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Research Report

Early Mapping of Complex DPS in Prepositional Relative Clauses: Interaction with Metacognitive Knowledge and Working Memory

Marina Rosa Ana Augusto

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https://orcid.org/0000-0002-9022-394X

Marije Soto

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https://orcid.org/0000-0003-4232-265X

Renê Forster

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https://orcid.org/0000-0002-3681-1505

Maria Clara Abend Floripis

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https://orcid.org/0009-0001-9094-7606

Veronica Gameiro

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https://orcid.org/0000-0003-2500-0827


Abstract

This study examines early mapping of complex DPs in prepositional relative clauses with for/to (‘para’), i.e. attributing the thematic role of beneficiary. The main question is whether the standard variant for this type of relative clauses in Brazilian Portuguese (with preposition) as compared to the non-standard chopped variant (without a preposition) allows for early referent mapping, given the possibility of incremental integration of preceding contextual visual and linguistic information. A picture matching experiment was applied to 41 speakers of the standard variety of BP. Preceding visual and auditory linguistic context was presented in which a character participated in two distinct events (one event presented with a di-transitive verb and another presented with a transitive verb), involving distinct co-participants. We aimed to verify whether the presentation of a standard variant probe question, with the preposition, immediately following the visual and linguistic contextual scenes would benefit early identification of the referent expressed in the complex DP, compared to a non-standard prepositionless (chopped variant) probe question. Accuracy and Reaction Time (RT) with regards to the picture matching task were the dependent variables. We also intended to examine the influence of knowledge of standard grammar as well as verbal working memory on task performance. Participants were asked to try and click on the image matching the probe sentence containing the relative clause as soon as possible. Our results did not reveal any advantage for the use of the standard prepositional relative clause compared to the non-standard version in terms of referent anticipation. However, accuracy of image selection was significantly higher for standard relative clauses. Higher scores in the standard grammar test and the reading span test were positively correlated to RT(s) as well as accuracy (for the non-standard relative clause). Relative clause complexity, possible ambiguity of the non-standard chopped relative clauses and the limited sensitivity of the task in detecting potential early mapping are all factors that seem to affect the results.

Resumo para não especialistas

Busca-se verificar se tipos diferentes de sentenças, orações relativas do tipo padrão (com preposição – a menina para quem dei o livro) ou não padrão cortadora (sem preposição – a menina que dei o livro), poderiam facilitar a identificação do referente (a menina) antes mesmo de se ouvir a sentença toda, ou seja, se a preposição já auxiliaria na previsão de que se trata da menina beneficiada no evento, dado um contexto de possibilidade de integração incremental de informação contextual visual e linguística precedente. Para tanto, aplicou-se um experimento de seleção de imagem, a 41 participantes, medindo-se acurácia e tempo de resposta (TRs). Também foram aplicados um teste (linguístico) normativo e um teste de memória (reading span). Nossosresultados não indicaram uma vantagem do uso da relativa padrão sobre a cortadora para a antecipação do referente do DP complexo. No entanto, a acurácia da seleção da imagem foi significativamente melhor para esse tipo de relativa. Melhor desempenho no teste normativo e no teste de reading span foi associado a TRs mais rápidos e maior acurácia na relativa cortadora. Isso parece sugerir que tanto conhecimento metacognitivo quanto memória são recursos que favorecem a resolução de desafios como complexidade estrutural e ambiguidade referencial.

Introdução

Neste artigo, reportamos os resultados de um experimento de seleção de imagens, que teve como objetivo verificar a possibilidade de um mapeamento antecipado do referente de um DP complexo, apresentando uma oração relativa preposicionada com para, com papel temático de beneficiário, como em (1):

(1) Clique na menina para quem Pedro Henrique entregou o presente na festa.

Explorou-se um contexto discursivo e visual prévio em que um personagem participa de dois eventos distintos (um evento apresentado com verbo bitransitivo (2) e um evento apresentado com verbo transitivo (3)), envolvendo personagens distintas.

(2) Pedro Henrique entregou um presente para a menina de amarelo na festa.

(3) Pedro Henrique molhou a menina de azul na festa.

Busca-se verificar em que medida o uso, na sentença-teste, que segue os preâmbulos discursivos, de uma estratégia padrão da língua (como em (1) acima), na qual a preposição aparece precedendo o pronome relativo, poderia favorecer a antecipação do referente do DP complexo, em comparação à estratégia cortadora (4), em que a preposição não está presente.

(4) Clique na menina que o Pedro Henrique entregou o presente na festa.

Explora-se, assim, o papel que o tipo de estratégia relativa utilizada (padrão ou cortadora) pode desempenhar na antecipação do referente, dada informação contextual discursiva e visual prévia. Prevê-se, desse modo, que aqueles falantes que internalizaram a variante padrão aproveitariam o fato de que a relação temática está explicitada por material linguístico, ou seja, pela presença da preposição junto ao pronome relativo, o que permitiria antecipar a recuperação do referente do DP complexo; no entanto, a variante cortadora mantém essa relação apenas implicitamente e essa, de fato, só fica detectável quando o verbo da relativa é encontrado, o que não permitiria uma antecipação do referente DP com a mesma facilidade e rapidez. O uso de diferentes estratégias para a formação de orações relativas no português do Brasil (PB) é amplamente atestado na literatura linguística, sendo a estratégia padrão para relativas preposicionadas restrita a falantes de alta escolaridade, em contextos formais de uso da língua (Tarallo, 1983; Mollica, 2003; Silva & Lopes, 2007; Ramos, 2015).

Diferentes efeitos da influência de informação discursiva e contextual para o processamento de sentenças e para a antecipação do mapeamento de referentes têm sido detectados (Altmann e Kamide, 1999; Hagoort & Berkum, 2007). No PB, o processamento incremental de orações relativas restritivas de objeto direto, permitindo a antecipação de referentes de DPs complexos, foi atestada por Forster (2013), com base nos resultados de experimentos de rastreamento ocular, considerando informação contextual discursiva e visual.

Este estudo contribui, assim, não só para a exploração do entendimento sobre a antecipação de referentes com base em informação contextual discursiva e visual, mas também para a discussão acerca de modelos de processamento. Efeitos antecipatórios têm sido considerados como um mecanismo chave para a distinção de modelos do tipo paralelo de modelos do tipo serial e têm ainda motivado propostas de caráter conciliatório, que buscam explicar a antecipação de referentes sob a concepção de um processador sintático autônomo (Augusto et al., 2012; Forster, 2013).

Ademais, explora-se a relação entre um eventual efeito de antecipação e o grau de letramento dos participantes, na medida em que se tomam variantes em uso na língua, uma das quais está vinculada ao alto letramento, ou seja, participantes com menor domínio da variedade padrão possivelmente não se beneficiariam da presença da preposição na relativa do tipo padrão, já que essa estrutura depende de exposição/internalização, via letramento, e poderia estar ausente da sua gramática internalizada.

Salienta-se, ainda, que a grande maioria dos estudos sobre antecipação de referentes faz uso do método com rastreador ocular. Desse modo, o uso da metodologia deste estudo poderá se mostrar promissora (ou não) para a exploração desse tópico, conforme será discutido adiante. Ainda, explora-se de que modo aspectos da interface cognitiva, no caso, a da memória de trabalho, afetam a resolução de tarefas complexas que requerem, além de processamento de cenas visuais e linguísticos auditivos complexos e a subsequente integração dessas informações, manter informação em memória para poder consultá-la na resolução de tarefa em segundos subsequentes.

O artigo se organiza da seguinte maneira: na próxima seção, discorre-se acerca das estratégias de formação de orações relativas no PB; em seguida, discutem-se alguns resultados acerca de processos antecipatórios na literatura, com destaque para o estudo de Forster (2013) sobre relativas de objeto direto no PB; na seção 3, a bateria aplicada aos participantes deste estudo é apresentada em detalhe, seguido, na seção 4, dos resultados obtidos. A discussão final fecha o artigo, na seção 5.

