Resumo para não especialistas
O estudo realizado investiga como Brasil é representado como país em reconstrução, a partir de uma análise de quatro capas dos periódicos Carta Capital e Le Monde Diplomatique Brasil. Num primeiro momento, capas relacionadas às eleições presidenciais de 2022 e, num segundo momento, capas relacionadas à posse do novo presidente, em seu terceiro mandato, Luís Inácio Lula da Silva. O artigo conversa com uma apresentação anterior, de 2018, na UFMG, ocasião em que foram analisadas duas capas dos mesmos meios jornalísticos, com as quais, à época, foi investigada a maneira como Brasil era representado como país na Idade Média, após o golpe de 2016, que destituiu a presidente Dilma Rousseff. As capas de então continham elementos figurativos alusivos à Idade Média e a tribunais de exceção. Os elementos que possibilitam a leitura proposta agora são, por um lado, a própria expressão “reconstruir o Brasil” escrita na edição do Le Monde, por ocasião das eleições e, por outro lado, a maneira como o presidente eleito é apresentado, acompanhado das expressões “O triunfo de Lula”, “Lula, terceiro ato” e por fim uma imagem sem inscrição verbal, mas que mostra o presidente nos braços de uma multidão, sendo conduzido ao Palácio do Planalto.
Pontos de partida
Em 2019, apresentamos o trabalho “Conceptualização cultural e mesclagem conceptual: a figuração do Brasil como Idade Média”, no Simpósio Internacional Linguística, Cognição e Cultura, na UFMG. O estudo foi desenvolvido a partir das capas de revista de Carta Capital, “A cruzada de Dallagnol: O golpe, da farsa à demência” e de Le Monde Diplomatique Brasil, “Tribunais de exceção”.
Nele, buscamos investigar a maneira como essas mídias fizeram surgir a imagem do Brasil de então como um “Brasil na Idade Média”, por meio de um template que relacionava determinadas características de agentes do Estado brasileiro a ações “legais” arbitrárias; para tanto, postulamos que o “Brasil Idade Média” era estabelecido via mesclagem conceptual entre semas[1] prototípicos relacionados à Inquisição e semas destacados a partir de um certo punitivismo moralista e parcial, perpetrados pelo sistema jurídico do Estado brasileiro, relativamente às investigações desenvolvidas pela operação Lava Jato. Assim, partimos de concepções teóricas que abordavam a questão cognitiva da conceptualização com base em aspectos linguísticos, discursivos e culturais, sob o escopo teórico dos estudos em Semântica (Socio)Cognitiva.
Nessa medida, foram considerados dois elos coesivos que possibilitaram a justaposição de uma revista de setembro de 2016 e outra de março de 2018: (i) a compreensão de que ambas faziam referência a um período de “governo ilegítimo”, acentuados pela utilização de “golpe” e de “tribunal de exceção”, (ii) a figuração conceptual deste período com elementos iconográficos alusivos à Idade Média.
Passados quatro anos vertiginosos, em que vivemos uma pandemia global sob a égide de um desgoverno de extrema direita, 2023 se anunciava como uma possibilidade de retomada das instituições e da soberania do país. Nesse sentido, voltamos aos templates de capas icônicas, de Carta Capital, que tem edições semanais, e de Le Monde Diplomatique Brasil, que tem edições mensais. Para equacionar a disparidade de edições, de uma publicação para outra, categorizamos os números trabalhados de acordo com os seguintes critérios: revistas relacionadas, por um lado, às eleições presidenciais de 2022 e, por outro lado, à posse do novo presidente, em janeiro de 2023. Assim, são utilizadas as edições de outubro e de novembro de 2022 e janeiro de 2023, dos veículos de comunicação referidos.
Na esteira de tais considerações, postulamos, neste estudo, que “Brasil como país em reconstrução” é estabelecido via conceptualização cultural mesclada, como proposto em Cultural conceptualisations and language (Sharifian, 2011) e sob o escopo das concepções de mente corporificada e socio-historicamente situada, nos termos de Philosophy in the flesh (Lakoff; Johnson, 1999). Para tanto, compreendemos que a conceptualização é considerada como fruto de um processamento individual, laborada por uma mente corporificada, cultural e socio-historicamente situada. Um processamento de tal natureza se efetiva a partir de processos cognitivos mais básicos, como categorização, projeção, figuração (metáforas e metonímias), esquematização, perspectivização e mesclagem conceptual. Portanto, a conceptualização cultural pode ser compreendida como um modelo distribuído através das mentes em um grupo cultural.
