brexit3, movimento ligado à saída da Grã-Bretanha da União Europeia, são marcos originários do mesmo ano em que a palavra ganhou destaque.

Voltando à etimologia da palavra, o prefixo pós relacionado ao vocábulo, que em um entendimento consensual estaria ligado a um momento posterior, teria mais significado, na verdade, relacionando-o a um tempo em que a especificidade dos conceitos se tornou irrelevante. No livro “Pós-Verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news”, do jornalista Matthew D’Ancona (2018), o autor define o ano de 2016 como sendo a era da pós-verdade: “Para tudo há um tempo: 1968 teve início a grande revolução da liberdade pessoal e o desejo pelo progresso social; 1989 será lembrado pelo colapso do totalitarismo; e 2016 foi o ano que lançou a era da ‘pós-verdade’ de forma definitiva” (D’ANCONA, 2018, p. 19).

Sua exata origem etimológica é contestada, embora se tenha um consenso do uso do termo em 1992, na revista The Nation, em que o dramaturgo sérvio-norte-americano Steve Tesich escreveu um artigo sobre o escandaloso caso do Irão- Contras e a Guerra do Golfo, em que lamenta:

Todos os ditadores até agora tiveram de trabalhar duro para suprimir a verdade. Por meio de nossas ações, estamos dizendo que isso não é mais necessário, que adquirimos um mecanismo espiritual capaz de despojar a verdade de qualquer significado. De uma maneira bastante radical, como povo livre, decidimos livremente que queremos viver em um mundo da pós-verdade. (TESICH apud D’ANCONA, 2018, p. 21.).

Mesmo havendo um consenso da primeira utilização do termo por Steve, há indícios de a expressão “pós-verdade” ter sido usada antes do seu artigo, mas, aparentemente, com o sentido transparente de “após a verdade ter sido conhecida” e não com a nova aplicação de que a verdade em si se tornou irrelevante. Sobre a expressão, há também uma relação da origem da palavra com o relativismo da pós-modernidade – que se afasta da verdade como elemento objetivo – revelando um pensamento partilhado pelo Ocidente em crise de valores.

É nesse sentido que há uma clara tentativa de busca pela descolonização da verdade e da informação por qualquer instrumentalização de poder. É preciso analisar como se configura a verdade no escopo social e como essa construção ganha novos contornos com a pós-modernidade.

1.2. Fake News são notícias falsas?

Mentir não é algo novo para a humanidade. Nesse sentido, dizer que as notícias falsas sempre existiram também não é nenhuma novidade em nosso meio. A grande diferença está no contexto de produção dessas mentiras. O momento atual se constitui por novas tecnologias que possibilitam a comunicação em rede e de forma acelerada. A interação se dá em larga escala e o compartilhamento de mentiras também.

No artigo The science of fake news (A ciência da fake news), publicado na Revista Science de 2018, define-se fake news como:

a fabricação de informações que imitam o conteúdo de mídia na forma, mas não no processo ou na intenção da organização. Os canais de notícias falsas, por sua vez, não têm as normas editoriais e os processos da mídia para garantir a precisão e a credibilidade das informações. As notícias falsas se sobrepõem a outros distúrbios de informação, como informações falsas (informações falsas ou enganosas) e desinformação (informações falsas que são propositadamente divulgadas para enganar as pessoas) (LAZER et al, 2018, p. 2).

Levando em consideração a íntima relação da fake news com a pós-verdade, existe, na disseminação dessas “notícias”, a questão da heterogeneidade discursiva, ou seja, os vários discursos compõem uma rede que passa pela questão do contexto e da história. É nesse sentido que uma poderosa arma do nosso século XXI estabelece a venda dessas informações na clara tentativa de favorecer determinado indivíduo em detrimento de outro. Há lucros por trás de “afirmações médicas não científicas, teorias excêntricas, visões imaginárias de discos voadores ou de Jesus” (D’ANCONA, 2018). Essas declarações irresponsáveis a respeito das divulgações falsas são caracterizadas pela própria materialidade do meio, “pois na mídia social, o anonimato reduz drasticamente a responsabilização” (D’ANCONA, 2018, p. 54).

É no fluxo de informação cada vez mais disperso que as notícias falsas se estabelecem, vivemos, atualmente, mergulhados em bolhas de consumo daquilo que gostamos ou que nos parece familiar. O oposto a isso, ao que for aprovado por nós, é excluído. É o que D’ancona aborda:

É aquilo que os algoritmos se destinam a fazer: conectar-nos com as coisas que gostamos, ou podemos vir a gostar. Trata-se de algo bastante responsivo ao gosto pessoal e — até agora — bastante cego à veracidade. A web é o vetor definitivo da pós-verdade, exatamente porque é indiferente à mentira, à honestidade e à diferença entre os dois. (D’ANCONA, 2018, p. 55).