1. Orações relativas no PB

As orações relativas, denominadas orações subordinadas adjetivas pela tradição gramatical, caracterizam-se como um constituinte oracional que modifica um elemento nominal, tendo um pronome relativo como elemento articulador. As orações relativas podem desempenhar diferentes funções sintáticas. Keenan e Comrie (1977), em um trabalho tipológico sobre a presença de orações relativas em cerca de cinquenta línguas, sugeriram a Hierarquia da Acessibilidade (doravante, HA), ao constatar que quanto mais alta for a função sintática, mais suscetível é à relativização nas línguas:

(5) Hierarquia da Acessibilidade (HA)

Sujeito (SU) > Objeto Direto (OD) > Objeto Indireto (OI) > Oblíquo (OBL) > Genitivo (GEN) > Objeto de Comparação (OCOMP)

A HA informa, assim, o grau de acessibilidade à formação da relativa e implica que,[GB1] sendo uma posição baixa na HA passível de relativização em dada língua, todas as posições mais altas o serão, mas o inverso não é verdadeiro. Nesse sentido, quanto mais descemos a HA, mais difícil é relativizar. Curiosamente, veremos que, no PB, as relativas de funções mais baixas na HA são as que mais comumente aparecem na sua versão não canônica.

Há diferentes estratégias para formação de relativas no PB: canônicas, forma padrão da língua, e não canônicas, formas do tipo não padrão: a saber, resumptivas (com pronome lembrete) e cortadoras. Abaixo ilustramos relativas do tipo padrão para várias funções (amalgamando OI e OBL):

(6) A menina que pediu um chocolate está na mesa 5. (SUJ)

(7) A menina que Pedro atendeu está na mesa 5. (OD)

(8) A menina para quem Pedro entregou o chocolate está na mesa 5. (OI/OBL)

(9) A menina cuja mãe pediu um café está na mesa 5. (GEN)

A versão resumptiva dessas sentenças apresenta um pronome lembrete retomando o elemento nominal relativizado, como a seguir:

(10) A menina que ela pediu um chocolate está na mesa 5. (SUJ)

(11) A menina que Pedro atendeu ela está na mesa 5. (OD)

(12) A menina que Pedro entregou o chocolate para ela está na mesa 5. (OI/OBL)

(13) A menina que a mãe dela pediu um café está na mesa 5. (GEN)

Note-se que, nas relativas resumptivas, o pronome relativo utilizado é sempre a forma default que e, em havendo necessidade de preposição, esta é mantida na posição básica, acompanhando o pronome lembrete. Quanto à relativa cortadora, esta não faz uso de preposições nem de pronomes lembretes, mantendo o pronome relativo default que. Assim, as versões cortadoras de (12) e (13) seriam como abaixo:

(14) A menina que Pedro entregou o chocolate está na mesa 5. (OI/OBL)

(15) A menina que a mãe pediu um café está na mesa 5. (GEN)

Como já mencionado, é o contraste entre (8) – versão padrão de uma relativa de OI/OBL, que tem a preposição junto ao pronome relativo, e (14), versão cortadora desse tipo de relativa, sem a presença da preposição, que nos interessa aqui, particularmente. Vale apontar que a produção de relativas do tipo padrão de OI/OBL e GEN, posições baixas na HA, são restritas a falantes de alta escolaridade, na escrita ou em situações formais, sendo preferíveis, na fala, o uso da versão cortadora dessas relativas (Tarallo, 1983; Mollica, 2003; Silva & Lopes, 2007; Lessa-de-Oliveira, 2009; Ramos, 2015). Figueiredo Silva (2020, p. 243) apresenta a relativa a seguir, emitida por Michel Temer, no discurso de posse para a presidência, reforçando que as relativas cortadoras podem até mesmo ser encontradas no discurso formal de falantes altamente letrados:

(16) Todos nós compreendemos o momento difícil, delicado, ingrato que estamos todos passando. (Todos nós compreendemos o momento difícil, delicado, ingrato pelo qual estamos todos passando).

A estratégia do tipo cortadora parece mesmo ser a mais natural na produção de relativas de OI/OBL no PB, com alta aceitabilidade entre os falantes (Goulart e Augusto, 2023). Efetivamente o uso dessa estratégia tem ganhado espaço no PB. Conforme estudo de Tarallo (1983), a cortadora acaba se sobrepondo à padrão a partir da segunda metade do século XIX, em dados coletados em São Paulo (Tabela 1). Além da farta documentação da presença das 3 variantes em questão na região Sudeste, é relatada também sua ocorrência em outras regiões, como Norte (eg. MARÃES, 2023) e Nordeste (eg. SILVA, 2021), com preferência do uso da cortadora como estratégia não padrão.

Figure 1. Tabela 1: Distribuição das relativas (Lessa-de-Oliveira (2009), adaptação de Tarallo, 1983, p. 207)

Kenedy (2007, 2009) advoga a antinaturalidade da relativa preposicionada do tipo padrão, que seria usada apenas em registros monitorados e artificiais da língua, altamente dependente do perfil sociocultural e textual dos corpora observados. Em tarefas de julgamento de gramaticalidade, o autor detectou que, ao passo que falantes de português conseguem distinguir eficientemente cortadoras gramaticais de agramaticais, o mesmo não acontece com relativas com pied-piping, as quais os sujeitos consideram aceitáveis na mesma medida sentenças gramaticais e agramaticais, sugerindo o artificialismo da construção.

No arcabouço gerativista, tem-se associado, para o PB, estruturas distintas às relativas do tipo padrão e às relativas do tipo não padrão (resumptivas e cortadoras). Assume-se que essas orações são geradas via um movimento sintático, mas a partir de posições distintas nas duas estratégias: (i) na versão padrão, o constituinte relativizado é movido da sua posição canônica para o domínio de CP, estando o pronome relativo associado a essa posição; (ii) na versão não padrão, esse movimento teria origem em uma posição de deslocamento à esquerda (left-dislocation - LD), conforme análise de Kato e Nunes (2009). Considerando as relativas de OI/OBL que nos interessam aqui, é como se as sentenças que estão sendo relacionadas via o pronome relativo fossem de natureza distinta nas versões padrão e cortadora. Assim, para a relativa padrão, o movimento se daria da posição de OI/OBL, sendo que a preposição seria carreada (tk) e haveria uma inversão entre preposição e pronome relativo no domínio de CP (as estruturas em colchete são de Kato e Nunes, 2009, p.114-115):

(17) Relativas padrão

O livro está aqui. Você precisa do livro.

O livro [de que você precisa] está aqui.

[o [CP [PP livroi [PP de [DP ti [DP que ti]]]k [CP C [IP você precisa tk]]]]

Para a relativa cortadora, o movimento para a relativização se dá a partir da posição de deslocamento à esquerda (LD), acima de IP, caracterizando uma estrutura de tópico. Nesses casos, não se preveem preposições junto ao pronome relativo, já que a posição de LD só abriga elementos nominais (tk). O pronome relativo é sempre “que” e há um pro especial na posição de complemento do verbo transitivo indireto.

(18) Relativas cortadoras

Este é o livro. O livroi, você estava precisando proi.

Este é o livro que você estava precisando.