As mentes que constituem a network cultural têm alcance e funcionamento distinto, por isso, os esquemas culturais devem ser considerados enquanto propriedades, negociadas e renegociadas, que emergem da cognição, mais em termos de conceptualização de grupo cultural que de conceptualização individual. Nesse caso, os esquemas culturais não são constituídos por amálgama de elementos reconhecidos, mas sim por meio de relações de representação distributiva - entre os traços a serem figurados como mais ou menos representativos, de acordo com diferentes grupos culturais -. Nesse sentido, um esquema cultural é visto como emergindo de interações entre as mentes que constituem os grupos culturais.
1. Ponto de partida
No âmbito deste artigo, assumimos como premissa que os estudos em Semântica têm como objeto a investigação do “significado” ou da “significação”, de acordo com a abordagem teórica recortada. Nessa medida, o significado/ significação respeita a relação entre a língua e o mundo, ou entre o interior e o exterior linguísticos; esta questão é herdada, pela Semântica, das investigações em Filosofia. A última se questiona, por exemplo, quanto à “justeza dos nomes”, ou seja, a capacidade que um nome (ou expressão) teria para representar, na língua, aquilo a que refere (no mundo, no plano das ideias ou dos mundos possíveis). Um postulado de tal natureza implica uma relação de pareamento entre língua e mundo e, dessa percepção, grosso modo, temos uma das vertentes de estudos para a primeira, qual seja, uma vertente lógica, formalizadora. No dizer de Gennaro Chierchia (2003, p. vii):
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A semântica, tal como a entendemos (...), é o estudo do significado das expressões das línguas naturais. (...) As perguntas que a semântica se propõe a responder têm o seguinte teor: o que faz com que as palavras e as sentenças signifiquem? O que é o significado de expressões como “cachorro”?, “Quem viu Léo?”, “Estou cheio desse gato” etc. Por que as línguas naturais são tão extraordinariamente expressivas? (...) Todas essas perguntas foram feitas muito antes do nascimento da linguística moderna e, sob formas diferentes, é quase certo que percorrem quase toda história do pensamento. Entre as muitas respostas que lhes foram dadas está a seguinte: as línguas, por trás de sua fluidez, têm um esqueleto lógico, e ele permite que nos compreendamos.
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Esse esqueleto lógico, postulado por Chierchia, pretende ser a base para explicar como a língua produz significado, ou seja, como é possível representar (reproduzir) por meio de uma linguagem matematizada, lógica, a estrutura de significação intrínseca aos “objetos”, às “sentenças”, ou como afirma o autor, “às expressões das línguas naturais”. Estabelecer o estudo do significado desta maneira tem uma implicação, a saber, a de que o mundo, o exterior linguístico, é dado, pronto, acabado, estabelecido aprioristicamente, e que caberia à língua representá-lo: capturando o significado intrínseco, imanente às coisas desse mundo extralinguístico; sua suposta essência. Em Semântica, uma abordagem como a que acaba de ser ilustrada é considerada como uma teoria representacional do significado, que teria por premissa dar conta de explicar a relação entre a língua e o mundo - relação essa considerada de pareamento, biunívoca, segundo a qual, para cada unidade do mundo há uma unidade na língua que a representa, de maneira especular -.
Em contraposição a uma abordagem como a descrita acima advém, enquanto dissidência dos estudos semânticos atrelados ao gerativismo, a necessidade de que a experiência da significação seja investigada a partir de seu aspecto conceptual, mas considerado de acordo com sua conformação cognitiva.
As teorias chomskyanas já são, por princípio, cognitivas, e compreendem cognição como um processo representacional interno de manipulação computacional; até mesmo pela percepção de “modularidade da mente”, o que havia de semântica e/ ou de estudo do significado, no gerativismo, era de natureza formalizadora - e por isso a metáfora computacional era exemplar como modelo para o funcionamento do cérebro humano –.
