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Research Report

Production and perception of the variable deletion of /R/ in syllabic coda in Porto Alegre Portuguese

Lívia Majolo Rockenbach

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https://orcid.org/0000-0003-2346-1697

Elisa Battisti

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https://orcid.org/0000-0002-6701-4218


Keywords

Vibrant in coda
Phonology
Linguistic variation
Perception
Style

Abstract

This article is about the production, perception and linguistic evaluation of the variable deletion of /R/ in syllabic coda in Porto Alegre Portuguese (mulhe[ɾ]~mulhe[Ø] ‘woman’, po[r]que ~ po[Ø]que ‘because’, dirigi[r] ~ dirigi[Ø], ‘to drive’) based on the Theory of Variation and Change (LABOV, 2008) and on theories of perception, attitude and linguistic evaluation (LAMBERT et al., 1960, GILES; BILLINGS, 2004, PRESTON, 2003, ECKERT, 2004, 2005, 2008). A review of previous studies (CALLOU; LEITE; MORAES, 2002, MONARETTO, 2002, OUSHIRO; MENDES, 2015) suggests that the deletion of /R/ in coda is in progress in Brazilian Portuguese varieties. The objectives of the article are (1) to clarify the linguistic and social factors correlated to the deletion of /R/ in syllabic coda in Porto Alegre Portuguese, (2) to verify whether the deletion has social meanings. Two analyzes were carried out: quantitative (TAGLIAMONTE, 2007) with the R software, on speech data from 16 sociolinguistic interviews from LinguaPOA (2015-2019); and a pilot test of perception and linguistic evaluation with the matched-guise technique (LAMBERT et al., 1960). Quantitative analysis reveals that the deletion of /R/ in Porto Alegre is predominantly conditioned by linguistic variables and appears to be progressing in the community. The pilot test indicates that deletion is perceived and evaluated in contrast to non-deletion and  suggests that the variable has social meanings. Mapping the variable's social meanings to its indexical field (ECKERT, 2004, 2008) suggests that deletion indexes social meanings related to less beautiful and less young personae.

Introdução

Este artigo reúne os principais resultados de Rockenbach (2020), estudo que se insere no campo da sociolinguística e segue a Teoria da Variação e Mudança Linguística de Labov (2008). A variação linguística é aqui entendida como heterogeneidade ordenada: se há variação na fala de uma comunidade, ela não é caótica, é sistemática e correlacionada a fatores linguísticos e sociais. Investiga-se a variável apagamento de /R/ em coda silábica (mulhe[ɾ]~mulhe[Ø], po[r]que ~ por[Ø]que, dirigi[r] ~ dirigi[Ø]) no português de Porto Alegre (RS) por meio de dois procedimentos teórico-metodológicos: análise de regra variável (TAGLIAMONTE, 2007) e teste-piloto de percepção e avaliação linguística (LAMBERT et al., 1960).

A análise de regra variável conforma-se à sociolinguística laboviana e visa à definição dos condicionadores linguísticos e sociais das variáveis, com o que se esclarecem normas de uso da variável na comunidade por meio do tratamento estatístico de dados de fala representativos. O teste-piloto de percepção e avaliação linguística, por sua vez, baseia-se em teorias (PRESTON, 2003, ECKERT, 2004, 2005, 2008) para as quais percepção e atitude linguística relacionam-se à construção de estilo, concebido como o conjunto de práticas com base em que as pessoas criam significado social. Desse modo, variação linguística é entendida como dotada de significação social e sua investigação busca esclarecer o funcionamento da linguagem em sociedade.

Assim, são dois os objetivos deste estudo: (1) esclarecer os fatores linguísticos e sociais correlacionados ao apagamento de /R/ em coda silábica no português de Porto Alegre; (2) verificar se o apagamento tem significados sociais.

O estudo estrutura-se em quatro seções. Após esta Introdução, a primeira traz os fundamentos teóricos do estudo, desde a teoria de base até a revisão de estudos variacionistas já realizados em torno da variável em questão, englobando sua caracterização fonológica. A segunda seção trata dos procedimentos metodológicos do estudo. Na terceira seção, são apresentados e discutidos os resultados de ambas as análises. A quarta seção contém a conclusão do estudo e aponta para as etapas futuras da investigação.

1. Fundamentação teórica

A sociolinguística variacionista, sustentada pela Teoria da Variação e Mudança Linguística (LABOV, 2008, 1994, 2001), tem em William Labov seu principal nome. Partindo de ideias já apresentadas por linguistas como Antoine Meillet, Labov questiona pressupostos de Saussure (1975 [1916]) e Chomsky (1957) aos estudos linguísticos. Labov reconhece as contribuições saussurianas e chomskyanas, mas aponta lacunas na teoria desses linguistas no que diz respeito aos aspectos sociais da língua.

Ao definir a langue como a parte social da linguagem, Saussure não deixa de admitir a língua como fato social, segundo Labov. Entretanto, os estudos saussurianos não levam em conta a fala na vida social dos indivíduos, limitando-se à língua por si própria. O paradoxo saussuriano (LABOV, 2008) surge daí, da observação isolada de dados de fala individual (idioleto), o que para Labov é insuficiente. Os avanços nos estudos da gramática gerativa de Chomsky são amplamente reconhecidos por Labov. Contudo, ao tomar as intuições de um falante-ouvinte ideal como fonte de dados primordiais, a linguística de Chomsky exclui da análise o componente social da linguagem. Para Labov, “parece bastante natural que o dado básico para qualquer forma de linguística geral seja a língua tal como usada por falantes nativos comunicando-se uns com os outros na vida diária.” (LABOV, 2008, p. 216-217). Assim, Labov orienta seus estudos à busca do padrão ou modelo de variação linguística em comunidades de fala, definidas não pela concordância no uso de elementos linguísticos, mas pela partilha de normas de uso da linguagem, normas que “podem ser observadas em tipos de comportamento avaliativo explícito e pela uniformidade de padrões abstratos de variação que são invariantes no tocante a níveis particulares de uso” (LABOV, 2008, p. 150).

Desse modo, conforme o autor, a linguística deve tomar como objeto a língua usada pela comunidade de fala, que inclui formas invariantes, como por exemplo a realização de /f/ e /v/ em início de sílaba em português ([f]aca, [v]aca), ou formas variáveis, como a que aqui se investiga. Normas compartilhadas pelos membros da comunidade de fala dirigem os processos variáveis, por isso a variação é sistemática. A língua é heterogênea, mas essa heterogeneidade não é aleatória: ela é regular e ordenada, passível de ser evidenciada por meio de análises estatísticas de dados de fala, ou análises (quantitativas) de regra variável.

A visão de que a heterogeneidade observada na fala seja ordenada e a ideia de que a variação numa dada sincronia seja uma etapa do processo de mudança linguística foram propostas por Weinreich et al. (2006 [1968]). Variação e mudança linguística são resultados de condicionamentos linguísticos, como tonicidade da sílaba, posição no sintagma etc., e sociais, como idade, ocupação, gênero do falante, que atuam contínua e concomitantemente sobre a língua e garantem sua evolução. Sendo assim, “não é possível realizar uma análise das relações estruturais dentro de um sistema linguístico para só depois recorrer a relações externas” (LABOV, 2008 [1972], p. 214). A defesa de Labov é por uma linguística que desvende as relações de variação estilística, avaliação subjetiva e estratificação social, voltando-se para mudanças que ocorrem no presente, isto é, mudanças em andamento. Propõe o exame da variação sistemática de formas linguísticas relacionada a condicionadores sociais e linguísticos. Pela análise de regra variável, portanto, os encaixamentos linguístico e social são definidos, e o conjunto de normas de uso da comunidade é esclarecido. Já a percepção e avaliação linguística das variáveis requer outros procedimentos metodológicos e pressupostos teóricos complementares.