Este é [o [CP [DP livroi [DP que ti]]k [CP C [LD tk [IP você estava precisando prok]]]]

Assim, a relativa preposicionada seria mais complexa do que a relativa cortadora (segundo Kenedy (2007; 2009), essa é mesmo antinatural na língua). No entanto, embora a versão cortadora seja mais frequente e altamente aceitável no PB, a relação estabelecida pela preposição nem sempre é apenas funcional, como na regência do verbo precisar, no exemplo (18). Para verbos bitransitivos, a relação de beneficiário é mediada via a preposição lexical para, por exemplo. Nesse sentido, em relação à possível antecipação de uma relação de beneficiário, a presença dessa preposição na versão padrão poderia ser relevante, como vimos apontando aqui. Já a versão cortadora só permitiria a percepção da presença de uma relação de beneficiário quando o verbo fosse encontrado (retomamos as sentenças (1) e (4), apresentadas anteriormente):

(19) Clique na menina para quem Pedro Henrique entregou o presente na festa.

(20) Clique na menina que o Pedro Henrique entregou o presente na festa.

A questão da antecipação de referentes dados contextos visual e discursivo prévios tem sido discutida na literatura psicolinguística, como veremos na seção seguinte.

2. Antecipação de referentes

Segundo Forster (2013, p. 51), “a antecipação pode ser entendida como uma expectativa do processador por um determinado material linguístico gerada a partir do processamento de material precedente.” Kamide (2008) relaciona os processos antecipatórios a uma forma radical de incrementalidade, supondo um processador que prediz propriedades de itens subsequentes com base em informação da representação estrutural em construção. Estudos com ERPs têm sugerido que contextos discursivos prévios são relevantes, provocando expectativas (Nieuwland e Van Berkum, 2006; van Berkum, Brown e Hagoort, 1999; Vos e Friederici, 2003). Por exemplo, diante de informação prévia de que alguém é muito rápido, uma sentença em processamento que apresente a informação de que essa pessoa era “lenta”, item lexical conflitante, portanto, com o contexto anterior, provoca uma antecipação do efeito de violação semântica do tipo N400, com início entre 150-200ms (Berkum et al., 2003).

A literatura psicolinguística também tem apresentado evidências acerca dessa habilidade antecipatória, particularmente no paradigma do mundo visual, fazendo uso do rastreador ocular, o que sugeriria que não só informação discursiva é integrada, mas que poderia haver mesmo antecipação de material linguístico não apresentado, dada informação de subcategorização, seleção semântica ou visual (Altmann e Kamide, 1999; 2007; Kamide et al., 2003; Kamide, 2008). Por exemplo, os resultados de Altmann e Kamide (2007 e posteriores) sugerem que o olhar seria capaz de antecipar a entidade-alvo que será potencialmente referida no desenrolar da sentença. Assim, diante de um conjunto de imagens, como na ilustração na Figura 1, os autores detectaram o impacto da marcação temporal no direcionamento do olhar dos participantes. Diante das sentenças “The man will drink the beer” e “The man has drunk the wine”, obteve-se direcionamento dos olhares ora para o copo cheio, diante da sentença com verbo no futuro, ou para o copo vazio, quando o verbo estava no passado, no início da expressão referencial.

Figure 2. Figura 1: Ilustração em Altmann e Kamide (2007), apud Forster (2013, p.63)

Também resultados de monitoramento do olhar indicam antecipações com base no significado do verbo a fim de antecipar um referente semanticamente apropriado, antes de efetivamente ter acesso ao sintagma nominal. Assim, a presença de um verbo como recortar, por exemplo, antecipa o direcionamento do olhar para uma imagem como a de um papel, em um conjunto com outros elementos visuais não compatíveis com a seleção semântica desse verbo. Esse tipo de resultado foi, inclusive, obtido com crianças com comprometimento linguístico, como o Transtorno de Desenvolvimento da Linguagem - TDL (Andreu, Sanz-Torrent e Trueswell, 2012).

A questão da antecipação de referentes em estruturas relativas foi investigada por Forster (2013), no PB, também fazendo uso do rastreador ocular, em uma série de experimentos bastante engenhosos. Em um dos experimentos, sentenças relativas de objeto direto foram apresentadas junto a duas cenas que ilustravam diferentes eventos, um dos quais correspondia à sentença relativa. As sentenças, conforme exemplo (21), foram delimitadas em três segmentos para fins de análise:

(21) A garota que o bombeiro pegou vai comprar um brinquedo.

S1 S2 S3

A hipótese de trabalho era a de que os participantes olhariam para o referente alvo tão logo o desenrolar da sentença relativa pudesse ser pareado com a identificação da informação visual distinguível entre as cenas. Havia quatro condições de pareamento entre a relativa e as imagens: na condição A, o núcleo da relativa era o elemento distinguível (por exemplo: a garota/o garoto); na condição B, o sujeito da relativa era o elemento distinguível (por exemplo: bombeiro/palhaço); na condição C, tanto o sujeito da relativa quanto a ação desempenhada distinguiam as cenas (por exemplo: bombeiro pega/palhaço puxa) e na condição D, as ações eram distinguíveis (por exemplo: pegar/puxar). Veja-se a ilustração na Figura 2:

Figure 3. Figura 2: Protocolo de apresentação do estudo de Forster (2013)

Tomou-se como variável dependente o número de primeiras fixações e o total da duração das fixações no referente alvo nos três segmentos S1, S2 e S3. Previa-se que um maior número de primeiras fixações e durações de fixações mais longas ocorreriam durante S1 (e.g. ‘A garota que o …’), para a condição A, em que o núcleo da relativa é diferente em cada cena; durante S2 (e.g. ‘...bombeiro…’) para as condições A, mas também B e C, já que o sujeito da relativa é diferente em cada cena; e durante S3 (e.g. ‘...pegou vai comprar um brinquedo…’), não se esperavam diferenças entre as condições. Os resultados obtidos confirmaram as previsões, sugerindo que os participantes buscam mapear DPs complexos em referentes possíveis tão logo informação distinguível o permita. Embora evidência dessa natureza seja comumente assumida como uma consequência de modelos paralelos de processamento, Augusto et al. (2012) apresentam uma proposta alternativa, segundo a qual um modelo serial de processamento sintático é conciliado com o processamento referencial antecipado: informação sintática é enviada em chunks, em fases intermediárias da computação estrutural, para as interfaces do processador sintático.

Com base nesses resultados, delineamos o experimento a ser reportado em seguida. Buscamos verificar se informação referente ao papel de beneficiário do núcleo de uma relativa de objeto indireto poderia ser antecipada dada a presença da preposição para em uma relativa do tipo padrão, em oposição à uma relativa do tipo cortadora em que a preposição não está presente. Em que medida essa informação poderia antecipar a identificação do referente alvo?

3. Experimento

3.1. Design experimental e materiais

Um experimento de seleção de imagens foi desenvolvido no Programa Psychopy (versão 3.1.5; Peirce et al., 2019). Os participantes foram instruídos a identificar um referente, selecionando uma imagem, o mais rapidamente possível, depois de terem sido expostos à informação contextual de natureza linguística e visual sobre ações em que esses personagens estavam envolvidos. Três personagens foram apresentados: Pedro Henrique, a menina de amarelo e a menina de azul. A Figura 3 ilustra o tipo de imagens e de informação linguística a que os participantes eram apresentados em uma primeira tela:

Figure 4. Figura 3: Apresentação das cenas e sentenças do preâmbulo Fonte: elaborado pelos autores.

Em seguida, uma nova tela com as meninas de amarelo e de azul aparecia juntamente com a instrução linguística de selecionar uma das imagens:

Figure 5. Figura 4: apresentação das possíveis referentes participantes da cena alvo Fonte: elaborado pelos autores.

