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Pilot Study

Relationship between the visuo-spatial cognition and the linguistic domain in Williams syndrome: a case study with verbs of motion

Renata Martins de Oliveira

Universidade do Estado do Rio de Janeiro image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0001-5570-3588

Marina R. A. Augusto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-9022-394X


Keywords

Motion Verbs
Syntactic Complexity
Visuo-spatial Domain
Williams Syndrome

Abstract

The present research is a pilot study investigating the mastery of verbs of motion in typical acquisition and by a population with cognitive impairment - individuals with Williams Syndrome (WS). Different types of verbs of motion are considered in relation to the semantic primitives motion, manner, and path and their lexicalization in the verbal root (SILVA JÚNIOR, 2015). A comprehension task is applied in which the compatibility between motion events and linguistic sentences are judged. Participants listen to sentences and watch short videos, being asked whether or not the sentences are compatible with the event displayed on the video. Different motion verbs are tested: (i) Motion and manner verbs, (ii) motion and path verbs, (iii) motion, manner and path verbs, and (iv) motion, manner and path verbs with complete path. Participants are fifteen typically developing children, fifteen adults, as a control group, and a 10-year-old WS child, configuring a case study. Results indicate group and verb type effects. Children have greater difficulty with verbs of type (iv). The WS child, who, although older, shows even greater difficulty in this condition, indicating a non-specific linguistic difficulty.

Introdução

Este artigo apresenta as primeiras reflexões acerca do domínio de verbos de movimento na aquisição da linguagem típica e a partir de um estudo de caso realizado com um indivíduo com comprometimento cognitivo – neste caso, a Síndrome de Williams-Beuren (SW). Consideram-se algumas distinções entre diferentes tipos de verbos de movimento em relação ao número de argumentos requeridos, associados a algum tipo de codificação espacial. Os denominados verbos de movimento constituem um fenômeno em que classes abertas podem indicar determinados deslocamentos espaciais, além de expressar determinadas delimitações espaciais ao movimento por meio de sintagmas que indicam especificamente trajetória. A preocupação com a codificação linguística do espaço a partir de uma visão representacional do significado está nas obras de Talmy (2000), Gruber (1965), Fillmore (1968), Jackendoff (1983), dentre outros. Toma-se a proposta de Talmy (2000) que classifica os verbos de movimento a partir dos primitivos semânticos movimento, modo e trajetória.

Assim, trata-se de fenômeno linguístico que reflete a apreensão da delimitação/organização espacial, um domínio cognitivo que tem sido reportado como comprometido na SW. Esta síndrome é geneticamente determinada a partir da deleção de múltiplos genes do cromossomo 7, dentre eles o LINK1, comumente a déficits cognitivos visuo-espaciais. Esse comprometimento cognitivo parece ter reflexos no domínio linguístico, na medida em que esses indivíduos podem apresentar dificuldade para compreender ou codificar linguisticamente relações espaciais. Considera-se neste estudo, que os custos adicionais advindos de outros domínios - que não o linguístico - podem comprometer indiretamente a compreensão e produção dos verbos de movimento para essa população. Resultados anteriores (OLIVEIRA, 2016) indicam uma performance superior em tarefas linguísticas sem interferência do domínio cognitivo espacial, ao mesmo tempo em que podemos observar um desempenho inferior em tarefas de compreensão que envolvam localização espacial. Esse tipo de resultado parece reforçar a hipótese de pesquisadores e linguistas (BELLUGI et al., 1990, 1992, 1994; REILLY, KLIMA, & BELLUGI, 1990; PHILLIPS et al. 2004, OLIVEIRA, 2018) que afirmam que o domínio linguístico na síndrome estaria intacto e que a performance comprometida observada em algumas tarefas seria consequência da interferência indireta do comprometimento cognitivo. Este estudo de caso traz resultados que contribuem, embora ainda bastante preliminarmente, para essa discussão.

O artigo está organizado da seguinte forma: na próxima seção, apresentamos alguns estudos que defendem ou rejeitam a hipótese de que as habilidades linguísticas estariam preservadas na SW e enfatizamos a relevância de se distinguirem fenômenos linguísticos dependentes de outras cognições específicas, como as habilidades visuo-espaciais. Em seguida, tecemos algumas considerações teóricas sobre os verbos de movimento, objeto de investigação neste estudo, remetendo particularmente a Talmy (2000), Silva Júnior (2015) e Corrêa e Cançado (2006). Em seguida, descreve-se o tipo de investigação conduzida para a observação dos diferentes tipos de verbos de movimento, realizada tanto com crianças com desenvolvimento linguístico típico (e um grupo de adultos, como controle) como em um estudo de caso com uma criança com SW. As considerações finais do artigo são, por fim, apresentadas.

1. A Síndrome de Williams-Beuren e o Comprometimento no Domínio Cognitivo Visuo-Espacial

A Síndrome de Williams-Beuren (SW) é uma rara condição geneticamente determinada com frequência estimada entre 1:7500 a 1:25000 (UDWIN, 1990; STROMME, 2002). Dentre os genes deletados no cromossomo 7, está o LINK1, relacionado a déficits cognitivos visuo-espaciais, tendo por consequência dificuldades encontradas pela população neste domínio. Além disso, indivíduos com SW apresentam um perfil clínico que inclui propensão a problemas cardiovasculares, hipercalcemia idiopática, baixa estatura e atraso de desenvolvimento com média do quociente de inteligência próximo a 70.

Apesar do atraso global observado na síndrome, essa população se destaca por uma personalidade extremamente sociável (JARVINEN, KORENBERG & BELLUGI, 2015; DOYLE et al. 2004) e habilidades musicais apuradas (Ng et al., 2013). Por outro lado, também há estudos que indicam um perfil comportamental muitas vezes marcado pela ansiedade, medos (de críticas, de falhar, do desconhecido etc), além de fobias específicas (DYKENS, 2003; LEYFER et al., 2006).

