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Urban toponymy: what the names of the oldest neighborhoods of Ouro Preto - MG

Fernanda Kelly Mineiro Fernandes

Universidade Federal de Ouro Preto image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0001-5772-0496


Keywords

Lexicon
Urban Toponymy
Black gold
Cultural Memory

Abstract

In this work, we propose an excerpt from the Master's thesis, under development in the Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos da Linguagem - POSLETRAS / ICHS / UFOP, entitled “Memory and Tradition: toponymic study of the oldest neighborhoods in Ouro Preto – MG”. The toponymic cut investigated comprised 10 names of neighborhoods Ouro Preto, which compose the corpus of the research, in the synchronic and diachronic perspectives. The old Vila Rica, founded in 1711, located in the central region of Minas Gerais and one of the main areas of the Ciclo do Ouro, was the first Capital of Minas Gerais, whose name was changed to Ouro Preto, in 1823. The city was also the first Brazilian to receive the title of World Heritage, granted by UNESCO in 1980. Its estimated population is 74,558 people, according to data from IBGE (2020). Toponymy is conceived, in the scope of this research, as a branch of Onomastic that investigates the proper names of places, being, then, a branch of the linguistic studies more specifically of the studies of the lexicon of the language. When considering the interface between language, lexicon, history, culture and geography, Toponymy ends up configuring itself as a discipline with a strong interdisciplinary character, dialoguing with cartography, history and anthropology, among other areas. With this research, in addition to the objective of contributing with part of the recovery of the cultural memory of the Municipality, through the toponymic study of its neighborhoods, we seek to foster a reflection regarding the toponymic motivation and its importance for society, to the extent that the denominational act can reveal historical, social and cultural aspects of a community. Thus, as we want to emphasize throughout the text, carrying out this type of study can instigate the importance of valuing the local heritage.

Introdução

Para Saussure (1975[1916]) o signo linguístico é de caráter arbitrário, o que implica a compreensão de que não existe uma motivação natural queexplique a razão capaz de relacionar o significante com o significado. Desse modo, uma unidade lexical não é denominada conforme o significado que ela veicula, assim, o que existe é um nível de convencionalidade da linguagem, que faz com que culturalmente seja definido o sentido que determinada palavra terá, ou qual significante será atrelado a um conceito.

Sob esse enfoque, ao observar e nomear o que está ao seu redor, o homem constrói o conceito e esse receberá o nome, logo, um conceito é maior do que o seu exemplar, de modo que a palavra (significante) evoca uma imagem mental (significado). Ou seja, ao ouvir ou ler a palavra caneta, por exemplo, evoca-se na mente do ouvinte/leitor o conceito que ele tem associado ao objeto, isto é, serve para escrever. Entretanto, o signo linguístico une o conceito à imagem acústica e não o objeto e a nomenclatura.

Para Guiraud (1980, p. 22),

A visão ou a lembrança de uma ÁRVORE evoca no espírito do locutor a imagem visual do conceito (arbor1); esse conceito evoca por associação a imagem acústica da palavra (árvore); os sons (“árvore”) transportados no ar sob forma de ondas sonoras vêm atingir o ouvido do ouvinte, e provocam em seu espírito a imagem acústica (árvore), que evoca por associação a imagem conceitual (arbor2) (grifos do autor).

Na perspectiva saussuriana o signo é composto pela união entre a parte perceptível, isto é, a impressão que a percepção nos traz à mente e o sentido que é atribuído a essa percepção. Nas palavras de Saussure (1975[1916]), p.80), “O signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces [...]”, e a relação entre o significante e o significado é determinada a partir de convenção de um grupo linguístico, visto que não existe uma regra que a estabeleça.

A título de ilustração, tomemos como exemplo a palavra bola. Sob a ótica de Saussure, ao ouvir essa palavra, uma imagem acústica é produzida na mente do ouvinte, entretanto, ela possui outros nomes em diferentes línguas, como ball no inglês, pelota no espanhol, palla no italiano; ou seja, variando de acordo com convenções e com princípios estruturais da linguagem. Não há, portanto, nenhuma motivação intrínseca para que o conceito bola só possa ter uma mesma imagem acústica. Essa relação é resultado de uma convenção.

Outro princípio importante nos estudos saussurianos é o da linearidade. Esse está atrelado à linguagem verbal, que é linear no som de cada palavra, na sucessão de fonemas, de palavras umas às outras, de frases umas às outras, de períodos e parágrafos em que há uma linha de signos vindo uns após os outros, que interferem na significação de um e de outro. Dessa maneira, uma palavra poderá assumir um sentido de acordo com o contexto, com o texto e a conjuntura da comunicação na qual os interlocutores estão inseridos. Para exemplificar, a palavra canto terá o valor de ponta, esquina, quina, duas superfícies que se encontram quando se referir a local, mas poderá, também, estar relacionada à música. Já a palavra manga, de acordo com a sua inserção, assume valor de uma parte de uma peça de roupa (em que se coloca o braço), uma fruta (oriunda da mangueira) ou, ainda, advindo do verbo mangar (zombar, caçoar), quando empregado na 3ª pessoa do singular do presente do indicativo. Essas são palavras denominadas homônimas, cuja pronúncia e escrita são as mesmas, mas os significados são diferentes, visto que o sentido é dado conforme alguns elementos extralinguísticos que nele interferem, como o contexto em que essas palavras estão sendo usadas.

Nessa mesma direção, Guiraud (1980, p. 26) discute a problemática da concepção saussuriana de que as palavras não têm sentido. Nessa visão, as palavras têm emprego e o sentido [...] “depende da relação das palavras com outras palavras do contexto, e tais relações são determinadas pela estrutura do sistema linguístico”.

Nas palavras do autor:

O sentido, ou antes, os sentidos de cada palavra, são definidos pelo conjunto dessas relações, e não por uma imagem da qual ele seria o portador. O termo ‘sentido’ encontra assim a sua etimologia, já que ele significa ‘direção’, isto é, orientação para outros signos (GUIRAUD, 1980, p. 26).

Assim, o acervo de palavras pertencentes à determinada língua, cuja característica básica é a mutabilidade e o seu léxico não é finito, está ligado à significação e às relações que cada vocábulo pode estabelecer no campo semântico, isto é, diz respeito aos diversos significados que uma palavra possui, de modo que um mesmo termo pode operar com vários sentidos. Assim, trazemos como exemplo o verbo deixar e seu respectivo campo semântico: abandonar, permitir, partir, retirar-se, demitir-se, entre outros.

Duarte Júnior (1988, p. 17) postula sobre a relação entre o conceito de um objeto e a palavra que o representa:

[...] esse objeto a minha frente. Não sei o que é, não sei de sua utilidade, nunca o vi antes. Alguém me informa: "isto é um grampeador - com ele podemos prender juntas algumas folhas de papel”. Se de agora em diante me falarem de um grampeador, saberei do que se trata. Meu mundo se ampliou, nele coube mais um nome, mais um objeto significativo. O grampeador – o objeto e a palavra que o representa – passou a fazer parte do meu mundo.

Para Guiraud (1980) no momento da criação os signos linguísticos são motivados, todavia, no decorrer do tempo, muitos nomes se tornam opacos, em oposição àqueles que apresentam relação entre significante e significado, chamados transparentes.

