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Research Report

Fake News: emotions as a discursive strategy

Marta Aparecida Paulo Ferreira

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-0622-3147


Keywords

pathos
fake news
discursive strategies
misinformation
emotions

Abstract

Digital technologies have enabled man to democratize knowledge and information, however exposing him to a multitude of misinformation, that is, fake news. In the academic context, they are publications that go viral on social networks based on demonstrably false information, in a format that simulates the journalistic style to deceive the public, hiding their authorship. This article aims to analyze emotions as discursive strategies to obtain possible persuasive effects in fake news. In addition, it aims to contribute to studies on fake news / misinformation, emphasizing the importance of pathos in the construction of discursive strategies. For this purpose, we selected, as a corpus, the misinformation checked by the Ministry of Health's “Saúde sem Fake News” portal, regarding vaccines and cancer. We will adopt, as a theoretical contribution, the semiolinguistic theory and the modes of discourse organization, in addition to the concept of pathos by Charaudeau (2015), more precisely “the view of pathos, which consists of 'making you feel', that is, it causes a pleasant or unpleasant emotional state in the other ”(Ibid., p.69). And yet, in order to conceptualize fake news, we based on Frias (2018), Genesini (2018), Ferrari (2018), Santaella (2018) and Wardle and Derakhshan (2017). The results of the analysis show that the misinformation built in order to reach the emotion of the interlocutor are more likely to persuade him, leading him not only to believe the false content but also to share it.

Introdução

Nos últimos anos, as fake news passaram a ocupar posição central nas narrativas, o que é preocupante, pois podem nos afetar diretamente ou indiretamente. Trata-se de publicações que viralizam em redes sociais, baseadas em informações falsas, descontextualizadas ou antigas, com um formato que simula o estilo jornalístico para enganar o público, sem mencionar seu locutor. Por essa razão, identificar as fake news não é tarefa fácil. Elas reafirmam crenças e posicionamentos políticos e ideológicos e, via de regra, são compartilhadas por pessoas conhecidas, contribuindo para que não se desconfie de sua veracidade. A busca por notícias que venham ao encontro do que o usuário/leitor acredita, ou seja, por algo que comprove suas crenças, reforça o “viés de confirmação”, denominado pelos psicólogos cognitivos como “a tendência que nós temos de aceitar as informações que dão suporte a nossas crenças e de rejeitar aquelas que as contradizem”. (PEROSA, 2017, p. 3).

Diante desse cenário, faz-se necessário o estudo acerca desse tão complexo fenômeno que se propaga vertiginosamente em nossa sociedade, sobre o qual tratamos na pesquisa aqui apresentada, cujo objetivo é analisar as emoções como estratégias discursivas que contribuem para a afirmação da notícia falsa e para a sua propagação.

Quanto ao formato, destacamos que a pesquisa está estruturada em quatro partes, além da introdução e da conclusão. No segundo tópico, traçamos um panorama do conceito que envolve o fenômeno das fake news, fundamentando-nos em Frias (2018), Genesini (2018), Ferrari (2018), Santaella (2018) e Wardle e Derakhshan (2017). No terceiro tópico, apresentamos o corpus e contextualizamos nossa escolha, baseada nas desinformações checadas pelo portal “Saúde sem Fake News” do Ministério da Saúde, no que tange às vacinas e ao câncer. No quarto tópico, apresentamos a fundamentação que embasa a análise, adotando, como aporte teórico, a teoria semiolinguística e os modos de organização do discurso e o conceito de pathos de Charaudeau (2015), mais precisamente “a visada do pathos, que consiste em ‘fazer-sentir’, ou seja, provoca no outro um estado emocional agradável ou desagradável” (Ibid., p.69). No quinto tópico, analisamos duas desinformações com a finalidade de nos certificarmos dos pressupostos de que a emoção contribui para no processo discursivo, no caso das fake news com efeito persuasivo.