O tempo despendido para escolher uma das imagens, usando as teclas S (menina da esquerda) ou L (menina da direita), era computado pelo programa, constituindo a variável dependente de interesse, assim como a acurácia da resposta. A variável independente considerada foi tipo de oração relativa, apresentando os seguintes níveis (cf. Tabela 1): (i) oração relativa indireta preposicionada do tipo padrão; (ii) oração relativa indireta do tipo cortadora; acrescentando-se como condições controle (iii) oração relativa de objeto direto ou (iv) oração relativa de sujeito, considerando-se estas também como distratoras para as condições-teste (o número de estímulos distratores foi determinado pela duração máxima de 40 min. por sessão projetada considerando disponibilidade típica do público recrutado) . Foi elaborado um total de 40 itens, 10 por condição. As sentenças foram apresentadas em 2 listas pseudorandomizadas. Cada participante respondia a 40 estímulos, 10 de cada condição. Detalhes da configuração das listas e exemplos dos estímulos podem ser encontrados em: https://osf.io/bz59e/?view_only=4d2fe1fa3bd74d96b98d32af739b8278. As imagens foram desenhadas por uma artista a partir das cenas propostas nas sentenças de preâmbulo. Foram controlados o uso de cores, complexidade de cena e consistência de participantes da cena. Os estímulos auditivos foram gerados na plataforma Azure da Microsoft com o recurso de conversão de texto-para-fala. Foi escolhida a voz digital feminina que se apresenta sob o rótulo de “Giovana”. A duração dos estímulos foi editada com o software Audacity para que a porção da oração principal anterior à relativa fosse igual em todas as sentenças.

Figure 6. Tabela 1: Apresentação das condições experimentais e exemplos de estímulos

3.2. Testagens adicionais

3.2.1. Conhecimento de norma padrão

Além do teste de seleção de imagens, os participantes responderam a um teste sociolinguístico/demográfico e um teste de memória. O primeiro teste foi planejado no formulário google e um link foi disponibilizado para que o questionário fosse respondido online, após a aplicação do teste de seleção de imagem. Este teste sociolinguístico tinha por objetivo coletar informações demográficas (idade, gênero, nível de escolaridade do participante e dos pais) e verificar hábitos de leitura, assim como o domínio da norma padrão (ver Figura 5). Na segunda parte do questionário, havia um teste linguístico específico com 20 perguntas, formulado pelos autores deste artigo, em que se pedia que o participante escolhesse, entre três opções, a que estaria de acordo com a norma culta da língua portuguesa. 12 questões eram voltadas a fenômenos de regência verbal ou uso de concordância redundante, etc. e 8 questões eram especificamente sobre orações relativas. A Figura 5 ilustra o tipo de pergunta que constava desse instrumento:

Figure 7. Figura 5: Ilustração do questionário sociolinguístico Fonte: elaborado pelos autores

Para os fins do presente artigo, focamos a nossa análise na parte do questionário que testa o conhecimento normativo, separando-o em dois escores: o do teste normativo global (somando o total de pontos) e o referente à parcela das relativas no teste normativo.

3.2.2. Memória de trabalho verbal

A literatura psicolinguística reconhece a memória de trabalho como fonte relevante de variação no processamento linguístico (Kim, Oines, Miyake, 2017). A memória de trabalho é concebida como sistema cognitivo de recursos limitados necessário para manter e processar informações durante intervalos curtos na resolução de objetivos cognitivos. No entanto, pesquisadores divergem sobre o que exatamente constitui esse sistema e seus possíveis subcomponentes. Um ponto de divergência é, por exemplo, se é a memória de trabalho verbal que afeta diferenças individuais no processamento de sentenças ou se é uma memória mais geral, capaz de gerenciar e acessar conhecimento linguístico (Rodd, Johnsrude, & Davis, 2010). Uma outra proposta separa memória verbal dedicada especialmente para processamento sintático, online, e outra memória verbal mais geral que dá suporte a processamento de níveis mais complexos e estratégicos, mais offline (Waters & Caplan, 1996). Evidências de influência da memória de trabalho em nível individual são, por exemplo, a maior dificuldade que participantes com menor desempenho de memória de trabalho apresentaram para processar sentenças do tipo Garden path (Just & Carpenter, 1992). No entanto, Kim, Oines e Miyake (2017) questionam que as medições de memória de trabalho verbal do tipo reading span – o teste aplicado no presente estudo – refletem na verdade o tipo de memória de trabalho verbal mais offline. Eles concluem isso em concordância com o trabalho de Waters & Caplan (1996), que mostram que índices de testes de memória raramente correlacionam com complexidade sintática ou ambiguidade em si. Tanner & Van Hell (2014) concluíram a partir de um estudo de ERP manipulando agramaticalidade que quando o teste de memória não envolve processamento linguístico (como de operation span, no qual a pessoa precisa memorizar letras enquanto faz operações matemáticas), as pontuações não correlacionam com diferenças individuais de processamento sintático. No entanto, com o mesmo teste de operation span e com estímulos linguísticos semelhantes, Bice & Kroll (2021) encontraram correlações significativas, as quais as autoras atribuem ao fato de que, diferentemente do estudo de Tanner & Van Hell, não apresentaram estímulos distratores, o que poderia ter modulado estratégias de processamento para alguns indivíduos, mas para outros não. Por conta dessas questões, Kim, Oines e Miyake (2017) fazem a recomendação de que se aplique mais de um tipo de teste de memória – recomendação que não seguimos neste estudo por motivos logísticos – e que se faça correlações sem recorrer à criação de grupos dicotômicos do tipo baixo vs. alto desempenho na memória de trabalho – recomendação seguida no atual trabalho. Em síntese, é possível que, mesmo que o desempenho no teste de memória correlacione com as variáveis dependentes, fique aberta a sua interpretação causal, podendo refletir um efeito de um engajamento da memória de trabalho verbal em processos mais estratégicos e metacognitivos exigidos pela complexidade da tarefa, que envolve a integração de cenas visuais e estímulos linguísticos complexos. Porém, se houver modulações do efeito a depender do tipo de relativa, isso reforçaria a ideia de que, pelo menos em parte, fatores estruturais e semânticos específicos do tipo de relativa estariam em jogo. m outros termos, o teste de memória de trabalho poderia contribuir para elucidar o quanto eventuais indícios de antecipação poderiam ser atribuídos a fatores sintático-estruturais ou a fatores decorrentes do design da tarefa experimental. Além disso, o teste complementar de conhecimento metacognitivo aplicado no atual estudo pode lançar uma luz sobre o quanto diferenças individuais no desempenho na tarefa de span e no teste de conhecimento normativo, de fato, derivam de uma mesma fonte (i.e. conhecimento e habilidades linguísticas variantes em função de experiência, entre outras, escolar).

O teste de memória foi uma adaptação de um teste de leitura do estilo span (Kim, Oines e Miyake, 2017). Utilizamos novamente o Programa Psychopy (versão 3.1.5; Peirce et al., 2019) para apresentar o teste. Foram preparadas 32 sentenças e palavras não relacionadas que seguiriam as sentenças após leitura pelo participante. O participante era instruído a ler as sentenças em voz alta e determinar se seriam verdadeiras ou falsas, pressionando sim para verdadeira (tecla S) ou não para falsa (tecla L). Após ler e julgar cada sentença, uma palavra não relacionada aparecia, a qual a pessoa precisaria relembrar ao término de uma sequência de 2, 3, ou 4 sentenças. A dificuldade incremental do teste foi o número de sentenças e, consequentemente, o número de palavras. A Tabela 2 apresenta um exemplo do tipo de sequência de sentenças e palavras que foi apresentado aos participantes:

Figure 8. Tabela 2: Ilustração do tipo de sentença apresentada no teste de memória de palavras Fonte: elaborado pelos autores

3.3. Previsões

Considerando que o grupo de participantes era composto por graduandos, isto é, indivíduos expostos a variedade padrão, nossa hipótese é a de que a presença da preposição pode facilitar a identificação do referente ainda antes do término da sentença no teste de seleção de imagens. Assim, prevê-se que:

(i) os participantes serão mais rápidos para clicar na menina correta na condição em que há a preposição, ou seja, quando se faz uso de uma relativa padrão (INDIR. PADRÃO), do que na condição em que a preposição não está presente, quando se faz uso da relativa cortadora (INDIR. CORT.); quanto à acurácia, não se preveem distinções entre as relativas preposicionadas padrão e cortadora, uma vez que ambas são variantes legítimas no PB;

(ii) quanto maior o domínio no teste normativo, maior rapidez e acurácia na antecipação/identificação do referente;

(iii) quanto melhor o desempenho no teste de memória, maior rapidez e acurácia na antecipação/identificação do referente.

