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Pilot Study

Fake News, Vaccine and the Types of Disinformation

Cesar Augusto Gomes

Universidade Estadual de Campinas image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0003-3382-1633


Keywords

Fake News
Vaccine
Health
Disinformation
Social Media

Abstract

The main objective of this study is to select and analyze texts related to the issue of vaccines and public health that circulated between January and April 2018, time when the country experienced an outbreak of Yellow Fever in the Southeast Region, on the digital social networking sites, which were verified and published by the website Boatos.org. It is characterized as a qualitative analysis and uses the Seven Types of Disinformation (WARDLE and DERAKHSHAN, 2017) as a methodology to classify such information and understand its construction process. In a second step, it seeks to raise hypotheses for its dissemination process and lists possible solutions for solving the phenomenon. In the analyzed period, a total of 07 news items on the examined topic were found on the website and almost all of them were classified as Misleading Content (the intentional manipulation / distortion of factual information) and Manufactured Content (new content that is 100% non-factual, created to deceive harm). At the origin of the dissemination process are: (a) financial motivation: websites make money from clicks on articles and fake news goes viral more than factual news; (b) theory of Social Ties: for Granovetter (1973) people make decisions by endorsing their “Strong Ties” relationships. Knowing this, producers of non-factual information invest (I) in the production of more informal texts that are closer to readers and (II) in the dissemination of information through social media, betting on affective bonds.

Introdução

Os boatos e a manipulação da informação sempre existiram na história, no entanto, por conta da evolução das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), eles nunca foram tão determinantes na questão da saúde pública, visto o que a desinformação pode causar sobre a demanda dos Sistemas de Saúde, como a busca por exames desnecessários (motivada por alarmismo) e a adoção de comportamentos extremos pelas pessoas (ao deixar de realizar tratamentos necessários ou de usar remédios essenciais para sua vida), entre tantos outros. No limite, a desinformação em saúde pode matar.

Um retrato desse problema pode ser observado mais claramente no âmbito da vacinação, uma vez que, apesar das intensas campanhas de divulgação na mídia, as autoridades brasileiras de saúde não estão conseguindo cumprir as metas de vacinação. O país acompanha, perplexo, o noticiário apontando a queda na imunização de sua população e o ressurgimento de doenças já erradicadas, como o sarampo e a poliomielite (MODELLI, 2018).

Dados do Ministério da Saúde mostram que “As vacinas que protegem contra o sarampo tiveram queda: a tríplice viral passou de 96% de cobertura da população em 2015, para 83,87% no ano passado” (AUGUSTO, 2018). Na opinião da epidemiologista franco-americana, Laurence Cibrelus, chefe da estratégia de combate à Febre Amarela, da Organização Mundial da Saúde (OMS), as fake news podem ter influenciado as metas de vacinação no Brasil. Ela cita como exemplo o boato de que uma receita natural (e não a vacina) poderia garantir proteção contra a doença (COSTA, 2018).

As dúvidas sobre a segurança das vacinas, trazidas pelas fake news, podem levar à hesitação vacinal que, segundo a OMS, é a relutância ou recusa em vacinar ou em ter seus filhos vacinados contra doenças contagiosas, apesar da disponibilidade de vacinas. Em razão do aumento de 30% nos casos de sarampo em todo o mundo, em 2018, a agência classificou essa recusa como uma das “Dez ameaças à saúde global em 2019” e identificou as razões pelas quais as pessoas deixam de vacinar:

As razões para esse aumento são complexas e nem todos esses casos se devem à hesitação da vacina. No entanto, alguns países que estavam perto de eliminar a doença tiveram um ressurgimento. As razões pelas quais as pessoas optam por não vacinar são complexas; um grupo consultivo de vacinas da OMS identificou complacência, inconveniência no acesso às vacinas e falta de confiança são as principais razões para a hesitação. (OMS, 2019).

Antes da Cultura Digital, quando as notícias eram elaboradas, principalmente, por jornalistas vinculados a diferentes veículos tradicionais, com seus erros e acertos, já havia a possibilidade de manipulação dos fatos. Hoje, com a produção da informação e sua circulação feitas por quaisquer pessoas nas mídias sociais1, essa probabilidade aumentou muito, apesar das diversas tentativas de regulação em múltiplas esferas por meio de legislações e protocolos. Isso porque, em função de sua configuração, os algoritmos2 dessas plataformas digitais são programados para prender a atenção do usuário, pois quanto mais tempo ele permanecer ali (nas plataformas) maior será o potencial para se ganhar dinheiro, uma vez que esse tempo é oferecido para outras empresas que queiram anunciar seus produtos diretamente a determinado tipo de público. É o que se chama Economia da Atenção, na qual o engajamento3 do usuário é imperativo para o sucesso do negócio.

Uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), publicada pela revista americana Science, em 2018, revela que notícias não factuais têm 70% mais chances de viralizar do que as factuais, pois em sua essência são mais sensacionalistas, polêmicas e mexem com a curiosidade das pessoas. A pesquisa analisou 126 mil postagens, verificadas por seis agências independentes de checagem de fatos4, que foram disseminadas no Twitter e replicadas por cerca de 3 milhões de pessoas desde 2006, quando a rede social foi lançada, até 2017. Entre outras descobertas, o estudo mostrou que as informações não factuais inspiram “medo, revolta e surpresa” e, segundo os pesquisadores, isso permite levantar a hipótese de que as notícias mais inusitadas têm maior probabilidade de serem compartilhadas:

Enquanto histórias falsas inspiraram medo, repulsa e surpresa nas respostas, histórias verdadeiras inspiraram antecipação, tristeza, alegria e confiança. Ao contrário da sabedoria convencional, os robôs aceleraram a propagação de notícias verdadeiras e falsas na mesma proporção, implicando que as notícias falsas se espalham mais do que a verdade porque os seres humanos, não os robôs, têm maior probabilidade de espalhá-la. (VOSOUGHI; ROY; ARAL, 2018, p.1146)

A partir desse contexto, constata-se que os produtores de desinformação se profissionalizaram em todo o mundo, a exemplo da Rússia, onde uma empresa, criada em 2014, conta com centenas de pessoas para produzir e distribuir, via internet, boatos disfarçados de notícias favoráveis ao Kremlin (BONET, 2018). No Brasil, o site Notícias Brasil Online, em 2018, era considerado uma fábrica de fake news, pois controlava 02 sites e 20 páginas no Facebook, com mais de 1,5 milhões de usuários, tendo ficado em 3º lugar em um ranking de engajamento5, perdendo apenas para os sites G1 e Veja (CAESAR, 2018).

Diante desse cenário de produção deliberada da desinformação, conclui-se que não se está diante de boatos aleatórios ou de receitas milagrosas disseminadas por pessoas de boa-fé baseadas em suas crenças, mas sim, de grupos muito bem organizados, como os que promovem os movimentos antivacinas, que se organizam e se reúnem por meio das mídias sociais para apregoar os riscos e negar a eficácia das vacinas, entre outras coisas, dando vida a uma verdadeira indústria que fabrica e distorce informações, lucrando, tanto financeira, quanto politicamente6. Nesse sentido, este estudo busca compreender os tipos de fake news que circulam sobre vacina, para verificar neles padrões de produção e de disseminação, a partir dos quais, seja possível elaborar propostas de um combate mais efetivo ao problema.

1. Fundamentação teórica

Fake news é um termo definido pelo dicionário Collins como “informações falsas, muitas vezes sensacionalistas, divulgadas sob o disfarce de notícias” (FAKE, 2017) e seriam disseminadoras e legitimadoras de pós-verdades, definidas pelo Oxford como “circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais” (POST-TRUTH, 2016). Por conta da polissemia contida na palavra “verdade”, o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva prefere chamar Pós-verdade de Pós-fato (Post-fact), termo descrito em 2008 pelo, também, jornalista Farhad Manjoo7 (2008, apud SILVA, 2017) no livro Verdadeiro o suficiente: aprendendo a viver em uma sociedade pós-factual, no qual o autor discute a necessidade de se aprender a viver numa sociedade que escolhe a realidade em que quer acreditar, uma sociedade pós-factual.

Para Wardle e Derakhshan (2017) o termo “fake news” é inadequado, ambíguo e simplista para descrever o fenômeno da produção, difusão e consumo de uma gama variada de informações, não dando conta tanto da natureza quanto da escala do problema8:

Neste relatório, evitamos usar o termo "fake news" por dois motivos. Primeiro, é lamentavelmente inadequado para descrever os complexos fenômenos da poluição da informação. O termo também começou a ser apropriado por políticos de todo o mundo para descrever organizações de notícias, cuja cobertura eles acham desagradável. Desta forma, está se tornando um mecanismo pelo qual os poderosos podem reprimir, restringir, minar e contornar a liberdade de imprensa. (WARDLE; DERAKHSHAN 2017, p. 05)

Esses pesquisadores preferem classificar a desinformação em dois grupos: disinformation (informação maliciosa), criação deliberada de informações não factuais para atingir um objetivo, e misinformation (desinformação), o compartilhamento impensado de informação falsa ou não factual. No entanto, tais definições ainda causam confusão, porque nem sempre é possível definir claramente tais limites, como no caso da OMS, que define fake news como “uma informação falsa ou imprecisa, cuja intenção deliberada é enganar” (OPAS, 2020, p.01). Apesar disso, é possível que uma informação não factual tenha a intenção de ajudar, como no caso dos compartilhamentos de remédios naturais de determinadas culturas, transmitidos há gerações como esperança de cura a determinadas doenças.