Em qualquer sistema organizado de informação o conjunto de topônimos constitui-se como elemento indispensável de localização, visto que, exemplificando, quando um veículo de comunicação necessita descrever um acontecimento na superfície terrestre não basta mencionar apenas o dia, a hora, as coordenadas geográficas e os pontos cardeais inerentes à celebração, catástrofe, conflito, inauguração, ou fenômeno natural, uma vez que apenas essas informações não possibilitam a identificação precisa do local de ocorrência do evento, o nome próprio do lugar responde de forma mais exata às questões que envolvem o “onde”.

A natureza do nome próprio é um tema tratado por diferentes correntes do pensamento. Autores principalmente nos campos da Lógica, da Filosofia da Linguagem e da Linguística discorreram em busca da construção de seu conceito, destacando as funções que eles podem assumir, sobretudo a linguística, semântica, referencial e vocativa.

De acordo com Ullmann (1965), ao se considerar os nomes próprios de forma descontextualizada, isto é, fora de um contexto de uso, eles não possuem significados. Todavia, quando são utilizados para indicar lugares ou pessoas conhecidos pelos interlocutores, eles se tornam nomes carregados de conotações. Para Guérios (1981, p. 15), “Todos os vocábulos ou signos possuem ‘alma’, i.e., sentido ou significado, e “corpo” ou significante, que é, na linguagem falada, o som, e na linguagem gráfica e escrita”.

Ainda segundo Guérios (1981, p. 16), os nomes próprios se distinguem dos comuns porque são “vocábulos desprovidos de ‘alma’, ou melhor, ficaram ‘petrificados’; apenas conservam o ‘corpo’ ou significante”. Os nomes comuns, por sua vez, possuem “alma”, e se não possuem o significado de origem “é porque houve ‘desvio’ ou evolução. Contudo, isso não é absoluto, pois, p. ex., uma localidade que se chama Bahia, por excelência, pode traduzir de fato e atualmente uma baía”.

Guimarães (2002, p. 9-10) afirma que as pessoas equivocadamente relacionam os termos nomeação, designação e referência como sinônimas, e procura distingui-las. Para ele, nomeação “é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe um nome.”; a designação “é o que se poderia chamar de significação de um nome. Seria a significação enquanto algo próprio das relações de linguagem, mas enquanto uma relação linguística simbólica remetida ao real, exposta ao real, ou seja, enquanto uma relação tomada na história.”; a referência é “a particularização de algo na e pela enunciação”.

Nos estudos onomásticos, autores dividem-se acerca da questão de os nomes próprios conterem ou não conterem sentido. Há estudiosos que justificam o afastamento dos significados iniciais do nome próprio com o passar do tempo, o que os torna esvaziados de sentido.

Dick (1990, p. 201), ao discorrer acerca da teoria antroponímica, argumenta que o nome próprio é visto por muitos como

[...] uma classe meramente identificadora de indivíduos, sem o aparato circunstancial que se lhe outorgava antes. Se os nomes não mais significam como antigamente, não se quer com isso dizer que a teoria antroponímica deve deixar de lado o seu estudo, porque o seu objeto está “fossilizado”, como diz Dauzat, ou como dizemos nós, cristalizado em formas vazias. Estas, porém podem e devem ser cuidadosamente interpretadas para que se entenda esse complexo mecanismo que envolveu o nome pessoal, em suas origens. Não acreditamos, entretanto, que a concepção mágica do nome esteja completamente extinta pelo predomínio de uma mentalidade moderna, mais racional e lógica. Ainda há vestígios dela, remanescentes seus que persistem na preferência maior ou menor que se confere a diversos vocábulos antroponimizados.

Para Lyons (1997), os nomes próprios têm referência e se em algum momento tiveram sentidos, esses tornaram-se opacos. Portanto, para alguns autores o nome próprio cumpre somente a função de identificar, funcionando como “rótulo”; para outros, eles também podem significar.

Nessa perspectiva, a escolha do nome de um acidente geográfico não é aleatória, isto é, ela pode ter sido motivada, no geral, pelas características do local, por uma motivação particular de quem nomeou ou pela escolha coletiva de seus moradores e/ou frequentadores. Assim, quando se dá um nome a um lugar é projetada nele uma visão de mundo do(s) denominador(es).

Sob esse viés, este artigo discute os resultados parciais da análise dos nomes dos dez bairros mais antigos de Ouro Preto/MG, sobre os quais teceremos considerações acerca de nossas hipóteses no que diz respeito à motivação da escolha da designação desses logradouros, investigando, também, a permanência, variação e mudança linguísticas dos designativos. Além disso, a partir da toponímia urbana selecionada, procura-se evidenciar a prevalência da estrutura morfológica bem como da classificação segundo a motivação semântica e a predominância da língua originária desses topônimos.

Os topônimos investigados, na sincronia atual, são: Antônio Dias, Cabeças, Lages, Morro da Queimada, Morro São João, Morro Santana, Padre Faria, Pilar, Rosário e Taquaral.

1. Fundamentação Teórica

1.1. Língua, Sociedade e Cultura

Ao longo do tempo, o homem criou meios, formas e sinais que, decodificados por outro homem, permitiram a interação entre eles, possibilitando, assim, o relacionamento social. Desse modo, as ferramentas utilizadas na comunicação podem ser basicamente representadas por fala, escrita e gestos, isto é, por meio de sinais sonoros, gráficos e visuais, caracterizando a formação das linguagens. Dessa maneira, a linguagem é uma forma de se relacionar, portanto, um instrumento fundamental na constituição do sujeito e na construção da sociedade.

Sob esse enfoque, uma vez que por meio da língua o sujeito, como membro de um grupo social, se expressa e, assim, exprime parte da cultura de um povo, percebe-se a intrínseca relação entre língua, sociedade e cultura. Nesse sentido, a ligação entre esses três conceitos é imanente, visto que não há cultura sem língua e que a sociedade se constitui por meio da língua e da cultura.

De acordo com Biderman (2001), a interação entre o homem e o ambiente no qual está inserido como participante de uma comunidade se realiza pela língua, pois “movido por estímulos exteriores e interiores, o indivíduo é levado a comunicar-se, utilizando o instrumento coletivo de comunicação e expressão: a língua”.

Por esse ângulo, a língua não só representa o elemento de uma cultura1 (cujo conceito mais amplo será apresentado na próxima seção), como também a reflete. Portanto, língua, cultura e sociedade são indissociáveis e estão relacionadas com a história de um povo na medida em que a linguagem é concebida como uma prática cultural.

De acordo com Duranti (2000, p. 447-448)2,

Adquirir uma língua significa fazer parte de uma comunidade de pessoas que participam de atividades comuns através do uso, embora nunca completo, de uma grande variedade de recursos comunicativo compartilhado. Nesse sentido, adquirir uma língua significa fazer parte de uma tradição, compartilhar uma história e, portanto, ter acesso a uma memória coletiva, cheia de histórias, alusões, opiniões, receitas e outras coisas que nos tornam humanos. Não adquirir uma língua ou ter apenas um conjunto muito limitado de recursos significa ser privado desse acesso

Essa relação intrínseca de língua, cultura e sociedade estabelece arranjo essencial nas atividades humanas, de modo que as mudanças acontecem, tanto na cultura quanto na língua, seja por modificação, acréscimo ou proscrição de elementos. Assim, a sociedade reestrutura aspectos linguísticos respondendo às questões culturais, políticas e sociais.