A dualidade observada no perfil comportamental dessa população também pode ser observada em outros aspectos relacionados à síndrome e por conta disso, muitas vezes o indivíduo com SW é caracterizado por um perfil de picos e vales, em que em um mesmo domínio, podem-se observar aspectos preservados e comprometidos. Isso ocorre no que diz respeito às habilidades linguísticas na síndrome, que ainda hoje divide estudiosos entre aqueles que afirmam que o domínio linguístico na patologia em questão estaria prejudicado (CAPIRCI; SABBADINI; VOLTERRA, 1996; KARMILOFF-SMITH et al., 1997; THOMAS et al., 2001; VOLTERRA; CAPIRCI; PEZZINI; SABBADINI; VICARI, 1996); e os que acreditam na preservação linguística na síndrome (BELLUGI et al, 1990, 1992, 1994; REILLY, KLIMA, & BELLUGI, 1990).

Os estudos destacam falhas na morfossintaxe dos indivíduos principalmente no que diz respeito à produção, dificuldades relacionadas à pragmática (PEROVIC & WEXLER, 2016), além de um atraso na aquisição de aspectos gramaticais, como é o caso do gênero (KARMILOFF-SMITH et al., 1997). Por outro lado, há pesquisadores que chamam a atenção em seus trabalhos para o atraso dessa população na aquisição de alguns fenômenos linguísticos, constatando, na verdade, que o desenvolvimento é semelhante ao de crianças mais novas, o que pode ser tomado como argumento a favor da hipótese de preservação linguística na síndrome (BELLUGI et al., 1990, 1992, 1994). Salienta-se, ainda, a crítica feita por pesquisadores no sentido de observar possíveis interferências de outros domínios no desempenho linguístico da população (OLIVEIRA, 2016; PHILLIPS et al., 2004), a fim de traçar um quadro mais claro acerca das habilidades linguísticas na síndrome.

Em seu estudo, Phillips et al. (2004) observam os resultados obtidos por indivíduos com SW no TROG (Test of Recepcion for Grammar) e percebem que os erros apresentados por essa população geralmente estavam relacionados a sentenças que envolviam componentes com demandas cognitivas visuo-espaciais, um diferencial que deveria ser levado em consideração na análise dos resultados. A partir dessa constatação, os autores elaboram um novo teste em que demandas visuo-espaciais foram incorporadas e separadas em grupos de modo equilibrado. Desse modo, o objetivo era de que no TRUST (Test for Receptive Understanding of Spatial Terms) fossem avaliados não somente sentenças complexas da língua sem nenhum tipo de demanda visuo-espacial, como também sentenças com componentes visuo-espaciais sem demanda de estruturas complexas da língua. O que os autores observaram foi uma diferença clara entre a performance dos indivíduos com SW nos diferentes grupos de sentenças, com um desempenho consideravelmente superior em sentenças sem demandas do componente visuo-espacial. Esse tipo de resultado não somente vai ao encontro da hipótese de preservação linguística na síndrome, como também destaca possíveis relações entre diferentes domínios cognitivos além de ressaltar a necessidade de cuidado ao selecionar as avaliações para essa população de maneira a evitar esse tipo de interferência.

A presente pesquisa compartilha da hipótese de que as habilidades linguísticas na SW estariam preservadas e que seria o comprometimento visuo-espacial descrito em seu perfil, o responsável pelo desempenho rebaixado da população em algumas tarefas linguísticas. Nesse sentido, Oliveira (2016) desenvolve um estudo de caso com quatro indivíduos com SW e um grupo controle de indivíduos sem nenhum comprometimento que teve como objetivo analisar o desempenho dessa população em tarefas linguísticas com e sem custo adicional do domínio cognitivo visuo-espacial. Para isso, a autora desenvolveu experimentos de compreensão e produção de elementos visuo-espaciais (especificamente com o uso de sintagmas preposicionais, codificando localização) que foram aplicados junto a um teste de compreensão linguística stricto sensu, o MABILIN1 (CORRÊA, 2012). Os resultados obtidos pela autora indicaram boa performance do grupo com SW em tarefas linguísticas ao mesmo tempo em que demonstrou um desempenho inferior nas tarefas que envolviam elementos visuo-espaciais. Já o grupo controle não demonstrou dificuldade em nenhuma das avaliações aplicadas. Esse tipo de resultado vai ao encontro da hipótese que afirma que o domínio linguístico poderia ser impactado por demandas de outros domínios cognitivos, notadamente comprometidos na SW.

O presente estudo procura, tomando como base os resultados obtidos por Oliveira (2016), que indicam a interferência indireta do domínio visuo-espacial na performance desses indivíduos, expandir a investigação para os verbos de movimento.

2. Verbos de Movimento

Talmy (2000) considera que os verbos de movimento apareceriam em construções sintáticas capazes de expressar os componentes semânticos figura, fundo e trajetória e em alguns casos, ainda, modo e causa. Os padrões de lexicalização, no entanto, mudariam de acordo com as diferentes línguas e por isso, o autor remete a três padrões de lexicalização em sua proposta, que representariam línguas que os privilegiam.

O primeiro seria o das línguas com frame no verbo (LFV), característico das línguas neolatinas, o turco, o japonês e o coreano, que expressam no próprio verbo movimento e trajetória. Esse é o caso em sentenças como (exemplos em SANTOS FILHO, 2016): Meu cachorro (FIGURA) ficou na chuva, entrou (MOVIMENTO/TRAJETÓRIA) na casa (FUNDO) correndo (MODO) e sujou tudo. O segundo padrão de lexicalização descrito por Talmy (2000) é o de línguas com frame no satélite (LFS), prototípico de línguas germânicas, que expressam no verbo principal movimento e modo. Esse tipo de padrão é encontrado, por exemplo, no inglês: The dog (FIGURA) ran (MOVIMENTO/MODO) in (TRAJETÓRIA/SATÉLITE) the house (FUNDO). Por último, as línguas com frame na figura lexicalizam, na raiz verbal, os primitivos semânticos movimento e figura. Cabe destacar que nesse tipo de verbo, os prefixos são responsáveis por indicar o tipo de evento que gerou o movimento; enquanto os sufixos indicam a trajetória do mesmo. Segundo Talmy (2000), a língua que melhor representa esse padrão é o atsugewi, uma língua indígena da Califórnia.2

No entanto, o padrão de lexicalização descrito por Talmy (2000) tem sido questionado por alguns pesquisadores (ver MEIRELLES, 2019). Segundo Silva Júnior (2015), que assume a Teoria do Léxico Gerativo, essa perspectiva dicotômica deve ser abandonada, considerando-se que os primitivos semânticos movimento, modo e trajetória poderiam ser lexicalizados na raiz verbal.

