Resumo para não especialistas
O Atlas das línguas do mundo em perigo da UNESCO (1996) foi elaborado com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre o perigo das línguas ameaçadas e proteger a diversidade linguística. O Atlas tem sido utilizado como uma ferramenta para as políticas de revitalização das línguas indígenas, no Brasil e no exterior. Com este trabalho, buscamos analisar e problematizar o conceito de vitalidade e seus sentidos presentes no Atlas. Faremos isso a partir de um olhar crítico e contextualizado, considerando duas realidades indígenas brasileiras: do povo Macuxi (Norte do Brasil) e do povo Mbyá Guarani (Sul do Brasil). Para as analises apresentadas, levamos em consideração quatro pilares apresentados por Lüpke (2017): 1) investigação das práticas comunicativas em espaço geográfico ou ecossistema linguístico significativo; 2) investigação sobre como essas práticas comunicativas são nomeadas e reificadas, e quais ideologias e perspectivas resultam da prática de nomeá-las; 3) estudo das funções indexicais do uso da linguagem e línguas como representações ideológicas; 4) pesquisas sobre as diferentes dinâmicas de poder, perspectivas e ideologias de falantes e pessoas de fora desses contextos. Buscamos, com este texto, expandir os sentidos de vitalidade e de revitalização apresentados no Atlas e atentar para a importância de se considerar as perspectivas indígenas locais em relação a suas próprias línguas.
Introdução
O Atlas das línguas do mundo em perigo[1] da UNESCO encontra-se em sua terceira edição (1996, 2001, 2010a, 2010b). A última versão do mapa conta com uma versão interativa no formato on-line, para a qual interessados podem encaminhar informações e sugestões relativas às línguas em “perigo”. O Atlas foi elaborado com o objetivo de aumentar a conscientização sobre as línguas em perigo e salvaguardar a diversidade linguística, além de ser uma ferramenta de monitoramento do status das línguas em perigo de extinção e das tendências relacionadas à diversidade linguística a nível global. O conceito de línguas em perigo (endangered languages) tem sido amplamente utilizado tanto para diagnosticar a situação de línguas minorizadas e/ou minoritárias[2] no mundo, como para propor agendas e políticas públicas voltadas para a sua preservação. Neste artigo, atentamos para a dimensão ideológica inscrita nesse conceito (Austin; Sallabank, 2014; Leonard, 2017; Spolsky, 2014), que tem contribuído para ratificar uma série de ideias e práticas, como: a compreensão das línguas como objetos nomeados; a apreensão das línguas como artefatos; o uso de metalinguagem eurocêntrica na descrição das línguas; o modelo escolar de ensino e aprendizagem de língua adotado; o sentido pejorativo e colonial de “indígena”; a hierarquização valorativa de línguas; entre outros. É preciso, além disso, considerar as dissonâncias possíveis entre os sentidos de língua das esferas institucionais e acadêmicas e das comunidades indígenas em questão. Os sentidos locais de língua, isto é, os sentidos que as comunidades indígenas atribuem a suas próprias línguas, são relevantes uma vez que priorizam práticas contextualizadas de valorização linguística, incluindo o que as próprias comunidades compreendem por “línguas em perigo” e “revitalização”. Problematizamos uma retórica salvacionista, de orientação tipológica e descritiva, de línguas em perigo que ressoam os discursos aplicados às plantas e aos animais, vistos como coisas a serem protegidas (Spolsky, 2014).
A seguir, apresentamos as seguintes seções: inicialmente, apresentamos e problematizamos os conceitos de língua, vitalidade, perigo e extinção presentes no Atlas. Na sequência, apresentamos uma breve análise de dois contextos que envolvem as línguas indígenas macuxi (Norte do Brasil) e mbyá guarani (Sul do Brasil), a fim de verificar como esses pilares ajudam a expandir criativa e produtivamente os sentidos de vitalidade e de revitalização para além do sistema classificatório indicado pelo Atlas. Por fim, incluímos uma discussão sobre a importância de uma agenda indígena de pesquisa comprometida com uma perspectiva decolonial.
1. Dos conceitos de língua, vitalidade, perigo e extinção presentes no Atlas
No documento intitulado Language Vitality and Endangerment (UNESCO, 2003, p. 2, tradução livre), considera-se que “A extinção de qualquer língua resulta na perda irrecuperável de um conhecimento cultural, histórico e ecológico único. Cada língua é uma expressão única da experiência humana do mundo.”[1] Conforme dados da UNESCO (2003, 2011), existem no mundo cerca de 6.000 línguas, das quais metade corre o risco de desaparecer. Atentamos, nessa sucinta definição, para uma ideologia linguística orientada pelo modelo quantitativo de línguas. Makoni e Pennycook (2015), por exemplo, chamam a atenção para a ideia de enumerabilidade linguística, que se baseia em noções de que as línguas e as pessoas que as falam são passíveis de serem contadas. Essa afirmativa não se sustenta quando consideramos a disparidade existente entre, por um lado, o número de línguas que os linguistas acreditam existir e, por outro, o número de línguas que as pessoas afirmam falar. Além disso, as fronteiras que definem as línguas são frutos de processos de normatização linguística baseados em critérios orientados pela escrita como modelo de referência (Makoni; Pennycook, 2015). Assim, é preciso considerar que as línguas não existem como objetos estáticos e cujas fronteiras são facilmente definíveis; diferentemente, consideramos que as línguas são produto de práticas sociais e comunicativas situadas, o que torna o próprio sentido de língua mais complexo (Severo, 2019). Em decorrência disso é que o argumento estatístico se torna passível de problematização como instrumento metodológico de diagnóstico da diversidade linguística.
Sobre a metodologia de classificação das línguas ameaçadas, o documento Language Vitality and Endangerment (UNESCO, 2003, 2011), elaborado por um grupo de linguistas internacionais a pedido da UNESCO, leva em consideração nove critérios: i) transmissão linguística intergeracional; ii) número absoluto de falantes; iii) proporção de falantes diante do total da população; iv) mudanças no domínio de uso linguístico; v) resposta a novos domínios (escola, lar etc.) e mídias; vi) disponibilidade de materiais para ensino de língua e alfabetização; vii) políticas e atitudes linguísticas institucionais e governamentais, incluindo uso e status oficial; viii) atitudes dos membros da comunidade com relação à sua própria língua; ix) tipo e qualidade da documentação. Esses critérios podem ser visualizados na Figura 1 abaixo.
O documento informa, ainda, que nenhum desses fatores isolados é suficiente para avaliar o estado da língua de uma comunidade; mas, em conjunto, poderiam determinar a viabilidade de uma língua, sua função na sociedade e o tipo de medidas necessárias para sua manutenção ou revitalização (UNESCO, 2003, 2011). Para cada um dos critérios avaliados, foram atribuídas às línguas consideradas ameaçadas seis graus possíveis de perigo (UNESCO, 2003), conforme descrito abaixo, com foco no critério de transmissão intergeracional das línguas (UNESCO, 2011).