Dessa forma, nos anos 1980, quando George Lakoff e Mark Johnson publicam Metaphors we live by, o estudo da significação é redimensionado, uma vez que passa a considerar a natureza dos sistemas conceptuais humanos como base dos processos de constituição da significação, sobretudo em sua natureza metafórica. Assim, de modelo de representação computacional, a cognição passa a ser compreendida enquanto processo que envolve a experiência cognitiva como desenvolvida por uma mente corporificada e socio-historicamente situada. Esta compreensão constitui o cerne do livro Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenger to western thought (Lakoff; Johnson, 1999), no qual os autores solidificam duas premissas básicas, balizadoras da investigação ora proposta e que, como anunciado no próprio título, têm por axioma a perspectiva de que as considerações do texto são desafiadoras para a maneira como o pensamento ocidental é estruturado até então.
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We have inherited from the Western philosophical tradition a theory of faculty psychology, in which we have a “faculty” of reason that is separate from and in dependent of what we do with our bodies. In particular, reason is senn as independent of perception and bodily movement. In the Western tradition, this autonomous capacity of reason is regarded as what makes us essentially human, distinguishing us from all other animals. If reason were not autonomous, that is, not independent of perception, motion, emotion, and other bodily capacities, then the philosophical demarcation between us and all other animals would be less clearly drawn. This view was formulated prior to the emergence of evolutionary theory, which shows that human capacities grow out of animal capacities (Lakoff; Johnson, 1999, p. 16).
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Os quadros abaixo, adaptados por Thelen (2000), são bastante ilustrativos quanto à percepção da relação entre o corpo e a mente, ou seja, quanto à natureza de uma nova compreensão para os estudos do ocidente.
O modelo vinculado à figura 03 está atrelado a uma percepção representacional entre língua e mundo e, portanto, supõe mente e corpo como duas entidades distintas e separadas; já o modelo vinculado à figura 04 está atrelado a uma percepção de mente corporificada, socio-historicamente situada que, consequentemente, requer uma não separação entre língua e mundo. Nesse sentido, o que cabe na língua seria uma representação semiotizada de uma experiência cognitiva corporificada e instanciada em relação a aspectos históricos e sociais, e não uma representação fotográfica de um conceito anterior a ela.
Um exemplo bastante significativo consiste em indagar como a noção de morte passa a ser utilizada no mundo (esquema) clínico e jurídico, a partir do momento em que torna-se possível a doação de órgãos; pois se até um certo momento da História humana o conceito de morte envolvia parar o coração que, por consequência, figurava como o centro da vida, a partir da possibilidade de doação de órgãos, passamos a considerar (e necessariamente a legislar) uma noção de “morte encefálica”. Não morremos mais quando o coração para de bater, mas quando o cérebro é, clinica e juridicamente, dado como morto (o centro da vida passa a ser o cérebro e, consequentemente, a razão).
Linguisticamente, o que se movimenta é o processamento semântico da significação, agora compreendido sob o escopo de um experiência cognitiva simbólica/ semiotizada, corporificada e socio-historicamente situada. O significado não é capturado e representado a partir de um mundo extralinguístico, nem mesmo há possibilidade para o postulado de um “falante-ouvinte-ideal”, como advogaria a linguística gerativa.
Nessa medida, é preciso compreender que um significado ou significação[1] é modificado, alterado, atualizado, porque é constituído por unidades menores, designadas como “semas”, cuja combinatória de traços não é fixa, muito menos fechada. Para ilustrar esta noção, recorremos ao clássico exemplo da categoria “cadeira”, amplamente utilizado em manuais de Linguística.
A figura ilustra diferentes tipos de cadeira, as quais compartilham traços de significação ente si; portanto “semas” que podem ser compreendidos como unidades mínimas conceituais, como “traços de significação”. Assim como um fonema é constituído por unidades menores, que são ponto e modo de articulação e vozeamento ou não das cordas vocais, o plano do conteúdo é, por sua vez, constituído por unidades menores de significação, ou seja, por “semas”. Para Dubois et al. (1995, p. 527), “sema é (...) sinônimo dos termos traços semânticos e componente semântico”. Na mesma direção, para Greimas e Courtés (1983, p. 391), “Sema designa comumente a ‘unidade mínima’ (...) da significação: situado no plano do conteúdo”[1].