O processo de percepção linguística é algo constante e, muitas vezes, inconsciente, sendo parte integral do processo comunicativo (GILES; BILLINGS, 2004). Muito embora as percepções individuais sejam únicas, há normas linguísticas e sociais compartilhadas nas comunidades de fala que as limitam e encaminham-nas a um certo tipo de padronização. O conceito de atitude encontra-se atrelado ao de percepção: os sujeitos são sensíveis às variantes linguísticas a ponto de não somente percebê-las, mas também de criarem impressões sobre elas e, posteriormente, a elas reagirem, subjetivamente ou não.

Preston (2003) argumenta que atitudes em relação a variedades linguísticas estão vinculadas a atitudes em relação a grupos de pessoas. Os ouvintes identificam o grupo ao qual o falante pertence com base em seu sotaque, isto é, com base em suas variantes linguísticas. Atributos sociais vinculados a certo grupo são transferidos a características linguísticas a ele associados, conforme esse autor. As pistas que os falantes oferecem por meio de seu modo de falar servem como ferramenta para os ouvintes rapidamente estereotipá-los, social e pessoalmente. O esclarecimento de percepções e atitudes linguísticas possibilita a identificação de padrões gerais de comportamento e de identidades sociais. Para isso, diferentes perspectivas teóricas podem ser adotadas, dentre as quais o processamento do ouvinte seja, provavelmente, o modelo mais comum. Independentemente da abordagem, é necessário que o estudo seja guiado por dois objetivos, conforme Preston (2003): esclarecer (i) os fatos linguísticos de identificação e reação e (ii) as construções subjacentes que os promovem. Tais elementos, de acordo com Giles e Billings (2004), permitem o esclarecimento da ordem social mais ampla, visto que as diferenças linguísticas percebidas pelos usuários da língua refletem, também, a forma como culturas e segmentos da sociedade são vistos e interpretados.

Pode-se considerar o estudo sociolinguístico de Labov (1966) na Cidade de Nova York pioneiro na coleta de dados de avaliação linguística, necessários à análise das reações subjetivas dos falantes a variáveis linguísticas. Nesse estudo, Labov realizou um teste. Gravou a leitura em voz alta, feita por mulheres nova-iorquinas nativas, de parágrafos que continham diferentes variáveis fonológicas. Os estímulos gravados, por sua vez, foram submetidos à avaliação de nova-iorquinos de faixas etárias e status sociais diversos. As avaliações dos parágrafos onde a variável /r/ pós-vocálica(car ‘carro’, before ‘antes’, here ‘aqui’, door ‘porta’) foi controlada serviram para Labov efetuar uma análise mais ampla. O autor havia constatado o condicionamento do /r/ pós-vocálico pelo status social do falante: a pronúncia de (r) pós-vocálico era a variante de prestígio e marcador linguístico de falantes de status social superior. Os resultados do teste de avaliação evidenciaram a sensibilidade dos nova-iorquinos às realizações variáveis de /r/ pós-vocálico: Labov verificou, nas avaliações, estreita relação entre a pronúncia consistente de (r) e o registro de profissões que ocupavam posições mais altas na escala, como personalidade da TV. Além disso, as respostas do teste indicaram reações diferentes conforme a faixa etária dos avaliadores e permitiram concluir que o reconhecimento da pronúncia de (r) como marcador de prestígio havia atingido o estágio de regularidade entre os avaliadores mais jovens, característica de mudanças linguísticas prestes a serem completadas. O teste, portanto, ao mesmo tempo em que serviu para esclarecer padrões de avaliação e reação subjetiva, também traçou o caminho e a evolução de uma mudança linguística.

A técnica utilizada no estudo de Labov é conhecida como técnica dos estímulos pareados e consiste em um instrumento amplamente utilizado em estudos de reações avaliativas subjetivas. Lambert et al. (1960) haviam-na desenvolvido considerando a importância de respostas espontâneas e não controladas para o acesso a atitudes implícitas sobre a língua. A técnica é pautada no princípio de que “existe um conjunto uniforme de atitudes frente à linguagem compartilhadas por quase todos os membros da comunidade de fala” (LABOV, 2008, p. 176). Os avaliadores são submetidos a estímulos gravados, conhecidos como “pares falsos”. Cada falante da amostra grava dois (ou mais) estímulos, nos quais a única diferença está no objeto de atitude em questão, seja ele uma variante, uma variedade ou mesmo uma língua. A técnica permite que o avaliador tenha a impressão de estar ouvindo (e julgando) falantes distintos. O questionário respondido é capaz de medir, por meio das diferenças nas avaliações dos estímulos, as atitudes implícitas e privadas dos avaliadores, na medida em que se cria a impressão de que estão sendo avaliadas características dos falantes, e não de seus falares.

Eckert (2004, 2008) associa percepção e atitude linguística à construção de estilo. Eckert (2004) define estilo não como uma coisa, mas como uma prática: é a atividade pela qual as pessoas criam significado social; é a manifestação visível do significado social. A composição de estilo, por sua vez, envolve um processo conhecido como bricolagem, que consiste no exercício de combinação de recursos linguísticos e não linguísticos para a criação de novos significados ou para a atualização de significados já existentes. As práticas estilísticas, isto é, a interpretação, a percepção e a produção de estilos, são um fenômeno constante e interativo e podem ser encaradas não apenas como um reflexo da ordem social mais ampla, mas também como ferramentas de construção e atualização de significados. Elas envolvem a construção de personae estilísticas (identidades sociais) dentro de determinada comunidade de prática, considerada o locus da construção de estilo. Uma sala de aula, um grupo de WhatsApp, um fórum online e até mesmo uma família, por exemplo, podem ser considerados comunidades de prática, passíveis de serem analisadas etnograficamente, desde que os indivíduos nesses grupos sociais efetivamente interajam para alcançar um objetivo comum. As personae estilísticas, por sua vez, são as representações concretas do significado social de diferentes variáveis.

Eckert (2008), apoiando-se em Silverstein (2003), argumenta que a variação está envolvida em um sistema indexical. Os significados das variáveis, que não são fixos e precisos, são armazenados na mente-cérebro dos falantes em um campo de significados potenciais relacionados ideologicamente, denominado campo indexical. É neste e por este campo que as variáveis expressam significados sociais ao serem empregadas na fala, indexando indiretamente inclusive as categorias demográficas a que pertencem os falantes (classe, gênero e etnia, por exemplo). O processo de indexação é responsável pela diferenciação social das variáveis, e investigá-lo pode esclarecer a significação social da variação. Por exemplo, Battisti e Oliveira (2016), ao analisarem estilisticamente a variável ingliding de vogais tônicas no português falado em Porto Alegre, identificaram que ela indexa significados sociais como descolado, descontraído, desencanado, preguiçoso, com sotaque, morador da área central da cidade, os quais constituem o campo indexical da variável.

1.1. Caracterização fonológica de /R/ em coda silábica

Por sua semelhança ortográfica, as realizações de /r/ em onset e coda silábica no português brasileiro (PB) fazem parte de um grupo “denominado rótico ou vibrante na fonética e na fonologia” (MONARETTO, 2014, p. 121). A produção da vibrante no PB envolve a ponta da língua, “quer num só golpe junto aos dentes superiores, para /r’/ brando, quer, para o /r/ forte, em golpes múltiplos junto aos dentes superiores” (CAMARA JR, 1977, p. 49). Esse autor esclarece, ainda, à mesma página, que pode haver “vibrações da parte dorsal junto ao véu palatino, ou em vez da língua há a vibração da úvula, ou se dá além do fundo da boca propriamente dita uma fricção faríngea.”