Nesse quadro, observamos que uma língua está em perigo quando não é mais transmitida às gerações mais jovens (UNESCO, 2010b). O quadro revela uma perspectiva escalonar de graus de perigo, variando, em um extremo, entre segura (quando é falada por todas as gerações e a transmissão intergeracional é mantida) e, em outro extremo, extinta (quando não há mais falantes remanescentes). Entre esses dois polos há quatro categorias, que variam entre línguas vulneráveis, definitivamente em perigo, severamente em perigo, e criticamente em perigo. Todos esses graus são medidos em função da transmissão intergeracional, do uso da língua pelas crianças e jovens e do uso da língua em diferentes domínios.
Além do termo “perigo”, o Atlas faz menção a outros termos, como “línguas mortas”, “línguas extintas” e “línguas revitalizadas”. Sabemos, contudo, que os sentidos de transmissão geracional não podem ser limitados a um olhar eurocentrado de família e de transmissão (Leonard, 2017), devendo incluir, por exemplo, a comunicação dos vivos com seus antepassados e o uso das línguas nos sonhos (Kopenawa; Albert, 2015). Sobre a limitação do uso do termo “extinto”, registre-se que o próprio Atlas reconhece que, durante sua preparação, a equipe se deparou com objeções ao uso desse termo para se referir a línguas que perderam os últimos falantes, uma vez que essas línguas ainda permanecem vivas na memória das gerações mais novas. Além disso, o relatório da UNESCO reconhece que a objetividade dos critérios, como o critério quantitativo, provocou estranhamento aos próprios falantes: “Nosso termo causou ofensa entre aqueles que estão revitalizando com sucesso as línguas com apenas um punhado de falantes, e até mesmo revivendo o uso de línguas que antes se pensava serem irrecuperáveis.”[1] (UNESCO, 2010b, p. 12, tradução livre). Nelson e colegas (2023) destacam a necessidade de descolonizar a extinção das línguas, inclusive, começando pelo termo “extinto”.
Ainda sobre as metodologias de pesquisa aplicadas aos estudos sobre as línguas indígenas, Chilisa (2011) pondera que, muitas vezes, o contexto é ignorado, dando-se preferência à descrição de um “outro” genérico. O contexto local acaba sendo visto a partir das experiências e expectativas tomadas como padrão do primeiro mundo. Para a autora, “o dano, a resiliência e a permutação do erro da mesmice são reproduzidos por empresas transnacionais e organizações internacionais que prescrevem metodologias de pesquisa que ignoram diferenças contextuais”[1] (Chilisa, 2011, p. 83, tradução livre). Nessa direção, políticas linguísticas locais de “salvaguarda da diversidade linguística”, desenvolvidas pelos próprios falantes das línguas, são desconsideradas em detrimento de políticas institucionais e governamentais. Consequentemente, os efeitos dessas políticas linguísticas são ignorados, colocados de lado ou substituídos por políticas oficiais. Importa refletir se os resultados dessas últimas são duradouros ou apenas momentâneos, tornando-se obsoletos a longo prazo.
Exemplificando os limites do Atlas para definir a situação das línguas indígenas, em um estudo sobre políticas linguísticas realizado por Fábia Fulni-ô e Januacele da Costa (2022), as autoras relatam que, a despeito de a língua Yaathe, falada pelo povo Fulni-ô, no estado de Pernambuco, ter sido apontada pelo Atlas da UNESCO como em extremo perigo de extinção, ela é “uma língua viva e funcional, uma vez que é usada pela população Fulni-ô tanto ativa quanto passivamente, nas mais diversas situações de uso.” (Fulni-ô; Costa, 2022, p. 205). Segundo as autoras, a situação atual da língua Yaathe é de uso pleno e tem se expandido para diferentes esferas. Por isso, para as autoras, diferentemente do que está exposto no relatório da UNESCO, a língua utilizada pelo povo Fulni-ô não parece correr forte risco de extinção. Esse pequeno exemplo ilustra a incongruência entre, por um lado, os sentidos acadêmicos e governamentais de extinção e, por outro, os sentidos da própria comunidade.
Conforme Nelson e colegas (2023), uma língua que não é transmitida segundo os moldes ocidentais ou que não se encaixa nos padrões de medição convencionais passa a ser rotulada como extinta. Em contraste com esses parâmetros, segundo os autores, o povo Kariri-Xocó tem descontruído e decolonizado a noção de língua através de suas práticas e políticas linguísticas locais, para os Kariri-Xocó a língua “é performativa, genuinamente coconstruída, de propriedade da comunidade e algo que existe ao longo de um continuum de uso.”[1] (Nelson et al., 2023, p. 204, tradução livre). Nesse sentido, após terem sido declarados como extintos por seus colonizadores, o povo Kariri-Xocó tem buscado, com êxito, o reavivamento de sua língua e de sua identidade, como forma de desfazer o processo colonial de apagamento (Nelson et al., 2023).
Diante do exposto, ressaltamos a importância de um olhar crítico e contextualizado sobre os sentidos de vitalidade que perpassam a avaliação sobre a situação das línguas consideradas “em perigo”. Atentamos para as categorizações envolvendo uma perspectiva escalonar de “graus de perigo” em relação aos nove fatores avaliativos indicados pelo Atlas. Nossa problematização considera, conforme Lüpke (2017), que os sentidos de vitalidade das línguas devem considerar quatro pilares:
1) investigação das práticas comunicativas em espaço geográfico ou ecossistema linguístico significativo;
2) investigação sobre como essas práticas comunicativas são nomeadas e reificadas, e quais ideologias e perspectivas resultam da prática de nomeá-las (Spolsky, 2014);
3) estudo das funções indexicais do uso da linguagem e línguas como representações ideológicas;
4) pesquisas sobre as diferentes dinâmicas de poder envolvendo as perspectivas e ideologias de falantes e pessoas de fora desses contextos.
Tendo em vista esses critérios, apresentamos na próxima seção alguns sentidos de vitalidade, a partir de experiências linguísticas dos povos Macuxi (Norte do Brasil) e Mbyá Guarani (Sul do Brasil), a fim de ilustrar como esses contextos e experiências locais ajudam a expandir criativa e produtivamente os sentidos de vitalidade e de revitalização para além do sistema estatístico, escalonar e classificatório mencionado. A seleção dessas duas etnias, Macuxi e Mbyá Guarani, ocorre em razão de serem dois grupos com os quais as pesquisadoras têm, há algum tempo, desenvolvido suas pesquisas. Além disso, uma das pesquisadoras do presente estudo é membro/pertencente ao povo Macuxi, ratificando a importância da posicionalidade indígena (Leonard, 2017) na produção de conhecimento sobre as línguas indígenas.