Uma importante contribuição da teoria gramatical é a visão de que a própria estrutura argumental é altamente estruturada, visto que um verbo especifica o número de argumentos e seu tipo, baseado na atribuição de papéis temáticos. No entanto, como afirma Pustejovsky (1995), a estrutura argumental não é capaz de sozinha capturar a semântica de um item lexical, embora seja um componente básico e necessário que especifica o número de argumentos lógicos e o modo como eles se realizam na sintaxe. A estrutura argumental é lexical (SILVA JÚNIOR, 2015[2], p. 51).

Para esse autor, o argumento trajetória seria parte da estrutura argumental dos verbos:

Os verbos da classe de movimento e trajetória e verbos da classe movimento, modo e trajetória apresentam uma sistematicidade quanto à necessidade de um argumento trajetória na sua estrutura argumental e o mapeamento de cada argumento na estrutura qualia. Os verbos da classe de movimento e modo não apresentam argumentos de trajetória em sua estrutural argumental, embora possam aparecer em uma sentença com um argumento trajetória por meio de uma composicionalidade sentencial (SILVA JÚNIOR, 2015[2], p.11).

Dessa forma, trajetória estaria diretamente relacionada à classe dos verbos de movimento e trajetória e de movimento, modo e trajetória, enquanto os verbos de modo e movimento não selecionariam o argumento trajetória e, por isso, não teriam em sua raiz verbal a noção de trajetória (JACKENDOFF, 1983; LEVIN, 1993; LEVIN & RAPPAPORT, 1992, 1995; RAPPAPORT & LEVIN, 1998; TALMY, 2000).

O estudo realizado por Silva Junior (2015), baseado na Teoria do Léxico Gerativo, incorpora, então, à estrutura lexical, o que Grimshaw (2005) denomina de argumentos de conteúdo baseado na noção de translação: movimento em que uma figura se desloca de um ponto A para um ponto B a partir da mudança de lugar. Dessa forma, no português brasileiro podemos observar verbos em que, dependendo do seu uso - atélico ou télico – o modo (do modo) e a trajetória poderiam estar explicitados, como é o caso do verbo correr em:

(1) O menino correu esbaforido.

(2) O menino correu para a cozinha.

Silva Júnior (2015) então passa a classificar os verbos do português em três categorias: (I) verbos de movimento e modo (tipo balançar); (II) verbos de movimento e trajetória (tipo chegar) e (III) verbos de movimento, modo e trajetória (tipo correr). O autor distingue ainda o primeiro tipo de verbo como verbo sem translação, enquanto os dois últimos tipos seriam verbos com translação.

Entende-se como relevante a análise desses três tipos de verbos para a observação de possíveis falhas no domínio cognitivo visuo-espacial uma vez que cada componente semântico incluído na raiz verbal pode ter como consequência diferentes impactos para a compreensão e produção de sentenças. A partir da preocupação em observar possíveis custos adicionais, relacionados à computação de informação espacial, a presente pesquisa também inclui na lista verbos de movimento capazes de lexicalizar movimento, modo e demarcar a trajetória.

(3) O menino correu

(4) O menino correu dançando

(5) O menino correu até a escola

(6) O menino correu de um lado da quadra até o outro.

Neste caso, percebe-se que o verbo correr – a depender dos complementos a ele ligados – poderá lexicalizar movimento, modo e/ou trajetória. O uso atélico do verbo em (3) e (4) lexicaliza movimento e modo, intrinsecamente, em (3), e de forma composicional em (4), enquanto os demais usos télicos (5) e (6) do verbo lexicalizam movimento, modo e trajetória. Em (5), a trajetória tem foco na meta (5) e, em (6), apresenta-se a trajetória demarcada, ou seja, quando explicita-se na frase não só a meta, mas também a origem do movimento. A escolha foi feita de modo a contemplar a investigação de possíveis dificuldades que esses elementos podem gerar a indivíduos com comprometimento do domínio cognitivo visuo-espacial, mais especificamente, na SW.

A presente pesquisa considera, assim, o tipo e número de argumentos requeridos em uma sentença. Corrêa e Cançado (2006) classificam os sintagmas que denotam aspectos espaciais e acompanham os verbos em dois tipos: locativo do evento e locativo do predicador. O primeiro tipo de locativo especifica o lugar em que a ação ocorre, uma vez que qualquer ação e acontecimento ocupa obrigatoriamente um espaço no mundo. No entanto, não seleciona nenhum locativo como parte intrínseca do seu sentido (João cantou em BH). Já o locativo do predicador, segundo as autoras, trata-se de um argumento acarretado pelo verbo, ou seja, faz parte do sentido lexical do mesmo (Maria recolheu a roupa do varal).

Desse modo, a análise dos verbos de movimento parte da observação não somente de argumentos requisitados pelo verbo, mas também de argumentos que incluem informações espaciais complementares ao sentido do verbo, sem necessariamente constituírem parte intrínseca do seu sentido. Entende-se que a partir da observação desses verbos e seus argumentos explícitos ou não, será possível avaliar o maior ou menor custo associado à compreensão de cada tipo de estrutura.

Os verbos de movimento incluídos na pesquisa serão então: (a) verbos de movimento e modo (A bola flutuou na piscina) com o uso de um locativo de evento; (b) verbos de movimento e trajetória (A menina entrou no quarto) com locativo do predicador (verbo); (c) verbos de movimento, modo e trajetória (A menina correu para a cozinha) com locativo do predicador (preposição) e (d) verbos de movimento, modo e trajetória demarcada (A menina escorregou da cama até o chão) também com locativos de predicador (preposições).

A análise da compreensão dos tipos de verbos de movimento descritos acima levará em consideração o impacto gerado pelos diferentes primitivos lexicalizados, tipos de verbos (com ou sem translação) e tipos de locativos. Tendo em vista o grave comprometimento cognitivo visuo-espacial dos indivíduos com SW, tarefas que incluam a análise desses componentes podem ser valiosas para a avaliação do domínio comprometido e uma melhor compreensão das habilidades linguísticas dessa população.