3.3. Participantes

Participaram do experimento 41 universitários (27 mulheres; média de idade: 26,2 anos), sem histórico de problemas de linguagem e com visão normal ou corrigida. A pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética da UERJ sob número CAEE 57156422.1.0000.5282. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

3.4. Procedimento

Os participantes foram contactados via divulgação em salas de aula da UERJ, em redes sociais e entre conhecidos das bolsistas/pesquisadoras envolvidas no projeto. Dia e horário individuais foram agendados e o participante foi esclarecido sobre as tarefas de que participaria, tendo-se questionado acerca da dominância de mão, deficiência auditiva, ocular e daltonismo. A atividade foi realizada em uma sala individual do Programa Linguagem, Ciência e Divulgação (PLCD-UERJ). Iniciou-se pelo teste de seleção de imagens. Como mencionado, a apresentação dos estímulos foi elaborada no software Psychopy (versão 3.1.5; Peirce et al., 2019). Um fone de ouvido era utilizado; o som era testado e um treinamento curto com 3 blocos era feito na presença do(s) pesquisador(es). Uma vez compreendida a tarefa, seguia-se para a lista atribuída, com o experimento em si. Os estímulos foram distribuídos em dois blocos, tendo uma sugestão de pausa a critério do participante entre o primeiro e o segundo blocos. O tempo para completar a tarefa variou entre 25 e 38 min.

Passava-se então para o teste de memória. Como mencionado, o participante era instruído a ler as sentenças em voz alta e determinar se seriam verdadeiras ou falsas, pressionando sim para verdadeira (tecla S) ou não para falsa (tecla L). Após ler e julgar cada sentença, uma palavra não relacionada aparecia, a qual a pessoa precisaria relembrar para dizê-la(s) em voz alta quando surgisse um ponto de exclamação na tela. Isso poderia acontecer depois de uma sequência de 2 ou mais sentenças. O participante fazia um pré-teste com 2 blocos e tendo compreendido a tarefa seguia para o teste propriamente. O pesquisador anotava em uma folha de respostas as palavras lembradas em cada bloco, sendo 3 blocos de 2 sentenças, 3 blocos de 3 sentenças e 3 blocos de 4 sentenças, finalizando com 2 blocos de 2 sentenças. Por fim, o link para o questionário sociolinguístico era fornecido <https://forms.gle/9RztHnoGWiHBgnLH6>. O participante poderia acioná-lo ali mesmo e preencher o formulário ou fazê-lo em outro momento, de outro lugar. As respostas eram automaticamente coletadas pelo formulário e associadas a um identificador para que os diversos testes realizados pelo mesmo participante pudessem ser associados.

3.5. Análise

Duas variáveis dependentes foram coletadas: a acurácia na resposta, ou seja, a escolha da imagem de acordo com a instrução linguística dada e a imagem fornecida na tela anterior, e o tempo de reação para essa escolha. Os dados foram coletados nos arquivos gravados pelo software Psychopy.

A organização dos dados e a análise estatística foram feitas na plataforma de RStudio (versão 2021.09.1+372, Rstudio TEAM, 2021). Aplicaram-se modelos mistos com tipo de relativa como fator fixo, porém, optou-se por só incluir participante como fator randômico, pois os itens não foram repetidos de forma igual em todas as quatro condições. Os dados de acurácia foram submetidos a uma análise de modelo misto binominal, usando o pacote lme4 (Bates et al. 2015). Um participante foi eliminado da amostra por estar abaixo de corte de acurácia (média – 2x dp (94,3%-(2*5,80%)). Para analisar os Tempos de Resposta ajustamos um modelo linear generalizado, também do pacote lme4, com distribuição gamma, tendo obtido confirmação do ajuste bom, com valor p<0,05. Eliminamos valores abaixo de 200ms, por critério de engajamento cognitivo, e valores acima de 4800ms (em base da média + 2*DP).

A significância dos modelos apresentados foi verificada com comparações entre modelos aninhados. Valores p dos modelos ajustados foram calculados usando o pacote lmerTest (Kuznetsova et al., 2017). Para comparações de pares múltiplos post-hoc, foram aplicados testes de Tukey HSD, usando o pacote lsmeans (Lenth, 2015).

Para as análises de correlação entre os escores dos testes normativo e de memória e as variáveis dependentes do experimento foi aplicado o teste de Pearson. Para cada teste, foram compilados dois índices: para o teste de memória: (i) o total de palavras relembradas (número máx. 32) e (ii) número de palavras relembradas proporcional ao número de sentenças na sequência (número entre 0 e 1) (baseado na proposta de Friedman & Miyake, 2005); para o teste normativo: (i) o total de perguntas acertadas (expresso em % do total de 20) e (ii) o acerto sobre a parcela das perguntas sobre orações relativas (expresso em % do total de 8). Os scripts, dados e tabelas de análises adicionais podem ser encontrados nos materiais suplementares: https://osf.io/bz59e/?view_only=4d2fe1fa3bd74d96b98d32af739b8278

4. Resultados

4.1. Acurácia

Houve um efeito geral de tipo relativa (X2(3)=14,951, p<0,01**) sobre a acurácia da seleção da imagem alvo. Esse efeito refletiu acurácia relativamente menor para o tipo relativa indireta cortadora, com 90,97%, comparada com todos os outros tipos, que apresentaram acurácia muito semelhante entre si, com 96,25% para relativas indiretas padrão, 96,25% para relativas de objeto padrão, e 96,00% para relativas de sujeito padrão (Cf. Tabela 3 para as comparações par a par post hoc).

Figure 9. Tabela 3: Médias de acurácia e resultados de comparações par a par post-hoc. Fonte: elaborado pelos autores

4.2. Tempos de resposta

Há um efeito geral do tipo de oração relativa sobre o tempo de resposta (X2(3)=716,37, p<0.001). Isso se expressa em diferenças significativas entre todos os tempos de respostas (Cf. Tabela 4). Houve TRs mais lentos para o tipo de relativa indireta padrão, com 3147ms, comparado à relativa indireta cortadora, com 2924ms, que, por sua vez, gera RTs mais lentos que a relativa de objeto direto, com 2847ms e o tipo de relativa de sujeito, com 2354ms (Cf. Tabela 4 e Figura 6).

Figure 10. Figura 6: médias de tempos de resposta por tipo de relativa Fonte: elaborada pelas autoras

Figure 11. Tabela 4: médias e desvio padrão dos tempos de resposta por tipo de relativa, e resultados das comparações par a par da análise post-hoc Fonte: elaborado pelos autores.

4.3. Correlação com testes adicionais

Para verificar a relativa independência entre as variáveis teste normativo e teste de memória, executamos o teste de Pearson para as quatro variáveis: score teste normativo, score na parcela de orações relativas do teste normativo, score total no teste de memória e score proporcional no teste de memória. Como esperado, as duas medidas do teste normativo foram correlacionadas (R=0,725, p<0,001***), bem como as do teste de memória (R=0,967, p<0,001***). Porém, entre as medidas de memória e o teste normativo não houve correlação. Encontramos para teste normativo x memória score proporcional: R=0,066, p>0,05; para teste normativo x memória score total: R=0,070, p>0,05; para teste normativo só das relativas x memória score proporcional: R=0,111, p>0,05; e para teste normativo só das relativas x memória score total: R=0,0760, p>0,05. Isso indica que os participantes que tiveram bom desempenho no teste normativo não necessariamente foram os mesmos que tiveram bom rendimento no teste de memória, permitindo analisar essas variáveis de forma independente.