2. Revisitando o conceito de vitalidade
Considerando a última versão do Atlas das línguas do mundo em perigo da UNESCO (2010a, 2010b), nos deteremos a uma análise mais orgânica da vitalidade das línguas macuxi e mbyá guarani. Estabelecemos um contraponto entre os dados da UNESCO e as especificidades locais de comunidades situadas, tendo em vista os critérios supramencionados (Lüpke, 2017).
2.1. Macuxi (Norte do Brasil)
Nesta seção, exploramos a metodologia de localização, nomeação, quantificação e de valoração do grau de perigo da língua macuxi presente no Atlas da UNESCO, atentando para as limitações dessas categorias. Abordamos, também, os sentidos de língua e de ecologia linguística.
De acordo com o Atlas da UNESCO (Figura 3), o povo Macuxi estaria localizado apenas na região Norte do Brasil, especificamente no Estado de Roraima, e na Guyana, conforme a figura abaixo.
No entanto, identificamos que, além do Brasil e da Guyana, os Macuxi também se encontram na região da Venezuela (Quadro 1):
Percebemos que a localização territorial do povo Macuxi ultrapassa os limites apresentados pelo Atlas da UNESCO, sendo que grande parte de sua população se encontra em território brasileiro (Estado de Roraima). De acordo com Sagica (2021), no Estado de Roraima, o povo Macuxi está distribuído em distintas Terras Indígenas (TIs) como: na Raposa Serra do Sol, na Comunidade São Marcos e na Região da Serra da Lua, a qual é formada por nove TIs. Registre-se que a relação entre povo e território nem sempre é fixa e estática, podendo incluir deslocamentos, migrações e relações familiares e de amizade que transcendem limites previamente fixados, embora a política das TIs (territórios de ocupação tradicional, segundo a constituição de 1988), tenha a tendência de fixar essas localizações. É importante que os mapas sejam sensíveis tanto à política de demarcação de terras dos diferentes contextos registrados como ao deslocamento de povos indígenas para regiões localizadas fora das TIs, como os espaços urbanos, por exemplo.
Outro fator apresentado pelo Atlas da UNESCO a respeito do povo Macuxi, ao qual é necessário nos atermos, é o uso da nomenclatura macusí[1], que se sobrepõe às outras formas de nomenclatura já existentes, tais como: macuxi[2] ou makuxi[3], especialmente usadas em língua portuguesa no território brasileiro, onde o seu quantitativo é maior em relação às demais regiões. Outros usos incluem os termos makuusi[4]/makusi[5], em língua macuxi; esses registros também são identificados em Edson Soares Diniz (1971) e Theodor Koch-Grünberg & Georg Hübner (1908).
Soma-se a essas características geográficas, quantitativas e de nomenclatura, a classificação da língua do povo Macuxi em termos de graus de perigo: segundo o Atlas da UNESCO, o macuxi estaria no nível Vulnerável, o que significa que “A maioria, mas não todas, as crianças ou famílias de uma determinada comunidade falam a língua dos pais como primeira língua, mas isso pode ser restrito a domínios sociais específicos (como o lar, onde as crianças interagem com seus pais e avós)”[6] (UNESCO, 2010a, p. 12, tradução livre). Diante dessas informações, questionamos: Quem pode nomear uma língua? Como o povo se identifica diante dessas nomenclaturas? Tais questões guiam nossas reflexões, especialmente quando nos deparamos com um documento potente como o Atlas da UNESCO, que apresenta um viés um tanto restritivo e eurocêntrico, pois desconsidera as nuances que constituem um povo. Tal situação nos exige que assumamos “uma posição mais forte que relacione causalmente o pequeno tamanho da população a um alto grau de diversidade linguística e vitalidade linguística”[7] (Lüpke, 2017, p. e276, tradução livre). Ou seja, não é possível tipificar e classificar uma língua levando em consideração apenas o seu quantitativo populacional, cuja localização, muitas vezes, não contempla os fluxos de deslocamento e as redes de contato.
Importante considerar, ainda, que as práticas comunicativas em espaços geográficos ou ecossistemas linguísticos significativos ultrapassam os parâmetros geralmente utilizados no tipo de classificação adotado pelo Atlas, que classifica, entre outros critérios, as línguas conforme seus usos nas modalidades oral e escrita e que, muitas vezes, manifestações e práticas que envolvem as língua(gens) indígenas são invisibilizadas, tais como: o grafismo, os elementos imagéticos, os ritos, a arte e, atualmente, as mídias digitais. Logo, consideramos limitante um procedimento de classificação das línguas em perigo que desconsidere os vários contextos e meios semióticos em que essas línguas seguem vivas, conforme o que foi sugerido por Lüpke (2017, p. e276):
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É muito provável que a maioria dessas línguas não seja falada por tribos isoladas que ainda habitam a imaginação popular e linguística e catálogos de perigo, mas por grupos multilíngues de pequena escala que, em sua maioria, também participam de redes de maior escala e falam idiomas maiores, como é o caso em outros ambientes multilíngues de pequena escala em todo o mundo. (Lüpke, 2017, p. e276, tradução livre).[1]
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A não observância desses outros contextos nos quais as língua(gens) indígenas ocorrem reforça pensamentos e pesquisas colonialistas e eurocêntricas, pautados por ideologias linguísticas monolíngues que esvaziam a complexidade do que os povos indígenas consideram enquanto língua (Leonard, 2017). Na atualidade, com o intuito de ampliar a visão de sociedade sobre o que é a língua macuxi, muitos acadêmicos, escritores e artistas plásticos têm produzido e distribuído nas comunidades e nos contextos urbanos materiais pedagógicos, livros literários, produções acadêmicas, artes plásticas, além de promoverem cursos e encontros. Entre os próprios indígenas, tem-se buscado, também, salvaguardar as dimensões que constituem a sua língua, não apenas a oralidade, mas os seus sons, os cantos, as histórias, os ritos, os grafismos, entre outros saberes que não são possíveis de serem alcançados apenas pela escrita e/ou pela fala, seguindo uma ecologia linguística. Lüpke (2017, p. e277) oferece uma visão mais integrada e orgânica da ecologia linguística vivenciada pelas comunidades indígenas, e que poderia respaldar as metodologias utilizadas no diagnóstico da situação de “perigo” das línguas:
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[...] uma ecologia linguística que apoie o multilinguismo adaptativo de pequena escala deve ser vista como o ambiente mais favorável para as línguas minoritárias: ela permite que seus falantes se comuniquem dentro de seu ambiente mais amplo, ao mesmo tempo em que fornece contextos sociais para o uso daquelas partes do repertorio não compartilhadas com grande número de pessoas. (Lüpke, 2017, p. e277, tradução livre).[1]
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Para tanto, reiteramos a urgência de pesquisas que contemplem as diferentes experiências e representações de língua, para que novas perspectivas sobre as línguas fomentem não apenas a valorização, mas a preservação das língua(gens) em diálogo com as visões e vivências indígenas.