No que diz respeito à dimensão sociocultural, a qual confere à linguagem diferentes e mutáveis aspectos que ela apresenta no tempo e no espaço, ao longo dos anos, os falantes utilizam-se da língua para conceber a realidade exterior e expressar valores na denominação de acidentes físico-geográficos e humanos, refletindo essa interrelação entre léxico e cultura.

1.2. Considerações sobre o conceito de cultura

Tendo em vista a complexidade de conceituar cultura, uma vez que, frequentemente, seu conceito é tomado como unívoco e, ainda, associado apenas à aquisição e ao acúmulo de conhecimento, contudo, a sua conceituação não é estática, mas dinâmica.

Nessa direção, ao conceber cultura de forma homogênea e singular, muitas pessoas nutrem a ideia de que não há outras maneiras de ver o mundo além da sua, isso, muitas vezes, em razão da ausência de informação e de contato com outros povos e culturas. Além disso, ao considerarmos que o modo de ver e compreender o mundo é formatado pela língua que se fala, o fato de só falar a própria língua pode gerar espanto, repúdio e desprezo para algumas pessoas ao conhecer outras civilizações com seus costumes, práticas e crenças.

Por esse lado, a cultura não representa nem determina o grau de civilização, mas o percurso histórico pelo qual passaram as sociedades e seus diferentes aspectos, como históricos, geográficos e sociais, entre outros. Dessa maneira, a cultura envolve várias questões subjetivas de um povo, de modo que nas relações entre língua e comunidade se constituem sociedade e cultura.

Para Lyons (1982, p. 274), “cada sociedade tem a sua própria cultura e diferentes subgrupos dentro de uma sociedade podem ter sua própria subcultura distintiva”.

De acordo com Fiorin (2003, p. 71),

A mesma realidade, a partir de experiências culturais diversas, é categorizada diferentemente. Nenhum ser do mundo pertence a uma determinada categoria, os homens é que criam as categorias e põem nelas os seres. Isso não acontece só com os seres concretos. Imaginemos que uma pessoa mata outra. Essa ação pode ser categorizada como assassinato, como acidente, como cumprimento do dever, como ato de heroísmo, como perda temporária da razão.' Essa categorização determina nossas atitudes: prendemos o assassino; perdoamos quem foi vítima das circunstâncias; elogiamos o policial que matou o sequestrador que mantinha pessoas como reféns, porque cumpriu seu dever; damos uma medalha ao herói que, na guerra, matou o inimigo. Como dissemos, a língua não é uma nomenclatura aplicada a uma correalidade cuja categorização preexiste à significação.

Em se tratando dos nomes dados a lugares, pode-se inferir que, cada grupo social, que possui características culturais próprias projeta nos nomes escolhidos para identificação dos lugares aspectos da sua realidade cultural, social, histórica, físico-geográfica, dentre outros. Nesse sentido, os topônimos são pistas, sinais da cultura e indicativos da história e da linguagem de um povo.

1.3. O léxico e o ato de nomear lugares

Desde o início dos tempos, a nomeação de lugares sempre foi realizada pelo homem. Assim, o ato de nomear representa uma atividade inerente à condição humana. Nessa perspectiva, na Bíblia, livro sagrado dos cristãos, está escrito que no princípio era o “verbo”, isto é, a palavra, vinculando o conceito de linguagem diretamente à própria ideia da existência, ou seja, da criação.

Tendo em vista que a história da civilização revela a nomeação de pessoas e de lugares como uma prática bastante comum ao homem, esse costume pode ser evidenciado, também, no livro de Gênesis, que narra a origem da humanidade e a criação do mundo, em que o povo hebreu foi escolhido por Deus “como representativo e depositário” para todas as nações.

Nascia no Éden3 um rio que atravessava o jardim para o irrigar, dividindo-se depois em quatro braços. Um destes braços era o rio Pisom4, que atravessava toda a terra de Havilá5 (...) O segundo braço do rio chama-se Giom6, e percorre toda a terra de Cuxe7. O terceiro braço é o rio Tigre8, que corre pelo lado leste da Assíria. E o quarto braço é o rio Eufrates (BÍBLIA, GN 2, 10, 1995, grifo nosso).

Nessa mesma direção, se considerarmos que um lugar poderá ser denominado como também renomeado por diferentes motivos, seja pela necessidade de localização e de identificação do espaço, seja por intenções subjetivas, como homenagear e fazer com que o nome de uma pessoa perpetue, honrando-a com um topônimo, a atribuição nominativa fornece pistas para a compreensão da cosmovisão do nomeador e dos eventos históricos de sua época, os quais podem ser apreendidos na investigação do nome dado a uma rua, praça, avenida, bairro, instituição pública, córrego, escola, dentre outros.

Para Sapir (1969) a língua é “um guia para a realidade social”,concepção que corrobora a importância de se considerar a língua como inerente à sociedade e à cultura, isto é, concebendo-a como refletor da realidade sociocultural de uma comunidade.

Esse autor afirma, ainda, que

O léxico da língua é que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social dos falantes. O léxico completo de uma língua pode se considerar, na verdade, como o complexo inventário de todas as ideias, interesses e ocupações que açambarcam a atenção da comunidade. Não é difícil encontrar exemplos de línguas cujo léxico traz assim o sinete do ambiente físico em que se acham situados os seus falantes (SAPIR, 1969, p. 45).

Sapir (1969) defende a ideia de que os seres humanos vivem em universos mentais distintos condicionados pela sua cultura e expressos pela língua que eles falam, é o que se chama de determinismo linguístico. Segundo essa hipótese, há uma relação sistemática entre as categorias gramaticais da língua e o modo como vemos o mundo, de tal modo que língua e cultura se condicionam mutuamente. Desse modo, cada língua recorta a realidade de uma maneira particular, contudo, a língua não tem o poder de criar limites reais entre as coisas.

Biderman (1998, p. 93) sustenta que “cada língua traduz o mundo e a realidade social segundo o seu próprio modelo, refletindo uma cosmovisão que lhe é própria, expressa nas suas categorias gramaticais e léxicas”.

Em se tratando dos nomes dados a lugares, pode-se inferir que cada grupo social, que possui características culturais próprias, projeta nos nomes escolhidos para identificação dos lugares aspectos da sua realidade cultural, social, histórica, físico-geográfica.

Conforme Faggion, Dal Corno e Frosi (2008, p. 278),

[...] os topônimos são sinais importantes, indicativos da cultura, da história e da linguagem de um povo. Ditos ou escritos, os topônimos propiciam informações a respeito das sucessivas gerações de uma localidade, dos homens que aí nasceram, trabalharam e viveram, bem como daqueles que mereceram sua homenagem. Aludem a fatos e datas significativas, dão conta das devoções, traduzem sentimentos. Assim, saber o exato significado do nome de uma cidade, bem como de suas ruas, praças e parques, significa, verdadeiramente, conhecer essa cidade e reconhecer seus valores.

Sob esse prisma, os nomes de lugares são também veículo de ideologias, quando essencialmente relacionados à História. De acordo com Faggion, Dal Corno, Frosi (2008), quando a motivação denominativa não retrata um fato histórico e não transporta um aspecto geográfico, o ato de nomear passa a despontar a finalidade de quem nomeia.

