Introdução
Conhecidas como bandes dessinées, na França, fumetti na Itália, quadrinhos ou banda desenhada em Portugal, comics nos Estados Unidos e mangás no Japão, as histórias em quadrinhos tem seus primeiros registros no final do século XIX. É difícil afirmar com precisão onde e quando nasceu essa forma de expressão, mas no início do século XX já era conhecida em vários países (PARAÍSO, 2008).
No Brasil, a primeira revista lançada com esse tipo de narrativa se chama Tico-Ticoe a seu respeito pode se dizer o seguinte:
O Tico-Tico tornou-se a coqueluche da meninada durante cerca de cinco décadas (1905 -1957) e, entre os que admitiram tê-lo, temos nomes como os de Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Luís da Câmara Cascudo e o próprio Rui Barbosa. (PARAÍSO, 2008, p. 27).
Esse personagem foi o responsável pelo início da popularização desse tipo de literatura no país, com enredos que traziam mais situações divertidas. Com o passar com tempo, outros personagens foram criados, refletindo o contexto social de cada criação. Fora do Brasil, na América do Norte, muitos exemplos, mas este artigo foca apenas um deles.
Em 1938, nos Estados Unidos, foi publicada a narrativa de quadrinhos que apresentou o primeiro herói fictício com superpoderes, Superman, na revista chamada Action Comics nº1. Criado por dois adolescentes judeus, o primeiro super-herói das histórias em quadrinhos representava esperança para a sociedade estadunidense que atravessava crise econômica, política e social após a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque.
Pouco tempo depois, no Brasil, em abril de 1939, foi lançada a revista chamada Gibi. Com 32 páginas e duas saídas semanais, às quartas-feiras e aos domingos. Essa publicação bissemanal durou até 1940, daí em diante sua periodicidade se tornou mensal (Gibi mensal), caindo no gosto popular e, também passando a representar genericamente o termo “histórias em quadrinhos” entre os brasileiros, da mesma forma que os estadunidenses utilizam o termo “comics” para o mesmo tipo textual, com histórias completas em quadrinhos contidas nas revistas (PARAÍSO, 2008).
Esse gênero textual se caracteriza pelo hibridismo, unindo texto e imagens. Ele pode ser analisado no campo da linguística, inclusive pela semiótica. Ao utilizarmos o léxico semiótica, semi-ótica, estamos nos referindo a ótica pela metade ou simiótica, estudo dos signos? (SANTAELLA, 2012). A palavra semiótica vem da raiz grega semeion, que significa signo. Por isso o tal termo se refere a ciência dos signos presentes na linguagem. De acordo com Lucia Santaella, pode se dizer o seguinte: “A semiótica é a ciência geral de todas as linguagens” (SANTAELLA, 2012, p. 10).
Reconhecendo a importância dos signos para análise do texto verbo-visual de Superman, a semiótica é fundamental para melhor compreensão e interpretação das narrativas do Homem de Aço. Ela se debruça sobre a significação a partir de elementos que não são estudados na linguística textual, como formas e cores por exemplo.
Uma síntese: existe uma linguagem verbal, composta por sons que veiculam conceitos que se articulam no aparelho fonador. No Ocidente receberam uma tradução alfabética (linguagem escrita), mas ao mesmo tempo, também existe uma grande variedade de outras linguagens que constituem sistemas sociais e históricos de representação do mundo. Dentro disso, a semiótica (SANTAELLA, 2012).
O universo colorido das histórias em quadrinhos consegue, apenas através de imagens transmitir ideias e sensações para o público leitor. O texto complementa a experiência, buscando reações que variam de acordo com a intenção na produção de cada narrativa. Isso também acontece na construção discursiva do kryptoniano, que através de elementos semióticos, transmite ideologias para a sociedade que consome suas narrativas e demais produtos.
A respeito das principais cores utilizadas na caracterização de Superman, seu uniforme clássico de herói, é formado pela combinação de azul, vermelho e amarelo. Essas são as três cores primárias, porque são as únicas que não se pode criar. O verde, por exemplo, surge da mistura entre azul e amarelo. (WILLIAMS, 2013). Ainda sobre as cores utilizadas pelo kryptoniano, são quase as mesmas da bandeira dos Estados Unidos, que não tem amarelo, mas branco. Nisso, numa perspectiva semiótica, é possível reconhecer nos trajes de Superman, a bandeira estadunidense.
Com a intenção de descrever características semióticas desse personagem, posso afirmar que: estampado no peito do personagem, o signo linguístico S, dentro dos limites da forma geométrica de pentágono, nas cores quentes vermelho e amarelo, constrói significado de superioridade, por representar o S de “super”. Além disso, o sentido de “esperança” em situações de perigo, uma vez que quando surge para ajudar pessoas utilizando seus poderes e seu traje de super-herói, o “S” lhe representa. Por isso, esse “S” torna-se símbolo visual, verbal e não verbal, que identificam Superman em qualquer país, ultrapassando os limites dos quadrinhos.
Além do exposto, uma rápida introdução do personagem Superman, o termo “gibi” utilizado no Brasil e uma pequena leitura baseada na semiótica a respeito desse mesmo personagem, esse artigo propõe nova interpretação de uma única narrativa de Superman baseada na teoria linguística proposta por Norman Fairclough, com o modelo tridimensional de Análise Crítica do Discurso.