Se a produção deliberada de fake news pode ser justificada por meio do fator econômico-financeiro, a teoria do Laço Social pode ser uma das explicações para sua vasta disseminação. Laço é a conexão estabelecida entre atores sociais que se formam por meio de interações, conforme sustenta Barry Wellman (2001, p.228): “Defino ‘comunidade’ como redes de laços interpessoais que fornecem sociabilidade, apoio, informação, um sentimento de pertencimento e identidade social”. A pesquisadora Raquel Recuero interpreta o que diz Wellman:

Os Laços se consistem em uma ou mais relações específicas, tais como proximidade, contato frequente, fluxos de informação, conflito ou suporte emocional. A interconexão destes laços canaliza recursos para localizações específicas na estrutura dos sistemas sociais. Os padrões destas relações – a estrutura da rede social – organiza os sistemas de troca, controle, dependência, cooperação e conflito” (RECUERO, 2009, p.253)

As conexões entre atores sociais podem ser classificadas como fortes ou fracas, dessa forma, os laços fortes são formados por pessoas que comumente participam de um mesmo círculo social, mais próximas entre si, com as mesmas crenças, costumes, visões e valores. Já os laços fracos são estabelecidos por relações mais esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade9. De acordo com o sociólogo americano Mark Granovetter (1973 apud RECUERO, 2009, p.254): “a força de um laço é uma combinação (provavelmente linear) da quantidade de tempo, intensidade emocional, intimidade (confiança mútua) e serviços recíprocos que caracterizam um laço”.

Ainda segundo Granovetter (1983, apud KAUFMAN, 2012, p.208): “os chamados ‘Laços Fracos’ são fundamentais para a disseminação da inovação, por serem redes constituídas de indivíduos com experiências e formações diversas”. No entanto, as decisões com maior consistência são tomadas entre os laços fortes, caracterizados pelas relações sociais de alto nível de credibilidade e influência, onde há uma identidade comum. Ou seja, entre os Laços Fracos os indivíduos são expostos à inovação, mas para abraçá-la dependem do aval de suas relações de Laços Fortes. Isso significa que os Laços Fracos são redes eficientes no transporte de informação, mas não tão eficientes para provocar uma decisão. Esses são fatores decisivos para se compartilhar ou não uma informação recebida, factual ou não.

2. Metodologia

As informações analisadas foram publicadas pelo site de checagem de fatos Boatos.org10 entre janeiro e abril de 2018. Foram selecionadas, intencionalmente, sete publicações relacionadas ao tema das vacinas, elencadas cronologicamente a partir da sua publicação pelo site. Adotamos como categoria os Sete Tipos de Desinformação (7 Types of Mis - and Disinformation, no termo original em inglês), elaborados pela diretora executiva do Instituto First Draft11, Claire Wardle:

(1) Manipulação do Conteúdo: quando a informação ou imagem genuína é manipulada para enganar. (2) Conteúdo Fabricado: conteúdo novo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar. (3) Falsa Conexão: quando manchetes ilustrações ou legendas não confirmam o conteúdo. (4) Sátira ou Paródia: nenhuma intenção de prejudicar, mas tem potencial para enganar. (5) Conteúdo Impostor: quando fontes genuínas são imitadas. (6) Falso Contexto: quando o conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa. (7) Conteúdo Enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar uma questão ou um indivíduo. (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017, p.17)

A análise de natureza qualitativa procura explorar as diferentes dimensões de determinado assunto não tendo, portanto, a pretensão de quantificar e/ou hierarquizar os resultados, tampouco, suscitar uma generalização, diferentemente do que ocorre na análise quantitativa “onde a amostra probabilística pode ser aplicada à maioria dos casos” (BAUER; GASKELL, 2002, p.70).

A escolha do site Boatos.org se deu pelo destaque que o veículo dá a temas relacionados à saúde e pela tradição12 de suas verificações, pois é um dos mais antigos a se dedicar à checagem de fatos quando isso ainda não era uma necessidade tão premente. O site foi criado em junho de 2013 pelo jornalista de tecnologia Edgard Matsuki tendo como objetivo, a princípio, “compilar as mentiras que são contadas online e prestar um serviço para o usuário da internet”.

É importante caracterizar os veículos por meio dos quais são propagadas as fake news para se ter uma compreensão desse contexto, pois isso pode fornecer base de comparação para análises futuras sobre desinformação, não apenas sobre saúde. O site de rede social13 que mais aparece é o Facebook. Lançado em 2004, ele é de propriedade da Facebook Inc. e considerado a maior rede social virtual com 2,5 bilhões de usuários mensais no mundo e 127 milhões no Brasil, segundo dados de 2019 da empresa.

Além dele, muitas fake news sobre vacina têm circulado também pelo WhatsApp Messenger, um aplicativo de troca de mensagens multiplataforma (isto é, pode ser acessado tanto pelo celular, quanto por tablets ou computadores). Criado em 2009 – e pertencente à Facebook Inc. – o mensageiro nasceu como uma alternativa ao Serviço de Mensagens Curtas (Short Message Service ou SMS, na sigla em inglês) e agora oferece suporte ao envio e recebimento de uma variedade de arquivos de mídia, como fotos, vídeos, documentos, textos, compartilhamento de localização do usuário, além de chamadas telefônicas de voz e de vídeo. Seu nome é um trocadilho com uma expressão da língua inglesa What's Up? (que em português significa algo como “E aí?” ou “Tudo bem?”). Possuía, em 2019, 2 bilhões de usuários no mundo e 120 milhões no Brasil.