O topônimo é um pequeno texto, é um pequeno discurso, depositário de toda uma situação de fala e das complexas relações que a sustentam, e depositário também do momento histórico, e do pensamento que configura esse momento histórico e/ou é por ele configurado. E esse pequeno discurso, diferente dos demais porque pode durar séculos ou milênios, ao mesmo tempo preserva e revela, ou apenas desvela, as ideologias que o engendraram ou que por ele perpassam (FAGGION, MISTURINI, DAL PIZZOL, 2013, p. 1).

Para Isquerdo (2008, p. 36),

[...] os topônimos confirmam a tese de que a história das palavras caminha muito próxima à história de vida do grupo que dela faz uso, razão pela qual a ação de atribuir um nome a um lugar corporifica uma soma de diversificados fatores – linguísticos, étnicos, socioculturais, históricos, ideológicos – do grupo que habita o espaço geográfico tomado como objeto de investigação.

Nesse sentido, não há neutralidade no topônimo, visto que um lugar pode ser denominadocom propósitos e intenções diversos que perpassam e transcendem a função de identificação, deixando, assim, traços que nos permitem recuperar a cosmovisão do nomeador, sobretudo frente à configuração geográfica em seu entorno e aos eventos históricos de sua época; desse modo, a visão de mundo poderá ser apreendida por meio do exame do nome atribuído a uma rua, praça, avenida, bairro, instituição pública como também a um rio, córrego, lagoa, montanha, dentre outros.

1.4. A Toponímia

Como disciplina da Onomástica, a Toponímia investiga os nomes próprios de lugares em que o léxico toponímico reflete diversos aspectos, como culturais, históricos e ambientais, do lugar nomeado. O topônimo é composto pela junção do nome próprio de um lugar e o acidente geográfico/humano, que, conforme Dick (1990, p. 10), corresponde ao “conjunto ou relação binômica, que se pode seccionar para melhor se distinguirem os seus termos formadores”.

Ao revelar aspectos histórico-culturais de um núcleo humano, a toponímia extrapola as funções de referenciação e nomeação, já que propicia a identificação de crenças, valores, ideologias e fatos linguísticos do ato denominativo. Assim, levando em conta a carga significativa do nome dado a um lugar, a investigação toponímica possibilita aventar hipóteses sobre a visão de mundo do designador projetada no nome dado a um lugar.

De acordo com Dick (1990), por meio da pesquisa toponímica é possível percorrer diversas áreas do conhecimento, para além do campo linguístico, em razão da interdisciplinaridade da Toponímia.

[...] a Toponímia, como disciplina do saber humano, reúne, também, as condições intrínsecas necessárias para uma pesquisa em profundidade de tais especificações antropológicas. Ao especialista da matéria abre-se, dessa forma, um amplo campo de investigações e não será pretensioso de sua parte objetivar o encontro de vinculação entre o nome de lugar e as características que subordinam o denominador à sua época. [...] [o topônimo] reflete, de perto, a própria substância ontológica do social, onerado que está de uma profunda carga significativa. Um solo agreste, um clima árido, uma vegetação pobre ou abundante, uma escassez hidrográfica, a peculiar atividade regional ou, por outro lado, a relativa segurança econômica e as tendências artístico-religiosas predominantes na localidade, tendem a configurar, com precisão, o sistema toponímico em espécie, aberto a todas as feições culturais. (DICK, 1990, p. 48).

Na função onomástica, o topônimo é o signo linguístico que nomeia um lugar, de modo que, de acordo com Dick, ele descreve “uma projeção aproximativa do real, tornando clara a natureza semântica de seu significado” (DICK, 1980, p. 290) e testemunha a natureza antropocultural e física de uma determinada região. Assim, “o que era arbitrário, em termos de língua, transforma-se, no ato do batismo de um lugar, em essencialmente motivado, não sendo exagero afirmar ser essa uma das principais características do topônimo” (DICK, 1990, p. 38).

Conforme Borges e Carvalhinhos (2009, p. 83), o topônimo “não é o lugar em si, mas uma de suas representações, carregando em sua estrutura sêmica elementos da língua, da cultura, da época de sua formação, enfim, do homem denominador”.

Dick (1992, p. 18) propõe uma distinção relativa à intenção do denominador e a carga semântica do topônimo, defendendo a ideia de que o signo toponímico é motivado e a motivação possui um duplo aspecto:

O duplo aspecto da motivação toponímica transparece, assim, em dois momentos:- primeiro na intencionalidade que anima o denominador, acionado em seu agir por circunstâncias várias, de ordem subjetiva ou objetiva, que o levam a eleger, num verdadeiro processo seletivo, determinado nome para este ou aquele acidente geográfico; - e, a seguir, na própria origem semântica da denominação, no significado que revela, de modo transparente ou opaco, e que envolve procedências as mais diversas.

As práticas dos povos autóctones relativas à nomeação revelam aspectos físicos do espaço para a localização do lugar considerada como motivação primária. Conforme dissertam Seabra e Isquerdo (2018, p. 994),

[...] a função referencial, seja ela voltada para o nome de pessoa ou para o nome de lugar é a que se destaca [...] Por se tratar de estudos que envolvem a função referencial ou denotativa da linguagem não se pode falar em Onomástica – Toponímia e Antroponímia – sem se esbarrar na função primeira desses signos linguísticos que é a referência, nem, tampouco, deixar de estudar a função simbólica ou representativa que eles sustentam, isto é, a vinculação do significado de um nome a uma determinada pessoa ou localidade implica necessariamente a pergunta sobre o que ele simboliza, o que representa ou denomina.

Todavia, há casos em que o resgate da intencionalidade do denominador exige a recuperação do contexto social, histórico e político em que estava inserido, que influenciaram na atribuição de nomes aos lugares. Desse modo, a pesquisa toponímica não se limita a uma área que trata somente o mote da nomeação de acidentes geográficos e humanos, mas, por meio do estudo do léxico toponímico de um grupo social é viabilizada a compreensão sobre a confluência entre língua e cultura.

Sobre o campo de estudo da Onomástica, Amaral e Seide (2020, p. 10) argumentam que,

[...] em síntese, o nome próprio, de pessoa ou de lugar, registra e perpetua crenças, valores, procedências de grupos sociais e, por extensão, da sociedade em diferentes momentos de sua história com suas ideologias, devoções, motivações e também seus modismos e valores. Logo, o estudo dos nomes próprios, para além da dimensão linguística dos signos antroponímico e toponímico, implica considerações sobre particularidades que os envolvem, como questões históricas e ideológicas, incluindo processos de renomeações (substituições, acréscimos, reduções de palavras), muito recorrentes sobretudo em nomes de lugares, além de transferências entre nomes de pessoas e de lugares, fenômeno frequente na nomeação especialmente de lugares, em que antropônimos se deslocam para o universo dos nomes de lugares adquirindo o status de topônimos. Trata-se, pois, de uma área de investigação com forte caráter interdisciplinar, na medida em que a Onomástica, enquanto campo autônomo e solidificado de conhecimento, dialoga com a Linguística, área mais ampla a que se vincula, com a História, a Geografia, a Antropologia, a Sociologia.