Se 2016 já havia sido um terreno fértil para as fake news nas eleições para presidência dos Estados Unidos, chegando, inclusive, a ter a palavra post-truth dicionarizada como palavra do ano pela Oxford – em 2018, nas eleições para presidência do Brasil, elas se tornaram tão poderosas que podem ter tido grande influência nos resultados. Jair Bolsonaro, candidato eleito presidente do partido PSL, foi envolvido em denúncias de prática de Caixa 2, investigadas pela Folha de São Paulo, em que empresas estariam financiando a divulgação de fake news contra o candidato do PT, Fernando Haddad, por WhatsApp, ainda no período eleitoral.4

A prática denunciada tratava-se de um pacote de mensagens de disparo automático contra o PT, chegando a um valor de 12 milhões de reais, tendo a Havan como uma das empresas compradoras. A assessoria do aplicativo WhatsApp posicionou-se sobre o assunto e trabalhou no fechamento de centenas de contas durante o período das eleições5. Em contrapartida, a campanha de Fernando Haddad foi multada pelo TSE por estar envolvida no pagamento da Google para impulsionar conteúdo negativo do então candidato Bolsonaro. Foi concluído que, das 123 fake news encontradas por agências de checagem, 103 beneficiaram Bolsonaro.

As fake news realmente se tornaram palco central das eleições de 2018 no Brasil, característica semelhante às eleições dos EUA, em 2016, na qual uma das notícias falsas divulgadas afirmou que Hillary Clinton, candidata adversária de Donald Trump, estava no centro de uma conspiração de pedófilos. Isso possivelmente chegou a convencer um jovem de 28 anos, Edgar Maddison Welch, de Salisbury, na Carolina do Norte, o qual, movido pela notícia falsa, disparou tiros de fuzil em uma pizzaria, em Washington6. Essa é uma das tantas outras notícias falsas que ameaçaram inclusive até a saúde da população mundial.

A produção e veiculação de fake news chega a atingir o nível social de forma brusca, prejudicando, inclusive, a vida em sociedade no respeito às diferenças, à saúde pública e à prática democrática. Após o que foi abordado, fica claro que as fake news são veiculadas principalmente pelas redes sociais, o que torna imprescindível compreender como essa ferramenta funciona no processo interacional.

1.3. O Discurso e a Manipulação: a chave para a compreensão da pós-verdade no discurso

O discurso para van Dijk (2008b) se refere às formas de ação e interação social, situadas em contextos sociais dos quais os participantes são também atores sociais. Sabendo disso, o autor afirma que se necessita de um enfoque analítico do discurso porque a maior parte da manipulação realiza-se mediante texto oral ou escrito. Para van Dijk (2009), a manipulação se realiza no discurso em um sentido amplo, pois inclui características não verbais, como gestos corporais, faciais, formatos de textos, quadros, música, som, etc. Nesse sentido, o autor ainda pontua:

Tal como se sugeriu, a manipulação, como a entenderemos aqui, é uma prática comunicativa e interacional na qual o manipulador exerce controle sobre outras pessoas, geralmente contra a vontade ou contra os interesses delas. [...] o conceito de manipulação tem associações negativas – manipulação é má - porque tais práticas transgridem as práticas sociais. (VAN DIJK, 2009, p. 14).

A partir disso, sabe-se que a manipulação não somente envolve poder, mas abuso de poder, portanto, dominação. De acordo com o autor, a prática de manipulação implica uma influência ilegítima através do discurso, pois os manipuladores fazem com que os manipulados sejam prejudicados enquanto favorecem seus manipuladores. Nesse sentido, a manipulação difere da persuasão, pois, em relação à persuasão, os interlocutores são livres para acreditar ou atuar como melhor lhes pareça, aceitando ou não os argumentos de quem os persuade; enquanto que, na manipulação aos receptores, lhes é destinado, tipicamente, um papel mais passivo: são vítimas da manipulação. De maneira geral, a persuasão está no terreno das emoções, mas se relaciona ao convencimento, pois é uma estratégia de comunicação que se utiliza de recursos lógicos, racionais ou simbólicos para a adesão de uma ideia ou uma atitude. Relaciona-se, portanto, a uma maneira emotiva de exibir um pensamento lógico, convencendo ou não o interlocutor.