4.3.1. Correlação com teste normativo

A análise de modelos mistos indicou uma correlação entre o teste normativo global e o tempo de resposta (X2(1)=4,028, p<0,05*). Para investigar essa correlação em maior detalhe, rodamos um teste de correlação Pearson, que apontou apenas correlação negativa para as orações relativas, com R=-0,34 (p<0,05*) para as indiretas cortadoras e com R=-0,32 (p<0,05*) para as indiretas padrão (Cf. Figura 7). Ou seja, quanto menor o acerto no teste normativo, mais lentos os TRs. As correlações com as outras relativas apresentaram tendências na mesma direção, sendo que sem significância estatística. Já correlação com só a parcela do teste normativo referente às orações relativas não foi significativa (X2(1)=0.558, p=0.455).

Figure 12. Figura 7: Correlação entre escore de teste normativo e tempos de resposta por tipo de relativa Fonte: elaborado pelos autores.

Não houve significância no modelo misto binominal para acurácia e teste normativo (X2(10)=14.673, p=0.144), e nem para a parcela de orações relativas no teste normativo (X2(1)=1.744, p=0.187).

4.3.2. Correlação com teste de memória

A correlação com o teste de memória de escore proporcional com os TRs foi marginalmente significativa (X2(1)=3.675, p=0.055). A análise de Pearson indicou que apenas a condição de oração relativa de objeto direto apresentou correlação negativa significativa, com R=-0,46 (p<0,05*), com as outras relativas indo de forma mais fraca na mesma direção: quanto menor o escore no teste de memória, maiores os TRs (Cf. Figura 8). A correlação com o escore total do teste de memória não foi significativa (X2(1)=1.740, p=0.187).

Figure 13. Figura 8: Correlação entre escore de teste memória proporcional e tempos de resposta por tipo de relativa Fonte: elaborado pelos autores.

Houve um efeito significativo para a correlação entre o escore total do teste de memória e a acurácia (X2(1)=4.388, p<0,05*). Na Figura 9, é apresentada a análise de Pearson, que indica uma correlação positiva entre acurácia e teste de memória para a relativa indireta cortadora, com R=0,46, p<0,01**. Ou seja, observa-se escores piores no teste de memória associados à acurácia mais baixa, especificamente para as relativas indiretas cortadoras. Não houve correlação significativa entre a acurácia e o teste de memória com escore proporcional (X2(1)=2.958, p=0.085). Porém, a análise de Pearson espelhou a correlação positiva para a relativa indireta cortadora, com R=0,38, p<0,05*. Embora os outros tipos de relativas apresentem a mesma tendência, os índices da correlação não foram significativamente relevantes (INDIR.PADRÃO: R=0,091, p=0,57; OBJ.DIR.PADRÃO: R=0,021, p=0,9; SUJ.PADRÃO: R=0,14, p=0,4).

Figure 14. Figura 9: Correlação entre escore de teste normativo e acurácia por tipo de relativa Fonte: elaborado pelos autores

5. Discussão

Nossa hipótese de trabalho considerou que a presença da preposição junto ao pronome relativo na estratégia padrão de uma relativa indireta preposicionada poderia ser vantajosa para a antecipação do referente do DP complexo em comparação com a versão cortadora desse tipo de relativa, não se prevendo distinções em termos da acurácia na execução da tarefa de identificação do referente alvo. Previu-se, ainda, uma correlação entre os resultados do teste de seleção de imagem e o desempenho nos testes normativo e de memória. Nossos resultados indicam que nossas previsões não foram totalmente comprovadas.

As diferenças se expressam em acurácia menor para as relativas indiretas cortadoras, sugerindo que a presença da preposição junto ao pronome relativo na versão padrão parece reforçar a informação sobre o papel temático do antecedente, facilitando a sua identificação, de alguma forma. Ou seja, a acurácia menor na relativa cortadora pode estar relacionada à possível ambiguidade referencial gerada pelo pronome default que”, que perde na especificidade semântica pela ausência da preposição (mas também do pronome relativo + humano “quem”). Com menos informação referencial para identificar o referente na condição cortadora, os participantes erram mais (talvez até compelidos pelas respostas mais rápidas desta condição).

É importante ressaltar que, embora não tenha havido uma correlação significativa entre acurácia e o teste de norma padrão, observa-se que, quando considerado o Tempo de Resposta, a dificuldade com as cortadoras vem principalmente da parcela de participantes que apresenta menor domínio da norma padrão. A familiaridade com a variedade padrão, assim, parece capacitar o falante a transitar entre as duas variantes de relativas indiretas confortavelmente, dispondo, possivelmente, de maiores recursos metalinguísticos para resolver a tarefa sob pressão de tempo.

Já o teste de memória se mostra correlacionado positivamente com tempos de resposta, com maior ênfase para relativas de objeto, e para acurácia, com maior ênfase para relativas indiretas cortadoras. Ou seja, sugerimos que um melhor desempenho da memória de trabalho permite que a pessoa tenha mais recursos para o processamento em uma tarefa complexa, levando à maior velocidade de processamento e maior acurácia, especificamente quando essa tarefa se dificulta ainda mais, como parece ser o caso para as indiretas cortadoras, que apresentam uma possível ambiguidade semântica. Essa correlação espelha achados da literatura que apontam para uma modulação individual de desempenho de memória de trabalho associada ao desempenho no processamento de complexidade sintática (Bice; Kroll, 2021; Kim et al., 2017).

Notamos ainda a falta de correlação entre a pontuação dos participantes para o teste de memória e o teste de conhecimento normativo. Isso sugere que, embora o teste de reading span pareça refletir uma memória verbal mais especificamente (em oposição a uma memória geral) e pareça afetar processos offline, essa memória verbal não é um preditor de conhecimentos metalinguísticos. No entanto, ambos os recursos auxiliam na capacidade de resolução de tarefas.

Destaca-se como achados que, entre as duas medidas aplicadas, há diferença no que diz respeito à força de correlação. Para o teste normativo, o escore global parece ter sido um preditor mais robusto. Esse dado é importante em termos metodológicos para testes psicolinguísticos que desejam aplicar, além de testes online, testes complementares offline. Ou seja, a chance de força preditora de um teste de julgamento de aceitabilidade/gramaticalidade que se restringe apenas à estrutura alvo objeto do teste online é relativamente pequena. Para o teste de memória, obtivemos resultados mais mistos para os diferentes tipos de escores, indicando que ambos são preditores promissores.