2.2. Mbyá Guarani (Sul do Brasil)
Nesta seção, exploramos a metodologia de localização, nomeação, quantificação e de valoração do grau de perigo da língua mbyá guarani presente no Atlas da UNESCO, atentando para as limitações dessas categorias. Abordamos, também, o sentido de língua e de ecologia linguística.
Com relação ao povo Mbyá Guarani no mapa da UNESCO apresentado no Atlas, chama a atenção o fato de a língua mbyá guarani receber destaque em apenas três pontos, que correspondem à América do Sul (Figura 4). Essa localização contrasta com o que observamos em outros mapas, a exemplo do mapa divulgado pelo Instituto Socioambiental (ISA), no qual o povo Mbyá Guarani aparece em pelo menos oito estado brasileiros (Figura 5).
Uma consulta breve realizada no site do Instituto Socioambiental (ISA) apresenta um total de 79 Terras Indígenas com população Mbyá Guarani, localizadas em oito estados brasileiros. Ao considerar uma comunidade Mbyá Guarani específica, denominada pelo ISA como “Reserva Indígena Cachoeira dos Inácios”[1], mas reconhecida pelos moradores como Tekoá Marangatu (Aldeia da Harmonia), observa-se que o número da população apresentado no mapa é de 316 habitantes (ISA, 2022). Contudo, esse é um fator bastante variável, uma vez que nessa comunidade, assim como em muitas outras aldeias do povo Mbyá Guarani, ocorre um grande número de deslocamentos e migrações, tanto no sentido de pessoas que chegam como de pessoas que saem da comunidade (Oliveira, 2021). Esse é um fator a ser levado em consideração quando se pensa o número de falantes de uma língua localmente investigada. O número de moradores da comunidade tem variado entre 150 e 250 pessoas nos últimos anos.
A comunidade de falantes Mbyá Guarani apresentada no mapa do Atlas está localizada em uma região que pertence ao estado do Rio Grande do Sul, sendo desconsiderados os outros sete estados e as várias comunidades localizadas dentro desses estados. Faz-se necessário levar em consideração que não há apenas uma comunidade Mbyá Guarani no Brasil, como aparece no mapa, mas, sim, diversas. E cada uma delas possui uma dinâmica própria de organização política e social.
Evidencia-se, portanto, nos mapas da UNESCO referentes às localizações Macuxi e Mbyá Guarani, o fenômeno que Irvine e Gal (2000) chamam de apagamento, um recurso ideológico que opera pela invisibilização de certas pessoas ou atividades. A ideologia da quantificação linguística também apaga a complexidade das práticas comunicativas, transformando fenômenos multilíngues e hibridizáveis em unidades linguísticas com nome e fronteira definidos. Esse apagamento tem efeitos delicados sobre o que se entende por extinção. Não é por acaso que muitas comunidades têm optado pelo uso do termo “línguas adormecidas” (Leonard, 2018; Martins; Oliveira, 2018; Durazzo, 2022), na contramão de uma ideia fatalista de extinção e de desaparecimento. O pesquisador indígena Leonard (2018, p. 23, tradução livre), por exemplo, problematiza o uso do termo “extinto” para qualificar a sua língua materna, preferindo a expressão “língua adormecida”, conforme a seguir:
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Miami é um dos principais dialetos da língua Miami-Peoria (também chamada de Miami-Illinois), uma língua da família de línguas algonquinas, que é classificada como extinta por fontes bem conhecidas, como o Ethnologue (Gordon 2005). No entanto [...] ela não está e nunca esteve extinta; estava apenas dormindo. Devido aos esforços de recuperação que começaram na década de 1990, agora pode-se dizer que ela foi despertada.[1]
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Sobre a classificação do “grau de perigo”, a língua mbyá guarani, localizada no Brasil, é considerada uma língua Vulnerável, o que significa, como vimos anteriormente, que “A maioria das crianças ou famílias de uma determinada comunidade, mas não todas, fala a língua dos pais como primeira língua, mas isso pode estar restrito a domínios sociais específicos (como o lar onde as crianças interagem com os pais e avós)[1] (UNESCO, 2010b, p. 12, tradução livre). Considerando a quantidade significativa de comunidades mbyá guarani presentes no mapa do ISA, observamos que a vitalidade linguística é um fator variável, que precisa ser analisado mais detalhadamente, isso porque pessoas com diferentes níveis de domínio da língua habitam determinadas localidades e, ainda, deslocam-se entre as comunidades, levando consigo seus conhecimentos linguísticos e extralinguísticos. Devem ser consideradas, nesse caso, as trocas linguísticas e culturais relacionadas aos deslocamentos recorrentes das pessoas entre as comunidades ao longo dos territórios mbyá guarani, o que inclui, também, a presença desses povos e sujeitos em áreas urbanas.
Por isso, o fator localização geográfica de determinadas comunidades de falantes de uma língua deveria atentar para cada um dos espaços ocupados pelas pessoas pertencentes a uma determinada etnia. Sobre a variabilidade de experiências entre diferentes comunidades mbyá guarani, a seguir, apresentamos alguns dados coletados durante a pesquisa de doutorado de uma das pesquisadoras[1]:
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Pesquisadora: E como é que é assim em outras aldeias? Alguma coisa é diferente ou é bem parecido?
Participante 1: Tem algumas é diferente, por causa que tem algumas têm a casa de reza, tem algumas aldeias que não têm, hoje em dia é assim. O que é parecido aqui também, que eu conheço lá é aldeia Major Gercino, lá em Tijucas. E algumas aldeias têm mas só que não frequenta mais. Daí assim também é difícil.
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A casa de reza (Opy) é um local sagrado e considerado o mais importante pelos Mbyá Guarani para manter a cultura e os conhecimentos tradicionais. É o lugar onde o modo de vida guarani acontece primordialmente, onde os conhecimentos culturais são repassados pelos mais velhos para as gerações mais jovens e onde a língua mbyá guarani floresce em meio às práticas socioculturais. Conforme o entrevistado, nem todas as comunidades, atualmente, possuem uma Opy, o que pode ser consequência de múltiplos fatores, dentre eles a situação dos territórios, como as demarcações de terra e os conflitos com a sociedade envolvente. O entrevistado relata, ainda, que em alguns casos as comunidades têm a casa de reza, mas as pessoas não a frequentam mais, fator que pode ser explicado a partir do contato com a sociedade não indígena, a entrada de novas tecnologias nas aldeias e a própria escola, que acaba por ocupar grande parte do tempo das crianças, adolescentes e até mesmo dos adultos. Por isso, faz-se necessário levar em consideração a situação dos territórios e terras indígenas, além de sua proximidade com a sociedade não indígena e as influências externas: trata-se de terras demarcadas? São protegidas? São territórios de retomada? Ficam em áreas rurais, próximas a centros urbanos ou a estradas? Há conflitos com a sociedade envolvente? Há escola dentro da aldeia? Essas circunstâncias são também determinantes para se considerar a vitalidade linguística das comunidades (Guerola, 2019).