Os semas são amplamente utilizados no âmbito, por exemplo, de uma Semântica Componencial, como a desenvolvida por Bernard Pottier (1978), segundo a qual o conceito/ significado de cadeira resultaria da intersecção dos diferentes traços mínimos de significação, que compartilham entre si: como ter ou não ter braços, ser ou não estofada, ter ou não quatro pés etc.
No caso do exemplo na figura 05, consideramos os desenhos 01 e 02 como mais centrais de cadeira, pois perspectivizam modelos mais comuns, mais prototípicos do móvel; enquanto o desenho 03 permite questionar se temos uma cadeira ou uma poltrona: designar 03 como “cadeira” ou como “poltrona” resulta da perspectivização de semas distintos envolvidos em sua conceptualização. Por fim, 04 pode ser considerada como cadeira, mas também como uma “esteira de praia”. De qualquer maneira, todas imagens que figuram circundadas são consideradas modelos mais prototípicos, mais comuns da categoria, enquanto as demais seriam modelos menos comuns. É possível dizer que a relação dos semas entre si é de intersecção, sempre com algum colocado em proeminência, sendo perspectivizado, para que funcione, justamente, como traço distintivo conceptual.
Assim, se por um lado temos o processo de constituição da significação efetivado por meio da perspectivização de determinados semas em detrimento de outros, temos também a possibilidade de que a conceptualização resulte de mesclagem conceptual, como proposto na Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier e Turner, 2002), como ocorre no exemplo “morte encefálica”.
O diagrama de mesclagem conceptual é desenvolvido a partir da perspectiva de que existe um “Espaço Mental Genérico”, no qual está contido nosso amplo conhecimento de mundo, mais um “input1” e um “input 2”, que seriam espaços mentais específicos que tanto alimentam o espaço genérico quanto dele recebem “informações” para alimentar o “Espaço Mental Mesclado” (blending). Desta forma, o referido malabarismo semântico entre “morte” e “morte encefálica” é justificável se compreendermos que, para a retirada de órgãos que serão doados, é preciso que o coração do doador ainda esteja pulsando. Se o conceito de morte não tivesse mudado, não teríamos parâmetros culturais, sociais, religiosos, morais, éticos, para admitirmos a possibilidade de doação; pois como retirar órgãos de um corpo com vida? Então temos uma conceptualização cultural mesclada, como a de “morte encefálica”; vejamos:
Esses casos são substantivos para compreender a perspectiva de que não há conceitos atrelados às coisas no mundo, sejam elas concretas como “cadeira”, sejam elas abstratas como “indexação”, mas sim que temos experiências semiótico-cognitivas, que são figuradas por uma mente corporificada, a qual se articula a critérios socio-históricos, parametrizados pelas diferentes experiências e valores que vão sendo constituídos ao longo do desenvolvimento da humanidade (como os transplantes de órgãos).
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Living systems must categorize. Since we are neural beings, our categories are formed through our embodiment. What that means is that the categories we form are part of our experience! They are the structures that differentiate aspects of our experience into discernible kinds. Categorization is thus not a purely intellectual matter, occurring after the fact of experience. Rather, the formation and use of categories is the stuff of experience. It is part of what our bodies and brains are constantly engaged in. We cannot, as some meditative traditions suggest, "get beyond" our categories and have a purely uncategorized and unconceptualized experience. Neural beings cannot do that. What we call concepts are neural structures that allow us to mentally characterize our categories and reason about them. Human categories are typically conceptualized in more than one way (Lakoff; Johnson, 1999, p. 18).