O site Sempre Questione14 se autodefinia, na sua descrição, como um blog sem fins lucrativos e tinha como objetivo maior divulgar notícias e assuntos que não eram “tão comuns” nos meios de comunicação, tais como ufologia, paranormalidade e teorias da conspiração15 etc. Sua página oficial no Facebook – que tinha 32.186 seguidores, em julho de 2019 – propunha-se a discutir assuntos com os mesmos temas.

O site Curas Naturais, em sua descrição, propunha-se a propagar conhecimento com base em recursos naturais de saúde, alimentos orgânicos, suplementos nutricionais, exercício físico, meditação e aprimoramento da consciência humana. Informava, ainda, que seu conteúdo trazia informações relacionadas a plantas, recursos naturais, ervas e terapias com base na “mãe natureza” para ajudar o leitor a manter uma vida equilibrada e com saúde. Alertava que as informações ali contidas não eram recomendadas como meio de diagnóstico nem tratamento de doenças e não substituíam o acompanhamento e a supervisão de um médico ou profissional de saúde.  Finalizava, dizendo que os conhecimentos e textos ali fornecidos tinham apenas fins informativos e “educacionais”. Cabe lembrar que não são todas as pessoas que buscam as informações dos sites para verificar quem o produz e seus objetivos, atitude que é importante para entender a intencionalidade de determinadas mensagens.

Evitaremos, por fim, os termos “verdade” e “mentira” dada a pluralidade semântico-filosófica embutida nesses vocábulos. Optamos por informações “factuais” e “não factuais”, embora tenhamos consciência de que o que sai publicado na mídia nunca é um fato, mas sim, uma versão desse fato, contada por alguém que supostamente presenciou o fato. Assim, preferimos enfrentar risco conhecido da possibilidade de manipulação entre o fato e a versão do fato, do que embate filosófico verdade x mentira.

3. Verificação

As tabelas16 abaixo são a síntese das verificações realizadas pelo site Boatos.org, a partir do surgimento das mensagens sobre vacina nas mídias sociais. A sequência do quadro é: manchete, data de publicação, mídias sociais em que circulou e formato, breve resumo do conteúdo, tipo de desinformação e debunk17 da notícia.