1. Fake News ou desinformação

As notícias falsas ou fake news, ou ainda, as desinformações sempre existiram. No entanto, a partir de 2016, com a corrida presidencial que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos – cuja campanha se baseou na disseminação de fake news –, passamos a ouvir esses termos indiscriminadamente. Em 2018, no Brasil, o fenômeno se repetiu na campanha para a eleição de Jair Bolsonaro. Desde então, tornou-se muito comum utilizar tal nomenclatura até mesmo para rebater um posicionamento que não convém ao interlocutor. Tudo isso se deu graças à facilidade de acesso às plataformas de tecnologia. Sobre isso, Genesini (2018, p. 54) afirma:

As notícias falsas, como já foi dito, sempre existiram. As más intenções e truques de indivíduos e organizações que defendem lados e interesses, também. O que, atualmente, é radicalmente diferente é o poder e a influência das plataformas de tecnologias na disseminação de qualquer tipo de notícia que, por razões variadas e muitas vezes inexplicáveis, ganham engajamento e, de uma hora para outra, crescem exponencialmente sua audiência. São gostadas ou detestadas (likes e similares), compartilhadas e comentadas em um processo de combustão espontânea descontrolada. (GENESINI, 2018, p. 54).

Isso posto, devemos considerar o que vem a ser, especificamente, a fake news. Para Frias (2018, p. 43),

[...] O termo fake news deveria ser compreendido como toda informação que, sendo de modo comprovável falsa, seja capaz de prejudicar terceiros e tenha sido forjada e/ ou posta em circulação por negligência ou má-fé, neste caso, com vistas ao lucro fácil ou à manipulação política. É prudente, tudo indica, isolar a prática, diferenciando-a da mera expressão de pontos de vista falsos ou errôneos, assim como do entrechoque de visões extremadas.

Neste artigo, adotaremos o termo “desinformação”, abordado por Wardle e Derakhshan (2017), por acreditarmos que seja o mais sensato nos tempos em que vivemos. Para os pesquisadores, temos diversos tipos de desordem da informação. Como veremos no diagrama a seguir, os autores classificam esse tipo de informação com base em sua motivação e em sua precisão.

Figure 1. Figura 1: Desordem da informação. Fonte: https://www.manualdacredibilidade.com.br/

Wardle e Derakhshan (2017) identificam os tipos de desinformações e as dividem em sete categorias, quais sejam:

1 - Sátira ou paródia: publicação sem intenção de causar mal, mas com potencial de enganar;

2 - Falsa conexão: manchetes, imagens ou legendas que dão falsas dicas sobre o real conteúdo;

3 - Conteúdo enganoso: uso enganoso de uma informação contra um assunto ou uma pessoa;

4 - Falso contexto: conteúdo genuíno compartilhado em um contexto falso;

5 - Conteúdo impostor: fontes cujos nomes são usados com afirmações que não lhes pertencem;

6 - Conteúdo manipulado: informação ou ideia verdadeira, manipulada para enganar o público;

7 - Conteúdo fabricado: texto totalmente falso e construído com intuito de desinformar o público e causar algum mal.

Essas classificações são importantes para compreendermos as diferentes maneiras de uma notícia ser uma desinformação. Abaixo temos um exemplo de Falso contexto: conteúdo genuíno compartilhado em um contexto falso.

Figure 2. Figura 2: ESSA NOTÍCIA É FALSA, NÃO COMPARTILHE! A imagem é antiga! De agosto de 2015. A prefeitura de São Paulo promoveu o Projeto Jovem SUS até o ano de 2017.  É possível confirmar que esta imagem é de 2015 no próprio site da Prefeitura de São Paulo. Fonte: https://www.saude.gov.br/fakenews

No pôster do projeto, consta que as inscrições ocorrem de 24 a 28 de agosto, mas não se menciona o ano. Essa falta de dados permite a desinformação, transmitida por pessoas que compartilham tudo o que recebem, sem fazer a devida verificação. Entretanto, devemos ressaltar, mais uma vez, que, na classificação das desinformações, temos as que são fabricadas com um intuito específico de enganar.

Como já mencionamos, as tecnologias contribuem para propagação das fake news, pois possibilitam a grande circulação de notícias, mas, ao mesmo tempo, também contribuem para a desinformação. A facilidade faz com que as pessoas consumam cada vez mais informações, não se importando com a veracidade. Ferrari (2018, p.62) diz: “As notícias falsas só existem porque as pessoas precisam de notícias, verdadeiras ou não, para alimentar as próprias certezas”. Por esse viés, podemos concluir que essa “onda” de fake news ainda vai durar muito. O número de pesquisas ainda é reduzido, principalmente no que tange à estrutura e linguagem, o que justifica a importância das pesquisas com esse tipo de material.