Outro relato sobre as diferenças existentes entre aldeias de uma mesma etnia pode ser observado a seguir:
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Participante 2: Então eu vim do Rio de Janeiro, porque também lá não tinha escola, tinha, só que assim, não era assim como essa aqui, como essa aqui que eu estou agora. Lá no Rio de Janeiro a comunidade, os caciques, assim, as aldeias, assim de outras aldeias, de outros estados. Cada cacique é diferente, os mandados deles são assim diferentes. Então lá os caciques, a comunidade assim não liga muito para a escola, não liga muito para essas coisas. Então eu vim de lá, assim, com o intuito de querer estudar, de querer, de poder ajudar a comunidade, a minha mãe.
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O relato apresentado acima demonstra que cada comunidade possui sua organização sociopolítica, bem como sua forma de gestão cultural, educacional e, portanto, linguística, isso porque esses três fatores dificilmente podem ser considerados separadamente. Além disso, políticas locais relacionadas à transmissão intergeracional da cultura e da língua perpassam o conceito de educação, seja ela tradicional – entendida como aquela que é própria da cultura indígena – ou escolar. Esses fatores poderão indicar também o índice de vitalidade linguística.
Cada comunidade mbyá guarani possui práticas e ideologias linguísticas diferentes, e isso reflete também em seus sistemas e meios de ensino/transmissão da língua, oficiais e não oficiais. O sistema de ensino escolar, por exemplo, que está a cargo dos estados, funciona diferente em cada entidade federativa, em cada município e em cada comunidade. As escolas indígenas são diferenciadas das escolas não indígenas e diferentes, também, entre si. Considerando que a escola tem sido ao longo da história um fator decisivo para a vitalidade e/ou o apagamento das línguas (Spolsky, 2014), essa é uma condição que deve ser levada em consideração: quais línguas estão presentes na escola? Qual o papel de cada uma das línguas na escola? Como as línguas estão sendo ensinadas-aprendidas nessas escolas?
Na escola da comunidade onde os dados foram gerados, as professoras e professores mbyá, ao escreverem em sua língua materna, têm optado por grafar algumas palavras diferente de como é feito em outras comunidades da mesma etnia, desconsiderando, inclusive, as gramáticas descritivas de sua língua (elaboradas por não indígenas). Essa atitude demonstra consciência linguística com relação à sua língua materna e à necessidade de marcar certa diferenciação em relação a outras comunidades – em alguns casos, diferenças regionais de uso da língua. O que essa prática revela sobre a relação das professoras e professores indígenas com as línguas que falam? Como a noção de normatização linguística é tensionada? Existem entre as próprias comunidades indígenas de uma mesma etnia relações internas que passam despercebidas aos não indígenas, sejam conflitos internos, tensionamentos, relações de poder etc.
Outras questões que fogem ao sistema classificatório engessado aplicado pela UNESCO também podem ser levadas em consideração, como os conhecimentos metalinguísticos por parte dos falantes e a relação desses fatores com as políticas linguísticas. Os Mbyá Guarani da comunidade indígena Marangatu, por exemplo, têm se autodenominado Mbyá Guarani, nessa ordem, enquanto outras comunidades utilizam o inverso, Guarani Mbyá. Como essas escolhas de nomenclatura interferem no conhecimento linguístico e na vitalidade das línguas? Quais ideologias, relações políticas e de poder estão inscritas nessa forma de nomear? Quem pode nomear? Como eles querem ser identificados e se autonomear? Como a forma de identificação constrói suas identidades? Não responderemos essas questões, mas acreditamos que a problematização levantada neste artigo nos ajuda a refletir sobre os limites dos sistemas de nomeação e classificação.
Sobre os usos da língua, esses dificilmente podem ser enquadrados em “caixinhas” monolíngues. Deve-se levar em consideração o papel das línguas em sua relação com as práticas de linguagem desenvolvidas na comunidade, tais como: (i) língua(gem) dos rituais; (ii) linguagem multimodal; (iii) linguagem não-humana[1]; (iv) linguagem visual; (v) linguagem da fumaça do petyngua[2]; (vi) linguagem dos cantos. Na direção de um mapeamento desses usos e práticas, algumas perguntas que podem ser exploradas são: 1) Quais são as práticas de usos linguísticos da comunidade? 2) O que essas práticas significam para os falantes? 3) O que é língua(gem) nesses contextos? 4) Como a língua constitui seus mundos? 5) Como a língua transmite as cosmovisões indígenas? 6) Quem pode acessar esses mundos? 7) Quais são as línguas/linguagens presentes? 8) O que essas língua(gens) significam para os falantes? Diante disso, buscamos compreender as línguas a partir de uma perspectiva multilíngue.
Um exemplo de como múltiplas língua(gens) podem se manifestar é descrito a seguir:
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Participante 1: E com o petyngua também que em todos os lugares, os Karai, os pajés se conecta né. Se acontece em outras aldeias lá alguma coisa aqui vai saber por isso, pelo petyngua. Vai entrar na casa [de reza] e vai fumar cachimbo vai sentir o que está acontecendo lá, nas outras aldeias. Estão precisando, ou tem algum lugar, algumas aldeias que têm algumas pessoa que faleceu, alguma coisa, tudo é descoberto por isso, tudo pelo petyngua e na casa de reza.
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Reconhecemos que há certas língua(gens) que não podem ser descritas e/ou enumeradas conforme os moldes acadêmicos ocidentais, pois não se enquadram nos critérios da linguística tradicional. Essas linguagens constituem formas de comunicação que estão além de descrições cristalizadoras. Para Durazzo (2022), trata-se de relações mais-que-humanas, as quais podem possuir ligação com o divino ou com o próprio ambiente. Categorizar essas língua(gens) seria uma forma de aprisionamento e, em alguma medida, de perda da sua vivacidade. Souza (2022, p. 24) destaca, ainda, que o sentido de determinadas línguas não se define na relação significante/significado, mas pode ser definida em “formas de oralidade, expressa na sonoridade, na musicalidade, na coreografia dos corpos, na pintura corporal, no comando do ritmo por aquele que é a Música e no próprio rito.”
Abaixo registramos o depoimento de um participante indígena sobre o uso ritual da língua:
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Participante 1: E se estiver as pessoas está doente, espiritual. Então com ela [petyngua] que faz as pessoas curar e para entrar em contato com o Deus, nosso criador, e como se fosse assim um celular, é com ele que conversa, com ele, quando que se conectação [sic], tem ali.