A consequência negativa do discurso manipulativo ocorre normalmente quando os receptores não são capazes de compreender as reais intenções ou perceber as reais consequências das crenças ou ações defendidas pelo autor. Nesse sentido, os receptores não possuem o conhecimento específico para resistir à manipulação. É, portanto, que uma das características da manipulação inclui poder e dominação, e poder envolve controle. Esse controle é antes o controle da mente, ou seja, das crenças dos receptores e, indiretamente, um controle das ações dos receptores baseadas nessas crenças manipuladas. Para exercer esse controle, contudo, os atores sociais necessitam, em primeiro lugar, satisfazer certos critérios pessoais e sociais que lhes permitam influir sobre os outros:

As condições sociais para o controle manipulativo, por isso, devem ser formuladas com base no grupo a que pertencem, na posição institucional, na profissão, nos recursos materiais ou simbólicos e em outros fatores que definem o poder dos grupos ou seus membros. Assim, os pais podem manipular seus filhos devido a sua posição de poder e autoridade na família, um professor pode manipular seus alunos devido a sua posição institucional ou sua profissão e por seu conhecimento, e o mesmo sucede com os políticos que manipulam os eleitores ou jornalistas que manipulam os receptores dos discursos dos meios. Isso não significa que as crianças não possam manipular seus pais ou os estudantes manipular seus professores mas isso não se deve a sua posição de poder, mas sim como uma forma de oposição ou desacordo, ou baseada em características pessoais. (VAN DIJK, 2009, p. 16).

Partindo desse pressuposto, para poder estar em condições de manipular outros indivíduos, a partir de textos orais ou escritos, é preciso ter acesso a alguma forma de discurso público, como debates parlamentares, notícias, artigos de opinião, textos de estudo, artigos científicos, novelas, programas de televisão, propaganda, internet, etc. E esse acesso e controle dependem do poder de um grupo (instituição, profissão, etc.) e o constituem. Nesse sentido, o discurso público é ao mesmo tempo um meio de reprodução social desse poder. Um exemplo disso é visto nos políticos, que podem exercer seu poder através do discurso público, podendo confirmar e reproduzir seu poder político através do discurso.

A manipulação é uma das práticas discursivas dos grupos dominantes orientada à reprodução de seu poder, podendo fazê-la de muitas maneiras. O autor aborda que as maneiras são pela persuasão, pela veiculação de informação, pela educação, pela instrução e outras práticas sociais que têm como objetivo influir no conhecimento, (indiretamente) nas ações dos receptores e em suas crenças. Como já foi dito, manipular as pessoas está relacionado a manipular suas mentes; nesse sentido, manipular seus conhecimentos, opiniões, ideologias, que, necessariamente, controlam suas ações. Para van Dijk (2008b), a ideologia é uma forma de cognição social, em que “é uma estrutura cognitiva complexa que controla a formação, transformação e aplicação de outros tipos de cognição social, tais como o conhecimento, as opiniões e as posturas, e de representações sociais, como os preconceitos sociais” (VAN DIJK, 2008b, p. 48).

Levando isso em consideração, o discurso em geral e o discurso manipulativo em particular misturam o processamento da informação na Memória de Curto Prazo (MCP), resultando na “compreensão” (de palavra, orações, frases, enunciados e sinais não verbais); por exemplo, em termos dos significados proposicionais ou ações. É, pois, um processamento estratégico, pois há o imediatismo (on-line), dirigido a um fim, agindo nos diferentes níveis da estrutura do discurso (VAN DIJK, 2009).

É nesse sentido, que a manipulação baseada na MCP acontece, de forma instantânea (on-line), afetando o processo estratégico para a compreensão de discursos específicos. Porém, na maioria das vezes, a manipulação se relaciona a resultados mais estáveis, centrando-se na Memória de Longo Prazo (MLP), ou seja, no conhecimento, nas atitudes e nas ideologias, algo mais fixo, em que fazem parte da MLP as lembranças pessoais que definem nossa história e nossas experiências de vida7, representações que tradicionalmente se associam à memória “episódica” (TULVING, 1983 apud VAN DIJK, 2009). A partir dessa abordagem, compreender uma notícia ou um conto implica a construção de um similar modelo mental (subjetivo) por parte dos receptores:

Na memória episódica a compreensão de um texto ou enunciado se relaciona, dessa fora, com modelos mais completos de experiências. A compreensão não consiste da associação de significados e palavras, orações ou discursos, mais sim na construção de modelos mentais na memória episódica, que incluem nossas próprias opiniões e emoções associadas com um evento ouvido ou lido. (VAN DIJK, 2009, p. 22).