2. O contrato de comunicação segundo Charaudeau

Como já estudamos até o momento, as desinformações (fake news) são “notícias” fabricadas ou distorcidas com interesses persuasivos e financeiros. O que se percebe é que há uma aproximação grande do uso das técnicas jornalísticas nas suas produções em relação ao contrato de comunicação proposto por Charaudeau.(2015).

Assim como muitos fatores na nossa sociedade, o discurso também é uma troca de interesses. Segundo Charaudeau (2015, p.67), “todo discurso depende, para a construção de seu interesse social, das condições específicas da situação de troca na qual ele surge”. É como se estivéssemos em um palco “com restrições de espaço, de tempo, de relações, de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui o seu valor simbólico” (ibid., p. 67), prestes a encenar e, para tanto, precisássemos saber nossas falas e como nos portar diante das falas dos outros personagens. Além disso, o autor apresenta “o quadro de referência ao qual se reportam os indivíduos de uma comunidade social quando iniciam uma comunicação.” (ibid., p. 67) e informa que tudo ocorre em “cena”, ou melhor, na situação de comunicação.

O quadro de referência denominado pelo autor é o que nos permite avaliar o teor de uma fala, atribuir valor ou sentido aos atos de linguagem. Esse enquadramento possibilita influenciar, agredir, seduzir por meio das palavras. Assim, locutor e interlocutor devem ter consciência um do outro, bem como restrições, ou seja, condições mínimas necessárias para entender o ato da linguagem e para que ela ocorra.

Desse modo, o interlocutor deve supor que o seu locutor tem consciência dessas restrições; é o que conhecemos por “cointencionalidade”. Em outras palavras, há um reconhecimento recíproco das restrições, “uma espécie de acordo prévio” que faz parte do contrato de comunicação. Ainda segundo Charaudeau (2015, p. 68), “toda troca linguageira se realiza num quadro de cointencionalidade, cuja garantia são as restrições da situação de comunicação. ”

Para melhor compreensão, o autor classifica as características próprias à situação de troca como dados externos (condição de identidade, condição de finalidade, condição de propósito, condição de dispositivo) e as características discursivas como dados internos (espaço de locução, espaço de relação, espaço de tematização).

Os dados externos são aqueles que, no campo de uma pratica social determinada, se constituem pelas regularidades comportamentais dos indivíduos. Reagrupam-se em quatro categorias:

  • Condição de identidade – “a identidade dos parceiros engajados na troca é a condição que requer que todo ato de linguagem dependa dos sujeitos que aí se acham inscritos” (Charaudeau, 2015, p. 68). Essa identidade é defendida por perguntas: Quem troca com quem? Ou “quem fala a quem” ou “quem se dirige a quem” – essenciais para detectar os traços personológicos de idade, sexo, etnia, que sinalizam status social, econômico e cultural, além do estado afetivo dos parceiros.
  • Condição de finalidade – “a finalidade é a condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função de um objetivo”, ou seja, “estamos aqui para dizer o quê?” (ibid., p.69). Para o autor, a resposta se dá em termos de quatro visadas.
  1. A prescritiva – que consiste em querer “fazer fazer”, isto é, querer levar o outro a agir de determinada maneira;
  2. A informativa – que consiste em querer “fazer saber”, isto é, querer transmitir um saber a quem se presume não o possuir;
  3. A incitativa – que consiste querer “fazer crer”, isto é, querer levar o outro a pensar que o que está dito é verdadeiro (ou possivelmente verdadeiro);
  4. A visada do páthos - que consiste em “fazer sentir”, ou seja, provocar no outro um estado emocional agradável ou desagradável.
  • Condição de propósito – requer que todo ato de comunicação se construa em torno de um domínio de saber, uma maneira de recortar o mundo em “universos de discurso tematizados”. Define-se através da resposta à pergunta: “do que se trata”.
  • Condição de dispositivo – requer que o ato de comunicação se construa de uma maneira particular, segundo as circunstâncias materiais em que se desenvolve. Define-se por meio das respostas às perguntas: “Em que ambiente se inscreve o ato de comunicação, que lugares físicos são ocupados pelos parceiros, que canal de transmissão é utilizado?” (ibid., p.70). Em certos casos, é objeto de uma montagem cênica pensada de maneira estratégica.