Texto 01 Enfermeira do HC diz que todos têm que tomar vacina da febre amarela na cidade de São Paulo #boato
Data da publicação 19/01/2018
Plataforma/Formato WhatsApp – Áudio
Resumo Áudio de enfermeira do Hospital das Clínicas (que pertence à USP) diz que todos têm que tomar vacina da febre amarela na cidade de São Paulo.
Tipo de Desinformação Conteúdo Enganoso
Debunk A enfermeira misteriosa é personagem sempre presente em boatos sobre vacina. A premissa de que todos têm que tomar a vacina é falsa. Apenas pessoas que estão em área de risco devem se vacinar. Para evitar que doença se aproxime dos centros urbanos, é criado uma espécie de “cinturão de vacinação” para que o vírus não atravesse as áreas de risco. No entanto, não se pode vacinar todo mundo porque não há vacinas para toda população.
Table 1. Tabela 1: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (LIRA, 2018b).
Texto 02 Enfermeira alerta que ninguém deve tomar a vacina contra febre amarela.
Data da publicação 20/01/2018
Plataforma/Formato Facebook, WhatsApp e site Curas Naturais – Texto
Resumo Enfermeira afirma que febre amarela é uma farsa inventada pelo governo e que ninguém deve tomar a vacina contra o vírus.
Tipo de Desinformação Conteúdo Fabricado
Debunk As afirmações não têm nenhum respaldo na ciência, principalmente, a de que o governo inventou a febre amarela para vender vacina.
Table 2. Tabela 2: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (LIRA, 2018a / CURAS NATURAIS, 2018).
Texto 03 Médica funcionária do Instituto Butantan fala do perigo da vacina da febre amarela #boato
Data da publicação 25/01/2018
Plataforma/Formato WhatsApp – Áudio
Resumo Em áudio, médica infectologista do Instituto Butantan diz que vacina não é segura. Funcionária diz que ela só é dada porque é melhor do que morrer de febre amarela.
Tipo de Desinformação Conteúdo Enganoso
Debunk De fato, a vacina da febre amarela é feita com um vírus atenuado, o que torna as reações adversas mais comuns do que nos casos em que a vacina é feita com o vírus inativo. E as pessoas que estão no grupo de risco não devem se vacinar. No entanto, não é fato que “a vacina da febre amarela é muito perigosa”. Na realidade, somente 1 em cada 250 mil pessoas apresentam efeitos colaterais graves derivados dela. O Instituto Butantan, que não produz a vacina contra a Febre Amarela, negou que algum funcionário tenha divulgado tais informações.
Table 3. Tabela 3: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (BECKER, 2018).
Texto 04 Vacina contra febre amarela paralisa o fígado, diz médico de Sorocaba.
Data da publicação 28/01/2018
Plataforma/Formato WhatsApp e Facebook – Texto
Resumo O marido da prima da Simone, médico de Sorocaba, disse que a vacina contra febre amarela paralisa o fígado, que o governo quer matar as pessoas sem elas perceberem e que ninguém deve, de jeito nenhum, tomar a vacina.
Tipo de Desinformação Conteúdo Enganoso; Conteúdo Fabricado
Debunk A vacina tem efeitos colaterais (alguns grupos não devem se vacinar), mas há exageros. Reações adversas ocorrem em 1/250 mil casos. É mais seguro se vacinar.
Table 4. Tabela 4: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (MATSUKI, 2018a).
Texto 05 Vírus da febre amarela sofreu uma mutação e vacina não protege mais
Data da publicação 27/02/2018
Plataforma/Formato WhatsApp – Texto
Resumo O vírus da febre amarela sofreu uma mutação. Por isso, a vacina atual contra a doença não protege mais. A prova estaria em texto da Fiocruz.
Tipo de Desinformação Conteúdo Enganoso
Debunk É fato que a Fiocruz realizou estudo (2017) para acompanhar possíveis mudanças genéticas no vírus da febre amarela em circulação no país, conforme texto publicado em seu site. Porém, esse mesmo texto aponta que a mutação não tem como consequência a ineficácia da vacina.
Table 5. Tabela 5: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (MATSUKI, 2018b).
Texto 06 Em áudio mulher afirma que Vírus H2N3 está matando dezenas de pessoas no Brasil e vacina não protege #boato
Data da publicação 06/04/2018
Plataforma/Formato WhatsApp – Áudio
Resumo O novo vírus da gripe que está circulando é o H2N3. Ele já matou dezenas de pessoas em Goiânia e outros lugares do Brasil e vacina não protege. OMS quer esconder.
Tipo de Desinformação Conteúdo Fabricado
Debunk OMS não é responsável pela divulgação de casos de gripe nas cidades. A gripe H2N3 (uma subclassificação da influenza A) não atinge humanos desde 1968, conforme estudo de 2007, da Universidade de Minnesota. O genótipo da influenza A que circulava no Brasil era o H3N2. Porém e ao contrário do que aponta o áudio, ele é coberto pela vacina contra gripe distribuída pelo Ministério da Saúde.
Table 6. Tabela 6: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (MATSUKI, 2018c).
Texto 07 Médico diz que vacina da gripe está causando um surto mortal de gripe
Data da publicação 30/04/2018
Onde circulou? Formato? Site Sempre Questione? – Texto
Resumo Em alerta, médico do Centro de Controle e Prevenção de Doenças quebrou o silêncio sobre o assunto e disse que “vacina da gripe é o que está causando um surto mortal de gripe”. O tal médico também alertou que “o ano de 2018 será o pior surto de gripe que vivemos desde 1918”
Tipo de Desinformação Conteúdo Enganoso; Conteúdo Fabricado
Debunk Essa vacina tem poucos efeitos colaterais, que tendem a desaparecer em até 48 horas. O Centers for Disease Control and Prevention – é uma agência do governo dos EUA, país em que a história foi inventada e, por lá, também, desmascarada.
Table 7. Tabela 7: Resumo da verificação feita pelo site Boatos.org (LIRA, 2018c / SEMPRE QUESTIONE, 2018).

4. Resultados e discussão

A primeira observação a ser feita é a de que, embora haja uma infinidade de vacinas, no período analisado aparecem apenas duas. Os cinco primeiros textos (na ordem cronológica, entre janeiro e fevereiro) trazem informações sobre a vacina da febre amarela, enquanto os dois últimos (datados de abril) discorrem sobre a vacina da gripe. Uma possível explicação dessa explosão de conteúdos em janeiro e fevereiro sobre a vacina da febre amarela pode ser a predominância do assunto “surto de febre amarela no Sudeste” no noticiário brasileiro (FIOCRUZ, 2018), o que pode indicar que a disseminação de conteúdos não factuais segue a pauta do noticiário da grande mídia. Isto é, quanto mais um assunto é destaque, maior é a probabilidade de que os produtores de fake news tenham-no como tema de suas produções, aproveitando-se de discussões já instaladas na sociedade.

A partir dos critérios de Wardle e Derakhshan (2017), constata-se que os tipos de desinformação que circularam foram Conteúdo Enganoso e Conteúdo Fabricado. Observa-se o Conteúdo Enganoso nos textos 01, 03, 04, 05 e 07, nos quais os autores partem de dados factuais sobre vacinas, no entanto, manipulam-nos para que se adaptem aos objetivos de desinformar e confundir a audiência. O Conteúdo Fabricado, por sua vez, aparece nos textos 02, 04, 06 e 07, sendo que, nos textos 04 e 07, de maneira simultânea ao Conteúdo Enganoso, ou seja, além de distorcer os dados factuais, eles criam conteúdos 100% não factuais, no mesmo texto.