1. Modelo Tridimensional de Norman Fairclough
Esta pesquisa levanta questões a respeito do personagem fictício das histórias em quadrinhos, Superman. Dentro disso se caracteriza como pesquisa qualitativa, se propondo a analisar criticamente duas revistas do último filho de Krypton, utilizando a teoria social do discurso, de Norman Fairclough, que busca interpretar as ideologias do homem de aço como prática social, que se inicia no texto, passa para prática discursiva, considerando a produção, distribuição e consumo de produtos, para só depois ser analisada como prática social, com ideologias nem sempre percebidas pelo grande público. Por isso, não foram realizadas entrevistas para quantificar por meio de números o resultado de pesquisa. Uma melhor compreensão e, também, interpretação do super-herói é o que pretende este trabalho.
Nessa concepção tridimensional da Análise Crítica do Discurso, de Norman Faiclough, a linguagem é constituída e constitui a realidade social. Por isso Superman se constitui a partir da linguagem, sendo interpretado frequentemente como representação do ideal humano e valores que devem nortear os grupos sociais, o que não deixa de ser uma “realidade” social.
Para Fairclough, existe o discurso como texto. Realmente nunca se fala sobre aspectos de um texto sem referência a produção e/ou à interpretação textual. (FAIRCLOUGH, 2016, p.106).
A análise textual pode ser organizada em quatro itens: “vocabulário”, “gramática”, “coesão” e “estrutura textual”. Esses itens podem ser imaginados em escala ascendente: o vocabulário trata principalmente das palavras individuais, a gramática, das palavras combinadas em orações e frases, a coesão trata da ligação entre orações e frases e a estrutura textual trata das propriedades organizacionais de larga escala dos textos (FAIRCLOUGH, 2016 p.107-108).
A ACD trabalha com um leque amplo de categorias descritivas e metodológicas e cada investigador tem sua finalidade.
Os produtores textuais têm apenas acesso parcial e seletivo ao sistema linguístico e, simultaneamente, trazem diferentes tipos de conhecimento, nomeadamente de formas textuais, resultantes de seus diferentes posicionamentos sociais e representações sociais. Nesta ordem de ideias, o conceito de escolhas (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
Dentro disso, esta pesquisa pretende identificar as metáforas do texto de Superman e, através delas, reinterpretar o super-herói, considerando seu papel social.
IDEOLOGIA | PRÁTICA DISCURSIVA | TEXTO |
---|---|---|
-HEGEMONIA -PODER | - INTERDISCURSIVIDADE | -VOCABULÁRIO -TEMA -ESTRUTURA TEXTUAL -IMAGEM |
Dentro disso, as histórias em quadrinhos, como gênero multimodal, que busca no leitor o multiletramento para compreensão e interpretação de suas histórias. Cada vez mais a linguagem de quadrinhos assume o caráter de texto visual, muitas vezes não utilizando palavras em suas narrativas.
Entender o texto para além do linear muitas vezes não é fácil para as pessoas de forma geral, que precisam ir além do sentido denotativo (decodificar) para alcançar o sentido conotativo, para interpretar. Ler o dito, mas também perceber o que foi omitido. Ao mesmo tempo saber que, o que não foi dito tem tanto valor ou até mesmo mais valor do que o que foi dito, afinal existem propósitos e intenções por trás de formas textuais. (OLIVEIRA, 2006 p. 21, 23).
A esse respeito, Oliveira (2006, p. 22) afirma:
A pessoa criticamente letrada pode entender o significado socialmente construído embutido nos textos, como também os contextos político e econômico nos quais os textos estão inseridos. Em última instância, o letramento crítico pode levar a uma visão de mundo emancipadora e até a uma ação social transformadora.
De acordo com a autora, a leitura crítica de um texto pode criar uma visão emancipadora nas pessoas. E os quadrinhos, será que possibilitam essa leitura?
A resposta é sim, porque como linguagem esse gênero textual multimodal consegue transmitir muitas mensagens, que devem ser interpretadas numa leitura mais profunda, considerando o contexto econômico, social e político ao qual se refere ou está inserido.
Reconhecendo esse tipo de literatura como um meio ideológico também, esse artigo analisa o discurso de Superman presente em determinadas revistas com narrativas com linguagem de quadrinhos. Para isso, a utilização do modelo tridimensional proposto por um dos fundadores da Análise Crítica do Discurso, o professor britânico Norman Fairclough.
De acordo com Fairclough (2016), a mudança social acontece a partir do discurso. Como o texto produzido para as revistas de Superman se relaciona com a realidade social? De várias formas, uma vez que deve se compreender que o texto escrito pelos roteiristas e desenhistas para as narrativas do kryptoniano é uma construção linguística e social. Diante disso, este artigo busca uma leitura diferente do Homem de Aço a partir da visão tridimensional do referido teórico.