Sob esse viés, pode-se apontar o estudo dos topônimos como um importante recurso pelo qual é revelada a visão de mundo bem como os valores, as crenças, as ideologias e os costumes daqueles que viveram em uma determinada localidade, de maneira que a escolha do nome poderá ser justificada por estar relacionada com o seu nomeador ou com o referente.

Conforme afirma Dauzat (1926, p.7), a Toponímia “conjugada com a história, indica ou precisa os movimentos antigos dos povos, as migrações, as áreas de colonização, as regiões onde tal ou tal grupo linguístico deixou seus traços”.

No que diz respeito à formação dos topônimos ouro-pretanos, uma vez que povos, raças, línguas, nações e diferentes culturas passaram a sediar a região no final do século XVII e início do século XVIII a partir da descoberta e da divulgação dos terrenos auríferos presentes nessa parte do território mineiro, foram fundados arraiais e esses receberam o nome dos primeiros descobridores. Segundo Vasconcelos (1977, p.15-16): “Espalhada a notícia das descobertas, consideráveis levas de aventureiros para elas se dirigem, cabendo a Antônio Dias de Oliveira, acompanhado pelo Pe. João de Faria Filho e pelos irmãos Camargos, fundar, por volta de 1698, o arraial que lhe toma o nome, origem de Vila Rica”.

Destarte, a miscigenação do português com o indígena e, mais tarde, com os negros, corroborou a formação da cultura e da língua, contribuindo para o aparecimento de novas maneiras de pensar, de se comportar e de agir que refletiram nos nomes atribuídos, particularmente, aos arraiais que se constituíram em torno da atividade de extração do ouro, formando no futuro a Vila.

1.5. Linguagem, memória e toponímia

Uma das formas de conservação da memória de um povo é a tradição oral, o que é passado de geração em geração. Assim, embora grandes personagens e acontecimentos estejam imortalizados nos livros de história, outros só existem na memória oral da cidade.

Nessa direção, para Assmann (2011), não há uma essência da memória, visto que os indivíduos lembram e esquecem dos fatos e das coisas, como também o fazem grupos, sociedades e instituições, de modo que as formas de recordação são acentuadas culturalmente.

Ao dialogar com diversos autores clássicos das diferentes áreas do saber, a autora examina os mais variados usos da memória, além de as formas como essa foi vista em diferentes épocas, abordando temáticas como recordação, identidade, memória e esquecimento

Em se tratado dos topônimos e da sua relação com a memória, nas mais antigas denominações brasileiras de lugares é bastante comum aspectos descritivos, sobretudo nas de origem indígena. Desse modo, o topônimo denota a visão do índio e a sua forma de nomear baseada na descrição. Como exemplo, temos Itá, que no tupi guarani significa pedra, rocha. Conforme Pontes (1970, p.190), “Esta raiz entra em composição de topônimos mais de duzentas vezes”, de modo que

A nomenclatura mineral é sempre itá seguida do adjetivo de cor ou de propriedde; itá-juba, itá-tinga, itá-una, itá-membeca, etc.

Itabaiacu, tabaiacu (“+baiacu) = pedra que tem baiacu.

Itaberaba, itaberá, itavera, itaverá (“+ beraba) = pedra que brilha, cristal.

Itabira (“+byra = erguer-se) = pedra levantada, empinada. Cidade de Minas, no Vale do Rio Doce.

Itabirito (itabira + ito = sufixo grego) = rocha metamorfica xistosa, composta de grãos de quartzo ferriginoso, minério de ferro; nome da cidade de Minas, na região das nascentes do Rio das Velhas; grande centro de mineração de ferro (PONTES, 1970, p. 190, grifos do autor).

No entanto, muitas vezes, o ato de nomear não denota a descrição geográfica ou o evento histórico, entendidos como motivadores da denominação. Nessa perspectiva, o topônimo representa uma relação com a memória de um povo. Aliás, a denominação toponímica pode tornar-se opaca, isto é, no decorrer do tempo, o nome que prevalece num lugar não representa mais a configuração geográfica dessa localidade, ou não existem mais a cultura e a língua que o originaram, ou o evento histórico procedente do nome não é conhecido pela comunidade, apesar disso, o nome não deixa de ser referência. Desse modo, por meio do estudo do topônimo a memória de um povo é preservada.

Nesse viés, o nome de um lugar está atrelado à sua realidade linguística bem como a fatos, situações, características da localidade e ao período em que foi nomeado. Portanto, o nome é cristalizado e se torna parte da língua. Logo, a investigação toponímica possibilita o não apagamento da história local de um grupo, que não se encontra registrada oficialmente. Contudo, ela é conservada na memória e pode ser transmitida pela tradição oral, podendo ser resgatada pela análise de seus topônimos.

Segundo Dick (1990, p. 97), os nomes atribuídos a lugares “são recortes de uma realidade vivenciada, conscientemente ou não pelo denominador isolado ou pelo próprio grupo, numa absorção coletiva dos valores especiais que representam a mentalidade do tempo histórico ou ethos grupal”, portanto, o estudo dos topônimos pode revelar padrões vigentes e dominantes da época.

1.6. Caracterização histórico-cultural de Ouro Preto

Ouro Preto está localizada no estado de Minas Gerais, na região Sudeste do país. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,2020), sua população estimada era de 74.558 pessoas em 2020.

Situada em uma das principais áreas do ciclo do ouro, de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN,2014), Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Mundial, em 1980, pela Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (UNESCO). Foi palco da Inconfidência Mineira, principal movimento de oposição e revolta à metrópole portuguesa, ocorrido em 1789.

Vila Rica, antiga denominação de Ouro Preto, cuja economia e riqueza giravam em torno da atividade da mineração de ouro, é também concebida como berço do barroco mineiro e cenário de grandes manifestações culturais.

Nessa perspectiva, povos de várias tribos deram nomes às montanhas, rios, cachoeiras e cidades: Tripuí, Itacolomi, Bororó e Paracatu. O Sertão dos Cataguases ou Minas dos Cataguases9, antigo nome de Minas Gerais, passou a ser povoado com a vinda de expedições organizadas em busca dos seus metais preciosos.

Segundo Antonil (2011[1711), o território onde está situado Ouro Preto, passou a ser denominado como pertencente a Minas10, a partir de 1710, após a chegada dos primeiros exploradores de ouro, para buscar índios, quando um mulato da comitiva de paulistas desceu das alturas do Tripuí11, às margens do córrego do mesmo nome, para tirar água. Ao retirar a gamela, percebeu que vinham com a água uns granitos negros, os quais levou para Taubaté e os vendeu. Contudo, em razão do desconhecimento, alguns desses granitos foram vendidos por valores insignificantes, além de ser informado aos seus compradores acerca do local onde foram encontrados. Conforme Bandeira (1967), o Itacolomi[4] serviu de baliza norteadora por conta de sua estrutura e posição de destaque entre outras formações rochosas existentes no local. Mais tarde, esses granitos, cuja natureza não reconheceu, foi enviado ao governador do Rio de Janeiro, Arthur de Sá e Meneses, que “trincando-os nos dentes”, descobriu o brilho próprio do metal, “que era ouro de mais fino quilate”.