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A utilização do petyngua faz parte de muitos ritos mbyá guarani. O cachimbo é um instrumento de comunicação com o divino e com outras aldeias. Contudo, não basta “pita petyngua” (fumar o cachimbo), é preciso saber como fazê-lo. Nem todos que “pitam petyngua” possuem essa licença, o que significa que nem todos possuem a força espiritual necessária. Para tanto, faz-se fundamental uma preparação que acontece durante toda a vida de um mbyá, a fim de adquirir essa força e saber como usá-la
Sobre as práticas locais de revitalização linguística, os participantes entrevistados reconhecem certa dificuldade em manter sua cultura e língua mediante o contato e o envolvimento com a sociedade majoritária, e indicam certas rupturas com relação à transmissão de conhecimentos entre as gerações. Entretanto, também pontuam o envolvimento da comunidade, e o comprometimento de alguns jovens, com o despertar de conhecimentos que estão, em certa medida, “esquecidos”, nas palavras do entrevistado. A fala do participante a seguir revela sua percepção sobre o papel dos jovens das comunidade mbyá guarani, a partir de um encontro de jovens mbyá do qual participou.
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Participante 2: Falaram sobre tudo, sobre... Esses jovens, assim, eu espero que esses jovens também que estão nessa caminhada possam conseguir esse conhecimento e que possa repassar de novo para quem perdeu, para quem, para as crianças que estão agora, que estão assim sem saber assim como era a nossa cultura antigamente, como era assim curadas as doenças, as ervas que esses jovens estão buscando isso, que o que foram perdidos, que foram assim esquecidos sejam resgatados. Estão trabalhando com isso. Tem jovens de São Paulo, do Rio de Janeiro e da nossa região aqui de Santa Catarina, tem um pessoal ali do Morro dos Cavalos, estão atrás desse conhecimento, dessa cultura que foi perdida, não foi perdida, só que assim está meio assim esquecida.
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Diante do exposto, atentamos para a importância das perspectivas e das práticas locais na promoção de políticas linguísticas ascendentes (bottom up), valorizando a agentividade das comunidades e suas ideologias linguísticas (Webb, 2009). Sobre essa dimensão local, Smith (2018, p. 42) salienta que: “Para os povos indígenas, a fragmentação tem sido a consequência do imperialismo”. Além disso, para que as políticas locais dialoguem com as políticas institucionais, é preciso levar em consideração, de maneira significativa, a relação das comunidades com os estados e os municípios onde estão localizadas, atentando para: 1) Quem são os agentes envolvidos? 2) Quando (em que momentos) essas relações ocorrem? 3) Quem possui interesses nessa relação? 4) Essa relação é baseada em quê? 5) A celebração da diversidade é baseada em quais vieses ideológicos? 5) Quem ganha com a diversidade? 6) Essa diversidade é funcional ou crítica? Acreditamos que essas questões contribuem para evidenciar as relações de poder e as resistências que permeiam os contextos locais, não podendo, portanto, ser ignoradas ou minimizadas.
3. Palavras finais
Neste artigo, buscamos problematizar a metodologia e a nomenclatura utilizadas pela UNESCO para abordar as línguas (indígenas) em perigo de extinção. Para tanto, enfocamos alguns elementos: territorialização, nomenclatura, ideologias linguísticas baseadas na quantificação e língua-objeto, o conceito de transmissão geracional e a dimensão escalonar do conceito de perigo. Atentamos para a contradição que muitas vezes ocorre entre essas metodologias de orientação universalizante – aplicáveis a todas as línguas e comunidades de maneira indiferenciada – e as práticas e experiências indígenas locais, evidenciando suas mobilizações e interesses. Para tanto, apoiamo-nos em uma série de pesquisas que têm expandido o conceito de revitalização linguística a partir de/em diálogo com iniciativas indígenas (Tsikewa, 2021; Durazzo, 2022; Leonard, 2007; 2018; Smith, 2018; Chilisa, 2012; entre outros), problematizando discursos que rotulam as línguas como ameaçadas de extinção. As políticas de revitalização não podem operar de maneira isolada e abstrata, mas devem dialogar com outras políticas, como a de reconhecimento, restituição e compensação históricas. Nessa direção, Severo (2022, p. 50) defende que “a política linguística deve operar como uma política de reconhecimento, o que significa validar as demandas e interesses indígenas”.
Para problematizar o apagamento semiótico e discursivo da complexidade das práticas linguísticas indígenas e de suas agendas políticas comprometidas com as políticas de revitalização e restauração, apoiamo-nos nas orientações de Lüpke (2017), que propõe uma perspectiva teórico-metodológica comprometida com quatro elementos: (i) investigação das práticas comunicativas/ecossistema linguístico significativo; (ii) análise das políticas de nomeação e as ideologias linguísticas; (iii) estudo das funções indexicais no uso da linguagem; e (iv) reflexão sobre as dinâmicas de poder envolvendo as ideologias linguísticas e as comunidades. Neste artigo, buscamos demonstrar como um olhar situado e comprometido com as comunidades indígenas deve contribuir para a inclusão de métodos de pesquisa e conceitos indígenas (Tsikewa, 2021; Leonard, 2017) nos estudos sobre “línguas em perigo” e “revitalização linguística”, contribuindo para a construção de narrativas, abordagens e práticas decoloniais.
Sobre o protagonismo indígena na produção de conhecimentos e políticas de diversidade linguística, conforme McCarty, Nicholas e Wigglesworth (2019), há evidências em todo o mundo das formas como os povos indígenas têm desafiado as metáforas hegemônicas de morte e extinção das línguas e reconfigurado as relações de poder para abrir novos espaços para a recuperação de suas línguas. Smith (2018), pesquisadora indígena do povo Maori, por exemplo, questiona: como assegurar a vitalidade linguística se, ao longo dos últimos quinhentos anos, o projeto de muitos povos indígenas foi sobreviver? Trata-se de uma batalha que inclui os muitos efeitos da guerra contra os colonizadores, seja em razão das doenças trazidas, dos deslocamentos forçados de suas terras e territórios, e da opressão sofrida em regimes injustos e cruéis (Smith, 2018).
A autora reforça, ainda, que a revitalização linguística e cultural faz parte da agenda dos povos indígenas. Contudo, deve-se levar em consideração outros aspectos da realidade vivida, apresentados por Smith (2018) como a agenda das ondas[1], uma proposta de pesquisa que integra o movimento indígena internacional atual. Dentre os aspectos a serem considerados, tem-se: sobrevivência, recuperação, desenvolvimento (não nos moldes do capitalismo ocidental) e autodeterminação (Figura 6). Percebemos outros critérios que expandem a tipologia oferecida pela UNESCO para as línguas em perigo, uma vez que a vitalidade linguística, ou o processo de revitalização, integraria a agenda de pesquisa indígena. Essa agenda encobre uma série de elementos interligados, como saúde, mobilização, transformação e descolonização, conforme pode ser observado abaixo:
Trata-se de um olhar para as línguas não a partir delas mesmas, mas considerando todo o universo de significação que as envolve e os fatores sociais relacionados.