Já os dados internos são aqueles propriamente discursivos, que permitem responder à pergunta do “como dizer?”. Trata-se de saber como devem ser os comportamentos dos parceiros da troca, suas maneiras de falar, os papéis linguageiros que devem assumir, as formas verbais (ou icônicas) que devem empregar, em função das instruções contidas nas restrições situacionais. Reagrupam-se em três categorias:

  • Espaço de locução – é aquele no qual o sujeito falante deve resolver o problema da “tomada da palavra”; impor-se como sujeito falante e identificar, ao mesmo tempo, o interlocutor ao qual ele se dirige.
  • Espaço de relação – é aquele no qual o sujeito falante estabelece relações de força ou de aliança, de exclusão ou de inclusão, de agressão ou de conivência com o interlocutor.
  • Espaço de tematização – é aquele no qual o sujeito falante deve não somente tomar posição com relação ao tema imposto pelo contrato, mas também escolher um modo de intervenção e um modo de organização discursivo particular (descritivo, narrativo, argumentativo) para esse campo temático, em função, como já dissemos, das instruções contidas nas restrições situacionais.

3. Corpus – contextualização

O corpus analisado no presente artigo é composto por desinformações do tema saúde que circularam nas redes sociais e que foram checadas pelo Portal Saúde sem Fake news do Ministério da Saúde. A seguir, temos o banner de apresentação do Portal Saúde sem Fake news

Figure 3. Figura 3: Banner de apresentação do Portal Saúde sem Fake news. Fonte: https://www.saude.gov.br/fakenews.

Esse portal recebe notícias que porventura não causam certeza da veracidade. Uma equipe checa o conteúdo e disponibiliza no portal e nas redes sociais do Ministério da Saúde. Na figura a seguir, mostram-se os selos postos nas notícias. Em comparação com as agências de checagem que utilizam diversas etiquetas, o portal usa apenas duas:

Figure 4. Figura 4: Etiquetas de Checagem da Notícia. Fonte: https://www.saude.gov.br/fakenews

Sobre os critérios utilizados pelas agências de checagem, vale a pena ressaltar que a Agência Lupa, primeira agência fact-checking do Brasil, por exemplo, faz uso de nove etiquetas, a saber: “verdadeiro” – quando a informação está comprovadamente correta; “verdadeiro, mas” – quando a informação está correta, mas o leitor merece mais explicações; “ainda é cedo para dizer” – quando a informação pode vir a ser verdadeira , mas  ainda não é; “exagerado” – quando a informação está no caminho correto, mas houve exagero; “contraditório” – quando a informação contradiz outra difundida antes pela mesma fonte; “subestimado” – quando os dados são mais graves do que a informação; “insustentável” – quando não há dados públicos que comprovem a informação; “falso” – quando a informação está comprovadamente incorreta; e “de olho” – quando a informação está sob monitoramento. Essa elasticidade na etiquetagem é bastante importante, principalmente quando adotamos os conceitos de desinformação. Dessa maneira, podemos perceber o que realmente é criado ou apenas foi um dado que passou despercebido.

O Portal Saúde sem Fake news faz uso das etiquetas reduzidas (“Esta notícia é verdadeira” ou “Isto é fake news”) porque precisa ser assertivo com seu público, que é bem diversificado. Trata-se de desinformações que devem ser barradas de pronto, pois, caso contrário, podem causar riscos, até de morte. Por essa razão, o site não pode usar o mesmo protocolo das agências de checagem, deixando os usuários incertos quanto à veracidade das informações.

Nossa escolha foi motivada principalmente por dois aspectos. O primeiro deles diz respeito à relevância de estudar as fake news que envolvem a saúde, pois acreditamos ser inconcebível tratar de assuntos tão importantes com descaso, uma vez que podem prejudicar uma pessoa que acreditar na veracidade de determinada notícia. O segundo aspecto é a emoção passada por essas desinformações, no que diz respeito a sua produção. Nesse sentido, pretendemos analisar o que as fake news causam no leitor, fazendo com que ele as aceite como verdade.