Ainda do ponto de vista do conteúdo, observa-se que o texto 01 é alarmista, incentivando a vacinação desnecessária, enquanto os textos 03, 04 e 07, ao narrar efeitos colaterais, questionam a segurança da vacina. Partindo do pressuposto científico de que o material genético do vírus sofre mutação, os textos 05 e 06 questionam a eficácia das vacinas, no entanto, nos casos citados, conforme mostra o debunk, essas mutações não alteraram a eficácia das vacinas. Por fim, os textos 02 e 04 apostam na teoria conspiratória de que o “Governo” (não esclarecem se municipal, estadual ou federal) teria o objetivo de dizimar a população e/ou ganhar dinheiro com a venda de vacinas. Contudo, é possível que as produções que atacam “o Governo” não tenham como foco a hesitação vacinal, mas sim, ao associá-lo negativamente às vacinas, procura desconstruir a imagem deste perante a sociedade.

Retomando a discussão da Introdução sobre a monetização dos veículos que produzem desinformação, uma vez que os visitantes não pagam para consumir conteúdo e que seus produtores precisam sobreviver economicamente dessa produção, sabe-se que a quase totalidade de sua renda é proveniente de anúncios. Há, além disso, muita facilidade para se exibir essa publicidade, posto que, não é preciso aderir a contratos com empresas anunciantes, mas simplesmente instalar softwares, como o Google AdSense18, que carregam automaticamente anúncios (de uma carteira de clientes da Google) que são exibidos e pagos (centavos de real) a cada vez que alguém acessa um conteúdo. Assim, se o site tiver milhares de visitantes, pode faturar alto, pois quanto maior o tráfego que recebem, maior a sua receita.

Conforme a já citada pesquisa do MIT, nada engaja mais do que notícia não factual, porque o sensacionalismo é que gera reação, ou seja, mesmo que seja absurda ou estapafúrdia, esse tipo de informação gera tanto reações positivas quanto negativas. Como os algoritmos premiam o engajamento e não qualificam as reações, o site vai faturar em qualquer das situações, porque o que vale é a quantidade de visualizações, de forma que, ganha-se dinheiro, inclusive, com críticas negativas ao trabalho. Por incrível que pareça, a solução estaria em não reagir, o quê, em se tratando de seres humanos, é quase impossível, pois o apelo emocional presente nos textos afeta um conjunto de mecanismos psicológicos de atenção que levam a uma reação quase instintiva.

Outro fator de engajamento são os laços fortes, responsáveis pela decisão de compartilhar ou não uma informação, posto que, é nesse tipo de relação que o cidadão tem um alto nível de credibilidade e influência sobre os demais, ou seja, é onde há uma identidade comum. Rogério da Costa (2002, apud KAUFMAN, 2012, p.216) cita “a pesquisa da Forrester Research pela qual foi averiguado que 30% dos usuários participantes de comunidades declaram que seu engajamento ocorreu pelo fato de que elas – as comunidades virtuais – os ajudam a decidir suas preferências”. Outro levantamento da consultoria Pricewaterhouse Coopers (PwC) Brasil com aproximadamente 1 mil consumidores revela que as redes sociais influenciam decisão de compra de 77% dos brasileiros, ou seja, as informações obtidas nas redes sociais — por meio de comentários de amigos ou nos perfis das varejistas — têm impacto nas decisões de compra das pessoas (BOUÇAS, 2015).

Não por acaso, toda a experiência de navegação na rede está mediada por algoritmos baseados nas características e clusters 19do usuário, ou seja, ele está conectado a grupos de usuários que têm perfis semelhantes ao dele e com os quais tem alguma relação afetiva. Conforme explica Recuero (2012, p.02), “as redes sociais de cada ator tendem a constituir-se de outros atores semelhantes (por exemplo, com backgrounds, classes sociais, níveis econômicos semelhantes). É uma característica denominada homofilia (ROGERS, 1995)”.

Tendo como base a Teoria dos Laços, é possível deduzir que tais fatores colaboram muito para a disseminação das fake news, visto que, quando se recebe uma postagem de alguém mais próximo, existem dois caminhos: a) não se acredita na informação, mas, ainda assim, existe dificuldade de contestar a postagem, constranger a pessoa e causar uma desavença, como tem ocorrido com amizades de décadas se desfazendo; b) acredita-se na informação simplesmente porque ela é de alguém afetivamente próximo, tem credibilidade e não iria compartilhar algo que não fosse verdade.

Ainda dentro do contexto da afetividade, a principal característica das fake news é o apelo emocional – produzir medo, ansiedade e pânico – porque ele afeta um conjunto de mecanismos psicológicos de atenção e favorece o engajamento. Sabendo disso, os produtores profissionais de fake news, para se aproximar desse usuário/leitor, vão privilegiar um discurso mais intimista, mais informal, procurando fugir do discurso científico, chegando, por vezes, a demonizá-lo, o que se faz possível por meio e relatos de experiência. Isso, talvez, explique o fato de dois textos, dentre os analisados, utilizarem-se do gênero relato de experiência, simulando uma conversa íntima e próxima com o leitor.

No texto 02, a enfermeira diz trabalhar há 17 anos em dois grandes hospitais de Belo Horizonte (mas não diz qual) e afirma nunca ter visto um paciente internado “pela forma grave” da febre amarela. No texto 04, o médico (sem nome nem sobrenome), marido da “minha prima Simone”, que trabalha no hospital de Sorocaba (também não diz qual), pediu para avisar que ninguém deve tomar a vacina contra a febre amarela porque ela paralisaria o fígado.