As modalidades articulatórias de /r/ estão condicionadas por fatores extralinguísticos, sociais e/ou geográficos, traduzidos, na maioria das vezes, na forma de dialetos. Por exemplo, o “R caipira” (tepe ou aproximante retroflexa), é condicionado social e geograficamente: é a variante típica de comunidades rurais do interior do estado de São Paulo (cf. AMARAL, 1955). As variantes estão também condicionadas ao contexto linguístico. Por exemplo, como veremos neste artigo, se /R/ atua como morfema de infinitivo, em sílaba tônica, o segmento costuma ser mais frequentemente apagado; se faz parte da raiz, costuma ser preservado.

As diferentes manifestações da vibrante são eventualmente agrupadas em r-forte e r-fraco. Essa divisão fundamenta-se no grafema ‘r’, que representa os diferentes fones do grupo dos róticos do português, e no fato de que esse mesmo grafema representa tanto o r-forte (“rua”) quanto o r-fraco (“arara”). A questão do status fonológico da vibrante é motivo de discordância entre fonólogos brasileiros, divididos entre os que consideram que o ‘r-forte’ e o ‘r-fraco’ mapeiam-se a dois fonemas no sistema fonológico do PB; e aqueles que admitem apenas um fonema, que, como Camara Jr. (1953), é a vibrante múltipla. Já para Lopez (1979), Monaretto, Quednau e Hora (2001), é a vibrante simples, “que o sistema interpreta como r-forte, se tiver linhas duplas de associação, e como r-fraco propriamente nas demais posições, coda e grupo, em que se apresenta com ligação simples. No início de palavra, por uma regra particular, ele se converte em r-forte” (MONARETTO; QUEDNAU; HORA, 2001, p. 214).

Goldsmith (1990) propõe uma possível justificativa para a coda silábica ser um ambiente de menos contrastes fonológicos do que o restante da sílaba, pautada na ideia da Fonologia Autossegmental de licenciamento prosódico. O autor argumenta que a sílaba como um todo funciona como um licenciador: há mais contrastes ou distinções segmentais no onset e no núcleo silábico do que na coda silábica. Nesse sentido, o nó silábico (composto por onset + núcleo) comporta todas as oposições entre segmentos possíveis na língua, sendo considerado um licenciador primário. Em contrapartida, a coda silábica, nas línguas que a possuem, funciona como licenciador secundário: ela licencia, geralmente, apenas um pequeno subconjunto de possibilidades de contraste da primeira metade da sílaba e um número muito menor de oposições fonológicas. O fato de a coda licenciar menos contrastes/oposições que o restante da sílaba é a motivação fonológica para a grande variação de /R/ nessa posição.

1.2. Revisão de estudos sobre /R/ em coda silábica

No Brasil, a variável vibrante em coda silábica tem sido analisada, principalmente, em estudos quantitativos, seguindo o modelo laboviano (LABOV, 2008 [1972]), em diferentes comunidades de fala. Nesta seção, são discutidos apenas três desses estudos: o de Oushiro e Mendes (2014), o de Callou, Leite e Moraes (2002) e o de Monaretto (2002).

Oushiro e Mendes (2014) buscam testar a hipótese de Weinreich et al. (2006 [1968]) sobre o problema do encaixamento, segundo o qual, nos estágios inicial e final de uma mudança linguística, há pouca ou nenhuma correlação da variável com fatores sociais. Para isso, discutem o encaixamento social e linguístico da realização variável de (-r)1 em coda na cidade de São Paulo, contrastando sua realização vs. seu apagamento. As variantes parecem contemplar estágios distintos e, de certa forma, extremos de evolução da mudança dessa variável: quando morfema de infinitivo, seu apagamento é praticamente categórico na fala espontânea, indicando uma mudança em estágio bastante avançado; em substantivos e adjetivos, o apagamento é bem menos frequente, e pode-se considerar que a mudança está em estágio inicial.

A análise de dados da amostra de 118 entrevistas do Projeto SP2010 (MENDES; OUSHIRO, 2013)2 permitiu aos autores concluir que, na comunidade de fala paulistana, o apagamento de morfemas de infinitivo, em estágio final de mudança, não possui condicionamento social. Da mesma forma, em substantivos e adjetivos, o apagamento não é condicionado por fatores sociais, corresponde a uma variação estável. Os encaixamentos social e linguístico ocorrem apenas no estágio que os autores chamam de intermediário, quando consideradas apenas classes de palavras que não contêm o morfema de infinitivo. Dessa forma, os resultados de Oushiro e Mendes (2014) dão suporte à hipótese de Weinreich et al. (2006 [1968]) sobre os estágios extremos da variação.

Esse estudo considerou, ainda, a variável Estilo. As entrevistas do corpus abarcavam diferentes estilos contextuais, isto é, estilos de fala possíveis numa entrevista sociolinguística, distribuídos ao longo de um continuum de formalidade e definidos conforme o grau de monitoramento do falante (cf. LABOV, 2008 [1972]). A análise dessa variável apontou para um índice de apagamento de 97% em morfemas de infinitivo em contextos de conversação, estilo de fala que mais se aproxima do vernáculo, isto é, do estilo de fala casual, fora de uma entrevista sociolinguística. Em estilos mais monitorados, como leitura de lista de palavras, o índice caiu para 5%. Nesse sentido, os autores propõem que, nesse grupo de palavras, a realização de (-r) se deve tão somente a pressões normativas supravernaculares, pautadas no senso comum de que “se deve falar como se escreve”.

Callou, Leite e Moraes (2002) buscam esclarecer os três principais processos de enfraquecimento consonantal em posição de coda silábica no PB: a posteriorização de /R/, a vocalização de /l/ e a palatalização de /S/. Os dados desse estudo foram extraídos do corpus do Projeto Norma Urbana Linguística Culta (NURC), e as entrevistas consideradas foram realizadas com moradores de cinco capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador. O enfraquecimento de /R/ (/R/ → [x]), segundo os autores, não se dá somente pela posteriorização, por um processo de mudança de ponto de articulação; dá-se, também, por uma mudança no modo de articulação. No caso da vibrante alveolar, que passa a ser produzida como tepe alveolar, há mudança de modo, chegando, posteriormente, ao estágio de apagamento. No que se refere às realizações de /R/ em posição interna da palavra (em início, meio e fim de sílaba), os autores identificam uma nítida isoglossa separando os dialetos do Sul (as cidades de Porto Alegre e São Paulo) do restante do país. A realização posteriorizada de /R/ apresentou significância apenas no Rio de Janeiro, em Salvador e em Recife, com peso relativo (PR)3 acima de 0,90 nas três cidades. Nas duas cidades do Sul, o tepe alveolar foi identificado como a variável predominante, embora os autores não se atentem às realizações mais frequentes em cada posição da sílaba. Assim, constata-se que a realização variável de /R/ em coda apresenta, em sua essência, determinação dialetal.