O autor afirma que a análise tem início no texto, depois passa-se à prática discursiva e, por fim, à prática social. Através desse modelo é possível construir uma análise crítica do discurso, passando principalmente pela ideologia, além de considerar contexto de produção e consumo de determinado texto. A concepção tridimensional do discurso é representada pelo seguinte diagrama:
A prática discursiva é constitutiva tanto de maneira convencional como criativa: contribui para reproduzir a sociedade (identidades sociais, relações sociais, sistema de conhecimento e crença) como é, mas também contribui para transformá-la. Por exemplo, as identidades de professores e alunos e as relações entre elas, que estão no centro de um sistema de educação, dependem da consistência e da durabilidade de padrões de fala no interior e no exterior dessas relações para sua reprodução. Porém, elas estão abertas à transformação que podem originar-se parcialmente no discurso: na fala da sala de aula, do parquinho, da sala dos professores, do debate educacional e assim por diante. (FAIRCLOUGH, 2016).
É importante que a relação entre discurso e estrutura social seja considerada como dialética para evitar os erros de ênfase indevida; de um lado, na determinação social do discurso e, do outro, na construção social do discurso. No primeiro caso, o discurso é mero reflexo de uma realidade social mais profunda; no último, o discurso é representado idealizadamente como fonte do social. O último talvez seja o erro mais imediatamente perigoso, dada a ênfase nas propriedades constitutivas do discurso em debates contemporâneos. (FAIRCLOUGH, 2016).
A prática social tem várias orientações – econômica, política, cultural, ideológica - e o discurso pode estar simplificado em todas elas, sem que se possa reduzir qualquer uma dessas orientações do discurso. Por exemplo, há várias maneiras em que se pode dizer que o discurso é um modo de prática econômica: o discurso figura em proporções variáveis como um constituinte da prática econômica de natureza basicamente não discursiva, como a construção de pontes ou a produção de máquinas de lavar roupa; há formas de práticas econômicas que são de natureza basicamente discursiva, como a bolsa de valores, o jornalismo ou a produção de novelas para televisão. Além disso, a ordem sociolinguística de uma sociedade pode ser estruturada pelo menos parcialmente como um mercado onde os textos são produzidos, distribuídos e consumidos como “mercadorias”. (Cf. BOURDIEU, 1982 apud FAIRCLOUGH, 2016, p.98)
Mas é o discurso como modo de prática política e ideológica que está mais ligado às preocupações desta pesquisa. O discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos) entre as quais existem as relações de poder. O discurso como prática ideológica constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder. Como implicam essas palavras, a prática política e a ideológica não são independentes uma da outra, pois a ideologia são os significados gerados em relações de poder como dimensão do exercício do poder e da luta pelo poder. Assim, a prática política é a categoria superior. Além disso, o discurso como prática política é não apenas um local de luta de poder, mas também um arco delimitador na luta de poder: a prática discursiva recorre às convenções que naturalizam relações de poder, ideologias particulares e as próprias convenções, e os modos em que se articulam são um foco de luta. (FAIRCLOUGH, 2016).
Para Fairclough, as relações de poder se estabelecem a partir da ideologia manifesta também em discursos presentes nos textos, como foi dito acima. Diante disso, surge a diferença entre classes sociais, como aponta Pêcheux, mais adiante. Esses dois autores são importantes para uma melhor interpretação e compreensão do super-herói.
Por isso a escolha em analisar o gibi de Superman como gênero textual, um suporte para mensagens ideológicas nem sempre percebidas pelo leitor. Será que o Homem de Aço naturaliza ou transforma os significados do mundo para os consumidores de suas revistas? Sim. Será que o texto desse personagem se relaciona com política? Sim, afinal ele é fruto de um contexto discursivo.
Como metodologia de pesquisa, este artigo optou por recortar em páginas inteiras das narrativas, quadrinhos, categorizados como sequências ou quadros estáticos. As sequências trazem mais de um quadro estático reunidos logicamente para a construção de sentido e significado, enquanto o quadro estático é analisado isoladamente com a mesma intenção de construir sentido e significado.
Considerando o exposto, a análise da revista A morte e o retorno de Superman tem início na primeira dimensão, o texto. São trechos selecionados para a construção de nova interpretação baseada na linguística crítica, divididos em sequências e quadros estáticos destacados de páginas do gibi, de um texto publicado originalmente em inglês, mas analisado a partir da tradução para o português.
2. A Morte e o Retorno de Superman
A narrativa original A Morte e o Retorno de Superman foi lançada nos Estados Unidos, com seu texto verbo visual, escrito na língua inglesa, dividido em mais de cinco revistas em tamanho pequeno em 1992. No Brasil, essas revistas foram traduzidas para o português e também publicadas em várias edições em 1993. Anos depois, uma edição de luxo foi lançada, reunindo todas as revistas em dois volumes, sendo eles: A Morte do Superman, volume 1 e A Morte do Superman volume 2, cada um com mais de 370 páginas. Ao todo a narrativa original sobre a morte e o retorno de Superman tem mais de 740 páginas.
2.1. Texto
Antes de tudo, é importante ressaltar que o texto presente em qualquer narrativa com linguagem de quadrinhos se caracteriza como texto visual. Isso se deve ao fato de não possuir apenas palavras, mas também imagens. Nem sempre a construção de sentido se baseia apenas no léxico. Dessa forma, o gibi é considerado suporte de um gênero textual específico.