Para que os receptores entendam os discursos como os manipuladores desejam, é preciso que os receptores formem o modelo mental pretendido pelos manipuladores, para, então, restringir a liberdade de interpretação, ou a probabilidade de entendimento do discurso em um sentido contrário ao interesse do manipulador. É por este motivo que age a ativação de modelos “preferidos”. Para a criação desses modelos nos receptores, a estratégia recai, na maioria das vezes em enfatizar modelos de representação positiva sobre o manipulador (as suas boas ações) e desenfatizar discursivamente o que não for do interesse do manipulador (as suas más ações).

É nesse sentido, que, em muitos casos de estupro no Brasil, por exemplo, culpa-se a vítima, pois, segundo van Dijk, “Culpar a vítima, assim, é uma das formas que o grupo dominante discursivamente influencia os modelos mentais dos receptores, por exemplo, mediante a retribuição da responsabilidade das ações a favor de seus próprios interesses.” (VAN DIJK, 2009, p. 23). Isso se torna mais visível quando tomamos como exemplo as informações falsas a respeito da Deputada Marielle Franco do PSOL-RJ, que foi culpada por sua própria morte. Logo, pode-se entender como uma tentativa de silenciamento de algo de uma proporção maior e que envolvia as relações de poder existentes.

Ainda sobre a criação de modelos mentais, a forma mais influente de manipulação não se centra na criação de modelos mentais preferidos específicos, mas sim em conhecimentos abstratos mais gerais, como saberes, atitudes e ideologias:

Para que os receptores entendam os discursos como os manipuladores desejam, é preciso que os receptores formem o modelo mental pretendido pelos manipuladores, para, então, restringir a liberdade de interpretação, ou a probabilidade de entendimento do discurso em um sentido contrário ao interesse do manipulador. É por este motivo que age a ativação de modelos “preferidos”. Para a criação desses modelos nos receptores, a estratégia recai, na maioria das vezes em enfatizar modelos de representação positiva sobre o manipulador (as suas boas ações) e desenfatizar discursivamente o que não for do interesse do manipulador (as suas más ações).

É nesse sentido, que, em muitos casos de estupro no Brasil, por exemplo, culpa-se a vítima, pois, segundo van Dijk, “Culpar a vítima, assim, é uma das formas que o grupo dominante discursivamente influencia os modelos mentais dos receptores, por exemplo, mediante a retribuição da responsabilidade das ações a favor de seus próprios interesses.” (VAN DIJK, 2009, p. 23). Isso se torna mais visível quando tomamos como exemplo as informações falsas a respeito da Deputada Marielle Franco do PSOL-RJ, que foi culpada por sua própria morte. Logo, pode-se entender como uma tentativa de silenciamento de algo de uma proporção maior e que envolvia as relações de poder existentes.

Ainda sobre a criação de modelos mentais, a forma mais influente de manipulação não se centra na criação de modelos mentais preferidos específicos, mas sim em conhecimentos abstratos mais gerais, como saberes, atitudes e ideologias:

Partindo dessas questões, é que van Dijk pontua que a manipulação se dirige à formação ou modificação de representações sociais compartilhadas mais gerais – tais como atitudes e ideologias – sobre temas sociais importantes. A MLP não só armazena as experiências pessoais subjetivas como também as crenças socialmente compartilhadas mais gerais, permanentes e estáveis, às vezes dominadas por “representações sociais”. O conhecimento sociocultural é formado de um núcleo de crenças que permite aos indivíduos atuarem, interagirem e se comunicarem, e, portanto, as representações sociais que estão ligadas à construção de modelos mentais formados são adquiridas ao longo da vida. Mesmo sendo possível de serem, essa reconstrução não acontece da noite para o dia, pois é um processo complexo, por isso, o dever de intervir para impedir a construção de modelos mentais que não respeitem as diferenças e não sejam democráticos.