3. Estudo Experimental

O estudo estrutura-se a partir dos resultados da aplicação de dois testes de compreensão: o MABILIN (Módulos de Avaliação de Habilidades Linguísticas) (CORRÊA, 2012) e o Teste de compreensão de relações espaciais: Verbos de Movimento, concebido para essa pesquisa3. O objetivo é investigar os domínios linguístico stricto sensu e com demandas cognitivo visuo-espaciais separadamente, particularmente em relação ao impacto do domínio visuo-espacial em tarefas linguísticas tendo em vista o indivíduo atípico testado, que possui comprometimento geneticamente comprovado do domínio em questão. Como já foi mencionado, constata-se, frequentemente, que o desenvolvimento das crianças com SW apresenta um atraso em relação ao percurso típico. Assim, seu desempenho é contrastado ao do grupo controle de crianças com desenvolvimento típico, o qual por sua vez, é contrastado com o do grupo controle de adultos, cujo domínio da língua é tomado como plenamente satisfatório.

3.1. Teste de Compreensão: Mabilin (CORRÊA, 2012)

A investigação linguística stricto sensu é feita a partir da aplicação do MABILIN, um teste de compreensão com sentenças de alto custo computacional. O teste tem sido utilizado particularmente para a identificação de possíveis portadores de DEL/SLI (Déficit/Distúrbio Específico da Linguagem/Specific Language Impairment) (CORRÊA, 2012; CORRÊA e AUGUSTO, 2013). Para a presente pesquisa, utilizamos os resultados da aplicação deste instrumento realizado por Oliveira (2016) com o objetivo de obtermos uma avaliação do desempenho linguístico, particularmente a compreensão linguística em sentenças de alto custo computacional, mas sem demandas cognitivas visuo-espaciais.

Sentenças de alto custo, ou seja, sentenças com altos níveis de complexidade morfossintática costumam ser adquiridas mais tardiamente. Fazem parte desse grupo interrogativas QU, passivas e sentenças relativas. O MABILIN apresenta sentenças ativas, como linha de base e treinamento inicial, além das condições de teste incluindo sentenças passivas, interrogativas QU e QU+N, relativas de sujeito e de objeto, ramificadas à direita e encaixadas ao centro. O teste é composto por 8 sentenças de cada tipo.

Trata-se de uma atividade de seleção de imagens a partir de um comando dado pelo experimentador: Mostra a figura que combina com o que eu vou dizer. Dentre as figuras apresentadas, há (1a) figura-alvo, que apresenta exatamente o descrito pela sentença teste; (1b) erro provável, como ocorre quando se toma o agente como sujeito, em uma estrutura de voz passiva; e, por último, (1c) erro menos provável, com a identificação correta dos personagens mencionados na sentença sem que haja, no entanto, a ação correspondente ao descrito na sentença teste. O participante deve então apontar/dizer qual das três figuras corresponde ao que foi solicitado pelo experimentador.

Figure 1. Figura 1. Exemplo de figuras para a sentença passiva (A bailarina foi enfeitada pela menina), sendo Figura-alvo (1a), erro provável (1b) e erro pouco provável (1c). Fonte: CORRÊA (2012).

O MABILIN não foi aplicado ao grupo controle de adultos, uma vez que se selecionaram alunos de graduação, comprovadamente sem histórico de comprometimentos linguísticos, para os quais se assume um domínio satisfatório da língua, incluindo-se a compreensão de sentenças de alto custo computacional. Foram testadas 15 crianças em idade escolar (sendo 9 meninas, idade média: 7,7 anos), frequentando uma turma regular do 3º ano do ensino fundamental (Escola Municipal Leitão da Cunha) e 01 indivíduo diagnosticado com SW (estudo de caso) via confirmação da deleção dos genes relacionados à síndrome a partir do FISH4, que no momento da aplicação tinha 7 anos de idade.

No caso do indivíduo com SW foram disponibilizados mais momentos para a aplicação da avaliação de modo a respeitar o tempo limite de atenção além de prezar pela participação satisfatória do mesmo, sem que cansaço e desatenção fossem fatores que interferissem, inadequadamente, na performance do participante. Desse modo, enquanto as crianças do grupo controle realizaram o teste em uma única sessão, o indivíduo com SW realizou a tarefa em 2 sessões, em dois dias diferentes, com um intervalo de quinze dias entre os encontros. Cabe salientar, no entanto, que essa adaptação foi realizada tendo em vista especificidades do indivíduo, uma criança particularmente agitada, devendo ser ponderada para a aplicação em outro indivíduo com SW.

3.1.1. Resultados

Conforme esperado, as crianças do grupo com desenvolvimento típico apresentaram boa performance no teste linguístico, ou seja, não apresentaram dificuldades de compreensão em nenhuma das sentenças constituintes do teste. Os resultados do indivíduo com SW, descritos a seguir, reportados em Oliveira (2016), se mostram bastante satisfatórios, conforme se pode depreender da tabela na Figura 2.

Figure 2. Figura 2. Tabela com resultados do indivíduo com SW no MABILIN. Fonte: OLIVEIRA (2016).

O participante não demonstrou dificuldade na compreensão de nenhuma das condições testadas. Seu desempenho só não foi satisfatório nas sentenças ativas. Essa condição - na verdade, uma linha de base para o teste, que também funciona como sessão de treinamento - apresenta a estrutura menos complexa sob investigação, sentenças ativas. Espera-se uma quantidade mínima de 5 acertos para desempenho adequado, tendo o participante obtido 4 acertos. Assim, tendo-se verificado que o participante havia entendido a dinâmica do teste, optou-se por dar continuidade. No restante da avaliação, não houve dificuldades. Os resultados permitem, assim, considerar que o participante em questão não possui dificuldade na compreensão de sentenças de alto custo avaliadas pelo MABILIN.

3.2. Teste de Compreensão de Relações Espaciais: Verbos de Movimento

O denominado “Teste de Compreensão de relações espaciais: Verbos de Movimento” constitui uma atividade de julgamento de verificação de compatibilidade entre codificação linguística e eventos ocorridos e é aplicado com o auxílio de um computador com o software Paradigm instalado5. Assim, objetiva-se contrastar o desempenho de crianças com desenvolvimento típico ao do indivíduo com SW neste teste com demanda visuo-espacial, considerando-se sua avaliação satisfatória obtida no MABILIN, no qual não havia demandas dessa natureza.