De todos os temas envolvendo saúde, optamos pelas fake news sobre vacinas e câncer. Quanto à vacina, o que chama muito a atenção é o retorno de doenças como o sarampo, erradicado em 2016, mas que voltou a oferecer perigo em 2018. Se as vacinas são responsáveis por proteger o indivíduo de determinada doença, cabe a reflexão sobre as razões que levam uma pessoa a não tomar a vacina ou a não imunizar os filhos:

Mesmo com tantos benefícios, a vacinação está sofrendo diversos ataques que têm assombrado a saúde pública brasileira: uma onda de fake news nas redes sociais tem feito com que o uso de vacinas seja contestado, temido e deixado de lado. As notícias falsas sobre as imunizações são alimentadas pelos movimentos antivacina, que argumentam que o uso dos medicamentos pode trazer outros problemas para a saúde, não respeita a individualidade e a liberdade dos pais ou infringe princípios religiosos (ESTADÃO SAÚDE SUMMIT, 2019).

Já em relação ao câncer, focamos nesse tema pelo fato de ser uma doença envolta em uma cultura enraizada no sofrimento e na sentença da morte, mesmo com os atuais avanços nas terapias utilizadas. Trata-se de enfermidade bastante temida por ainda causar muitos óbitos e também por estar cercada de muita desinformação:

É muito importante mencionar que muitas pessoas ainda no século XXI, evitam pronunciar a palavra câncer já que acreditam que traz azar ou que podem desenvolver a doença por isso. O que mostra, evidentemente, que a palavra câncer traz muitos mitos que precisam ser desconstruídos. Uma má interpretação de fatos relacionados a uma doença como o câncer ou uma generalização de um caso específico isolado da enfermidade  acabam criando ideias errôneas como verdades absolutas (ONCOGUIA, 2019)

Com base no exposto, seleciomanos duas fake news, uma de cada tema, a fim de procedermos à análise à qual nos propomos e que apresentamos no próximo item.

4. Análise das desinformações

4.1. Desinformação 1

Figure 5. Figura 5: Desinformação 1. Fonte: https://www.saude.gov.br/fakenews

Esta notícia foi checada pelo Portal do Ministério da Saúde e etiquetada como “Isto é fake news”. Sobre essa desinformação, o site postou o seguinte texto: “Não compartilhe essa mensagem, ela é falsa! Não existe vacina anticâncer. Esse texto, que cita Hospital Sírio-Libanês circula há bastante tempo, pelo menos desde 2008 e o Hospital já veio a público desmenti-lo”.  E ainda enfatiza que a “A Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, também atestou como Fake News essa notícia”.

Nesta primeira desinformação, intitulada “Vacina contra o câncer”, há um conteúdo fabricado, construído com o intuito de desinformar o público e causar algum mal – aqui se brinca com a sensibilidade de um paciente que busca pela cura do câncer.

Quanto à condição de identidade, o locutor se coloca como uma pessoa “boa”, “preocupada com o outro” e que quer divulgar uma “supernotícia” que fará bem a outras pessoas. Já em relação à condição de finalidade prescritiva – o “fazer fazer”, segundo Charaudeau (2015) – o objetivo é levar o interlocutor a compartilhar, por meio da repetição e da emoção, como se pode perceber neste trecho: “ESSA EU REPASSO COM O MAIOR PRAZER, E ESPERO QUE VOCÊ FAÇA O MESMO, REPASSE A TODOS OS SEUS CONTATOS”.

Por meio do uso de caixa alta, o locutor se impõe sobre o interlocutor, chamando-lhe a atenção, ao mesmo tempo que enfatiza que o ato de repassar foi feito “com o maior prazer”, ou seja, feito com vontade. Assim, o leitor também terá o mesmo prazer, caso compartilhe. Isso se evidencia nas seguintes construções: “Boas notícias são para partilhar”; “Isto sim é algo que precisa ser repassado...”; “Por favor, divulguem essa vitória da medicina genética brasileira !!!!”; “REPASSEM”.