De acordo com a gramática do design visual, uma imagem representa não só o mundo, de forma abstrata ou concreta, como também interage com esse mundo, independentemente de apresentar um texto escrito ou não. Essa imagem constitui um tipo de texto, podendo ser uma pintura, uma propaganda na revista, por exemplo, que pode ser reconhecido pela sociedade. (Cf. SEIXAS, 2014).
Além da análise textual, as imagens também podem ser analisadas criticamente, revelando mensagens nem sempre evidentes. A comunicação visual pode expressar significado, por exemplo, “através do uso de cores ou diferentes estruturas de composição”. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2000, p. 2)
Sobre a gramática das imagens, Kress e Van Leeuwen afirmam:
A gramática da imagem ou gramática visual (Kress; Van Leeuwen, 1990, 1996, 2006), como é amplamente reconhecida, parte do pressuposto de que imagens produzem significados e podem ser entendidas enquanto textos visuais, que se organizam segundo alguns princípios e regularidades, conforme os usos que fazemos delas em diferentes situações. A denominação “gramática” indica as bases linguísticas da proposta, que pode ser considerada uma extensão da gramática sistêmico-funcional de Michael Halliday (1994; 2004). Tomando a linguagem verbal como ponto de referência, portanto, a gramática visual extrapola as noções de léxico e estrutura gramátical, tradicionalmente associada a linguagem verbal, e sugere que as imagens têm um equivalente a um léxico e uma estrutura gramatical. (KRESS; VAN LEEUWEN; 2006, p.1) O léxico das imagens estaria em seu potencial de representar participantes – pessoas, objetos, fenômenos –visualmente. Enquanto que, na linguagem verbal, o léxico se realiza por meio de palavras, nas imagens, ele equivale aos diferentes volumes e formas que podemos distinguir na imagem. A gramática se materializa no modo como esses volumes e formas retratados “se combinam em orações visuais de maior ou menor complexidade e extensão. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p.1).
O reconhecimento do texto na imagem é importante para a significação e decodificação da mensagem, entendendo a imagem como elemento portador de sentido, mas que se fundamenta no texto. A partir do que foi dito, a respeito do texto e imagem, já é possível iniciar uma leitura e interpretação diferenciada da publicação selecionada.
Diante disso, já se pode descrever as duas capas da seguinte forma: a primeira capa traz a imagem de um Superman musculoso e machucado, de tal forma que está sangrando, com seu uniforme colorido, deitado numa superfície repleta de rachaduras, com sua capa vermelha rasgada e, com uma expressão de dor no rosto. A segunda capa traz o desenho do Homem de Aço em posição de voo, com postura de reação, como se estivesse num momento de violência contra alguém, num fundo preto. As duas ilustrações são ricas em detalhes e reforçam a ideia de dramaticidade com presença das sombras em torno do kryptoniano.
Enquanto na primeira imagem, do ponto de vista semiótico, existe o super-herói que veste as cores da bandeira estadunidense ferido, associando a ideia de que a esperança trazida por Superman estava abalada, na capa da outra revista o desenho que representa o retorno do mesmo personagem. Além dos desenhos, cada uma das capas traz a marca da editora responsável pela publicação, DC Comics, com o texto do título da narrativa: A morte do Superman, na primeira capa, volume 1 e, na segunda, volume 2. Outro elemento visual também está presente nas duas ilustrações, o S vermelho que é utilizado como símbolo de Superman, realçado no fundo preto.
A premissa dessas revistas é simples, Superman entra em combate contra um monstro chamado Apocalypse, praticamente imbatível, que destrói muitas cidades estadunidenses. Antes do Homem de Aço confrontar o monstro gigante, muitos outros heróis da Liga da Justiça tentaram parar a criatura, mas foram todos derrotados. Dentro disso, o kryptoniano surge como última esperança de salvar os Estados Unidos dessa perigosa força alienígena. Todo conflito entre os dois se prolonga por várias páginas, mas no final ambos: morrem, depois de esgotar todas as suas forças.
Um dos pontos altos da narrativa é quando Superman aparece morto na frente da jornalista Lois Lane, que acompanhava a luta de perto. Na imagem, além do super-herói caído no chão, apresentando grandes ferimentos, e a repórter que chora próxima a ele, também é possível ver o fotografo amigo de Clark Kent, Jimmy Olsen registrando a cena para o jornal Planeta Diário, um pouco distante da parceira de trabalho.
Essa imagem retrata um dos momentos mais dramáticos de toda a saga do personagem fictício ao longo do tempo.
Na área superior da imagem, lado direito, dentro de um quadrinho amarelo, o seguinte texto:
[...] em que o Super-Homem morreu.(A MORTE DE SUPERMAN Volume 1, 2009, p. 175) |
Após esse momento triste, começam as homenagens prestadas ao super-herói, com vários personagens presentes no funeral do Homem de Aço.
Na imagem acima é possível identificar a presença de super-heróis da Liga da Justiça no cortejo que segue o corpo de Superman, dentro de um caixão coberto pela bandeira dos Estados Unidos, sendo observado por centenas de pessoas que misturam tristeza e curiosidade.