Baseado na classificação dos verbos de movimento proposta por Silva Júnior (2015), a avaliação é constituída por 4 sentenças de treinamento (7), (8), (9), (10), que incluem ações que envolvem movimento dos personagens envolvidos sem que haja a inclusão de verbos de movimento. O teste inclui, ainda, 4 sentenças com cada tipo de verbos de movimento selecionados: verbos de movimento e modo (MM) com locativos de evento (11), (12), (13), (14); verbos de movimento e trajetória (MT) com locativo de predicador verbal (15), (16), (17), (18); verbos de movimento, modo e trajetória (MMT) com locativo de predicador via preposição e foco na meta (19), (20), (21), (22) e verbos de movimento, modo e trajetória (MMTD) com locativos de predicador via preposições com trajetória demarcada (origem e meta) (23), (24), (25), (26).

A tarefa do participante é ouvir uma sentença, ver um vídeo com uma cena rápida e avaliar se o vídeo combina ou não com a sentença ouvida. Por exemplo, para o enunciado O menino desceu a escada, o participante poderá ser apresentado ao movimento descrito ou mesmo ao movimento oposto, o de subir as escadas.6

Sentenças de treinamento:

(7) O menino jantou e foi dormir no sofá

(8) A menina jogou bola e depois assistiu TV

(9) O menino fez xixi e foi descansar na cama

(10) O cachorro comeu sua comida e depois brincou na sala

Verbos MM

(11) O menino balançou sua bola

(12) A menina girou com o seu balão

(13) A bola flutuou na piscina

(14) O cachorro rodou no chão

Verbos MT

(15) O menino desceu as escadas

(16) A menina entrou no quarto

(17) O menino chegou à casa

(18) O cachorro subiu na cama

Verbos MMT

(19) O menino andou até a porta

(20) A bola rolou até o quarto

(21) A menina correu para a cozinha

(22) O cachorro pulou até a piscina

Verbos MMTD

(23) O menino nadou de uma borda até a outra da piscina

(24) O menino empurrou a bola da sala até a cozinha

(25) A menina escorregou da cama até o chão

(26) A borboleta voou do balanço até a casa

Dessa forma, a partir da tarefa, o experimento busca analisar a compreensão de sentenças com demandas do domínio visuo-espacial e toma-se tipo de verbo e grupo como variáveis independentes e a resposta-alvo como variável dependente de modo a analisar se há diferença na performance nas diferentes condições. Espera-se que, por conta do comprometimento visuo-espacial encontrado em indivíduos com SW, essa população encontre grande dificuldade nesse tipo de tarefa.

Nossa hipótese é que os verbos de movimento não devem impor restrições específicas ao processo de aquisição, pois trata-se de uma aquisição lexical, enquanto que a expressão linguística dos locativos, associados a estes, pode impor algum custo adicional. As previsões geradas são as seguintes: (I) idade é relevante, devido a maior capacidade cognitiva e de memória de trabalho, e haverá uma distinção entre os resultados das crianças e dos adultos: (II) os verbos sem translação terão maior número de acertos do que os verbos com translação; (III) se o tipo de predicador for relevante, os verbos MT, cuja trajetória já está prevista no verbo, se diferenciarão dos verbos MMT e MMTD, cuja trajetória é requerida por preposição; (IV) se codificação da trajetória é custosa em si, verbos MMTD, com maior número de argumentos relacionados à trajetória, deverão apresentar maior dificuldade, pois demandam cognitivamente uma operação de checagem mais complexa. Em relação aos indivíduos com SW, prevê-se uma maior dificuldade com a tarefa, dado seu comprometimento do domínio visuo-espacial (V).

3.2.1. Método

Participantes:

Foram testados 31 participantes: 15 adultos (grupo controle), formado por estudantes da graduação da UERJ (sendo 12 mulheres, idade média: 22 anos); 15 crianças em idade escolar (sendo 9 meninas, idade média: 7,7 anos), frequentando uma turma regular do 3º ano do ensino fundamental (Escola Municipal Leitão da Cunha); 01 indivíduo diagnosticado com SW com idade de 10 anos na data da aplicação (as crianças participantes são as mesmas submetidas ao MABILIN).

Material

A aplicação do experimento se deu com auxílio de um computador com o software Paradigm instalado. No momento da aplicação, uma sentença aparece na tela ao mesmo tempo em que uma gravação lê o que está escrito para que, na próxima tela, um vídeo seja apresentado. Em momento posterior, uma tela questionando o indivíduo sobre a relação entre o vídeo e a sentença aparece e o mesmo deve responder se a sentença apresentada corresponde ao vídeo ou não. O programa fornece um arquivo em excel com o número de erros e acertos do indivíduo em cada condição.

Procedimento

O procedimento para a aplicação do experimento iniciou com o convite dos indivíduos para a participação individual de uma atividade. O grupo controle de adultos foi testado em uma sala localizada no Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. No caso do grupo controle de crianças, a testagem se deu em uma sala da instituição de ensino em que os mesmos estudavam. A aplicação do teste com o indivíduo com SW foi realizada em cômodo também adequado na residência do mesmo de modo a contemplar necessidades específicas do deslocamento e horário dos responsáveis e do indivíduo. Com a utilização do software Paradigm previamente instalado no computador, todos os indivíduos deveriam responder se havia ou não correspondência entre as sentenças apresentadas e os vídeos também apresentados. Os tipos de sentença bem como a ordem das figuras foram apresentados de forma aleatória. O procedimento pôde ser realizado sem intervalos e teve duração de 20 minutos, em média, inclusive para a criança com SW.

4.2.2. Resultados

Os resultados obtidos por indivíduos adultos sem nenhum tipo de comprometimento indicam uma participação bastante satisfatória na tarefa com boa performance em todos os tipos de verbos. Os resultados obtidos pelas crianças sem nenhum tipo de comprometimento também revelaram uma performance satisfatória na tarefa, com acertos acima de 75% em três das quatro condições testadas, sendo o maior número de acertos para a condição MM e o menor número de acertos para a condição MMTD. Quando comparados os resultados dos dois grupos foi possível observar menor número de acertos, em geral, por parte das crianças, com uma dificuldade mais acentuada particularmente nos verbos de movimento, modo e trajetória demarcada (MMTD), como pode ser visto no Gráfico 1, apresentando as médias por grupo:

Figure 3. Gráfico 1. Comparação entre a média de acertos em função do tipo de verbo e grupo em indivíduos com desenvolvimento típico crianças e adultos. Fonte: o autor.