A dimensão política também é um fator importante a ponderar, pois ao (des)informar parte da sociedade sobre as campanhas de vacinação, disseminando teorias conspiratórias, esses produtores de fake news prestam um desserviço à democracia. Questionar as ações governamentais é, certamente, parte do jogo democrático, no entanto, deve-se fazê-lo com base em fatos e não como apresentam os textos 02 e 04, atribuindo ao “governo” uma intenção genocida e comercial, respectivamente, sem apresentar evidências.

Essas fake news podem, não só, minar a credibilidade das instituições públicas, mas também, gerar na sociedade a impressão de ineficiência e má-fé das mesmas, o que pode sugerir a oportunistas a possibilidade de rupturas democráticas como solução. Para identificar a origem e a intencionalidade desses textos é preciso lembrar que a informação influencia a tomada de decisões pessoais, coletivas e, especialmente, eleitorais. Por isso, observar quem tem a lucrar com determinados discursos pode ser um caminho para esse combate.

Coincidentemente (ou não), em abril de 2019, o Brasil perdeu o certificado de erradicação20 do Sarampo, que detinha desde 2016. Outra doença que não apresenta um único caso desde 1989, a Poliomielite, cujo certificado foi concedido desde 1994, também corre risco de apresentar novos casos (MENDES, 2018). São indícios de que, na medida em que dificulta o acesso das pessoas a fontes idôneas e confiáveis de informação, a desinformação pode trazer um caos à saúde pública.

Sites como Boatos.org, bem como agências e editorias de checagem, têm feito um trabalho essencial para desmascarar as informações não factuais que circulam na sociedade, apesar disso, constata-se que, apenas, esse trabalho não tem sido suficiente para dirimir o problema, visto que o desmentido nunca atinge a mesma audiência da desinformação. Acreditar na checagem de fatos para resolver o problema das fake news funciona tanto quanto um pano para enxugar o gelo.

5. Primeiras Conclusões

Primeiramente é preciso um sério debate sobre a nebulosidade da governança algorítmica, isto é, a maneira pouco transparente que os algoritmos das plataformas de mídias sociais são programados e funcionam. É verdade que, com o imenso volume de informações produzidas na internet, ficaria impossível receber tudo de uma vez sem um mínimo de organização realizada por um tipo de algoritmo que exerce um papel semelhante ao de um editor em uma redação jornalística. No entanto, se no formato analógico os filtros já eram submetidos a uma estrutura de produção e interesses diversos dos veículos e de seus proprietários, agora, na era digital, os critérios de seleção das informações que passam pelos gates (portões) não são apenas os jornalísticos – como noticiabilidade, valores-notícia – mas, outros.

Pelo pouco que se sabe, entre os critérios de seleção no mundo digital estão a localização do usuário, os assuntos de seu interesse, o idioma, a popularidade do conteúdo e o grau de interação com a pessoa que fez a postagem. Estima-se que cada usuário do Facebook poderia ver 1500 posts por dia, no entanto, são exibidos cerca de 300, com base nesses critérios. Pariser (2012) vai chamar de “O Filtro Invisível” (The Filter Bubble, no título em inglês) a esse mecanismo que filtra os conteúdos para o usuário, esclarecendo que essa seleção se dá em troca de seus dados de navegação, vendidos para anunciantes, conforme já destacado na Introdução deste texto.

Este é o terreno fértil em que as fake news têm crescido e se desenvolvido com sucesso: uma configuração algorítmica que privilegia o engajamento, cuja finalidade é estritamente comercial, desprovida de qualquer critério qualitativo, somada à clusterização do usuário, que o permite ter contato apenas com “amigos” que pensam exatamente igual a ele e com conteúdos que confirmam as suas crenças e gostos. Na prática, significa que alguém que já tenha alguma restrição em relação à vacina ou desconfie de sua eficácia, vai se conectar com outras pessoas que têm esse mesmo receio, passando a receber conteúdos que reforçam a hesitação vacinal e, assim, aumentando suas suspeitas, num ciclo que se retroalimenta, porque a programação algorítmica não permite ter acesso ao contraditório.

É preciso pensar o acesso à informação adequada como um direito humano fundamental, conforme preconizam organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA):

Os sistemas internacionais de direitos humanos têm amplamente destacado o fato de o acesso à informação ter um caráter facilitador para o exercício de outros direitos humanos, ou seja, o acesso à informação é, em muitos casos, essencial para que as pessoas possam fazer outros direitos efetivos. (CIDH, 2015, p.22)

Diante disso, o cidadão que está tendo acesso a informações distorcidas e manipuladas sobre as vacinas, por exemplo, está tendo violado, além do seu direito humano à informação, como efeito dominó, o seu direito à saúde e a um tratamento adequado. Trazer esse tema para o debate público é de extrema necessidade, pois não se pode delegar a uma empresa privada e a seus interesses econômico-financeiros a tarefa de decidir o tipo de informação a que a sociedade terá acesso. A discussão trará luz a questionamentos como: se houvesse critérios qualitativos, quais seriam eles? Feitos por quem? Com quais objetivos? Abririam uma porta para censura a este ou àquele tema? Apesar de serem questões complexas, como não há fórmulas prontas, elas precisam de ser enfrentadas.