Monaretto (2002) examina dados de vibrante pós-vocálica (/R/ em coda) extraídos de entrevistas de informantes de Porto Alegre realizadas em três períodos de tempo. Efetua tanto análise em tempo aparente quanto análise em tempo real (LABOV, 1994). Para isso, usa dados de entrevistas realizadas com pelo menos uma década de diferença: 12 entrevistas dos anos 1970, do Projeto NURC; 12 entrevistas de 1989, pertencentes ao Projeto VARSUL (Variação Linguística na Região Sul do Brasil)4; e 12 do ano 1999, também reunidas pelo VARSUL. Ao serem comparadas as realizações de /R/ em 1970 e 1999, Monaretto identificou queda na realização de tepe alveolar e aumento de apagamento. Em 1970, o índice de apagamento era 16%; já em 1999, esse índice subiu para 40%. As variantes fricativa velar e tepe retroflexo apresentaram variação estável, enquanto a vibrante alveolar teve sensível decréscimo. Diante desses resultados, a autora afirma que o apagamento da vibrante pós-vocálica estaria crescendo, tomando o lugar do tepe, e que a fala de Porto Alegre estaria se aproximando da de outros dialetos brasileiros, nos quais o processo encontrava-se em estágios mais avançados de mudança.

O trabalho de Monaretto esclareceu, também, que no final dos anos 1990, o apagamento de 40% era favorecido em sílaba final de palavra e em verbos. A autora associa esse padrão ao apagamento frequente em morfemas de infinitivo, que “se deve ao fato de que o infinitivo e a primeira e terceira pessoas do futuro do subjuntivo são redundantemente marcados em português pela presença do r-final e pela tonicidade” (MONARETTO, 2002, p. 261). Assim, Monaretto conduziu uma análise somente dos contextos de /r/ em posição final de verbos no infinitivo nas amostras dos três períodos de tempo. Os resultados permitiram inferir que, nesses casos, o apagamento é favorecido em mulheres (PR 0,58), em palavras com até duas sílabas (PR 0,54) e em contextos nos quais a vogal precedente é posterior (PR 0,54). A taxa encontrada de apagamento em posição final de verbos foi 78%. A variável Faixa Etária, dividida entre os fatores 25-39 anos, 40-54 anos e 55 em diante, apresentou aumento de apagamento à medida que a faixa etária diminuiu. Assim, o fato de a amostra de dados mais recente ter apresentado um comportamento no qual os informantes jovens apagavam a variável mais frequentemente que os informantes mais velhos embasou a reafirmação de Monaretto de que o apagamento da vibrante em coda silábica está envolvido na mudança em progresso.

Os estudos revisados levam a crer que a realização variável de /R/ em coda silábica e, particularmente, o seu apagamento, estão inseridos em um sistema de determinação dialetal que privilegia certas formas linguísticas em detrimento de outras, em certos contextos linguísticos. Além disso, eles permitem pensar que o apagamento dessa variável seja processo de mudança, cujo estágio de progresso varia a depender do dialeto e dos condicionadores envolvidos. Essas constatações motivam a realização deste estudo, cujos objetivos são retomados e procedimentos metodológicos, apresentados na seção a seguir.

2. Metodologia

Para a análise quantitativa ou de regra variável (TAGLIAMONTE, 2007), a seleção dos informantes levou em consideração a hipótese de Monaretto (2002) sobre uma possível influência da variável Escolaridade no apagamento variável de /R/ em coda silábica. Assim, foram selecionadas entrevistas sociolinguísticas de 16 informantes do LínguaPOA (2015-2019), todos da primeira faixa etária de estratificação (20 a 39 anos), distribuídos em dois níveis de escolaridade (ensino médio e ensino superior), dois gêneros (feminino e masculino) e quatro zonas da cidade (central, leste, norte e sul), sendo cada célula preenchida por um informante. As 16 entrevistas selecionadas foram realizadas entre janeiro de 2016 e setembro de 2018.

Inf. [1] Gênero Zona Escolaridade Renda média mensal domiciliar do informante
2 Masculino Central Médio A
3 Masculino Central Superior A
5 Feminino Central Médio A
6 Feminino Central Superior B1
38 Masculino Norte Médio A
41 Feminino Norte Médio A
42 Feminino Norte Superior A
57 Masculino Norte Superior B2
75 Masculino Leste Superior A
77 Feminino Leste Médio A
78 Feminino Leste Superior A
92 Masculino Leste Médio C1
110 Masculino Sul Médio B1
113 Feminino Sul Superior B2
129 Masculino Sul Superior B1
132 Feminino Sul Superior A
Table 1. Quadro 1. Os 16 informantes do LínguaPOA selecionados para o estudo. Fonte: autoria própria.

[1]Número de identificação do informante no LínguaPOA.

Os dados usados na análise de regra variável foram extraídos de oitiva das 16 entrevistas e registrados na planilha de dados (dataframe), onde foram codificados para a variável-resposta (apagamento de /R/ em coda silábica) e variáveis previsoras (linguísticas e extralinguísticas), definidas a seguir. Foram considerados 20 minutos de áudio de cada entrevista, pela grande quantidade de dados da variável em questão disponíveis nas entrevistas, excluindo-se os primeiros 5 minutos das entrevistas, pois o falante poderia estar monitorando demasiadamente sua fala no início da gravação. Desse modo, foram extraídos os dados entre o minuto 5 e o minuto 25 de cada entrevista. Dados cujo contexto sonoro se mostrava duvidoso ou pouco audível foram desprezados, assim como os raros (porém significativos) dados em que a realização da variável não se dava pelas variantes tepe alveolar ou apagamento5.

Os dados codificados na planilha foram submetidos à análise estatística, para verificar quais variáveis preditoras correlacionam-se ao apagamento. A análise estatística foi realizada no programa R, na versão 3.6.0, mais especificamente na plataforma RStudio, uma das interfaces do programa. A análise foi binomial, contrastando-se apagamento vs. não apagamento, sendo o apagamento de /R/ em coda silábica o valor de aplicação, pelo qual serão lidos os resultados mais adiante. A análise estatística se deu em duas etapas. Na etapa 1, verificou-se a aplicação da variável-resposta para cada fator (variante) e efetuou-se teste de qui-quadrado (de Pearson) de todas as variáveis preditoras inicialmente consideradas, para verificar a existência de diferença (significativa) entre a proporção de aplicação do processo por fator de cada variável. A etapa 2, por sua vez, voltou-se à análise multivariada de regressão logística, em modelo linear de efeitos mistos, a partir da função glmer do R. Nesse modelo, incluíram-se apenas as variáveis que apresentaram valor-p significativo (igual ou menor do que 0,05) no teste de qui-quadrado (etapa 1); estas foram incorporadas ao modelo como variáveis de efeitos fixos. As variáveis Informante e Palavra foram incorporadas como variáveis aleatórias, de modo que se pudesse minimizar um possível efeito estatístico de palavras muito repetidas ou de características individuais dos informantes nos resultados alcançados, como explica Oushiro (2017).

Como já afirmado, a variável-resposta é o apagamento de /R/ em coda silábica, em interior ou final de palavra: po[r]ta ~ po[Ø]ta, colhe[r] ~ colhe[Ø], qualque[r] coisa ~ qualque[Ø] coisa, dirigi[r] ~ dirigi[Ø]. As variáveis preditoras controladas foram definidas com base em estudos anteriores (MONARETTO, 2000, 2002; CALLOU; LEITE; MORAIS, 2002; OUSHIRO; MENDES, 2014) e a partir de hipóteses sobre fatores que pudessem ter efeito sobre o processo de apagamento. Assim, foram definidas 6 variáveis preditoras linguísticas e 4 variáveis preditoras extralinguísticas (ou sociais), apresentadas no Quadro 2.