Os dados foram submetidos a testes não-paramétricos. Em relação aos resultados dos adultos, o teste de Friedman não apontou diferença significativa na comparação geral entre as médias das condições experimentais (X2r (3) = 0,8, p=.849). O mesmo teste aplicado aos resultados das crianças retornou uma diferença apenas marginal na comparação geral ((X2r (3) = 6,86, p=.076). A aplicação do teste de Wilcoxon para as análises entre pares revelou uma diferença estatisticamente significativa entre todas as condições e a condição MMTD nas crianças: MM X MMTD (Z=-2,5103,p=.00604); MT X MMTD (Z=-2,0896,p=.03662); MMT X MMTD (Z=-2,3102 e W=3, p<0.5).

Esses resultados indicam que há uma distinção entre o comportamento de crianças e adultos, conforme previsão (i). Para aquelas, os verbos sem translação MM (O menino balançou sua bola) são os que obtêm maior média de acertos, mas, na verdade, não se diferenciam dos verbos MT (O cachorro subiu na cama) e MMT (O menino andou até a porta) (previsão (ii)). O tipo de predicador também não se mostra relevante, contrariamente ao previsto em (iii). Por fim, a previsão (iv) se mostra adequada, já que a condição MMTD (A criança escorregou da cama até o chão) foi a que apresentou menor número de acertos, mostrando-se significativamente distinta das demais condições.

Passamos, agora, aos resultados do nosso estudo de caso com o indivíduo com SW, uma criança com 10 anos, ou seja, cerca de 3 anos mais velha do que as crianças do grupo com desenvolvimento típico. Os resultados apresentados por esse participante com SW são, geralmente, inferiores aos das crianças com desenvolvimento típico, 3 anos mais novas. Observa-se uma dificuldade maior na compreensão de verbos MMTD, assim como observado nas crianças com desenvolvimento típico de 7 anos, o que pode ser observado no Gráfico 2.

Figure 4. Gráfico 2. Comparação entre a média de acertos em função do tipo de verbo entre a criança com SW do estudo de caso e o grupo das crianças com desenvolvimento típico. Fonte: os autores.

Os resultados desta participante se mostram inferiores (com exceção da performance com a condição MMT) aos obtidos pelas crianças com desenvolvimento típico, conforme previsto em (v), embora essa criança seja ainda mais velha do que as que compõem o grupo de crianças sem comprometimento. Essa maior dificuldade pode refletir o comprometimento cognitivo visuo-espacial, característico dessa população, que dificultaria sua performance frente a sentenças com esse tipo de demanda. O fato de haver ainda maior dificuldade com a condição MMTD (abaixo da chance), apresentada pelo participante com SW, evidencia que a adição de argumentos relacionados ao componente visuo-espacial fornece custo extra à compreensão de sentenças por esse indivíduo. Dessa forma, entende-se que os resultados preliminares vão ao encontro da hipótese de que o teste de compreensão visuo-espacial adiciona uma demanda advinda do domínio cognitivo visuo-espacial à tarefa e que essa pode ser uma dificuldade extra para indivíduos com comprometimento neste domínio cognitivo – neste caso, a SW, sugerindo que esse comprometimento pode impactar a performance linguística. Entretanto, fica clara a necessidade de ampliação do número de indivíduos avaliados nesse tipo de investigação, o que se encontra em desenvolvimento (Oliveira, em prep.).

5. Considerações Finais

O presente trabalho explora a relação entre o componente cognitivo visuo-espacial e a linguagem a partir dos denominados verbos de movimento. O interesse por esse fenômeno se dá especificamente em relação ao desempenho de indivíduos com SW, cujo componente cognitivo visuo-espacial está comprometido, ao passo que há uma controvérsia em relação à preservação do domínio linguístico. Assim, pode-se esperar que a compreensão de verbos de movimento possa ser impactada pela dificuldade com o componente visuo-espacial nessa população, sem necessariamente se tomar esse resultado como indício de um comprometimento linguístico stricto sensu. Em investigação em desenvolvimento, essa possibilidade é averiguada a partir da elaboração de testes de compreensão e produção com componentes visuo-espaciais a serem aplicados a essa população conjuntamente com um teste de compreensão linguística sem componentes espaciais (MABILIN), com o objetivo de fornecer um panorama sobre as habilidades linguísticas dessa população e esclarecer em que medida o comprometimento do domínio visuo-espacial impacta a sua performance linguística (OLIVEIRA, em prep.). Neste artigo, relatou-se um estudo de caso inicial, com um indivíduo com SW, submetido a ambos tipos de teste: o MABILIN e um teste de compreensão visuo-espacial com verbos de movimento.

A aplicação do Teste de Compreensão de relações espaciais: Verbos de Movimento leva em consideração custos adicionais relacionados aos componentes semânticos de cada um dos tipos de verbos de movimento (modo ou trajetória – demarcada ou não), além dos tipos de locativos associados a esses verbos (do predicador ou do evento). Esse custo associado à codificação visuo-espacial não está presente nas sentenças do MABILIN, que avalia, entretanto, a compreensão de sentenças de alto custo computacional, mas sem interferência do domínio cognitivo visuo-espacial.

As crianças do grupo controle obtiveram uma performance sem dificuldades no MABILIN, sendo que o indivíduo com SW também não apresentou dificuldades na compreensão de estruturas complexas, como aquelas testadas no MABILIN: passivas, interrogativas e relativas, ou seja, não foi evidenciado um comprometimento na compreensão de sentenças de alto custo para os participantes do estudo.