Ainda considerando as características elencadas por Charaudeau (2015), destacamos, na desinformação selecionada:

a) a visada do pathosfaz o interlocutor sentir uma comoção e querer passar a informação falsa adiante. Consiste em ‘fazer-sentir’, ou seja, provoca no outro um estado emocional agradável por conta da suposta vacina que cura o câncer.

b) a condição incitativa – o “fazer crer” – utiliza de dados para dar veracidade. Por exemplo: “nome do médico que desenvolveu a vacina: José Alexandre Barbuto”, “Hospital Sírio Libanês – Grupo Genoma”; “telefone do Laboratório: 0800-7737327 – (falar com Dra. Ana Carolina ou Dra. Karyn, para maiores detalhes); http://vacinacontracancer.com.br”. O que percebemos aqui é o argumento de autoridade às avessas, usado com intuito de enganar. Sabemos que o hospital existe e está localizado na Capital paulista e, em breve pesquisa, constatamos que o denominado José Alexandre Barbuto seria o Dr. José Alexandre Marzagão Barbuto, cujo nome consta na página do Departamento de Imunologia do Departamento de Ciências Biomédicas da USP. Trata-se de pesquisador com trabalhos voltados à questão do câncer, que desenvolveu um procedimento para o tratamento da metástase.

c) a condição de dispositivo – é facilmente propagada no ambiente da internet, propício para tal feito.

d) a condição de propósito – visa a ganhar/ caçar compartilhamentos (clicks), o que no mundo digital é sinônimo de dinheiro.

Quanto aos espaços, destacamos:

a) o espaço de locução: o interlocutor impõe-se como uma pessoa boa que busca levar informação ao seu interlocutor, que não a tem;

b) o espaço de relação: o interlocutor estabelece uma relação de inclusão do interlocutor para ganhar credibilidade;

c) o espaço de tematização: o interlocutor escolhe um modo de organização do discurso (argumentativo).

Vimos, nessa desinformação, que, de forma despretensiosa, o autor se dirige ao interlocutor, tratando-o por “você”, a fim de transmitir uma sensação de proximidade que gera, invariavelmente, um sentimento de confiança. Com a confiança conquistada, passa-se também a imagem de pessoa bondosa, ao demonstrar interesse em compartilhar notícias boas com todos. A busca por compartilhamento vem por meio da comoção e prossegue com uma notícia que causa esperança, a vacina contra o câncer, tão sonhada por quem está doente, por alguém próximo de um doente ou por qualquer pessoa que sensibilize com a dor do outro.

Ao dizer que já existe a vacina para o câncer (rins e pele), o locutor, na busca de credibilidade, afirma que os responsáveis pela vacina são cientistas médicos, duas designações que denotam a qualificação desses supostos responsáveis. Além disso, descreve-se o funcionamento da tal vacina e o processo para se obtê-la. A cartada final são os dados como: nome do hospital, do médico, link (que supostamente daria acesso a vacina) e telefone, tudo com o intuito de conferir credibilidade e confiabilidade à informação veiculada.

4.2. Desinformação 2

Figure 6. Figura 6: Desinformação 2. Fonte: https://www.saude.gov.br/fakenews

Esta notícia também foi checada pelo portal e etiquetada como “Isso é fake news. À imagem, seguia-se o texto:

Essa mensagem é falsa! A mensagem contém características de Fake News, como erro de gramática, alarmista, informações vagas, não há datas e fontes confiáveis e, além disso, pede compartilhamento. A Secretaria de Saúde de São Vicente realizou uma busca em suas unidades de saúde e não encontrou nenhum fato relacionado ao texto que viralizou.

Quanto à condição de identidade, o locutor se apresenta como vítima da vacina da gripe, que deseja compartilhar o ocorrido. Já em relação à condição de finalidade prescritiva - o “fazer fazer” – busca-se que o seu interlocutor tome cuidado caso se vacine. Chama-lhe a atenção, aconselhando – o. Isso fica claro por meio de alguns termos, dentre os quais destacamos: “Fica a dica se vc for tomar a vacina ....TOME MUITO CUIDADO!!!!”.