Variáveis linguísticas Variáveis extralinguísticas
Posição na PalavraMedial: conversa, porqueFinal: falar, tambor GêneroFeminino, Masculino
Contexto Fonológico PrecedenteAnterior: artigo, mulher, trazer, virPosterior: transporte, supor, curtida ZonaCentral, Leste, Norte, Sul
Contexto Fonológico SeguinteFricativa: comércio, ser felizOclusiva: quarto, ir trabalharPausa Soante: transformaram, caminhar ligeiroVogal: por aí, morar aqui EscolaridadeMédio, Superior
Classe GramaticalVerbo: cair, conversoNão verbo: sorte, certaOutras palavras: por (exemplo), porque, qualquer RendaA, B1, B2, C1
Número de SílabasMonossílaba: ser, porDissílaba: parte, andarTrissílaba: serviço, procurarPolissílaba: Argentina, apartamento
TonicidadeÁtono: por (causa), mercadoTônico: tarde, escutar
Table 2. Quadro 2. Variáveis preditoras consideradas na análise. Fonte: autoria própria.

O teste-piloto de percepção e avaliação linguística consistiu na avaliação da reação subjetiva de moradores porto-alegrenses, nascidos na cidade ou não, a falares com e sem apagamento de /R/ em coda silábica. Realizou-se um teste online também para verificar eventuais falhas e limitações do instrumento, com vistas a uma possível futura replicação do mesmo, devidamente revisada e aprimorada. O primeiro passo na elaboração do teste foi a seleção de ocorrências de apagamento nas entrevistas do LínguaPOA, passíveis de ocorrer também na fala espontânea de porto-alegrenses. Tais ocorrências foram, então, usadas em um breve texto (Quadro 3), utilizado para compor o estímulo sonoro do teste. Note-se que nenhuma das ocorrências da vibrante em coda constitui um morfema de infinitivo. Essa escolha foi proposital: buscou-se captar o padrão de percepção de apagamento em ambientes linguísticos onde o fenômeno é mais raro.

Já morei em vários lugares, mas não adianta: em qualque(r) cidade que eu more, sempre serei impo(r)tunada po(r) duas coisas: motoristas de transpo(r)te par(r)ticula(r) tagarelas e péssimos vizinhos. Hoje, por exemplo, aco(r)dei com do(r) de cabeça po(r)que não do(r)mi bem. A mulhe(r) alta do apa(r)tamento da frente e o morado(r) barulhento do anda(r) de cima estavam fofocando sobre o síndico às seis horas da manhã, bem embaixo da minha janela.
Table 3. Quadro 3. Texto criado para leitura do estímulo sonoro do teste-piloto.

Os estímulos sonoros foram obtidos por meio da gravação da leitura em voz alta desse trecho por dois falantes distintos, um do gênero feminino e um do gênero masculino, ambos moradores da Região Metropolitana de Porto Alegre e membros da equipe de pesquisa do LínguaPOA. Seguindo-se a metodologia de Lambert et al. (1960), a técnica dos estímulos pareados, cada um dos falantes gravou duas leituras diferentes do texto: uma na qual a pronúncia de todos as ocorrências de /R/ em coda se dava por tepe alveolar e outra na qual elas fossem apagadas. Buscou-se ao máximo a padronização no modo de leitura e de pronúncia do restante do texto. Além dos quatro estímulos sonoros reunidos nesse procedimento (dois de cada falante), o teste contou, também, com quatro estímulos distratores, que serviram para “despistar” os participantes e dificultar a identificação por parte deles do real objeto de nossa análise.

O teste online foi hospedado na plataforma GoogleForms. Antes de os participantes avaliarem propriamente os estímulos sonoros, eles respondiam um formulário inicial, anônimo, no qual informavam idade, gênero, nível de escolaridade, cidade de nascimento, tempo e bairro de residência em Porto Alegre e se gostavam de morar na cidade ou não. Ainda nessa parte, os participantes-avaliadores recebiam as instruções para a realização do teste. Foi-lhes informado apenas que o teste objetivava coletar informações acerca da percepção que se tem de alguns contextos fonológicos da fala porto-alegrense e que, para isso, eles seriam solicitados a avaliarem sequências em áudio da leitura de um texto.

A segunda parte do formulário correspondia ao teste de avaliação e percepção linguística propriamente dito. Adotou-se uma escala de avaliação de atitude (GILES, 1970), de modo que cada um dos oito áudios era seguido por uma sequência de cinco escalas de cinco pontos, sendo 1 considerado “nem um pouco” e 5, “muito”. Cada escala, por seu turno, foi disponibilizada para avaliar os áudios a partir de 5 descritores: “culto”, “jovem”, “bonito”, “de periferia”, “informal”, atributos usados pelos informantes do LínguaPOA quando, nas entrevistas, caracterizaram pessoas e lugares de Porto Alegre. Após as escalas, havia espaço para os participantes adicionarem outras percepções que tiveram sobre cada áudio.

Figure 1. Figura 1. Teste online de percepção e avaliação linguística.

A escolha desses cinco atributos deu-se na crença de que a eventual criação de personae mobilizando-se o apagamento vs. a realização de /R/ em coda pudesse ter relação com o que correntemente se afirma sobre Porto Alegre e sobre o que é típico da cidade. Com isso, buscou-se abarcar as três dimensões que Giles (1970) elenca como envolvidas no processo de avaliação linguística: estética, comunicativa e status.

O teste-piloto de percepção e avaliação linguística foi divulgado em redes sociais e entre amigos e conhecidos da pesquisadora que fossem de Porto Alegre, ficando disponível para participação durante o período de 29 de agosto a 10 de setembro de 2018. Após a coleta, as respostas dos avaliadores – notas de 1 a 5 para os áudios masculino e feminino, com e sem apagamento, face a cada um dos cinco descritores – foram submetidas ao teste de Wilcoxon de amostras pareadas (pares com e sem apagamento). Esse teste estatístico também foi realizado com o programa R.

3. Apresentação e discussão dos resultados

Foram 2860 os dados de /R/ em coda silábica submetidos à análise quantitativa de produção. Apenas sete deles não foram realizações de tepe alveolar ou de apagamento: houve 6 ocorrências de tepe retroflexo, 1 ocorrência de fricativa glotal. Cabe destacar que, das seis ocorrências de tepe retroflexo, quatro foram promovidas pela mesma informante (inf. 6); as demais ocorreram na fala de informantes distintos. Essas realizações foram descartadas da análise e não serão discutidas aqui. A fim de que se possa proceder a uma discussão embasada em afirmações certeiras e confiáveis, e considerados os limites deste artigo, optou-se por analisar estatisticamente a amostra composta apenas pelas realizações de tepe alveolar e de apagamento, as duas variantes mais frequentes nos dados. Assim, a amostra considerada na análise de regra variável possui 2853 tokens, isto é, dados linguísticos.

A frequência total de apagamento de /R/ em coda observada nos dados foi de 45,72%. Em números absolutos, a porcentagem corresponde a 1305 dados de apagamento. A etapa do teste de qui-quadrado indicou que as variáveis preditoras do apagamento com valor-p significativo (valor-p < 0,05) são Renda, Escolaridade, Posição na Palavra, Contexto Fonológico Precedente, Contexto Fonológico Seguinte, Classe Gramatical, Número de Sílabas e Tonicidade. Dessa forma, excetuando-se Zona e Gênero, todas as variáveis linguísticas e duas variáveis extralinguísticas foram incluídas na etapa seguinte, que corresponde ao modelo de efeitos mistos. Os resultados do modelo que inclui todas essas variáveis encontram-se na Tabela 1.