Em relação ao teste com componentes visuo-espaciais, observou-se que as crianças do grupo controle apresentaram um desempenho ligeiramente inferior ao dos adultos, com uma maior dificuldade na condição MMTD, indicando sua maior complexidade em relação aos demais tipos de verbos testados. A criança com SW obteve um quadro semelhante ao das crianças do grupo controle, também apresentando maior dificuldade com a condição MMTD. A condição com codificação de modo no verbo de movimento (MM) é a que apresenta maior número de acertos, não parecendo impor um impacto cognitivo custoso nem às crianças com 7 anos de idade, nem mesmo ao indivíduo com SW. Quanto à codificação de trajetória prevista pelo verbo de movimento e trajetória (MT) ou verbo de movimento, modo e trajetória (MMT), os resultados demonstram que ambos não se diferenciam, corroborando a afirmativa de que a codificação de trajetória, prevista ou não pela semântica do verbo, isto é, seja trajetória requerida como locativo de evento ou locativo de predicador, não parece ter custo diferenciado. Assim, o menor número de acertos recai mesmo sobre os verbos com delimitação da trajetória (MMTD), ou seja, quando tanto origem quanto meta estão codificados, com especial dificuldade para o indivíduo com SW, com resultados abaixo da média.

Esse tipo de resultado, principalmente no que diz respeito à performance do indivíduo com SW, traz à tona questionamentos sobre uma possível demanda estritamente cognitiva, estritamente linguística ou derivada da tarefa que combina demandas cognitiva e linguística. A criança testada, embora mais velha do que aquelas do grupo de crianças com desenvolvimento típico, pode ser afetada pelo comprometimento cognitivo, característico da síndrome, uma deleção genética que impacta diretamente o gene relacionado ao domínio cognitivo visuo-espacial.

Esse tipo de resultado, aliado ao resultado com o MABILIN e sentenças complexas da língua, para o qual o indivíduo com SW obteve resultado satisfatório, reforça a hipótese de que no caso da SW, não há comprometimento linguístico stricto sensu. A codificação linguística de elementos visuo-espaciais é custosa e quanto maior essa demanda, maior a probabilidade de impacto para os indivíduos com SW.

Avaliação

AVALIADOR 1: Mayara Nicolau de Paula

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7633-4494

FILIAÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.

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AVALIADOR 2: Rosângela Gabriel

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2535-2497

FILIAÇÃO: Universidade de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

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AVALIADOR 3: Cândido Oliveira

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7578-6288

FILIAÇÃO: Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2020-01-25 | 10:37

O artigo é bem construído e relata os resultados iniciais de um experimento linguístico interessante e relevante.

Título e resumo -  estão de acordo com as diretrizes.

Introdução -  apresenta os principais pontos a serem desenvolvidos ao longo do texto e a ordem em que eles serão apresentados.

Métodos - metodologia bem descrita, porém alguns detalhes poderiam estar mais bem explicados e justificados quando for o caso. vide arquivo do original

Resultados - o tema é extremamente relevante, no entanto os resultados são pouco trabalhados. A análise contém simplesmente uma reprodução do que os números já mostravam nos gráficos e não avança na reflexão, levantamento de novas hipóteses e comparação com resultados prévios. Seria interessante um trabalho em cima dessa seção.

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AVALIADOR 2

2020-02-11 | 07:53

O artigo trata de tema de interesse da área de Linguística, buscando identificar possíveis diferenças na compreensão de verbos de movimento por crianças com desenvolvimento típico e com Síndrome de Williams. Entretanto, o artigo não apresenta condições de ser publicado no momento, necessitando de cuidadosa reestruturação, uma vez que as partes do artigo não estão articuladas de modo a compor um todo orgânico, em que introdução, referencial téorico, metodologia, resultados e conclusões se articulam em razão dos objetivos propostos. No arquivo em anexo, há apontamentos que procuram indicar aos autores questões a serem contempladas na reestruturação do artigo.

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AVALIADOR 3

2020-03-30 | 08:23

Resumo: O trabalho “Os Verbos de Movimento e as Relações entre os Domínios Cognitivo visuo-espacial e linguístico” é um estudo piloto que tem por objetivo investigar o comportamento de uma criança com Síndrome de Williams (SW) frente a sentenças com diferentes tipos de verbos de movimento, em comparação com crianças e adultos sem essa síndrome. Para isso, os autores analisaram a performance dos participantes em uma tarefa estritamente linguística e uma tarefa com interface entre os domínios cognitivo visuo-espacial e linguístico. Os resultados da primeira tarefa sugerem que não há diferença no domínio estritamente linguístico entre a criança com SW e o grupo de crianças sem a síndrome. Na segunda tarefa analisou-se a performance dos participantes frente a verbos de movimento e modo; verbos de movimento e trajetória; verbos de movimento, modo e trajetória com foco na meta; e verbos de movimento, modo e trajetória com trajetória delimitada. Os resultados indicaram que as crianças apresentaram maior dificuldade nas frases com verbos de movimento, modo e trajetória com trajetória delimitada. A criança com SW apresentou dificuldade ainda maior nessa condição. Os autores interpretam esses dados como indicativo de que a dificuldade apresentada por portadores da SW não é estritamente linguística, mas sim uma dificuldade na interface entre os domínios cognitivo visual-espacial e linguístico.

Comentários: O artigo está bem redigido em língua portuguesa e atende à estrutura do gênero artigo científico.  O trabalho discute um tema muito pertinente, não apenas para a linguística, mas também para a neurociência. Abaixo apresentarei alguns comentários sobre o trabalho com o objetivo de contribuir com sua versão final.

Título:

O título se relaciona bem com o trabalho. No entanto, acredito que ele deveria incluir a Síndrome de Williams, já que o objetivo principal do trabalho é investigar “o domínio de verbos de movimento na aquisição típica e atípica, com indivíduos com Síndrome de Williams”

Resumo:

O resumo é sucinto, como esperado.  Ele contém o objetivo, a metodologia e os resultados finais. A autora, no entanto, não menciona a relevância do estudo e deixa de fora um dos experimentos conduzidos.

Introdução:

A autora pode situar melhor a finalidade do seu estudo em relação à “hipótese de pesquisadores e linguistas que afirmam que o domínio linguístico na síndrome estaria intacto e que a performance comprometida observada em algumas tarefas seria consequência da interferência indireta do comprometimento cognitivo.” O objetivo é apresentado de forma geral apenas: “Este artigo apresenta as primeiras reflexões acerca do domínio de verbos de movimento na aquisição da linguagem típica e por uma população com comprometimento cognitivo – os indivíduos com Síndrome de Williams-Beuren (SW).”