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O compromisso, ético, moral e religioso, de Antígona, em relação ao sepultamento de seu irmão Polinice, aponta justamente essa questão, uma vez que Creonte apenas permite o sepultamento de Etéocles. O que faz com que um cadáver tenha o direito de ser sepultado e de receber honras fúnebres, enquanto outro, em contrapartida, seja condenado a ser exposto à profanação? Seguramente nenhum atributo inerente, interno, inexorável à condição de “ser cadáver”, mas sim as diferentes experiências culturais, socio-historicamente amparadas, que com eles têm Antígona, por um lado, e Creonte, por outro lado. Em resumo, as experiências cognitivas socio-historicamente amparadas se constituem da seguinte maneira: Antígona percebe cognitivamente tanto Polinice quanto Etéocles como seus irmãos; enquanto Creonte categoriza o primeiro como traidor e o segundo como um súdito/ sobrinho leal a seu reinado.
Os casos apontados figuram como exemplos de mentes corporificadas, cuja experiência socio-histórica distinta é mister para a constituição da significação, e que nos fazem refutar a premissa de que haveria conceitos na mente e categorias no mundo, independentes das experiências cognitivas que os constituem. De acordo com Marcuschi (2002, p. 49-50)
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Nossas versões de mundo são sempre construídas, provisórias, praxeológicas e não devem ser tomadas como formas naturais de dizer uma suposta realidade discretizada. (...), a linguagem é uma atividade constitutiva e não uma forma de representar a realidade; mais que um retrato, a língua é um trato da realidade. Mais que um portador de sentidos, a língua seria um guia de sentidos (...). É na interação social que emergem as significações[1].
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As significações a que se refere o autor são constituídas, justamente, via experiência (socio)cognitiva, por este motivo não é possível a consideração de um mundo dado aprioristicamente, de um mundo anterior à língua(gem). As versões públicas do mundo são efetivadas por indivíduos socio-hitoricamente constituídos: a significação não pode se dar fora, aquém ou além dos sujeitos, não pode se dar fora da cultura, das relações sociais e, portanto, não se efetiva senão na História, por meio de mentes corporificadas, que experenciam o mundo em sua singularidade de humanos.
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Os humanos são desenhados para operar em determinados ambientes sociais e, sem desenvolvê-los, as crianças (...) não desenvolvem normalmente sua cognição social. Esse ambiente social é o que chamamos de cultura e esse ambiente é simplesmente o que chamamos de nicho ontogenético típico da espécie e singular da espécie para o desenvolvimento humano (Tomasello, 2003, p. 78).
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Desta forma, a significação pode ser compreendida enquanto processo que resulta de uma experiência cognitiva semiotizada do sujeito com o exterior linguístico e consigo mesmo. Mais uma vez, o que cabe na língua não é uma representação pareada de um mundo externo, mas apenas uma representação cognitiva simbólica, semiotizada, das experiências humanas, ou seja, toda significação faz emergir uma dimensão interna das relações dialógicas do indivíduo com o mundo e consigo mesmo. Na língua(gem), não há um externo ao humano, mas apenas uma dimensão interna que compreende e projeta uma certa “realidade externa”; grosso modo, seria possível estabelecer uma analogia entre essa compreensão e a distinção entre o real (indizível, sem representação, fora da língua(gem)) e a realidade, em Lacan (2012, p. 136). Toda possibilidade de dizer envolve um recorte linguístico-cognitivo, portanto o real seria um suposto mundo externo, ao qual não temos acesso, porque ao experenciar o não delimitado, o não-conformado, nós o organizamos, interpretamos e categorizamos, ou seja, conceptualizamos, então, somente temos acesso à realidade - que é da ordem do humano/ da língua(gem) -.
2. A conceptualização cultural: uma teoria linguístico-cognitiva da significação
No âmbito deste estudo, a conceptualização deve ser caracterizada, como já referido, enquanto fenômeno tanto individual quanto cultural, que abrange processos cognitivos fundamentais, como esquematização, categorização, perspectivização, metáforas e mesclagem conceptual. Abordar a questão cognitiva da conceptualização com base em aspectos linguísticos e culturais, a partir de Sharifian (2011), implica uma investigação multidisciplinar, à medida em que envolve, por exemplo, estudos de Psicologia, Linguística e Antropologia.