1.3.1. As Estratégias discursivas para análise do discurso manipulador

Sobre as estruturas discursivas gerais que se fazem presentes nos discursos manipuladores, é possível detectar em van Dijk (2009) as estratégias:

a) Estratégias gerais de interação: Autoapresentação positiva e apresentação negativa dos outros;

b) Macroatos de fala que implicam nossas “boas” ações e suas “más” ações, por exemplo, acusação, defesa;

c) Macroestruturas semânticas: seleção de tópicos: (des)enfatizar os tópicos negativos/positivos sobre Nós/Eles;

d) Atos de fala locais que implementam e apoiam os globais, isto é, afirmações que provam as acusações;

e) Significados locais: Nossas/Suas ações positivas/negativas: dar muitos/poucos detalhes; ser geral/específico; ser vago/preciso; ser explicito/implícito; etc.;

f) Léxico: seleção de palavras positivas para Nós e negativas para Eles;

g) Sintaxe local: orações ativas vs. passivas, nominalizações: (des)enfatizar Nossa/Sua agentivização e responsabilidade positiva/negativa;

h) Figuras retóricas: hipérboles vs. eufemismos para significados positivos/negativos; metonímias e metáforas que enfatizam Nossas/Suas propriedades positivas/negativas;

i) Expressões: sonoras e visuais: enfatizar (forte, etc.; grande, negritos, etc.) significados positivos/negativos; ordenar (no início, no final; acima, abaixo, etc.) significados positivos/negativos.

Essas estratégias serão apresentadas mais adiante, na parte de análise das fake news selecionadas.

2. Métodos

2.1. Da Escolha do corpus e da justificativa

Levando em consideração os pressupostos teóricos apresentados e buscando atingir os objetivos propostos no trabalho, os materiais coletados para a investigação fazem parte das notícias falsas divulgadas na rede social Facebook, no período das eleições do Brasil para a escolha do novo presidente, em 2018. Foram selecionadas, em um primeiro momento, fake news, as quais, segundo o jornal El País, foram consideradas como as fake news que mais beneficiaram a candidatura de Bolsonaro, na reta final de sua campanha presidencial.8

A justificativa para tal escolha está estabelecida levando em consideração o aspecto teórico das Estruturas Discursivas para a Manipulação de van Dijk (2009), podendo ser verificadas as estruturas no contexto político das campanhas presidenciais das eleições de 2018 e a larga utilização das fake news que colaboraram para a campanha presidencial do candidato Bolsonaro.

Um aspecto importante verificado nessa seleção diz respeito à massiva utilização de um dos aspectos apresentados no capítulo anterior, que diz respeito às estruturas discursivas da manipulação: o aspecto da autoapresentação positiva e apresentação negativa do outro candidato. Esse também foi um ponto decisivo na escolha do material, tendo em vista a especificidade do trabalho. Além disso, o material selecionado foi um dos que teve maior repercussão nas redes sociais quanto à imagem do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) Fernando Haddad.

A rede social escolhida para a coleta da fake news foi o Facebook, considerada como a segunda rede social mais utilizada nas eleições brasileiras de 2018, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha, com um número de 57% de eleitores usuários e com 22% compartilhando notícias sobre política e eleição.

3. Da análise

3.1. Contextualização

A eleição presidencial do Brasil em 2018 teve dois turnos. No segundo turno, concorreram à candidatura Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), este eleito como candidato à presidência, juntamente com seu vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), empossados em 1 de janeiro de 2019, com mandato de 4 anos.

A eleição presidencial de 2018 contou com algumas regras diferentes das eleições anteriores. Houve a vedação do financiamento empresarial dos candidatos e uma campanha eleitoral menor. O espaço que mais se destacou foi o da internet, mediante liberação da arrecadação de financiamento coletivo. Se por um lado a internet proporcionou mais interação na eleição de 2018, a mesma também foi o grande foco de difusão de fake news nas campanhas presidenciais, sendo motivo de preocupação no andamento do processo eleitoral.

Um aspecto interessante a ser abordado foi justamente a saída do candidato e ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, o qual o Partido dos Trabalhadores (PT) tinha oficializado a candidatura. O ex-presidente foi preso por corrupção e lavagem de dinheiro, tendo a candidatura interferida pelo TSE pela condenação em segunda instância, não podendo ser candidato por ter violado, segundo a justiça, os dispositivos para ser considerável elegível segundo a Lei da Ficha Limpa. Nesse sentido, o vice foi escolhido para ocupar o seu lugar; assim Fernando Haddad (PT) foi o candidato à presidência escolhido, tendo Manuela d’Ávila como vice-presidente.

Há de se constatar o terreno conturbado por qual a eleição de 2018 estava erigida. As denúncias de corrupção direcionadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) – que teve um de seus maiores expoentes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o qual tinha grandes chances de ganhar a eleição – consideravam Lula como o principal alvo de ataques contra o partido. Estava erguido um terreno de repúdio ao PT, que, devido aos fatos recorrentes, tinha sido alvo de ser o causador da corrupção brasileira. Um tipo de ódio ao PT deu lugar à cena da eleição, o que corroborou para os milhares de ataques de fake news direcionados aos candidatos do partido.