A partir disso, baseadas na referência do Itacolomi, foram realizadas várias incursões, entretanto, as primeiras bandeiras transviaram-se e não tiveram êxito na busca pelo ouro. Mas, em abril, de 1698, Antônio Dias de Oliveira, em nova expedição, partiu para o sertão, adentrando por outro caminho diferente dos que os antecederam. Segundo Bandeira (1967), em vez de penetrar pela Itavera, como tinham feito os predecessores, esse bandeirante entrou por onde os primitivos caçadores de índios haviam saído. Depois de acampar no local com sua comitiva, ao alvorecer, avistou a famosa pedra caracterizada pelos descobridores, na véspera de São João.

Antônio Dias informou seus parentes e amigos acerca da descoberta, o que fez com que muitas outras minas passassem a ser exploradas com a chegada de mais bandeiras na região, entre os quais, capelão da bandeira, o Padre João Faria de Fialho. Assim, fundaram-se os arraiais de Padre Faria, Antônio Dias, São João, Bom Sucesso, Ouro Preto e Morro do Ouro Podre cuja população expandiu rapidamente.

Segundo Vasconcellos (1977, p.16), por estímulo da Metrópole intensificou-se a penetração nessas terras em busca de novas descobertas e, assim, a “concessão de especiais favores aos responsáveis” pelo descobrimento das novas lavras. “Considerando-se, porém, como novas só as lavras distantes, pelo menos meia légua, das conhecidas, procuram-se os mais ambiciosos destas afastar-se a fim de enquadrarem nas condições estabelecidas para a concessão das citadas regalias”, o que corroborou a ocupação das minas, dos entornos e, assim, a formação dos primeiros arraiais.

Em toda a parte, eram pesquisadas as areias dos ribeiros e a terra das montanhas e, quando encontravam algum terreno aurífero, construíam barracas em suas vizinhanças, a fim de explorá-lo. Estas espécies de acampamentos (arraias) tornavam-se pequenas povoações, depois vilas; e foi assim que os paulistas começaram a povoar o interior da terra, incorporando à monarquia portuguesa regiões mais vistas do que muitos impérios (SAINT-HILAIRE apud VASCONCELLOS, 1977, p. 17)

Com base no exame dos aforamentos da época, é possível perceber que o crescimento das explorações culminou na organização dos povoados. Conforme Vasconcellos (1977, p. 17), nesses povoados capelas foram sendo erguidas, “cujos adros e caminhos, caseados, vão cordear os incipientes logradouros púbicos”. Em 1711 quase todos os arraiais e futuros bairros já estavam formados, de modo que as designações de muitos perduram até hoje.

Segundo Vasconcellos (1977, p. 19),

Interferindo os novos emigrados com as ambições e os pretendidos direitos dos descobridores, vai a posse comum das riquezas produzir choques e ódios, cada vez mais frequentes e acirrados, resolvidos, afinal, na luta armada em que se empenham. Com a vitória dos emboabas, seus rivais abandonam a região ou confinam-se os seus remanescentes, como na serra do Ouro Preto, em arraiais próprios dos paulistas.

Pela observação dos tombamentos de Vila Rica depreende-se a existência e divisão de dois arraiais maiores: o de Antônio Dias e outro no fundo de Ouro Preto (atual bairro N. S. do Pilar), onde se desenvolveu o comércio. De acordo com Costa (1970), Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, governador da unidade administrativa, em visita à região determina a junção dos arraiais e a fundação da Vila Rica.

Costa (1970, p. 127) discorre acerca da motivação referente à atribuição dos nomes dos primeiros povoados formados no território mineiro:

Os primeiros núcleos de população que se formaram no terreno mineiro receberam os nomes que lhes foram dados pelos bandeirantes paulistas e outros povoadores, inspirados tantos nos aspectos oferecidos pela natureza como no sentimento religioso manifestado desde os primeiros tempos pelos descobridores do Brasil. Vera-Cruz foi o nome por eles dado inicialmente ao País, numa dupla inspiração sugerida pela Constelação do Cruzeiro no nosso céu e pelo emblema do cristianismo que para eles deveria representar [...]. Cada acidente geográfico recebia o nome de acordo com o santo do dia, no calendário cristão.

Conforme Vasconcelos (1974), até 1701 a presença de emboabas (forasteiros) não gerava qualquer conflito aos paulistas, descobridores das terras. Entretanto, com o advento da fome muitos paulistas abandonaram as lavras, de maneira que os estrangeiros passaram a ocupar o território, quando em 1705-1706, os emboabas se sobressaíram em relação aos paulistas não só em número, mas em poder econômico, gerando desentendimentos e desordem.

Tanto a freguesia de Ouro Preto quanto a de Antônio Dias foram fundadas por bandeirantes paulistas, mas havia uma polarização em torno de suas matrizes. Apesar disso, Vila Rica formou-se pela junção de ambos os arraiais. Com a derrota na Guerra dos Emboabas, os paulistas se estabeleceram no núcleo de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, porém, a paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Antônio Dias continuou pertencendo aos paulistas. Em Antônio Dias desenvolveu-se a mineração e, em Ouro Preto, a atividade comercial.

Muitos topônimos foram formandos em volta dessas duas freguesias principais e ali se mantêm há três séculos desde o surgimento dos dois arraiais, outros, com o passar do tempo, unificaram-se, outros ainda, sofrerem variação e mudança linguística.

2. Procedimentos Metodológicos

No primeiro momento, foram levantados os bairros que compõem a cidade de Ouro Preto junto à Prefeitura Municipal, selecionando aqueles constituídos a partir dos arraiais.

Em seguida, paralelamente à leitura do material bibliográfico, a princípio, as referências básicas da Toponímia, foi importante que se fizessem algumas visitas à Câmara Municipal, aos Museus, ao Arquivo Público de Ouro Preto (ambos situados no próprio Município) e ao Arquivo Público Mineiro (situado em Belo Horizonte/MG), bem como às outras instituições responsáveis por registros dessa natureza, em busca de documentos que trouxessem informações relativas à nomeação desses bairros, como aos arquivos eclesiásticos. Para tanto, foi protocolado, via e-mail, uma solicitação de acesso aos documentos nessas unidades.

Embora pretendêssemos no decorrer da pesquisa retornar a esses espaços quantas vezes fossem necessárias para novas consultas ao acervo, em razão da situação de pandemia não foi possível realizar mais de uma visita, uma vez que esses locais foram fechados para cumprimento das recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde), em relação às medidas preventivas contra a disseminação do coronavírus.

De tal modo, foi realizada uma visita à Câmara da cidade antes do período de isolamento social, para o levantamento dos bairros com as respectivas leis que os denominaram. Todavia, só foram encontradas as leis de criação de bairros mais novos, datados a partir de 1960.

De acordo com sra. Rosemeire Dias Bezerra, responsável pelo setor de Licitação e Contratos da Câmara Municipal de Ouro Preto, as leis que antecedem esse período não estão em poder da Câmara. Conforme a informante, haveria a possibilidade de encontrá-las no Arquivo Público Municipal, entretanto, em contato com a coordenadora dessa entidade, a sra. Helenice Afonso de Oliveira e a colaboradora sra. Polyana Renata de Oliveira, a equipe está trabalhando em home office e a instituição não possui o seu acervo digitalizado, o que acabou restringindo e limitando nossas consultas.