Entendemos, por fim, que as políticas de revitalização, recuperação e reconhecimento devem andar juntas, no embalo das orientações propostas por Smith (2018, p. 138):
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A recuperação é um processo seletivo, frequentemente respondendo às crises imediatas mais que a abordagens planejadas. Isso está relacionado à realidade dos povos indígenas que não estão no controle e são sujeitos a um conjunto contínuo de condições externas (SMITH, 2018, p. 138).
Informações Complementares
Conflito de Interesse
O(s) autor(es) não tem/têm conflitos de interesse a declarar.
Declaração de Disponibilidade de Dados
O compartilhamento de dados não é aplicável a este artigo, pois nenhum dado novo foi criado ou analisado neste estudo.
Fonte de Financiamento
Programa UNIEDU/FUMDES Pós-Graduação.
Referências
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Avaliação
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N1.ID690.R
Decisão Editorial
EDITOR 1: Ana Vilacy Moreira Galucio
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0168-1904
FILIAÇÃO: Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, Brasil.
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EDITOR 2: Ângela Fabíola Alves Chagas
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4925-1711
FILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.
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CARTA DE DECISÃO: O texto problematiza os significados de vitalidade adotados no Atlas das Línguas em Perigo da UNESCO (1996), no âmbito das línguas indígenas, dando especial atenção às categorizações que envolvem os diferentes graus de perigo e seus nove parâmetros de classificação, adotados no referido Atlas. Assim, promove um debate acerca dos limites dos sistemas de nomeação e classificação que, muitas vezes, estão pautados em uma perspectiva eurocêntrica, sem levar em conta a realidade indígena. O texto contribui com estudos ligados à revitalização linguística e às políticas linguísticas, chamando a atenção para a necessidade de trazer para os sistemas de classificação relativos à vitalidade das línguas indígenas parâmetros que reflitam seus costumes, práticas e visões de mundo. Por todas essas contribuições, consideramos importante a sua publicação nos Cadernos de Linguística.
Rodadas de Avaliação
AVALIADOR 1: Marília Fernanda Pereira de Freitas
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7607-6077
FILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.
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AVALIADOR 2: Marcus Antonio Rezende Maia
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1583-3334
FILIAÇÃO: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
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RODADA 1
AVALIADOR 1
2023-08-16 | 08:41 PM
O texto “Dos Sentidos de Vitalidade: revisando o Atlas das Línguas em Perigo (UNESCO) à luz de experiências indígenas locais” levanta uma discussão acerca dos significados do termo vitalidade adotados no Atlas das Línguas em Perigo da UNESCO (1996), especificamente em se tratando da maneira como as línguas indígenas são rotuladas nesse documento. Nesse sentido, problematizam-se os parâmetros utilizados para a classificação das línguas indígenas quanto à sua vitalidade, os quais se distanciam e/ou não consideram práticas e vivências das comunidades indígenas.
Para tanto, são discutidos dois casos de classificação em termos de vitalidade, o da língua Macuxi (Norte do Brasil) e o da língua Mbyá Guarani (Sul do Brasil), estabelecendo um contraponto entre o que aponta o Atlas da UNESCO e as especificidades locais das comunidades indígenas referidas, tendo em vista quatro critérios, propostos por Lupke (2017), quais sejam: investigação das práticas comunicativas em seu espaço geográfico significativo; investigação sobre como essas práticas são rotuladas e as ideologias e perspectivas que as atravessam; estudo das funções indexicais do uso da linguagem e línguas como representações ideológicas; pesquisas sobre as diferentes dinâmicas de poder envolvendo falantes das línguas indígenas e pessoas de fora desses contextos.
Na introdução do texto, descreve-se o Atlas da UNESCO, apontando para o fato de que a classificação proposta neste contribui para reforçar uma série de ideias distorcidas e/ou distantes das realidades de comunidades indígenas.
Na seção 1, os conceitos de língua, vitalidade, perigo e extinção presentes no Atlas são problematizados, em que são pontuadas suas limitações, em se tratando de sua aplicação em contexto indígena.
Na seção 2, oferece-se uma análise das línguas indígenas Macuxi (Norte do Brasil) e Mbyá Guarani (Sul do Brasil), em se tratando de seu grau de vitalidade, sob uma perspectiva expandida, que leva em consideração os sentidos de vitalidade e de revitalização para além do sistema classificatório indicado pelo Atlas, uma vez que busca refletir a realidade dos povos supracitados.
Ao final, apresenta-se uma discussão acerca da importância de se adotar uma agenda efetivamente indígena, comprometida com uma perspectiva decolonial, em que se problematize a invisibilização semiótica e discursiva das práticas linguísticas indígenas em sua complexidade e de suas agendas políticas.
O ponto forte do texto consiste em trazer à tona uma discussão ainda pouco debatida, acerca dos sistemas de classificação “engessados”, eurocêntricos, relativos aos níveis de vitalidade das línguas, os quais não refletem toda a complexidade existente nas realidades indígenas. Ao trazer dois casos específicos, o da língua Macuxi e o da língua Mbyá Guarani, as autoras ilustram os tipos de questões que podem ser agregadas à classificação das línguas indígenas, no âmbito de seus graus de vitalidade.
Assim, o trabalho contribui de modo significativo para a ampliação de discussões ligadas à imposição de sistemas de classificação a comunidades indígenas, não apenas apontando os problemas que emanam desse tipo de classificação, mas propondo a adoção de critérios e perspectivas mais próximas da realidade indígena.
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AVALIADOR 2
2023-08-03 | 11:29 AM
O artigo questiona os critérios de vitalidade linguística propostos no Atlas das Línguas em Perigo, problematizando principalmente o conceito de "graus de perigo" nos nove critérios do Atlas, que são revisados à luz de Lupke (2017) e cotejados com os casos dos povos Macuxi (Norte do Brasil) e Mbyá Guarani (Sul do Brasil). O artigo é bem estruturado e bem escrito, tratando de questões necessárias de serem, de fato, aprofundadas, uma vez, como reconhecem os autores, as tipologias da UNESCO têm função importante para subsidiar políticas públicas na área de preservação e revitalização de l´ínguas. Sugerimos apenas que os autores revisem o seguinte, recém-publicado artigo, que discute noções diretamente relevantes para o estudo submetido, em que se discutem nomenclaturas e métodos dos critérios de vitalidade linguística da UNESCO. O artigo sugerido discute abordagens descolonizadoras, a partir da experiência da comunidade Kariri-Xocó no nordeste do Brasil e apresenta questões interessantes sobre o próprio conceito de extinção, a serem pontuadas no artigo submetido que também se propõe a expandir essas classificações.Diane Nelson, Nhenety Kariri-Xocó, Idiane Kariri-Xocó, Thea Pitman; “We Most Certainly Do Have a Language”: Decolonizing Discourses of Language Extinction. Environmental Humanities 1 March 2023; 15 (1): 187–207. doi: https://doi.org/10.1215/22011919-10216239
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RODADA 2
AVALIADOR 2
2024-01-02 | 10:59 AM
A revisão integrou às discussões o texto de Nelson et alii (2023), conforme recomendado. Meu parecer é o de que, após as revisões já feitas, pode ser publicado na revista.