Sabe-se, porém, que a decisão, tanto do impeachment da ex-presidente Dilma e a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm caráter duvidoso alegado por seus apoiadores, que inclusive afirmam ter sido um plano para impedir a candidatura à presidência do PT; mas esse aspecto não será trabalhado na pesquisa. Na verdade, isso foi um dos agravantes de tensão existente entre os apoiadores do PT e os que não os apoiavam.

O candidato que vinha roubando a cena populista da eleição foi o então presidente Jair Messias Bolsonaro (PSL), o qual, por manter declarações que atingiam à esquerda, às minorias, como os LGBTs, as mulheres, os negros, os indígenas, os refugiados, e por ter afirmado a tortura como legítima, além da defesa da Ditadura Militar e a promessa de liberação do porte de armas, foi ganhando milhares de adeptos. Jair Bolsonaro expunha uma postura autoritária e foi o décimo militar a chegar à presidência da República, sendo o primeiro, desde o início da Nova República. As eleições de 2018 também foram tomadas por protestos como o #Elenão, que era contra o candidato Jair Bolsonaro, e os protestos #Elesim, a favor do atual presidente. Pode-se verificar que o cenário das eleições 2018 no Brasil não foi nada tranquilo.

4.2. Resultados e Discussões

A fake news utilizada para análise mais específica, que constitui o nosso corpus restrito, circulou pelo Facebook em 2018, chegando a ter, na ocasião, 63.793 mil compartilhamentos. A fake news retratada é a que está presente na figura seguinte:9

Figure 1. Figura 1: Fake News do “kit gay”. Fonte: Aos Fatos, 2018.

Para a análise da fake news acima serão utilizados como categorias de análise os conceitos teórico-metodológico apresentados por Van Dijk (2009), que erigem as estratégias discursivas utilizadas na manipulação, expostas no tópico 1.3.1 desta pesquisa.

Em um primeiro momento, pode-se concluir que a fake news divulgada pela rede social é composta por linguagem verbal e não verbal. Tem como alvo o candidato à presidência da República Fernando Haddad, do PT. No texto, escrito no espaço de comentário da postagem, que chamo aqui como uma espécie de para-texto (um texto que dá apoio a outro texto), lemos o seguinte: “Se ele criou o “kit gay” para crianças de 6 anos de idade como ministro da Educação de Lula imagine a imoralidade que esse homem faria como presidente do nosso país. Contra um governo imoral e em favor do futuro de nossas Crianças Haddad você tem meu Desprezo!!!! #EleJamais”.

Não iremos nos ater a esse texto do comentário da publicação, mas ao texto destacado na imagem, utilizado a nosso ver com semelhanças de uma manchete de notícia, em letras grandes e de cor amarela, que chamam a atenção dos leitores. Nele, lemos a seguinte frase: “Se você defende as crianças não vote nele/ Haddad é o criador do “kit gay” para crianças de 6 anos”. Em relação à linguagem não verbal utilizada na postagem, deparamo-nos com uma imagem de Fernando Haddad com uma fisionomia séria, mas com ar misterioso, provocado pela utilização de manchas negras na foto, ficando apenas disponível a imagem de seu rosto no centro da publicação e envolta nos textos verbais.

Depois dessa primeira observação superficial, vale voltarmos agora para compreendê-la a partir do que foi tomado aqui como categorias de análise: as estratégias discursivas para a manipulação. Antes disso, é preciso contextualizar o que está exposto nessa fake news a respeito do termo “kit gay” utilizado.

No jornal G1 de notícias da Globo.com, na seção Fato ou Fake, foi divulgado, no dia 16 de outubro de 2018 que era fake a associação de Fernando Haddad (PT) à criação do “kit gay” para crianças de 6 anos. O Tribunal Superior Eleitoral havia mandado o candidato Jair Bolsonaro remover os vídeos da internet por estar gerando desinformação e prejudicando o debate político. Estavam circulando pelas redes sociais vídeos, fotos e textos que estavam atribuindo ao candidato à origem do Kit.

O chamado “kit gay” fazia parte do projeto Escola Sem Homofobia, que estava dentro do programa Brasil sem Homofobia, do Governo Federal desde 2004. Esse projeto era voltado à formação dos educadores, não tendo a previsão de distribuição do material para os alunos. Esse programa também não chegou a ser colocado em prática. O kit fora elaborado por profissionais da educação, por gestores e representantes da sociedade civil, e era composto por um caderno, uma série de seis boletins, cartaz, cartas de apresentação para gestores e educadores e três vídeos. No entanto, a distribuição do material foi suspensa em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff, não chegando a ser indicado nas listas oficiais de material didático.