Encerrando os momentos de destaque para análise, ainda sobre homenagens para o Homem de Aço presentes no texto visual do volume 1 desta narrativa, a sequência de dois quadrinhos onde o presidente americano e a primeira-dama da época lamentam a morte do super-herói, unindo imagem e texto. No primeiro quadrinho colorido, um plano geral dos personagens principais em pé, com Bill Clinton discursando, enquanto ao fundo estão sentadas algumas autoridades, incluindo um dos principais opositores do Homem de Aço, Lex Luthor, com barba e cabelo grande na cor ruiva.
O texto se divide entre a fala do narrador e a do presidente estadunidense:
Narrador:... e deixar o mundo dar seu adeus ao Superman do jeito dele.
Bill Clinton: O próprio Superman nos lembraria de cuidar das muitas vítimas do ataque do vilão Apocalypse. Então, nós também.
Como poderíamos não honrar o homem que morreu para salvar a vida de tantos outros?
Seus poderes e habilidades eram incríveis... mas o quão mais incrível foi o modo que ele escolheu para usar esses poderes! Se há uma lição a ser aprendida em tudo isso, é a de que o maior de todos os poderes...
(Cf., JURGENS apud REVISTA A MORTE DO SUPERMAN v. 1, 1993, republicada em 2009, p. 214).
O segundo quadrinho aproxima o ponto de vista do leitor, do presidente e sua primeira-dama Hillary Clinton, mostrando em detalhes o rosto de personagens reais da sociedade estadunidense se despedindo de um personagem de ficção.
Cada um deles tem o texto atribuído a sua fala, como é possível perceber a seguir:
Bill Clinton: ... é a nossa própria habilidade de nos importamos e ajudar os outros.
Hillary Clinton: Assim como para as famílias das outras vítimas de Apocalypse... também mandamos nossos sentimentos para os entes queridos de Superman... quem quer que sejam.
(Cf., JURGENS apud REVISTA A MORTE DO SUPERMAN v. 1, 1993, republicada em 2009, p. 214).
O segundo volume dessa história se inicia com quatro personagens querendo assumir a identidade de Superman, que teria voltado da morte. Ao longo da narrativa cada um deles é desmentido e considerado impostor, por querer se passar pelo super-herói alienígena. O nome dos quatro são: Aço, Erradicador, Superboy e Ciborgue.
Enquanto principalmente a cidade de Metrópolis sente a falta do verdadeiro Homem de Aço e esses quatro novos heróis surgem para proteger pessoas, o corpo do kryptoniano é reenergizado e ele volta a vida, ressuscitando. O retorno de Superman é marcado por uma mudança em seu visual, que passa a usar um uniforme preto, cabelos longos e as vezes barba, como mostra a imagem:
A letra S estampada em seu peito passa a ser na cor prateada, acompanhando as mudanças no visual do super-herói estadunidense que voltou a vida. Dessa forma, depois de seu retorno, a cor preta do uniforme, além do luto, representa o abandono temporário das cores da bandeira estadunidense e, consequentemente mudança de valores. Apenas o signo do S em seu peito continua como um elemento de identidade semiótico.
2.2. Prática Discursiva
A segunda dimensão de análise proposta por Fairclough ressalta os discursos presentes no texto. Também se preocupa com o contexto de produção e consumo desse mesmo texto. Entre outras coisas, pode se identificar diferentes tipos de discursos, como o religioso e o político, por exemplo.
Em 1992 as vendas das revistas de Superman não estavam boas porque o Homem de Aço perdia espaço para personagens com atitudes mais agressivas e muitas vezes foi considerado ultrapassado. Esse foi o principal motivo para que a equipe criativa responsável pelas narrativas desse super-herói começasse a pensar em histórias que de alguma forma reinventasse o kryptoniano mais famoso entre os terráqueos. Em decorrência disso, depois de muitas discussões internas na editora americana DC Comics, foi lançado em outubro de 1993, no Brasil, o texto verbo visual como um arco de histórias intitulado como A Morte e o Retorno de Superman, traduzido para o português, dividido em 10 revistas de formato pequeno. (RIQUE, 2006).
No Brasil, o preço de cada uma dessas revistas era variável, pois ia de acordo com uma tabela de preços da editora brasileira Panini, que trabalhava em parceria com DC Comics (RIQUE, 2006). Todas essas revistas foram reunidas nas duas publicações apresentadas anteriormente, e que foram utilizadas como fonte para esta análise.
Faz parte dessa narrativa muitos elementos interdiscursivos, sendo possível perceber a intertextualidade que existe principalmente com textos bíblicos sobre a morte e ressureição de um judeu chamado Jesus Cristo. De acordo com Fairclough (2016), todo tipo de discurso possui um investimento ideológico e também uma relação com o social. Essa afirmação pode ser exemplificada através da análise dessa narrativa de Superman, que consegue retornar do mundo dos mortos.