Dessa maneira, conceptualização é caracterizada como processo cognitivo que está na base da significação, ou seja, a conceptualização constitui justamente a experiência cognitiva semiotizada em função da qual determinados semas são perspectivizados em detrimento de outros, para que os conceitos possam ser forjados. Na seção 02, essa perspectiva pôde ser demonstrada, na medida em que a significação de “cadeira” é constituída com base no agrupamento de semas específicos, de acordo com o encapsulamento desejado, ou ainda a conceptualização de “morte encefálica”, por meio de blending. Para Ferrari (2011, p. 14), portanto,
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a relação entre palavra e mundo é mediada pela cognição. Assim, o significado deixa de ser um reflexo direto do mundo, e passa a ser visto como uma construção cognitiva através da qual o mundo é apreendido e experenciado. Sob essa perspectiva, as palavras não contêm significados, mas orientam a construção do sentido.
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Dos processos cognitivos envolvidos na conceptualização, destacamos a perspectivização e a mesclagem conceptual, justamente porque nos possibilitam detalhar os semas que constituem os conceitos e o tipo de relação que estabelecem entre si. Como demonstrado na seção dois, em Semântica, os semas de uma palavra são suas menores unidades constitutivas, são considerados traços de significação, analogamente aos traços de ponto e de modo de articulação e de vozeamento (ou não) das cordas vocais para a elocução de um fonema.
Para ilustrar a questão da perspectivização de semas, utilizamos os exemplos de Brandão (2023, 28-29), que aproxima “cadeira” e “poltrona”, na expectativa de explicar o quadro apresentado, neste artigo, como figura 05, à página seis. Dessa forma, nos valemos do esquema de ilustração da autora.
Cadeira e poltrona guardam alguns semas comuns mas, no entanto, precisam ter pelo menos um sema que seja diferente, para que possam constituir unidades distintas. Cadeira e poltrona, ao invés de terem sido figurados da maneira como o foram, poderiam ter sido agrupados por meio de uma conceptualização outra, como “assento”, por exemplo. A questão que se coloca para nossa interrogação é que os semas que são conceptualizados não são fruto de uma relação especular entre a língua e os objetos que representaria, mas, como dissemos, advém de uma experiência cognitiva semiotizada com aquilo que é tomado enquanto exterior linguístico. Não há talidade a ser descoberta, não há veracidade a ser aferida, mas sim experiências culturais linguístico-cognitivas[1]. Sharifian (2011, p. xvii) postula um quadro de trabalho que se baseia em diferentes áreas da Linguística Aplicada.
A conceptualização requer uma experiência cognitiva que envolve aspectos linguístico-culturais de diferentes ordens, para a mobilização e perspectivização dos semas a serem encapsulados, assim, o autor propõe os seguintes quadros teóricos (11 e 12), para ilustrar a conceptualização compreendida como modelo distributivo.
As letras do alfabeto representam os semas envolvidos nas diferentes conceptualizações, portanto, se voltamos aos exemplos cadeira e poltrona, é preciso considerar que há semas comuns e semas distintos em ambas unidades[1]. Dessa maneira, um esquema cultural é visto como emergindo das interações entre as mentes que constituem os grupos culturais e, portanto, teríamos diferentes esquemas para morte e para morte encefálica.
Se voltarmos aos exemplos de morte e de morte encefálica, teremos a emergência de dois esquemas culturais distintos, em que a conceptualização do segundo será fruto de uma mesclagem entre ambos modelos. Os esquemas culturais não seriam constituídos por amálgama de elementos reconhecidos, mas sim por meio de relações de representação distributiva - entre os traços a serem figurados como mais ou menos representativos, de acordo com diferentes grupos culturais -. Em certa medida, Sharifian apenas ilustra de maneira distinta a intersecção de semas que advém de inputs distintos para a constituição da mesclagem conceptual, ou seja, do blending. O autor enfatiza o aspecto cultural e distributivo das propriedades mínimas de significação, enquanto Fauconnier e Turner (2002) enfatizam o aspecto linguístico, designando tais propriedades como semas.
Sharifian (2011) explica a conceptualização cultural enquanto esquemas de eventos, de papéis, de imagens, de proposições, de emoções, como resultantes de negociações e de renegociações constantes, no tempo e no espaço: portanto, a cognição cultural emerge como um sistema adaptativo complexo, como a possibilidade de doação de órgãos, mascarando ou recategorizando o fato de que o doador estaria vivo, pois quem admitiria, suportaria, a ideia de retirada de órgãos de um organismo, de um corpo humano vivo?