Essa acusação da suposta criação do “kit gay” por Fernando Haddad tem origem da declaração de Bolsonaro em agosto de 2018, quando participou da entrevista realizada pelo Jornal Nacional, da TV Globo, e também do Jornal das 10h, da Globo News. Na entrevista, Bolsonaro afirma que, junto ao lançamento do “kit gay”, estava o livro chamado de Aparelho Sexual e Cia – um guia inusitado para crianças descoladas. Além disso, afirma que esse Kit e livros estariam nas escolas públicas nacionais. Sabe-se que essa obra não estava presente na proposta do projeto “kit gay” e era de autoria do suíço Phillipe Chappuis, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

Após essa primeira contextualização acerca do material analisado, voltemos aos aspectos verbais encontrados no texto. Para analisar o texto principal da publicação, reproduziremos novamente a seguinte frase “Se você defende as crianças não vote nele/ Haddad é o criador do “kit gay” para crianças de 6 anos”. Em relação à primeira estratégia discursiva para a manipulação que se refere às Estratégias gerais de interação (Autoapresentação positiva e apresentação negativa dos outros), verificamos nesse texto uma autoapresentação positiva de quem está publicando ou também de quem é contra o candidato à presidente, definindo-se como defensor(a) de crianças, e uma apresentação negativa de Fernando Haddad, como o criador do “kit gay”, visto como um vilão e contra as crianças.

Em relação aos macroatos de fala, verifica-se a “boa” ação em destaque, que seria não votar em Fernando Haddad e defender as crianças contra o “kit gay”, e a “má” ação, que seria a criação do “kit gay” por Fernando Haddad e a votação no candidato. Sobre os atos de fala locais que implementam e apoiam os globais, ou seja, as afirmações que provam as acusações, essa publicação, a partir da afirmação “Haddad é o criador do “kit gay” para crianças de 6 anos”, faz relação com o aspecto global anteriormente apontado por Bolsonaro sobre o “kit gay”, afirmando a acusação.

Sobre os significados locais, é perceptível a questão da nossa ação positiva: não votar nele (Haddad) e defender as crianças, e a sua ação negativa seria ser o criador de “kit gay”, sendo, portanto, contra as crianças. Percebe-se como essa estratégia é manipuladora no momento em que coloca como centro a defesa das crianças – seria muito chocante alguém ser contra seres indefesos. O par geral/específico também pode ser percebido quando se coloca de um lado a defesa das crianças em um sentido geral, e do outro lado a especificidade da criação do kit. Em relação à seleção de palavras positivas para Nós e negativas para Eles, percebe-se que as palavras “defende”, “crianças” apresentam o lado positivo, já a palavra “criador”, “kit gay”, assumem uma carga negativa anteposto a “crianças de 6 anos”, pois Haddad é encarado a realizar uma ação negativa e ser contra as crianças.

Na imagem que acompanha o texto, vemos uma foto de Fernando Haddad na presença de textos em negrito. Na parte superior que leva a frase “Se você defende as crianças não vote nele”, a cor que se faz presente é o branco, já na frase que ganha destaque em amarelo, a frase “Haddad é o criador do “kit gay” para crianças de 6 anos” é enfatizada. Na foto, que está entrecortada por duas marcas pretas que carregam os textos, Haddad apresenta fisionomia não muito confortável, o que parece atestar as informações que estão colocadas na imagem.

A posição dos textos também carrega um par positivo e negativo: a ordem da frase acima está relacionada ao aspecto positivo dos que são contra Haddad e defendem as crianças, e a frase abaixo, ao aspecto negativo relacionado a Fernando Haddad, fazendo com que o olhar seja direcionado à frase que ganha destaque e à imagem central, acusando o candidato. Esses métodos, a nosso ver, ativam, elaboram e reelaboram possíveis modelos mentais, os quais confirmam a imagem negativa do candidato Fernando Haddad e a imagem positiva de quem está publicando a notícia e é contra o candidato. Pode-se verificar as estratégias apresentadas na tabela abaixo.