A respeito de Jesus, Potter afirma o seguinte:
Jesus acreditava piamente no seu retorno, ressuscitando após a sua morte e na vigência de sua geração – retorno triunfante na forma corpórea sobre as nuvens do céu. Que ele o afirmara é fato entre os mais incontestes, e seus discípulos contavam com a realização do efeito não pode ser negado. (POTTER, 1944, p. 211)
Com base no exposto, a interpretação de que a morte e o retorno de Superman se constrói a partir de um texto anterior torna-se mais evidente. A narrativa ficcional possui relação com personagens que fazem parte da história humana.
Além disso, outro personagem que existe no mundo real participa dessa aventura de Superman, o presidente estadunidense Bill Clinton, apresentado nas imagens acima enquanto discursava para se despedir do super-herói.
William Jeferson Clinton (1946) foi professor do curso de direito na Universidade do Arkansas (1973 – 1976) e se casou com Hillary Clinton em 1975. Em 1978 foi eleito governador do Arkansas. Alguns anos depois, em 1992, derrotou o presidente George H. W. Bush e foi eleito presidente, encerrando o período de doze anos em que os republicanos estiveram na situação. Ele era carismático e popular. Sua presidência foi marcada por um período de prosperidade econômica e um foco em promover a paz no cenário internacional. No final da década, mais precisamente 1998, um escândalo passou a fazer parte de sua vida pública, quando foi descoberto um caso extraconjugal entre o presidente e a estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky. (BURNET, 2018)
No dia 11 de setembro de 1998, em Washington, nos Estados Unidos, Bill Clinton admitiu que “pecou” e se desculpou publicamente através de um discurso destinado ao povo americano, reconhecendo seu erro para uma população em grande maioria religiosa. (BURNET, 2018).
Nas páginas dos quadrinhos, o presidente e a primeira-dama foram representados pelo desenho. Características como carisma, autoridade e credibilidade que são atribuídos aos dois no mundo real, foram compartilhados no universo ficcional, uma vez que entre os discursos lamentando a morte do maior super-herói estadunidense se destaca a fala compartilhada pela dupla. Esse é apenas um exemplo de elemento discursivo que constrói a narrativa de um alienígena que morreu lutando para salvar milhões de humanos.
2.3. Prática social
A terceira dimensão de análise do modelo tridimensional destaca aspectos referentes a ideologia presente no texto analisado. Nem sempre é simples percebê-los numa primeira leitura, mas se realizada com cuidado, uma nova interpretação pode surgir, com mensagens que na maioria das vezes passam despercebidas.
Para a Análise Crítica do Discurso (ACD), o próprio termo discurso se destina ao uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado. (FAIRCLOUGH, 2016).
Existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira. Por outro lado, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas relações específicas em instituições particulares, como o direito ou a educação, por sistemas de classificação, por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não discursiva, e assim por diante. Os eventos discursivos específicos variam em sua determinação estrutural segundo o domínio social particular ou quadro institucional em que são gerados. Por outro lado, o discurso é socialmente constitutivo. Aqui está a importância da discussão de Foucault sobre a formação de sujeitos, objetos e conceitos. O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. (FAIRCLOUGH, 2016).
Sobre o termo ideologia, será considerada a formulação geral de Karl Mannheim (1893-1947), não sendo unilateral como foi Karl Marx (1818-1883). Ideologia, de acordo com a primeira formulação, pode ser caracterizada como os sistemas interligados de pensamento e modo de experiência que estão condicionados por circunstâncias sociais e partilhados por grupos de pessoas, incluindo as pessoas engajadas na análise ideológica (THOMPSON, 1995). Em se tratando do conceito de hegemonia, este, parte do pensamento de Antonio Gramsci (1891-1937), no qual determinados grupos sociais exercem um processo de liderança dentro da sociedade a partir de um determinado poder simbólico, o que pode envolver a mídia, o judiciário, o escolar, como instrumentos de dominação ideológica (RODRIGUES, 2006).
A respeito dessa prática, Fairclough (2016, p. 126) explica a relação entre discurso e ideologia:
Todo discurso é ideológico? Sugeri que as práticas discursivas são investidas ideologicamente à medida que incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. Em princípio, as relações de poder podem ser afetadas pelas práticas discursivas de qualquer tipo, mesmo as científicas e as teóricas.
Sobre a terceira dimensão de análise do modelo proposto por Fairclough (2016, p. 123-124), o próprio teórico explica que um texto possibilita várias interpretações e, por isso, a ideologia não está presente no texto. A esse respeito, o mesmo afirma o seguinte:
Há também uma concepção textual de localização da ideologia, que se encontra na linguística crítica: as ideologias estão nos textos. Embora seja verdade que as formas e o conteúdo dos textos trazem o carimbo (são traços) dos processos e das estruturas ideológicas, não é possível ‘ler’ as ideologias nos textos. Isso ocorre porque os sentidos são produzidos por meio de interpretações dos textos e os textos estão abertos a diversas interpretações, que podem diferir em sua importância ideológica, e porque os processos ideológicos pertencem aos discursos como eventos sociais completos – são eventos entre as pessoas – não apenas aos textos que são momentos de tais eventos.
Utilizando o modelo tridimensional de análise, outro autor foi identificado no texto do Homem de Aço, na terceira dimensão, que destaca prática social e ideologia. Trata-se de Pêcheux (1995), no que se refere a ideologia e desigualdade entre classes sociais.