Quanto ao tempo de resposta, não se obteve uma vantagem da relativa indireta preposicionada do tipo padrão sobre a cortadora, como previsto, mas obteve-se justamente o oposto, uma vantagem em TRs mais rápidos para a cortadora sobre a padrão. Deve-se, no entanto, salientar uma limitação do estudo no que diz respeito à análise de tempos de resposta por conta da duração dos áudios referentes às orações relativas diferentes. O início da relativa para as duas variantes padrão [para quem…] e cortadora [que…] foi mantido constante. Mas a duração desde esse início até aparecer o verbo é mais demorada para a condição padrão devido à presença da preposição. Ao observar a distribuição dos TRs e as médias (Cf. Figura 10), inferimos que a maioria dos participantes aguardou até ouvir o verbo para poder, então, ter mais certeza sobre a seleção do referente. Dessa forma, a diferença do tempo que leva para chegar ao verbo em cada condição (~1975ms para a relativa padrão e ~1844ms) pode ter causado a diferença em tempos de resposta médios entre condições. Para verificar essa hipótese de forma exploratória, rodamos um modelo misto subtraindo a média de 270ms de diferença dos tempos de resposta para a condição de relativa indireta padrão. Nesta análise, o tipo de relativa se mostrou também significativo (X2(3)=499,12); no entanto, a diferença se inverteu, sendo a média dos TRs da relativa indireta padrão, com 2892ms(DP:552ms), significativamente mais rápida do que a da relativa cortadora, com 2925ms(DP:464ms). Isso poderia sugerir que há efetivamente uma vantagem da presença da preposição na relativa indireta preposicionada padrão, mas, como mencionado, a média de TR das respostas dos participantes neste teste aponta já o final da sentença como momento da seleção da imagem. Ainda, como pode ser visto na Figura 10, a maior parte das respostas se concentra após o verbo ser encontrado, seja na versão padrão, seja na cortadora. Vale, no entanto, salientar um número relativamente mais concentrado de antecipações, na comparação com a cortadora, entre o momento de exposição à preposição e o verbo.

Figure 15. Figura 10: Distribuição dos tempos de resposta no curso temporal da escuta dos estímulos das relativas indiretas Fonte: elaborado pelos autores.

Dessa forma, no atual momento de nossa investigação, os resultados não parecem se alinhar claramente nem na direção de mecanismos de processamento em paralelo nem na direção de mecanismos seriais de processamento. Por um lado, não há evidência categórica de antecipação, tal como previsto pelos primeiros. Por outro lado, observa-se que a extensão intrinsecamente diferente das condições comparadas pode ter dificultado a detecção de processos antecipatórios, sugerindo que mecanismos encapsulados de processamento poderiam também não explicar adequadamente os resultados. Diante disso, considera-se que um instrumento mais sensível e granular quanto ao curso temporal, como o rastreador ocular, poderia flagrar efeitos mais convincentes da apreensão do fenômeno. Tendo a possibilidade de registrar comportamento na forma de olhares e regressões na imagem alvo que antecipam a escolha final, tal técnica pode revelar em que momento exatamente o participante cogita a imagem alvo como opção e pode indicar se esse momento coincide com a apresentação da preposição.[1] Assim, eventuais resultados nos permitiriam avaliar a proposta de uma conciliação de mecanismos paralelos e seriais de processamento, a partir da concepção de um processador sintático autônomo com o envio gradual de informação para as interfaces (Augusto et al., 2012).

Informações Complementares

Conflito de Interesse

Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.

Declaração de Disponibilidade de Dados

Os dados, códigos e materiais que suportam os resultados deste estudo estão disponíveis apenas para consulta em OFS através do link [https://osf.io/bz59e/?view_only=4d2fe1fa3bd74d96b98d32af739b8278]

Fonte de Financiamento

A primeira autora recebe fomento PROCIENCIA/FAPERJ 2023-2026.

O terceiro autor recebe fomento PRODOCÊNCIA/UERJ.

Referências

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Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID737.R

Decisão Editorial

EDITOR: Lilian Cristine Hübner

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7876-2211

FILIAÇÃO: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

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CARTA DE DECISÃO: O artigo <Antecipação de referentes em DPs complexos com relativas preposicionadas: interação com conhecimento metacognitivo e memória de trabalho> investiga o mapeamento antecipado do referente de um DP complexo, apresentando uma oração relativa preposicionada com para, ou seja, com papel temático de beneficiário. O artigo explora a contribuição que o tipo de estratégia relativa utilizada (padrão ou cortadora) pode trazer para a antecipação do referente, dada a possibilidade de integração incremental de informação contextual visual e linguística precedente. Por meio de experimentos, o estudo objetivou verificar a influência de conhecimento de norma padrão e de memória de trabalho verbal no desempenho da tarefa. Assim, traz avanços para a relação entre processamento sintático e sistemas da cognição.

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Cândido Samuel Fonseca de Oliveira

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7578-6288

FILIAÇÃO: Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.

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AVALIADOR 2: Gitanna Brito Bezerra

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5433-387X

FILIAÇÃO: Universidade de Pernambuco, Pernambuco, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2024-02-20 | 06:46 PM

Prezados editores e autores,

Após revisão do artigo intitulado "ANTECIPAÇÃO DE REFERENTES EM DPS COMPLEXOS COM RELATIVAS PREPOSICIONADAS: interação com conhecimento metacognitivo e memória de trabalho", tenho o prazer de expressar meu parecer favorável à sua publicação na revista CadLin.

O artigo está bem redigido em língua portuguesa e atende à estrutura do gênero artigo científico.  O tema abordado, relacionado aos efeitos de antecipação no processamento linguístico, é relevante e atual no campo da psicolinguística.

Os autores conduziram uma investigação cuidadosa sobre como a presença ou ausência de preposição em orações relativas indiretas influencia a capacidade dos participantes de antecipar o referente do sintagma complexo em um experimento de seleção de imagens. Além disso, exploraram a relação entre o desempenho dos participantes em testes normativos e de memória e sua habilidade de antecipar o referente nas orações relativas. Os resultados evidenciam que a presença da preposição pode facilitar a identificação do referente, enquanto o desempenho nos testes normativos e de memória está correlacionado com a capacidade dos participantes de antecipar o referente.

O estudo apresenta uma boa base teórica que contextualiza de maneira eficaz as perguntas de pesquisa e a estrutura linguística investigada, uma metodologia composta por três testes, devidamente descrita e diferenciada da maioria dos estudos anteriores, como explicitado no texto, uma análise estatística apropriada e detalhada, e uma discussão abrangente de todos os resultados obtidos, considerando também as limitações metodológicas.

A conexão entre a base teórica e a discussão, no entanto, pode ser aprimorada. É importante que os autores explicitem como os resultados obtidos se relacionam com as pesquisas anteriores mencionadas na fundamentação teórica. Além disso, na base teórica, os autores destacam que o estudo contribui para a discussão sobre modelos de processamento, paralelo ou serial, incluindo uma conciliação dos efeitos de antecipação com o processador sintático autônomo. No entanto, esses aspectos não são abordados na seção de discussão. O mesmo ocorre com o efeito de antecipação em relação ao nível de escolaridade dos participantes. Como todos os participantes possuíam nível superior em andamento, é questionável a robustez dos resultados para discutir o efeito da escolaridade. Como os próprios resultados sugerem, entendo que escolaridade não pode ser confundido com o resultado no teste normativo.

Observei um pequeno detalhe na Tabela 2: o "Julgamento de valor de verdade esperado" para a frase "O Brasil é uma cidade grande das Américas" é listado como "verdadeiro", entretanto, acredito que deveria ser classificado como "falso".

Ao ler o texto, duas questões que me surgiram e não foram abordadas é (i) se há um efeito de regionalismo, além do letramento, que influencia a preferência entre a oração relativa padrão ou cortadora e (ii) se pode haver algum efeito de ambiguidade temporária na palavra “para” em “clique na menina para (prosseguir na tarefa... vs. quem Pedro...)”.

Em resumo, considero o artigo uma valiosa contribuição para o campo da psicolinguística, e sua publicação na revista CadLin seria bem-vinda, especialmente se houver um aprimoramento na conexão entre a base teórica e a discussão.

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AVALIADOR 2

2024-03-12 | 02:47 PM

Envio, em anexo, o parecer do artigo e o arquivo do texto com anotações mais específicas.

Resposta dos Autores

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID737.A

RODADA 1

2024-05-19

Resposta aos editores e pareceristas.

Antes de tudo, agradecemos a ambos pareceristas pela leitura atenciosa e sugestões pertinentes.