Base Teórica:

Ao descrever as línguas com frame no satélite (LFS), a autora utiliza como exemplo a frase “the dog ran in the house”. Fiquei em dúvida se o exemplo correto não seria “the dog ran into the house”

O referencial teórico da pesquisa parece pouco atualizado, principalmente no que se refere aos trabalhos sobre o comportamento linguístico dos portadores da SW. Sugiro a autora adicionar evidências mais recentes sobre esse tema, tais como os trabalhos da pesquisadora Alexandra Perovic (ex: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10489223.2016.1187618) e, em âmbito nacional, o trabalho de Kelcius Ferreira, que também é um estudo de caso (http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoscespuc/article/view/18762).

Ademais, sugiro que a autora detalhe mais os estudos que afirmam que o domínio linguístico na patologia em questão estaria prejudicado e aqueles que acreditam na preservação linguística da síndrome.

Metodologia e Resultados:

A autora deve explicitar o papel dos três grupos de participantes (criança com SW, crianças sem SW e adultos sem SW) em cada um dos experimentos.

Os gráficos deveriam incluir o desvio padrão para uma melhor visualização das diferenças entre os grupos.

Tarefa 1: A autora inclui o grupo de adultos na descrição dos participantes da tarefa 1, mas depois diz que eles não fizeram a tarefa. Não seria melhor desconsiderá-los desde o início? Se não, é importante explicar o papel que os adultos terão nessa tarefa.

A autora afirma que “no caso do indivíduo com SW foram disponibilizados mais momentos para a aplicação da avaliação de modo a respeitar o tempo limite de atenção além de prezar pela participação satisfatória do mesmo, sem que cansaço e desatenção fossem fatores que interferissem, inadequadamente, na performance do participante”. Acredito que seria importante reportar se houve de fato necessidade de procedimentos diferentes para o indivíduo com SW.

A autora indica que o mal desempenho do indivíduo com SW em parte da primeira tarefa reflete “a adaptação do indivíduo ao procedimento, tendo sido feita a opção por dar continuidade à aplicação do teste”. Os outros indivíduos não apresentaram essa dificuldade? Não houve sessão de treinamento? Essas questões precisam ser apresentadas de forma mais clara.

Tarefa 2: Os resultados são apresentados de uma forma que nos da a entender que há diferença significativa entre o indivíduo com SW e as demais crianças. No entanto, não são apresentados dados estatísticos suficientes para essa conclusão.

Considerações Finais:

Na discussão dos resultados, a autora deve voltar à sua hipótese e ao referencial teórico situando o seu estudo em relação às pesquisas anteriores.

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RODADA 2

AVALIADOR 1

2020-05-05 | 06:14

Diante das alterações que foram implementadas pelos autores, o artigo está pronto para publicação.

Os autores consideraram com muito cuidado todos os tópicos levantados na primeiro parecer e fizeram as devidas adaptações.

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AVALIADOR 3

2020-04-22 | 07:03

Resumo: O trabalho “Os Verbos de Movimento e as Relações entre os Domínios Cognitivo visuo-espacial e linguístico” é um estudo piloto que tem por objetivo investigar o comportamento de uma criança com Síndrome de Williams (SW) frente a sentenças com diferentes tipos de verbos de movimento, em comparação com crianças e adultos sem essa síndrome. Para isso, os autores analisaram a performance dos participantes em uma tarefa estritamente linguística e uma tarefa com interface entre os domínios cognitivo visuo-espacial e linguístico. Os resultados da primeira tarefa sugerem que não há diferença no domínio estritamente linguístico entre a criança com SW e o grupo de crianças sem a síndrome. Na segunda tarefa analisou-se a performance dos participantes frente a verbos de movimento e modo; verbos de movimento e trajetória; verbos de movimento, modo e trajetória com foco na meta; e verbos de movimento, modo e trajetória com trajetória delimitada. Os resultados indicaram que as crianças apresentaram maior dificuldade nas frases com verbos de movimento, modo e trajetória com trajetória delimitada. A criança com SW apresentou dificuldade ainda maior nessa condição. Os autores interpretam esses dados como indicativo de que a dificuldade apresentada por portadores da SW não é estritamente linguística, mas sim uma dificuldade na interface entre os domínios cognitivo visual-espacial e linguístico.

Comentários: O artigo está bem redigido em língua portuguesa e atende à estrutura do gênero artigo científico.  O trabalho discute um tema muito pertinente, não apenas para a linguística, mas também para a neurociência. Na última versão dos artigos os autores atenderam as sugestões emitidas no primeiro parecer no que concerne:

  1. A inclusão da Síndrome de Williams no título,
  2. A clareza na descrição da relevância do trabalho e da metodologia no resumo,
  3. A clareza do objetivo do estudo em relação à fundamentação teórica,
  4. Ampliação da discussão e do referêncial teórico sobre o comportamento linguístico dos portadores da SW
  5. A clareza do papel dos diferentes grupos de participantes no estudo
  6. A seção de treinamento
  7. Os procedimentos específicos ao portador de SW.
  8. Ligação entre base teórica e discussão dos resultados

Estas e outras alterações realizadas ao longo do manuscrito tornaram o seu conteúdo mais consistente e claro. As autoras também esclareceram minhas dúvidas quanto a estrutura de sentenças que ilustram línguas com frame no satélite.

Sugiro apenas que um dos trechos inseridos seja reformulado. O excesso de conectivos parece ter prejudicado um pouco a leitura:

“Por outro lado, pesquisadores também chamam a atenção para o fato de se constatar, na verdade, um atraso dessa população na aquisição desses fenômenos linguísticos, havendo, no entanto, um desenvolvimento semelhante ao de crianças mais novas, o que pode ser tomado como argumento a favor da hipótese de preservação linguística na síndrome.”

Em função do acima exposto, me manifesto favoravelmente à aprovação do projeto proposto.

How to Cite

OLIVEIRA, R. M. de; AUGUSTO, M. R. A. Relationship between the visuo-spatial cognition and the linguistic domain in Williams syndrome: a case study with verbs of motion. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 01–20, 2020. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n2.id27. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/27. Acesso em: 26 apr. 2024.

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