Desse modo, procedemos com o levantamento de dados, porém, em arquivos digitais, tais como o Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência – Casa do Pilar, Biblioteca Nacional (1973), Arquivo Nacional (2020), Arquivo Histórico Ultramarino (2018), Arquivo Público Mineiro (2013), Biblioteca Digital (1966), entre outros, à procura de documentos e mapas antigos que remetem à época de surgimento dos primeiros arraiais, os quais formaram a Vila e, posteriormente, a cidade de Ouro Preto.

Partimos, então, em busca de bibliografias dos principais historiadores do período bem como do relato de viajantes e de cartas geográficas confrontando os dados, a fim de investigar a motivação toponímica e a ocorrência de variação e mudança na configuração do nome desses bairros.

No que diz respeito ao trabalho de campo, em busca de dados programamos entrevistas com moradores dos bairros que constituem o corpus da pesquisa, principalmente com aqueles residentes mais antigos com o intuito de investigar o que se sabe da origem e da motivação desses topônimos. No entanto, tivemos que nos adequar às necessidades impostas pelo isolamento social, que impediu o contato pessoal com os entrevistados, visto que parte desse público é composta basicamente por idosos, isto é, pessoas do grupo considerado um dos mais suscetíveis à contaminação epidêmica.

Assim, pensando na segurança e preservação da saúde dessas pessoas, optamos por outros meios de contato, que ocorreram por meio de áudios via WhatsApp e Instagram e, também, por chamada telefônica. Alguns deles apresentaram dificuldade com o manuseio dos aparelhos eletrônicos utilizados na comunicação. Outros ainda, por serem mais avançados em idade, apresentaram dificuldades com a audição, necessitando da mediação de um familiar.

Antes disso, realizamos uma primeira entrevista12 com residentes de faixa etária diversificada, variando dos 15 até os com mais de 65 anos, por meio de questionário eletrônico pré-estruturado, servindo de teste piloto com o propósito de testarmos a eficácia dessa ferramenta e, com isso, termos a possibilidade de melhorar a elaboração das perguntas, conforme os objetivos da pesquisa. Aliás, a variação na faixa-etária dos entrevistados também teve como intuito observar um possível embate geracional quanto às informações recebidas. Desse modo, com o referido questionário buscamos avaliar a compreensão dos entrevistados, de modo que pudéssemos intervir no sentido de modificar, acrescentar informações e explicações àquelas perguntas que desencadearam dúvidas aos participantes.

Além do levantamento e da apreciação dos dados coletados por meio de questionários pré-estruturados, empregamos a metodologia da Antropologia Linguística, que se assenta na crença da necessidade do estabelecimento de uma relação de espontaneidade entre pesquisador e informante, o que se dá mediante conversas mais dinâmicas, abertas e acessíveis, realizadas via áudios de aparelhos eletrônicos e chamada telefônica.

Em alguns casos, a partir do comando de relaxamento do isolamento social pelo órgão responsável, em acordo com alguns moradores que não estavam inseridos nos quadros considerados de risco, foi possível efetuar as entrevistas de forma presencial, respeitando-se todas as medidas protetivas e sanitárias de combate à Covid-19.

Simultaneamente, como forma de proteger o bem-estar das pessoas envolvidas na pesquisa, os entrevistados receberam um Termo de Consentimento com esclarecimentos acerca dos objetivos e dos procedimentos da pesquisa, que foi assinado por eles. Ademais, o projeto a que se vincula este trabalho foi cadastrado no ambiente da Plataforma Brasil e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), para o qual foi emitido o parecer favorável.

Em posse de alguns dados, iniciamos a confecção das fichas lexicográficas e históricas, visitando os bairros sempre que necessário para a complementação de informações pendentes. Isto posto, procederemos à redação de textos dissertativos que reproduziram as informações contidas nas fichas.

Desse modo, foram realizadas considerações quantitativas e qualitativas a respeito dos nomes dos bairros e realizada a classificação taxionômica com base em Dick (1990), a fim de organizar e facilitar o estudo dos designativos, bem como identificar a dimensão ontológica dos topônimos e examinar a que apresenta maior ocorrência quanto à natureza e à classificação.

Posteriormente, analisamos documentos emitidos no período da nomeação dos arraiais, à procura de informações que possibilitassem a compreensão da motivação da escolha de seus nomes e a confirmação das nomeações, observando a possível ocorrência de variação e/ou mudanças nos designativos.

3. Análise e Discussão dos Resultados

Partindo do princípio de que a análise dos nomes próprios de lugares possibilita a percepção da visão do designador quanto ao surgimento e desenvolvimento do núcleo populacional em que ele habita, à formação da paisagem urbana e à transformação da sociedade, a relação estabelecida entre o homem e o meio ambiente é projetada no ato da nomeação. De acordo com Andrade (2017, p.145), “O nome de lugares expressa, diretamente, relações entre o homem e espaço geográfico, uma vez que o ato de nomear é essencialmente humano, estabelece vínculo social e cultural, diretamente ligado à ocupação, posse e conhecimento do local ou área nomeada”.

À vista disso, a toponímia fornece pistas para a descoberta de aspectos históricos, geográficos, culturais e sociais de uma determinada época bem como dos processos políticos, administrativos e econômicos que forjaram uma sociedade.

No que diz respeito às motivações nominativas dos dez topônimos ouro-pretanos, que constituem o corpus deste trabalho, cinco são de natureza antropocultural e cinco de natureza física. Dos cinco topônimos de natureza antropocultural, dois homenageiam pessoas envolvidas com a descoberta da região, a saber, Antônio Dias e Padre Faria; dois remetem fé católica dos denominadores: Pilar (Nossa Senhora do Pilar) e Rosário (Nossa Senhora do Rosário), e Cabeças diz respeito à entrada na Vila. Quanto a esse designativo, havia um acesso, no século XVIII, que representava a entrada para quem vinha das Capitanias do Rio de Janeiro e de São Paulo para a Vila Rica pela região dos campos (Itabira do Campo, Congonhas do Campo e Cachoeira do Campo). Esse acesso era denominado Estrada Tronco ou Caminho Tronco cuja região das Cabeças era o início do acesso que se seguia para o Morro de Santa Quitéria (atual praça Tiradentes) passando pelos principais arraiais de Ouro Preto (N. S. do Pilar) e Antônio Dias, com a saída para o Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (hoje Mariana).

Com uma população considerável, Vila Rica se transformara em centro das atividades econômicas, sociais, administrativas e políticas da Capitania. No início do século, todavia, o aspecto da formação urbana obedecia à lógica da aglomeração, com assentamentos que se formavam ao longo dos caminhos. Do alto do Passa-Dez e das Cabeças até o Padre Faria e o Taquaral, passando pelo Ouro Preto e pelo Antônio Dias, a ocupação do espaço acompanhava a vertente do caminho que seguia pelo ribeirão do Carmo, formando a chamada “estrada-tronco” de Vila Rica, a partir do que o traçado urbano dela evoluiu. A estrada tronco como o eixo principal de desenvolvimento do traçado urbano se manteve durante todo o século XVIII (VELOSO, 2018, p. 61, grifos nossos).

Veloso (2018, p. 64) acrescenta que as moradas foram se formando em torno desses caminhos, “com a ocupação progressiva das encostas dos morros, nas proximidades dos caminhos que atravessavam Vila Rica”. Segundo o autor, “essa configuração do traçado urbano, baseado nessa estrada-tronco que fazia as ligações entre altos de morro e vales e margens de córregos, se manteve como eixo central de desenvolvimento de Vila Rica ao longo de todo o século XVIII” (p.64).