O parecerista Cândido Oliveira indica os seguintes pontos para aprimoramento:

A conexão entre a base teórica e a discussão, no entanto, pode ser aprimorada. É importante que os autores explicitem como os resultados obtidos se relacionam com as pesquisas anteriores mencionadas na fundamentação teórica. Além disso, na base teórica, os autores destacam que o estudo contribui para a discussão sobre modelos de processamento, paralelo ou serial, incluindo uma conciliação dos efeitos de antecipação com o processador sintático autônomo. No entanto, esses aspectos não são abordados na seção de discussão. O mesmo ocorre com o efeito de antecipação em relação ao nível de escolaridade dos participantes. Como todos os participantes possuíam nível superior em andamento, é questionável a robustez dos resultados para discutir o efeito da escolaridade. Como os próprios resultados sugerem, entendo que escolaridade não pode ser confundido com o resultado no teste normativo.

Observei um pequeno detalhe na Tabela 2: o "Julgamento de valor de verdade esperado" para a frase "O Brasil é uma cidade grande das Américas" é listado como "verdadeiro", entretanto, acredito que deveria ser classificado como "falso".

Ao ler o texto, duas questões que me surgiram e não foram abordadas é (i) se há um efeito de regionalismo, além do letramento, que influencia a preferência entre a oração relativa padrão ou cortadora e (ii) se pode haver algum efeito de ambiguidade temporária na palavra “para” em “clique na menina para (prosseguir na tarefa... vs. quem Pedro...)”.

Tanto em relação aos modelos de processamento, quanto à questão da escolaridade, acredita-se que uma discussão melhor conduzida foi incorporada ao artigo. Na seção 2, em que se remete a estudo sobre antecipação de referentes, esclarece-se que:

Embora evidência dessa natureza seja comumente assumida como uma consequência de modelos paralelos de processamento, Augusto et al. (2012) apresentam uma proposta alternativa, segundo a qual um modelo serial de processamento sintático é conciliado com o processamento referencial antecipado: informação sintática é enviada em chunks, em fases intermediárias da computação estrutural, para as interfaces do processador sintático.

Na seção final de discussão, retoma-se a questão, esclarecendo-se que:

Dessa forma, no atual momento de nossa investigação, os resultados não parecem se alinhar claramente nem na direção de mecanismos de processamento em paralelo nem na direção de mecanismos seriais de processamento. Por um lado, não há evidência categórica de antecipação, tal como previsto pelos primeiros. Por outro lado, observa-se que a extensão intrinsecamente diferente das condições comparadas pode ter dificultado a detecção de processos antecipatórios, sugerindo que mecanismos encapsulados de processamento poderiam também não explicar adequadamente os resultados. Diante disso, considera-se que um instrumento mais sensível e granular quanto ao curso temporal, como o rastreador ocular, poderia flagrar efeitos mais convincentes da apreensão do fenômeno.

Quanto à escolaridade, esclareceu-se que domínio da norma culta por falantes letrados era o foco e não especificamente escolaridade:

Ademais, explora-se a relação entre um eventual efeito de antecipação e o grau de letramento dos participantes, na medida em que se tomam variantes em uso na língua, uma das quais está vinculada ao alto letramento, ou seja, participantes com menor domínio da variedade padrão possivelmente não se beneficiariam da presença da preposição na relativa do tipo padrão, já que essa estrutura depende de exposição/internalização, via letramento, e poderia estar ausente da sua gramática internalizada.

O mesmo foi retomado, quanto às previsões:

Considerando que o grupo de participantes era composto por graduandos, isto é, indivíduos expostos a variedade padrão, nossa hipótese é a de que a presença da preposição pode facilitar a identificação do referente ainda antes do término da sentença no teste de seleção de imagens. Assim, prevê-se que:

Ademais, a correção em relação à Tabela 2 foi feita.

Quanto às duas questões levantadas, a saber, sobre o regionalismo na preferência por alguma estratégia não padrão e a ambiguidade de “para”, incluiu-se, sobre o regionalismo, o seguinte (na seção 1):

Além da farta documentação da presença das 3 variantes em questão na região Sudeste, é relatada também sua ocorrência em outras regiões, como Norte (eg. MARÃES, 2023) e Nordeste (eg. SILVA, 2021), com preferência do uso da cortadora como estratégia não padrão.

Agradecemos, ainda, a observação sobre a preposição, que foi exposta na nota 1, na nova versão:

Cabe, por fim, considerar outra limitação do presente estudo. Na versão padrão das relativas com bitransitivos, a preposição “para” é temporariamente ambígua, tendo a possibilidade de ser analisada não apenas como introdutora de um objeto direto, mas também como introdutora de uma oração adverbial final. Esta última análise, contudo, é fortemente desfavorecida tanto pelo contexto discursivo quanto pelo visual.

A parecerista Gitanna Brito Bezerra destaca os seguintes pontos a serem melhorados:

Destaco os seguintes aspectos como pontos que poderiam ser melhorados: apresentação mais clara da organização e da distribuição do material utilizado, esclarecendo as noções de “lista” e “bloco”, explicitando a quantidade de sentenças experimentais e distratoras lidas por cada participante e refletindo criticamente sobre o status das distratoras em si; aprofundamento da discussão teórica em termos de processamento, deixando mais claro como os resultados podem contribuir para o entendimento das questões que norteiam a área de processamento de sentenças.

Buscou-se explicitar mais claramente a organização do material utilizado na seção de apresentação do experimento:

A variável independente considerada foi tipo de oração relativa, apresentando os seguintes níveis (cf. Tabela 1): (i) oração relativa indireta preposicionada do tipo padrão; (ii) oração relativa indireta do tipo cortadora; acrescentando-se como condições controle (iii) oração relativa de objeto direto ou (iv) oração relativa de sujeito, considerando-se estas também como distratoras para as condições-teste (o número de estímulos distratores foi determinado pela duração máxima de 40 min. por sessão projetada considerando disponibilidade típica do público recrutado) . Foi elaborado um total de 40 itens, 10 por condição. As sentenças foram apresentadas em 2 listas pseudorandomizadas. Cada participante respondia a 40 estímulos, 10 de cada condição. Detalhes da configuração das listas e exemplos dos estímulos podem ser encontrados em: https://osf.io/bz59e/?view_only=4d2fe1fa3bd74d96b98d32af739b8278. As imagens foram desenhadas por uma artista a partir das cenas propostas nas sentenças de preâmbulo. Foram controlados o uso de cores, complexidade de cena e consistência de participantes da cena. Os estímulos auditivos foram gerados na plataforma Azure da Microsoft com o recurso de conversão de texto-para-fala. Foi escolhida a voz digital feminina que se apresenta sob o rótulo de “Giovana”. A duração dos estímulos foi editada com o software Audacity para que a porção da oração principal anterior à relativa fosse igual em todas as sentenças.

Quanto ao aprofundamento da discussão teórica, também solicitada pelo primeiro avaliador, os trechos adicionados em relação ao processamento paralelo ou serial, elencados acima, buscam atender a essa solicitação.

A parecerista também fez apontamentos no arquivo do artigo. Enviamos uma versão anotada desse arquivo, respondendo às anotações e um arquivo limpo, sem comentários.

Cordialmente,

Os autores

How to Cite

AUGUSTO, M. R. A.; SOTO, M.; FORSTER, R.; FLORIPIS, M. C. A.; GAMEIRO, V. Early Mapping of Complex DPS in Prepositional Relative Clauses: Interaction with Metacognitive Knowledge and Working Memory. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 5, n. 2, p. e737, 2024. DOI: 10.25189/2675-4916.2024.v5.n2.id737. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/737. Acesso em: 29 jun. 2024.

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