Resposta dos Autores
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N1.ID690.A
RODADA 1
2023-12-23
Marília Fernanda
Recomendações para os autores:
De modo geral, o texto apresenta uma organização adequada de suas seções e dos conteúdos que cada uma agrega. Em se tratando de seu mérito acadêmico, destaca-se sua importância, no sentido de auxiliar na ampliação de investigações ligadas à maneira como os sistemas de classificação existentes procuram “enquadrar” as realidades indígenas, desconsiderando suas efetivas demandas. No entanto, alguns pontos podem ser ajustados, no sentido de tornar mais claras algumas passagens do texto.
Em primeiro lugar, recomenda-se a realização de uma revisão textual, a fim de adequar alguns poucos problemas de digitação e/ou desvios gramaticais. Envio em anexo o manuscrito, em que esses pequenos desvios estão indicados. [REVISÕES REALIZADAS CONFORME SUGESTÕES DA PARECERISTA / REVISÃO TEXTUAL REALIZADA POR UMA DAS AUTORAS QUE POSSUI EXPERIÊNCIA COM REVISÃO DE TEXTO]
Quanto a questões textuais, recomenda-se, inicialmente, a reelaboração do “Resumo para não especialistas”, cujo texto está extremamente próximo do resumo apresentado no corpo do texto, mantendo no primeiro apenas os pontos primordiais do trabalho. [REVISÃO REALIZADA]
Na última linha da página 3 e primeira linha da página 4, sugere-se, em lugar de “[...] ratificar uma série de ideias e práticas, como: as línguas como objetos, as línguas como artefatos [...]”, o seguinte acréscimo: “[...] ratificar uma série de ideias e práticas, como: a compreensão das línguas como objetos nomeados; a compreensão das línguas como artefatos [...]”. [AJUSTE REALIZADO CONFORME SUGESTÃO DA PARECERISTA]
Na página 4, primeiro parágrafo, no trecho “Os sentidos locais são relevantes quando se priorizam práticas contextualizadas [...]”, seria interessante deixar mais claro desde o início do texto no que consistiriam esses “sentidos locais”, enquanto sentidos que perpassam a mundividência das comunidades em que uma dada classificação é proposta/adotada. [ACRESCIMO REALIZADO NO TEXTO PARA EXPLICAR O TERMO UTILIZADO: “isto é, os sentidos que as comunidades indígenas atribuem a suas próprias línguas”]
No primeiro parágrafo da página 5, em lugar de “Decorre disso que o argumento [...]”, sugere-se “Em decorrência disso é que o argumento [...]”.[...]”. [AJUSTE REALIZADO CONFORME SUGESTÃO DA PARECERISTA]
No último parágrafo da seção 1, página 8, em lugar de “uma das pesquisadoras do presente estudo é pertencente/membro ao povo Macuxi [...]”, recomenda-se “uma das pesquisadoras do presente estudo é membro/pertencente ao povo Macuxi [...]”. [...]”. [AJUSTE REALIZADO CONFORME SUGESTÃO DA PARECERISTA]
No último parágrafo da página 10, em lugar de “Quem pode nomear?”, sugere-se “Quem pode nomear uma língua, em termos de seu grau de vitalidade?”. [AJUSTE NÃO REALIZADO, POIS NÃO SE TRATA DA NOMEAÇÃO DO GRAU DE VITALIDADE, MAS DA NOMEAÇÃO DA PRÓPRIA LÍNGUA, QUEM TEM AUTORIDADE PARA ATRIBUIR O NOME A UMA LÍNGUA?]
No último parágrafo da página 17, são citadas “a linguagem não-humana” e “a linguagem do fogo”, para as quais seria interessante haver uma explicação, com a adição de exemplos. [NOTA DE RODAPÉ ACRESCENTADA PARA EXEMPLIFICAR A DISCUSSÃO SOBRE LINGUAGEM NÃO-HUMANA; A PARTE QUE SE REFERE A LINGUAGEM DO FOGO FOI RETIRADA]
Por fim, reitera-se a relevância científica do texto, o qual contribui com as discussões relacionadas à imposição de sistemas de classificação a comunidades indígenas, oferecendo, adicionalmente, um conjunto de questões relevantes para a adoção de critérios e perspectivas mais apropriados à realidade indígena.
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Marcus Maia
Recomendações para os autores:
Sugerimos que os autores revisem o seguinte, recém-publicado artigo, que discute noções diretamente relevantes para o estudo submetido, em que se discute nomenclaturas e métodos dos critérios de vitalidade linguística da UNESCO. O artigo sugerido discute abordagens descolonizadoras, a partir da experiência da comunidade Kariri-Xocó no nordeste do Brasil e apresenta questões interessantes a serem pontuadas no artigo submetido.
Diane Nelson, Nhenety Kariri-Xocó, Idiane Kariri-Xocó, Thea Pitman; “We Most Certainly Do Have a Language”: Decolonizing Discourses of Language Extinction. Environmental Humanities 1 March 2023; 15 (1): 187–207. doi: https://doi.org/10.1215/22011919-10216239 [O ARTIGO SUGERIDO FOI CONSIDERADO NAS DISCUSSÕES REALIZADAS NO TEXTO APRESENTADO PARA PUBLICAÇÃO E OS SEGUINTES TRECHOS FORAM ACRESCENTADOS:
1) Nelson e colegas (2023) destacam a necessidade de descolonizar a extinção das línguas, inclusive, começando pelo termo “extinto”. (p. 7)
2) Conforme Nelson e colegas (2023), uma língua que não é transmitida segundo os moldes ocidentais ou que não se encaixa nos padrões de medição convencionais passa a ser rotulada como extinta. Em contraste com esses parâmetros, segundo os autores, o povo Kariri-Xocó tem descontruído e decolonizado a noção de língua através de suas práticas e políticas linguísticas locais, para os Kariri-Xocó a língua “é performativa, genuinamente coconstruída, de propriedade da comunidade e algo que existe ao longo de um continuum de uso.”[1] (NELSON et al., 2023, p. 204). Nesse sentido, após terem sido declarados como extintos por seus colonizadores, o povo Kariri-Xocó tem buscado, com êxito, o reavivamento de sua língua e de sua identidade, como forma de desfazer o processo colonial de apagamento (NELSON et al., 2023). (p. 8)
3) Nota de rodapé 21: Cf. Bonfim e Durazzo (2023) e Nelson et al. (2023). (p. 18) ]