O referido teórico afirma o seguinte:
A objetividade material da instancia ideológica é caracterizada pela estrutura de desigualdade-subordinação do “todo complexo com o dominante” das formações ideológicas de uma formação social dada, estrutura que não é senão a da contradição reprodução/transformação que constitui a luta ideológica de classes (PÊCHEUX, 1995 p. 147).
Em outras palavras, de acordo com Pêcheux, a ideologia faz parte da construção de uma estrutura de dominação e subordinação entre classes sociais. Dessa forma, essa afirmação também se relaciona com o ponto de vista defendido por Fairclough, que aborda a dominação hegemônica de classes sobre outras classes. Dentro disso, este artigo destaca o texto de Superman, onde ele constrói um poder simbólico a partir da utilização da linguagem na representação presente na narrativa sobre sua morte.
Para melhor compreensão desse texto, considerando a ideologia, é importante relacioná-lo ao contexto de produção, uma vez que foi produzido por determinado grupo social e distribuído para consumo de várias classes sociais, em certo período histórico. Diante disso, relacionar determinados acontecimentos contextuais ao texto escrito para o Homem de Aço é fundamental para interpretar mensagens ideológicas contidas nas páginas do gibi.
No ano de 1991 a União Soviética deixou de existir e, com isso, muitos especialistas em assuntos de relações internacionais discordavam quando tentavam caracterizar a nova ordem mundial que estava nascendo. Os Estados Unidos seriam a potência hegemônica ou surgiriam blocos de poder? (BRAICK, 2011).
Se o maior opositor Estadunidense durante a Guerra Fria deixou de existir, com o regime político e econômico do comunismo, os caminhos para hegemonia se tornariam mais simples para os representantes do capitalismo. A partir disso, surge a pergunta, o que é hegemonia?
Sobre isso, Farclough (2016, p. 127), afirma o seguinte:
O conceito de hegemonia, que é peça central da análise que Gramsci faz do capitalismo ocidental e da estratégia revolucionária da Europa Ocidental (GRAMSCI, 1971; BUCI-GLUCKSMANN, 1980), harmoniza-se com a concepção de discurso que defendo e fornece um modo de teorização sobre a mudança em relação à evolução das relações de poder, que permite um foco particular sobre a mudança discursiva, mas, ao mesmo tempo, um modo de considera-la em termos de sua contribuição aos processos mais amplos de mudança e de seu amoldamento por tais processos. Hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade.
Considerando tal afirmação é possível associar o texto visual de Superman a estratégias hegemônicas dos Estados Unidos? A resposta é sim, porque além da narrativa abordar o maior super-herói do planeta, que foi criado em território estadunidense ainda mostra a importância dele para milhares de pessoas que sentem profundamente sua morte.
Como foi mostrado anteriormente, a maior autoridade política do país se pronuncia, no ambiente ficcional, através de um discurso de reconhecimento pelas benfeitorias realizadas pelo kryptoniano. Nessa oportunidade, também representa milhões de estadunidenses e se despede do Homem de Aço. Além dele, heróis como Batman, Flash, Lanterna Verde e tantos outros prestam homenagens. Isso é ideológico? Sim. Talvez perceber essas relações de dominação estadunidense na década de 90 e um personagem fictício não seja tão simples, mas conhecendo o contexto em que essa narrativa foi escrita, a compreensão principalmente do papel da ficção na realidade torna-se mais claro.
Um dos editores originais da saga A Morte e o Retorno de Superman, chamado Mike Carlin, concedeu uma entrevista que também está nas páginas da publicação do Volume 1. Suas palavras esclarecem o processo de produção e a reação das pessoas ao saberem da morte do super-herói. Ele conta que um jornal estadunidense vazou a informação sobre a morte do Homem de Aço, com a notícia saindo na primeira página. Dessa entrevista de Mike Carlin (2007, p. 9), alguns depoimentos importantes:
Aquela sexta-feira... quando as notícias se espalharam... foi o dia mais ocupado da minha carreira... concedi pelo menos 50 entrevistas para rádios e canais de TV! E ainda tive que fazer meu trabalho normalmente!
O mundo “real” estava reagindo ainda pior que os cidadãos de Metrópolis e do universo DC! Como nós ousávamos tirar deles aquele tesouro nacional?
Os repórteres perguntavam: “Como vocês ousam tirar o Superman dessas pessoas?” E eu questionava na sequência, “Bom... quando foi a última vez que você comprou um gibi do Superman?”
A resposta, invariavelmente, era: “Bom...mais ou menos uns 20 ou 30 anos.”
Eu sempre vencia a discussão... “Se você não rega suas plantas, elas irão morrer. E vocês não estavam lá quando o Super precisou!”
De acordo com Mike Carlin, apenas a ideia de morte do maior super-herói estadunidense já foi capaz de causar fortes reações entre as pessoas que conheciam o personagem, mesmo sem ser leitores de gibis. Isso porque ele representa muitos valores defendidos pelo modelo político, social e econômico dos Estados Unidos.