Uma segunda reflexão é sobre como adequar os mecanismos de financiamento na internet, desmonetizando anúncios e fazendo com que deixem de ganhar dinheiro com esse tipo de publicação. Recentemente, em 2016, surgiu na sociedade civil um movimento internacional (principalmente, no site de rede social Twitter) denominado Sleeping Giants, que procura combater discursos de ódio e notícias não factuais na internet persuadindo empresas a removerem do Google AdSense suas propagandas que circulam nos meios de comunicação que publicam desinformação.

Por sua vez, ao perder anúncios – e dinheiro – os produtores de fake news se insurgem contra o movimento, tendo uma compreensão da liberdade de expressão, segundo a qual, esta lhes daria o direito de manipular as informações na medida de seus interesses. Nesse embate de interpretações, trago uma abordagem de Karl Popper, no conhecido paradigma da tolerância, para refletir a esse respeito:

A tolerância ilimitada deve levar ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada mesmo para aqueles que são intolerantes; se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e, com eles, da tolerância. (POPPER, 1974, p.289)

A partir daquilo que pondera o filósofo, pode-se falar em liberdade individual para quem pretende tolher a liberdade de todos? Pode-se falar em liberdade de expressão, cujo resultado pode ser o ressurgimento de doenças já erradicadas? Liberdade para desinformar? Quando alguém divulga um conteúdo pondo em xeque a – já comprovada – segurança das vacinas, está alimentando com inverdades a cultura do medo nas pessoas, trazendo pânico e insegurança numa sociedade que já tem medos suficientemente reais para se preocupar, como a violência e o desemprego.

Diante disso, fazer com que as fake news deixem de ser meio de subsistência é mais um passo na direção do combate ao problema. No entanto, essa tarefa não pode depender da sociedade civil, que pode sofrer com perseguições, como já vem ocorrendo tanto nos EUA quanto no Brasil21. Embora acredite que o Estado possa intervir por meio de normativas, sempre perigosas, do ponto de vista da definição simplista de questões complexas, o ideal seria que as empresas de tecnologia revisitassem suas políticas de remuneração e estabelecessem normas jornalísticas de publicação de conteúdo como parâmetro para estabelecer vínculos publicitários com sites ou blogs. A grande questão é: quem está lucrando com a desinformação tem interesse em acabar com ela?

A terceira reflexão – e a mais efetiva no longo prazo – é a educação para a leitura crítica da mídia ou, nos termos da Unesco, a Alfabetização Midiático e Informacional (AMI), que pode preparar o cidadão para enxergar com criticidade aquilo que lhe chega por diversos meios. Nos últimos anos, não faltam cursos rápidos de “7 dicas de como identificar fake news” ou “6 passos para identificar uma notícia falsa”, normalmente, promovidos por empresas com as melhores das intenções, alguns, inclusive, patrocinados22 pelas próprias empresas, cujas práticas comerciais são causadoras da desordem informativa que o mundo vive atualmente.

No entanto, educar criticamente para ler a mídia não significa, apenas, apropriar-se de uma ferramenta ou outra das TDIC, mas também, discutir a ideologia e os interesses das empresas de mídia e de tecnologia. Conforme Caldas (2006, p.122), para realizar a leitura crítica da mídia é preciso “aprender sobre o mundo editado pela mídia, a ler além das suas aparências, a compreender a polifonia presente nos enunciados da narrativa jornalística (...) capacitar professores e alunos para entender os sentidos, o significado do implícito no discurso da imprensa”.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de 2017, na abordagem que faz da língua portuguesa, em relação às práticas de linguagem, objetos de conhecimento e habilidades, trouxe recomendações específicas sobre a questão das fake news:

A questão da confiabilidade da informação, da proliferação de fake news, da manipulação de fatos e opiniões têm destaque e muitas das habilidades se relacionam com a comparação e análise de notícias em diferentes fontes e mídias, com análise de sites e serviços checadores de notícias e com o exercício da curadoria, estando previsto o uso de ferramentas digitais de curadoria. (BRASIL, 2017, p.136)

Apesar desse documento, sabe-se que não basta a normatização para que algo seja implementado na educação brasileira23. Ações como a formação de professores, a produção de materiais didáticos adequados e atuais, bem como a aquisição de equipamentos de tecnologia e de mídia, por exemplo, dependem de vontade política e de, consequente, aporte financeiro, de modo que não bastam protocolos de boas intenções.

Por fim, convém ressaltar que o presente estudo (por sua abrangência) não tem a pretensão de generalizar os resultados, tampouco, trazer soluções prontas para o assunto (até porque elas não existem), mas sim, jogar luz sobre a questão que, neste momento histórico, merece ser debatida.

How to Cite

GOMES, C. A. Fake News, Vaccine and the Types of Disinformation. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 4, p. 01–20, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n4.id267. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/267. Acesso em: 25 apr. 2024.

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