Quanto aos outros cinco topônimos, classificados como de natureza física, temos: Lages que diz respeito ao quartzo encontrado no lugar que recebeu a denominação e era usado nas edificações das residências, calçamentos e templos; Taquaral que alude às fazendas de taquaras presentes no lugar; Morro da Queimada que recebeu tal designativo em razão do incêndio e demolição ocorridos no arraial; Morro São João e Morro Santana que correspondem, respectivamente, às homenagens a São João Batista e à Santa Ana.

Considerando-se a mesma proporção de topônimos de natureza física e antropocultural, presume-se que o entorno à volta de quem deu o nome a esses lugares, bem como os artefatos de sua fé e religião foram as principais influências na escolha dos nomes dos arraiais formados nas terras descobertas.

Os dados geraram o gráfico representado.

Figure 1. Gráfico 1 – Influência nas nominações dos dez topônimos de Ouro Preto quanto à natureza. Fonte: Elaboração da autora

No que concerne à classificação taxionômica, conforme a proposta de Dick (1990), o topônimo Antônio Dias é um antropotopônimo por se tratar de um nome próprio individual de pessoa.

Faria (2017, p.110) propõe nova classificação toponímica, a saber: os antropo-axiotopônimos e os antropo-axio-historiotopônimos. Nas palavras da autora:

Consideramos que todos os indivíduos que se incluem nas taxionomias de axiotopônimos e parte dos historiotopônimos – topônimos que destacam pessoas que receberam títulos e que possuem reconhecimento local, regional, nacional ou internacional – antes de serem reconhecidos como autoridades ou históricos, foram cidadãos comuns que tiveram seus nomes registrados em pia batismal e em cartório.

Os topônimos Pilar (Nossa Senhora do Pilar) e Rosário (Nossa Senhora do Rosário) são hierotopônimos, pois são relativos aos nomes sagrados da crença cristã, isto é, se referem a manifestações de Nossa Senhora; o Cabeças é um somatotopônimo porque corresponde aos topônimos empregados em relação metafórica a partes do corpo humano; o Lages é classificado como um litotopônimo, já que é de índole mineral, relativo à constituição do solo; o Taquaral é um fitotopônimo por ser formado por um nome de natureza vegetal; e, por fim, os topônimos Morro da Queimada, Morro São João e Morro Santana são geomorfotopônimo, que são os topônimos relativos às formas topográficas. Ou seja, o nomeador foi motivado pela caracterização geográfica do espaço, uma vez que o povoado foi formado em encosta de montanha.

Percebe-se, ainda, que não só os topônimos classificados como hierotopônimos, mas também dois dos três geomorfotopônimos, todos de base composta, são motivados por devoção e religião católica. Aliás, esses dois geomorfotopônimos têm o termo morro como o primeiro elemento formante e, o segundo, concernentes à crença religiosa: “Santana” e “São João”.

O Morro da Queimada, que forma a tríade dos geomorfotopônimos, passou a ser assim denominado após o incêndio e a demolição das propriedades de Pascoal da Silva Guimarães, português que ocupou o local e enriqueceu-se com uma técnica de extração do ouro na Serra da Vila, e dos participantes da Sedição de 1720, a mando do Conde de Assumar. Inicialmente o local era conhecido como Morro do Ouro Podre ou Morro do Pascoal Silva, na primeira década do século 18. Conforme Vasconcelos (1974), o nome foi dado pelos mineradores ao verem o funcionamento da técnica de talho aberto disseminada por Pascoal da Silva Guimarães, que consistia na projeção de água corrente sobre valas abertas pelos escravizados impulsionando a lama aurífera para os corredores, dando a impressão de tratar-se de um ouro podre, solto.  Essa técnica permitiu o avanço da área explorada e transformou a região na principal zona de mineração de Vila Rica, contribuindo para o rápido enriquecimento de Pascoal da Silva Guimarães, cujo poder adquirido fez com que o local ficasse conhecido como Morro do Pascoal Silva. Entretanto, a Metrópole Portuguesa não estava satisfeita com a circulação e o comércio do ouro na região e, assim, passou a intensificar a cobrança do quinto por meio das Casas de Fundição, onde o ouro era transformado em barra com a finalidade de evitar o contrabando e extraído dele 20 % para a Coroa. Assim, formou-se um protesto coletivo em que Pascoal da Silva Guimarães foi tido como um dos cabeças do motim, e resultou no processo de queima de suas propriedades, designando o atual Morro da Queimada.

Com base nesses dados, elaboramos o seguinte quadro:

Topônimos de natureza antropocultural Topônimos de natureza física
AntropotopônimoAntônio Dias LitotopônimoLages
AxiotopônimoPadre Faria? FitotopônimoTaquaral
HierotopônimosNossa Senhora do PilarNossa Senhora do Rosário GeomorfotopônimosMorro da QueimadaMorro São JoãoMorro Santana
SomatotopônimoCabeças
Table 1. Quadro 1 – Síntese dos topônimos mais antigos de Ouro Preto-MG quanto à natureza e à classificação toponímica Fonte: Elaboração da autora

A partir da classificação dos topônimos sintetizados e expostos no quadro 1, geramos o gráfico que se segue:

Figure 2. Gráfico 2 – Classificação taxionômica dos topônimos ouro-pretanos Fonte: Elaboração da autora

O exame dos topônimos selecionados para este estudo reflete o contexto histórico-cultural da formação do território ouro-pretano, descoberto em fins do século XVII. A presença indígena bem como a ocupação por bandeirantes paulistas e os processos colonizatórios oriundos da imigração de portugueses pode ser vista na nomeação dos lugares, como capelas, igrejas, praças, pontes, travessas, largos, alamedas, becos, córregos, rios, fazendas, sobretudo dos arraiais que se transformaram em bairros.

4. Considerações Finais

O presente artigo teve como objetivo traçar o perfil toponímico dos dez bairros mais antigos de Ouro Preto/MG. Para isso, discorremos a respeito da Toponímia enquanto um ramo dos estudos linguísticos, mais especificamente dos estudos do léxico da língua, que se ocupa dos nomes próprios de lugares. Procuramos apresentar a análise dos dados estudados neste trabalho, utilizando como suporte teórico-metodológico as orientações de Dick (1986, 1990; 1992) que inclui a sua proposta de classificação taxionômica composta por 27 taxes, divididas em 11 de natureza físicas e 16 de antropoculturais, a fim de mostrar as principais motivações toponímicas referentes à escolha dos nomes de lugares. Assim, por meio deste trabalho, buscamos mostrar a importância dos estudos toponímicos para uma sociedade.

A partir da investigação, apontamos as considerações a seguir: os hierotopônimos e os geomorfotopônimos representam as principais motivações do(s) designador(es); a prevalência da língua portuguesa na nomeação dos arraiais baliza as presenças do colonizador e do bandeirante na região; também é possível notar o tupi nos designativos geográficos com menor recorrência; em relação às taxes, constata-se a mesma proporção tanto de natureza física quanto de natureza antropocultural.

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How to Cite

FERNANDES, F. K. M. Urban toponymy: what the names of the oldest neighborhoods of Ouro Preto - MG. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 2, n. 2, p. e373, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2021.v2.n2.id373. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/373. Acesso em: 29 mar. 2024.

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