Figure 2. Tabela 1. Estimativas dos parâmetros do modelo (de regressão logística, modelo linear generalizado com efeitos mistos) do apagamento de /R/ em coda silábica no português de Porto Alegre. Fonte: autoria própria.

Os valores-p, na coluna à direita da tabela, indicam que têm efeito sobre o apagamento de /R/ em coda as variáveis Renda, Posição na Palavra, Contexto Fonológico Precedente, Classe Gramatical e Tonicidade. As células destacadas em cinza (com valor-p < 0,05) apontam os fatores cujas estimativas atestam seu papel favorecedor ou desfavorecedor do apagamento. Assim, os resultados do modelo de efeitos mistos com todas as variáveis estatisticamente significativas indicam que favorecem o apagamento os fatores “outras palavras” e “verbo” em relação a “não-verbo” e “sílaba tônica” em relação a “sílaba átona”, e que desfavorecem o apagamento os fatores “renda C1” em relação a “renda A”, “sílaba medial” em relação a “sílaba final” e “vogal precedente posterior” em relação a “vogal precedente anterior”.

As estimativas significativas deixam claro que o apagamento da vibrante pós-vocálica é um fenômeno quase estritamente linguístico, pois apenas uma variável social (Renda) tem correlação com o apagamento. Acredita-se que a seleção do fator “renda C1” como desfavorecedor do processo se deva ao fato de a amostra ser composta de apenas um informante (inf. 92) desse estrato social. Sendo assim, antes de se afirmar que o fator “renda C1” de fato desfavorece o apagamento da variável, seria necessária uma análise atenta da variação intrafalante do próprio informante 92 ou, então, uma nova seleção de informantes para compor a amostra com vistas a uma distribuição equilibrada de representantes de cada estrato social.

Os fatores favorecedores “verbo” e “sílaba tônica” e o fator desfavorecedor “sílaba medial” podem ser explicados pelo apagamento praticamente categórico atestado em estudos anteriores (MONARETTO, 2002; OUSHIRO; MENDES, 2014) de morfemas de infinitivo, pois tais fatores são constantes nesse contexto linguístico. A fim de que se confirmasse a divergência desse grupo de palavras em relação ao restante da amostra, procedeu-se a uma análise estatística apenas dos dados nos quais a variável correspondia a um morfema de infinitivo. A taxa de apagamento da variável entre os 1177 dados linguísticos considerados foi 97,3%, o que confirma a aplicação praticamente categórica do processo em morfemas de infinitivo.

A seleção do fator “vogal precedente posterior” como favorecedor do processo linguístico de apagamento encontra-se, ao mesmo tempo, em consonância com os resultados de Monaretto (2002) e em dissonância com Oushiro e Mendes (2014), cuja análise destacou o traço [+ anterior] no contexto fônico precedente como fator favorecedor do apagamento.

Em relação ao fator “outras palavras” na variável Classe Gramatical como favorecedor do apagamento, sua seleção confirma a hipótese, levantada a partir das investigações de Oushiro e Mendes (2014), de que o apagamento de /R/ em coda silábica é favorecido em palavras mais gramaticais - conjunções, preposições, advérbios -, principalmente quando contrastadas com palavras de conteúdo - adjetivos e substantivos. De fato, a amostra aqui estratificada apresenta em sua composição uma frequência considerável de apagamento de itens lexicais específicos, com destaque para “porque” e “qualquer”. Uma investigação em termos de posição prosódica, acento na frase e posição dentro da frase fonológica, que, por sua vez, requerem uma análise linguística bastante detalhada, poderia esclarecer o comportamento significativamente divergente dessas palavras em relação ao restante da amostra. O presente estudo, embora não aprofunde tais questões, levanta a necessidade de uma análise contextual desses dados em etapas futuras do estudo.

A amostra utilizada neste estudo não permite que se faça uma análise da mudança em tempo aparente (LABOV, 1994), visto que todos os informantes considerados pertenciam à mesma faixa etária, mas ainda assim é possível tecer considerações sobre a possibilidade de progressão do apagamento partindo-se dos resultados de Monaretto (2002). Os resultados encontrados por essa autora nos três períodos de tempo para a faixa etária mais jovem - 16% na década de 1970, 40% no início dos anos 1990, 45% no final dos anos 1990 – indicavam mudança linguística em andamento, com a progressão do apagamento. A proporção total (de 45,5%) de aplicação verificada no presente estudo, no entanto, indica que o apagamento variável esteja em estabilidade no português de Porto Alegre.

Uma diferença revelada por este trabalho em relação aos estudos anteriores está no contexto de apagamento: parece englobar ambos os contextos de posição medial e final na palavra. A taxa de 1% de apagamento em posição medial atestada na amostra de 1999 de Monaretto subiu para 8% nos dados aqui considerados, e a taxa de 68% em posição final passou para 72%. Os índices de apagamento de morfemas de infinitivo seguem esse padrão: os 78% de apagamento nos dados das três amostras de Monaretto subiram para 97,3% no presente estudo, indicando uma mudança praticamente completa.

Contudo, a análise feita até aqui merece uma ressalva importante. A amostra de Monaretto foi composta por informantes de diferentes faixas etárias, enquanto todos os informantes do LínguaPOA selecionados para esta investigação pertencem à faixa etária mais jovem do corpus, de 20 a 39 anos. Há uma assimetria nos estudos em relação ao perfil social dos informantes que fornecem os dados linguísticos. Por isso, as diferenças entre os índices de apagamento dos estudos aqui assinaladas devem ser tomadas com alguma cautela. Elas sugerem estabilidade do apagamento variável da vibrante pós-vocálica, processo que, em conformidade com Oushiro e Mendes (2014), parece estar condicionado ao contexto linguístico e ao grupo de palavras no qual a variável ocorre.

O teste de percepção e avaliação linguística contou com mais de 50 participantes. No entanto, as respostas de apenas 45 deles foram consideradas na análise, visto que alguns não responderam corretamente aos dados do formulário inicial ou afirmaram não viverem mais em Porto Alegre. Dentre os 45 participantes-avaliadores, 27 identificaram-se como sendo do gênero feminino, e 18, do gênero masculino. A idade média dos participantes foi 25,3 anos, muito embora os três participantes mais jovens tivessem 18 anos, e o mais velho tivesse 68 anos (desvio padrão = 10,58). A análise inicial dos perfis sociais revelou uma distribuição irregular ao longo das idades, visto que 33 dos 45 participantes tinham, à época do teste, entre 18 e 23 anos, e que apenas 6 tinham mais de 40 anos.

Os níveis de escolaridade dos participantes também apresentaram distribuição irregular. 32 avaliadores possuíam ensino superior incompleto, enquanto apenas um avaliador não havia completado o ensino médio; 7 possuíam ensino médio completo, e 5 haviam concluído o ensino superior. Uma possível e provável justificativa para uma maior participação de moradores porto-alegrenses jovens e com ensino superior incompleto (em curso ou abandonado) está no fato de que o teste foi divulgado entre os círculos sociais da própria pesquisadora, que, por sua vez, possui perfil social similar ao da maioria dos participantes. Quanto às zonas de residência dos avaliadores na cidade, 6 deles eram moradores da zona central, 16 vivam na zona leste, 14 moravam na zona norte, e 8, na zona sul. Havia também um avaliador que recém mudara-se para Alvorada, tendo anteriormente vivido em Porto Alegre por 17 anos; por esse motivo, não foi descartado da análise.