Polarização ideológica Nós/protetores das crianças; Eles/ameaça à proteção das crianças.
Autoapresentação positiva por superioridade moral defende as crianças, e a sociedade, no sentido geral, do uso do “kit gay”.
Macroatos de fala que implicam Nossas “boas” ações e Suas “más” ações a “boa” ação seria a defesa das crianças e a “má” ação, a criação do “kit gay” por Fernando Haddad.
Atos de fala locais que implementam e apoiam os globais, isto é, afirmações que provam as acusações a “boa” ação seria a defesa das crianças e a “má” ação, a criação do “kit gay” por Fernando Haddad.
Léxico: seleção de palavras positivas para Nós e negativas para Eles Nós/defende e Eles/ “kit gay”/criou.
Sintaxe local nominalizações Nós/defende e Eles/ “kit gay”/criou.
Expressões: sonoras e visuais Imagem, texto em negrito, letras grandes, destaque em amarelo; posição: Nós/superior, Eles/inferior; significados positivos/negativos.
Table 1. Tabela 1: Estratégias Discursivas Detectadas na Fake News.

É perceptível o constante par Bem e Mal representados, respectivamente, entre os eleitores que não votam em Fernando Haddad e o próprio candidato. Pode-se concluir também que, em síntese, implicitamente, os eleitores que votarem em Fernando Haddad são diretamente acusados de irem contra as crianças e que apoiam o “kit gay”. É imprescindível destacar a carga homofóbica que esta exposição e relação carregam, visto como ameaça à proteção das crianças, e situando-se, por isso, estando no par negativo em relação às estratégias de manipulação discursiva. Sabendo o que se propõe, o projeto mal interpretado e pouco conhecido, pode-se perceber mais uma maneira de reprodução de preconceito.

É preciso pontuar também a linguagem utilizada na primeira frase, que surge como uma convocação, um chamamento, algo bem característico de propagandas, envolvendo o interlocutor no discurso, e utilizando o verbo no imperativo negativo direcionando à ação de não votar no candidato em questão (“não vote nele”). A linguagem persuasiva utilizada na frase “Se você defende as crianças não vote nele” em destaque tem um propósito: o convencimento do interlocutor, para atuar no pensamento e no agir deste leitor. É nesse sentido, que o persuadido aceita a ideia, credibilizando o conteúdo recebido, e relacionando-o com o fato exposto superficialmente por Bolsonaro na entrevista do Jornal Nacional. A credibilidade entra quando essa informação é tomada sem a busca pela confirmação em outros meios de informação.

Como foi visto, esse exemplo de fake news não apresenta todas as estratégias do discurso manipulativo, porém isso não invalida sua carga manipulativa, centrada nos aspectos anteriormente apontados. Resumidamente, os eleitores das eleições do Brasil em 2018 foram às principais “vítimas” das fake news, levando em consideração que foram manipulados por quem criou e veiculou essas notícias. Ao aderirem ao discurso apresentado, são manipulados para que aceitem a visão deturpada sobre o candidato Fernando Haddad e sobre o projeto Escola Sem Homofobia.

4. Considerações finais

Este artigo tomou como base a realização de um aprofundamento em relação ao fenômeno da pós-verdade no mundo contemporâneo e, em que medida, as produções de fake news utilizam estratégias discursivas para a manipulação da informação no intuito de sustentar as relações de poder estabelecidas. Ele teve como foco a influência das fake news nas eleições presidenciais do Brasil em 2018.

Na tentativa de compreender melhor o fenômeno da pós-verdade e as produções de fake news, foi realizado um apanhado a respeito do conceito de pós-verdade, um aprofundamento maior a respeito das fake news, buscando delinear sua estrutura e conceito. Além disso, foi realizado um aprofundamento sobre discurso e manipulação, utilizando como categorias de análise para a fake news selecionada as Estratégias Discursivas para a manipulação de van Dijk (2009).

Sobre a análise, especificamente, foram identificados, dentro das estratégias de manipulação, a utilização de polarização ideológica, autoapresentação positiva, macroatos de fala, atos de fala locais que implementam e apoiam os globais, nominalizações (sintaxe local), expressões visuais e seleção de léxico específica. Verificou-se que as estratégias discursivas utilizadas corroboram para que as “vítimas” da manipulação aceitem o discurso veiculado. Mesmo obtendo os argumentos que inviabilizam a publicação, essas informações não chegam a quem se coloca como receptor da informação falsa, fazendo com que se construam modelos mentais que colaboram com a manutenção das relações de poder estabelecidas na sociedade.

How to Cite

MELO, I. K. S. de. The post-truth in social networks as a discursive resource for mass manipulation . Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 4, p. 01–19, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n4.id257. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/257. Acesso em: 25 apr. 2024.

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