Com relação às características elencadas por Charaudeau (2015), destacamos, nessa segunda desinformação:

a) a visada do pathos – faz o interlocutor sentir uma comoção por meio da imagem (sensação desagradável) e também pelo modo de organização da mensagem, na qual foram utilizadas a narração e a descrição, a fim de demonstrar o sofrimento do locutor a partir do momento em que tomou a vacina e, depois disso, com os cuidados e os gastos para ficar curado. Outro ponto relevante lê-se no seguinte trecho: “venho através desta publicação demonstrar minha indignação sobre a aplicação...”. Aqui, tem-se a impressão de que o locutor quer transmitir sua indignação para o interlocutor.

b) a condição incitativa – o “fazer crer” – utiliza de dados para dar veracidade, quando diz que todo ocorrido aconteceu na UBS do Rio Branco, em São Vicente (duas vezes cita a UBS Rio Branco).

c) a condição de propósito – o propósito não fica claro. Leva-nos a crer que a finalidade, nesse caso, é amedrontar/ passar medo.

Já com relação aos espaços, destacamos:

a) o espaço de locução: o interlocutor impõe-se como uma pessoa indignada, coloca-se como vítima para sensibilizar seu leitor;

b) o espaço de relação: o interlocutor estabelece uma relação de interatividade com o interlocutor;

c) o espaço de tematização: o interlocutor escolhe um modo de organização do discurso (narrativo/descritivo).

Como se pode perceber, na desinformação 2, o medo e a desconfiança da vacina instauram-se de imediato por meio da imagem de um braço necrosado, o que pode gerar uma memória negativa em relação a qualquer vacina. É basicamente um relato pessoal, desde o momento da aplicação, seguido da necrose, do tratamento, do sofrimento e, por fim, dos gastos. Para passar credibilidade, utilizam-se a imagem de uma pessoa (que supostamente foi a vítima) e o nome da UBS. Desse modo, o locutor “amedronta” o público leitor e, em seguida, dá a seguinte prescrição: “Se for tomar vacina, tome muito cuidado...”

5. Conclusão

Desinformações como as analisadas circulam a todo instante e são levadas a sério por uma parcela significativa da população, que as compartilha na internet. Isso ocorre devido à intensa interatividade provocada pelas tecnologias, que fazem com que o leitor acredite fazer parte daquele discurso, ou seja, pertencer a ele, tanto porque foi compartilhado por um familiar, quanto porque veicula algo que reafirma suas crenças. Por meio de nossas análises, percebemos que as emoções podem contribuir significativamente para que as desinformações proliferem nas redes. O ser humano é todo voltado às emoções e, quando se trata do ser humano imerso no sistema midiático, a emoção toma o lugar da racionalidade.

A emoção perpassa a racionalidade dando lugar ao negacionismo. É o que temos presenciado nos dias de hoje: uma oposição às evidências científicas, sustentada por teorias e discursos conspiratórios de mais baixo nível. Por isso, agora, mais que nunca

a imprensa profissional, que adota critérios rigorosos para apurar e publicar notícias, continua sendo o farol a iluminar as fronteiras, sempre fluídas, entre o falso e o verdadeiro. Mas a maioria das pessoas ainda tem pouco acesso a esse tipo de jornalismo (mesmo que a era digital tenha multiplicado em várias vezes o público que desfruta desse aceso) e nem sempre se mostra capaz de distingui-lo de outras fontes suspeitas ou simplesmente mentirosas (FRIAS, 2018, p. 44).

Diante disso, uma possível solução no combate à desinformação, segundo Ferrari (2018), estaria concentrada no debate público e no usuário, que deve ser ponderado na hora de compartilhar tudo o que chega as suas redes sociais. De acordo com a autora, “... fake news virou uma praga midiática, a qual precisamos combatê-la, retomando o debate público, ensinando o cidadão comum a checar antes de clicar ou compartilhar qualquer informação”. (ibid., p.44).

6. Agradecimentos

O presente trabalho vincula-se a nosso projeto de pesquisa de Doutorado, que vem sendo realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”.

How to Cite

FERREIRA, M. A. P. Fake News: emotions as a discursive strategy. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 4, p. 01–16, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n4.id266. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/266. Acesso em: 18 apr. 2024.

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