Os resultados obtidos no teste de percepção e avaliação linguística dos estímulos sonoros gravados pelos falantes masculino e feminino foram submetidos ao teste de Wilcoxon de amostras pareadas (pares de notas para os áudios com e sem apagamento face a cada descritor). Os resultados do teste encontram-se nas tabelas 2 e 3. Os valores das segunda e terceira linhas de cada tabela referem-se às médias de avaliação para cada um dos descritores, considerando-se a escala diferencial semântica de cinco pontos. As células em cinza claro indicam as médias mais altas para cada descritor, quando contrastados os áudios com e sem apagamento. As células em cinza escuro, na última linha, indicam os descritores cujos valores de significância apresentaram resultados estatisticamente significativos (valor-p < 0,05).

Figure 3. Tabela 2. Avaliação e percepção do estímulo do falante masculino. Fonte: autoria própria.

Figure 4. Tabela 3. Avaliação e percepção do estímulo do falante feminino. Fonte: autoria própria.

A Tabela 2 indica que, na avaliação do estímulo masculino, houve um único descritor com diferença significativa (valor-p < 0,05) nas médias de avaliação: “Culto”. A média mais alta de avaliação foi atribuída ao estímulo sem apagamento da variável. Considerando a estigmatização da variante apagamento de /R/ em coda na norma-padrão do PB, principalmente em contextos que não correspondem a morfemas de infinitivo, o comportamento das médias de avaliação nos descritores não é surpreendente. Assim, os valores das médias refletem expectativas sociais decorrentes da norma.

Na avaliação do estímulo feminino, os resultados da Tabela 3 mostram novamente um único descritor com diferença significativa (valor-p < 0,05) na média de avaliação: “Informal”. A média mais alta de avaliação foi atribuída ao estímulo com apagamento. Esse parece conformar-se à ideia de que a não realização de algum material segmental (no caso, o /R/ pós-vocálico) é resultado de um menor monitoramento, de um maior relaxamento e de uma fala pautada pela informalidade.

É possível que a qualidade sonora da gravação dos áudios possa ter influenciado os resultados. De fato, sugestões de melhoria da qualidade dos áudios foram apontadas por alguns avaliadores, demonstrando a necessidade de padronização do caráter acústico das gravações antes de serem levantadas hipóteses sobre o condicionamento de macrocategorias sociais dos falantes, como gênero, no processo de percepção e avaliação linguística. Qualquer afirmação que associe gênero ao comportamento divergente nas médias de avaliação dos descritores parece precipitada.

As médias de avaliação dos estímulos com e sem apagamento de /R/ para cada descritor apresentam valores próximos em ambos os falantes. Na maioria dos casos, elas tendem ao ponto neutro da escala, que, nesse caso, é o ponto 3. Observa-se que poucas médias são menores do que 1,5 ou estão acima do ponto 4. As médias próximas e “neutras”, entretanto, ao invés de serem interpretadas como uma insensibilidade por parte dos avaliadores a falares com e sem apagamento da vibrante pós-vocálica, permitem-nos levantar a hipótese de que os avaliadores tanto percebem a variável (e, em alguns casos, expressam a percepção de seu apagamento nas seções dedicadas aos relatos, após as escalas), quanto se preocupam em não realizar uma avaliação “extrema” ou “preconceituosa” a partir dela. Ou, ainda, não têm clareza sobre como avaliar os estímulos para as categorias consideradas. As médias baixas na categoria “De periferia”, nos estímulos com e sem apagamento de ambos os falantes, corroboram essa afirmação.

O incômodo dos avaliadores ao se verem diante da necessidade de avaliar falares a partir de categorias pré-estabelecidas é sugerido não somente pelas médias de avaliação, mas também pelos comentários deixados nas seções dedicadas a isso ao longo do teste. A categoria “De periferia”, por exemplo, havia sido originalmente denominada “De vileiro”, mas foi alterada após o relato da segunda pessoa a responder o teste, uma estudante de 20 anos, com ensino superior incompleto, moradora do bairro Menino Deus (zona central): “Eu não achei nenhuma das vozes ‘de vileiro’, e achei um pouco ofensivo caracterizar uma voz dessa forma. Acho que a caracterização ‘informal’ já é suficiente”. Mais do que apontar seu incômodo em relação à categoria em questão, a informante expressa a crença na correlação direta entre ser informal e ser “vileiro”, ou de vila, a ponto de considerar as categorias redundantes. A observação da participante reforça, acima de tudo, o caráter piloto do teste. Faz-se necessário, em uma futura reaplicação do teste, problematizar as categorias de avaliação selecionadas, já que se tem a impressão de que elas possam ter evocado representações diversas nos avaliadores. Isso é reforçado pelas divergências quanto à avaliação dos descritores “Culto” e “De periferia” nos estímulos de ambos os falantes e pelo fato de a categoria “Informal” ter se mostrado estatisticamente significativa apenas na avaliação dos estímulos femininos.

As seções de comentários do teste mostraram-se, inclusive, valiosas, embora pouco utilizadas pelos avaliadores. A grande maioria dos participantes não registrou suas impressões acerca dos falares nos espaços dedicados a esse tipo de comentário. Contudo, os poucos comentários coletados revelam um certo tipo de consciência dos avaliadores em relação ao apagamento de /R/ em coda. Um dos avaliadores escreveu o seguinte comentário para o estímulo sonoro com apagamento do falante masculino: “A pessoa "come" o som do "r", achei fofinho”. Este mesmo avaliador, para o estímulo com apagamento do falante feminino, comentou: “Outra pessoa que come o r e alonga o janéeela”. Outro participante apontou a seguinte impressão para o estímulo com apagamento do falante masculino: “Exclusão do fonema ‘r’ em certas palavras”. Nossa hipótese é a de que esses não foram os únicos avaliadores a terem tido consciência do apagamento da variável a que estavam sendo expostos, mas foram os únicos a explicitarem e expressarem essa impressão.

Acredita-se também que as diferenças nas avaliações dos estímulos masculino e feminino levantem a necessidade de se controlarem formas linguísticas que coocorram com o apagamento (e o não apagamento) da variável aqui analisada. Nesse sentido, assume-se que as avaliações possam ter sido influenciadas não só pela qualidade das gravações, mas também pelas formas linguísticas presentes no texto lido e gravado na elaboração dos estímulos, como, por exemplo, a palatalização categórica das oclusivas alveolares /t/ e /d/ diante das vogais /e/ e /i/ (“cidade”, “transporte”, “particular”). O ideal parece ser considerar e controlar no teste outras formas linguísticas coocorrentes e até mesmo o conteúdo semântico do texto lido na confecção dos estímulos. As inconsistências levantadas nessa aplicação do teste-piloto poderão ser consideradas em etapas futuras da investigação.

Mesmo com as limitações relatadas, os resultados obtidos no teste-piloto de percepção e avaliação linguística parecem sugerir que o apagamento variável da vibrante pós-vocálica possa associar-se a processos de construção estilística. Para fazer considerações confiáveis e seguras a partir dos resultados estatísticos apresentados na seção anterior, serão considerados apenas os descritores “Culto” e “Informal”, que apresentaram médias de notas com diferenças significativas.

A perspectiva estilística adotada fundamenta-se em Eckert (2004, 2008), que concebe estilo como uma prática social que, em termos linguísticos, corresponde a usar variantes de certas variáveis para construir personae a que se indexam significados sociais. São as práticas estilísticas que dotam a variação linguística de significação social, processo que se mostra evidente no teste-piloto relatado aqui. Os avaliadores percebem, reagem aos falares e avaliam-nos em direção a uma diferenciação social baseada em identidades sociais, construídas e percebidas com base em uma série de símbolos ou signos; em nosso caso, especialmente os linguísticos, as variantes apagamento e não apagamento da variável /R/ em coda.