Com a intenção de aumentar as vendas das revistas do Homem de Aço, a estratégia de matar Superman chamou atenção de milhares de pessoas pelo mundo, principalmente os fãs da cultura pop, mas ao mesmo tempo criou uma oportunidade de atualizar e reinventar um personagem que foi criado no contexto da década de 1930. Por isso, ele não morreu em definitivo. Sua ressurreição foi um marco para o universo das histórias em quadrinhos, proporcionando um retorno esperado por milhões de fãs.
Do ponto de vista ideológico A Morte e o Retorno de Superman traz no seu texto uma ameaça à estrutura de dominação dos Estados Unidos, quando o seu maior super-herói dos gibis morre e sua ausência é sentida dentro e fora das páginas da história em quadrinhos. Mas seu retorno reestabelece as relações de poder, conforme Fairclough (2016). Essa narrativa não altera as relações entre classes sociais, mas reforça a ideia do maior protetor do planeta Terra ser dos Estados Unidos e mantém uma situação de dominação entre as classes, de acordo com o entendimento de Pêcheux (1995).
Utilizando as cores de seu uniforme de herói, azul, vermelho e amarelo, semelhantes às cores da bandeira estadunidense, Superman também propaga a ideia de que a salvação do mundo passa pelos Estados Unidos, tomando como base o texto de Santaella.
Dessa forma, essa narrativa traz nas entrelinhas de seu texto visual a possibilidade de diversas interpretações. Talvez só um personagem considerado por muitos infantil que morre numa história de ficção, ao mesmo tempo que traz um dos maiores representantes da ideologia hegemônica estadunidense. Através de suas revistas, também reafirma seu poder de dominação com um público que gosta e consome essas aventuras, muitas vezes sem consciência do papel social do Homem de Aço, que supera a morte e atualiza discursos anteriores.
3. Considerações Finais
O universo ficcional das narrativas presentes no gibi possui grandes personagens, sendo a maioria considerados infantis e, dessa forma, uma leitura menos importante se comparada a outros gêneros literários. Entre eles, Superman, primeiro herói com superpoderes criado em 1938, nos Estados Unidos, para esse segmento.
Contrariando a opinião de algumas pessoas, este texto prova que essas revistas com linguagem de quadrinhos podem ser analisadas pela linguística, na categoria de texto visual, utilizando a semiótica para explicar algumas de suas características. Além disso, este artigo consegue interpretar três dimensões de uma narrativa de Superman, publicada na década de 1990, utilizando o modelo proposto por Norman Fairclough, voltado para a Análise Crítica do Discurso. Através da aplicação dessa teoria na narrativa selecionada desse personagem, foi possível identificar e destacar texto, prática discursiva e prática social.
Para o referido teórico, a mudança social acontece a partir do discurso, principalmente com a compreensão da relação existente entre discurso e ideologia. A partir disso, o reconhecimento de práticas hegemônicas existentes em diversas sociedades. Será que Superman faz parte disso? A resposta é sim, afinal um personagem de ficção não produz seu próprio discurso, mas reproduz o discurso do outro. Sabendo disso, o reconhecimento da intertextualidade, ou seja, um texto que atualiza um texto anterior, na narrativa de Superman se torna mais fácil. Na verdade, o discurso de Superman é escrito pelos autores da revista e dependendo da intenção, esse discurso pode mudar.
Na narrativa intitulada A Morte e o Retorno de Superman o super-herói traz nas entrelinhas de seu texto visual o discurso religioso e, também, o político, por exemplo.
Dessa forma este artigo cumpre sua proposta e espera contribuir para a diminuição do preconceito existente entre pesquisadores da linguística e personagens fictícios como Superman, já que vivemos numa sociedade com grande consumo de cultura pop, mesmo distante dos Estados Unidos. É importante considerar e refletir a relação de consumo entre Brasil e Estados Unidos, pensando criticamente sobre relação de poder e dominação hegemônica.
Construir e apresentar um olhar diferenciado sobre esse universo presente nos gibis é importante no Brasil atual, onde o sistema educacional enfrenta tantas dificuldades. Essas revistas são consumidas por milhares de pessoas em vários países. Também são traduzidas em diversas línguas. Conseguem abordar assuntos políticos de forma clara, mesmo que seja através de metáforas.
No Brasil, pesquisas que tem como objeto as histórias em quadrinhos ganham cada vez mais espaço. Elas abordam diferentes aspectos desse universo e são cada vez mais comuns em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, por exemplo. Sediado em Minas Gerais, existe a ASPAS – Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial, que reúne estudiosos de diversas linguagens artísticas, alcançando alunos de escolas e universidades. No Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, por exemplo, vários pesquisadores como Waldomiro Vergueiro, Nobu Chinen, Paulo Ramos e Roberto Santos publicam trabalhos sobre esse tipo de linguagem. Esse meu artigo é apenas uma contribuição nesse cenário crescente de pesquisas do país, revelando uma interpretação crítica de uma publicação de Superman, utilizando uma teoria da linguística para apresentar meu ponto de vista. Mesmo apresentando fragilidades de uma pesquisa de mestrado, ela atinge seu objetivo. Porém, não esgotou todo o assunto, afinal é apenas um recorte do discurso do Homem de Aço, que abre várias possibilidades de estudo.
Referências
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