Os resultados do teste permitem mapear uma proposta de campo indexical (SILVERSTEIN, 2003; ECKERT, 2008) de significados potenciais da variável controlada, ativados pela produção linguística dos falantes cujas leituras serviram de estímulo sonoro. O campo indexical constituído a partir da percepção e avaliação da variável /R/ em coda silábica encontra-se representado na figura a seguir. Os termos em preto são o oposto dos termos em cinza, que correspondem às categorias consideradas no teste de percepção e avaliação linguística. Nossa hipótese, conforme Eckert (2008), é a de que tais categorias sejam significados ideologicamente associados às variantes da variável em questão. Os termos em cinza são significados associados ao não apagamento da variável – nesse caso, à realização como tepe alveolar; os termos em preto, significados associados ao apagamento.

Figure 5. Figura 2. Campo indexical do apagamento da vibrante em coda silábica no português de Porto Alegre (RS). Fonte: autoria própria.

Vale ressaltar que o próprio campo indexical é de natureza fluida e relativa. Isso significa que, por mais que os resultados do teste sugiram significados mais regulares, cada avaliador pode interpretar os falares a que é exposto de maneira singular, o que é comprovado pelas médias divergentes para alguns descritores entre os estímulos feminino e masculino.

O campo indexical, reflexo das práticas estilísticas que operam constantemente no processo de percepção e avaliação linguística, define, por sua vez, as personae estilísticas (ou tipos/identidades sociais), construídas pelos avaliadores e assumidas como representativas dos falantes cujos falares estão avaliados. Assim, chega-se à suposição de que os significados figurados no campo indexical consolidam personae que se valem do apagamento da variável (e de outros recursos linguísticos e não linguísticos) para incorporarem os traços “informal” e “não culto”, ou da realização da variável, para soar “formal” e “culto”, por meio do recurso de bricolagem. Dito de outra forma, o apagamento variável da vibrante em coda silábica consolida a (re)interpretação, cada vez que a linguagem é utilizada, de personae estilísticas menos formais e menos cultas. Os resultados estatísticos do teste permitem supor, portanto, que a percepção e avaliação linguística ao apagamento de /R/ em coda indexa significados situados em dois eixos principais: formalidade e cultura.

No entanto, vale ressaltar que o teste-piloto é um exercício de avaliação do procedimento metodológico em si, antes de um modo de obtenção de respostas definitivas sobre o uso estilístico da variável. Assim, o que se obtém no teste são apenas indícios de que o apagamento possa indexar significados sociais e sugestões de quais são eles. Por mais que se acredite, considerando a estigmatização de formas linguísticas com apagamento da vibrante pós-vocálica, que traços como “menos culto” e “informal” figurem na construção e interpretação de personae que fazem uso dessa variável, especulações nesse sentido só poderão ser desenvolvidas quando revisadas as inconsistências apontadas no teste. Mesmo assim, o teste oferece indícios suficientes para que se acredite que a variável vibrante em coda silábica (e, mais especificamente, seu apagamento) é dotada de significação social pelos participantes da comunidade de fala de Porto Alegre, e as análises feitas a partir desse teste caminham em direção ao esclarecimento de um padrão de uso cujos significados associam-se à ordem social mais ampla.

4. Conclusão

O artigo buscou traçar os modelos de produção e de percepção e avaliação linguística do apagamento variável da vibrante em coda silábica no português de Porto Alegre. Os resultados da análise de regra variável e do teste-piloto de percepção e avaliação linguística são valiosos pois, mesmo sendo os primeiros passos de uma investigação a ser ampliada e aprofundada, apontam caminhos para futuros estudos sobre a variável na capital gaúcha.

A análise de regra variável a partir da amostra do LínguaPOA indicou o tepe alveolar e o apagamento como as duas realizações mais frequentes da vibrante pós-vocálica e serviu para definir o padrão sociolinguístico da variável. Conclui-se que o apagamento variável de /R/ em coda, no português falado em Porto Alegre, possui encaixamento quase estritamente linguístico, visto que quase todas as variáveis preditoras envolvidas no processo estão relacionadas ao contexto linguístico de realização. O único fator extralinguístico selecionado como estatisticamente significativo, “renda C1”, não é passível de ser situado no padrão sociolinguístico do processo linguístico, devido ao fato de a amostra ter sido composta por apenas um informante desse estrato social.

Os fatores linguísticos correlacionados ao apagamento da variável seguem padrões apontados em estudos anteriores e confirmam hipóteses sugeridas inicialmente. Assim, pode-se afirmar que o apagamento variável da vibrante em coda no português falado em Porto Alegre é favorecido em contextos de sílaba tônica, em verbos e palavras como conjunções, preposições, advérbios; é desfavorecido em contextos de sílaba medial e de vogal precedente posterior.

A comparação dos resultados desta investigação com os de estudos revisados neste trabalho sugere que o apagamento da vibrante em coda silábica na comunidade porto-alegrense tenha atingido um estágio de estabilidade e reforça a aplicação praticamente categórica do processo em morfemas de infinitivo. Contudo, reconhece-se que uma amostra mais representativa em relação a indivíduos de diferentes faixas etárias é necessária para que se capte a possibilidade de uma mudança linguística em progresso.

O modelo metodológico adotado no teste-piloto de percepção e avaliação linguística forneceu resultados passíveis de serem interpretados com vistas à exploração de significados sociais da variável, em termos do contraste realização vs. apagamento. As médias de avaliação significativamente distintas para os cinco descritores entre os diferentes falares permitem supor que o apagamento de /R/ em coda está envolvido em um sistema de valoração social, e que formas linguísticas sem apagamento são expressivamente mais prestigiadas.

O estudo dos resultados a partir de uma perspectiva estilística possibilitou a delimitação de um campo indexical, no qual figuram significados potenciais da variável. Esses significados sociais, por sua vez, no caso da variável em questão, estão situados nos eixos de cultura e formalidade: o apagamento variável de /R/ em coda consolida personae percebidas e avaliadas como menos cultas e mais informais. Embora o teste-piloto conduzido e relatado neste trabalho não forneça respostas definitivas sobre o uso estilístico da variável, ele conduz à conclusão de que o fenômeno de apagamento da vibrante pós-vocálica é dotado de significação social por si próprio.

Acredita-se que a proposta deste estudo, de analisar o apagamento variável da vibrante em coda silábica a partir do ponto de vista de sua produção/realização e de sua percepção/avaliação, tenha contribuído para o preenchimento de lacunas existentes nos estudos sociolinguísticos em Porto Alegre. Espera-se que os resultados aqui expostos e discutidos incentivem novas investigações, impulsionando o esclarecimento dos padrões sociolinguísticos do português dessa comunidade de fala.

5. Agradecimentos

Agradecemos às professoras Dra. Maíra Sueco Maegava Córdula e Dra. Livia Oushiro pela cuidadosa leitura do artigo. Todos os seus apontamentos em muito contribuíram para o aperfeiçoamento deste trabalho. Quaisquer eventuais inconsistências que ainda persistam são de nossa inteira responsabilidade.

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How to Cite

ROCKENBACH, L. M.; BATTISTI, E. Production and perception of the variable deletion of /R/ in syllabic coda in Porto Alegre Portuguese. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 2, n. 4, p. e426, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2021.v2.n4.id426. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/426. Acesso em: 29 mar. 2024.

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