Sob o escopo dos modelos de mesclagem de cognição cultural, como ilustrado na figura 12, a cognição cultural, enquanto sistema adaptativo complexo, reorganiza-se e faz emergir uma noção como “barriga de aluguel”. A designação “sistema adaptativo complexo” está atrelada justamente à possibilidade não somente linguística, mas também pragmático-discursiva, que emerge com as mesclagens conceptuais, porque os semas perspectivizados são escolhidos em função de um efeito de sentido específico.
Culturalmente, temos as expressões “mãe biológica”, “mãe de criação”, “mãe do coração”, “mãe é quem cria” etc. Por que então não se popularizou a expressão “mãe de aluguel”? Há duas possibilidades primordiais para a reflexão desenvolvida neste estudo: (i) ao contrário das primeiras, a última soa com uma carga semântica negativa e (ii) há uma clara intenção de apagar os traços semânticos, os semas de maternidade, daquela que aluga seu ventre, uma vez que há uma legislação para a questão. Uma barriga de aluguel é um serviço prestado, é um serviço pago. A mulher não pode reclamar direitos sobre o feto que gesta.
Os semas culturalmente emergentes em barriga de aluguel não são aqueles atrelados à conceptualização de mãe, justamente para que a possibilidade de a gestante requerer o feto em gestação seja diminuída e, até mesmo, inviabilizada. Não é uma mulher, não é uma mãe, é uma barriga. Barriga de aluguel é fruto de uma mesclagem conceptual em que o esquema cultural evocado silencia, recusa os semas ligados à maternidade, enquanto salienta, perspectiviza aqueles próprios da negociação (aluguel). Nesse sentido, as faculdades conceptuais humanas organizariam as experiências em conhecimento conceptual (complexo e sistemático), com base em esquemas e em categorias específicas, de acordo com as “intenções” envolvidas no encapsulamento. Os semas movimentados fazem com que evite-se a categoria “mãe” e projete-se a categoria “barriga”. É preciso considerar que há a expressão “barriga solidária”, que por sua vez também apaga os traços de maternidade, ainda que não se constitua da proeminência de semas culturais, que façam emergir a noção de “contrato”, de “negócio”.
A figura 12 ilustra justamente casos emblemáticos como morte encefálica e barriga de aluguel, os quais movimentam nossa cognição cultural e fazem emergir novas cognições, que envolvem valores culturais de ordem ética, moral, religiosa etc, por tais razões que são consideradas como sistema adaptativo complexo, uma vez que envolvem o blending de diferentes semas para a constituição de uma nova significação.
3. Os dados e a análise
O escopo do presente estudo visa estabelecer uma revisão em relação à maneira como a vitória e a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva foi noticiado por Carta Capital e por Le Monde Diplomatique Brasil, fazendo com que fosse possível derivar uma perspectiva de Brasil como “país em reconstrução”, em contraposição à maneira como ambas publicações fizeram circular, em setembro de 2016 (edição 919) e março de 2018 (edição 128), a possibilidade de constituição de Brasil como “país da Idade Média”.
Assim, no início do mês de novembro de 2022, Carta Capital e Le Monde Diplomatique Brasil publicaram edições cujas capas eram alusivas ao resultado do segundo turno das eleições presidenciais, que foram realizadas no dia 30 de outubro do mesmo ano. A edição 1233, de Carta Capital, do dia 03 de novembro, tinha como manchete “O triunfo de Lula”, enquanto a edição 184, de Le Monde, do dia 04 de novembro, tinha como manchete “Reconstruir o Brasil”.
Ainda que a edição de Carta Capital coloque o presidente eleito em perspectiva, seja por sua foto, em um gesto de vitória e de frente para a população, seja pela manchete, que aponta o sucesso no pleito eleitoral como um triunfo, a informação contida no lide converge para a perspectiva com que trabalhamos neste estudo, qual seja: “país em reconstrução”. No lide está expressa a superação de Lula, com as expressões “A volta por cima” e “A vitória dramática, os desafios pela frente...”, mas também destaca “o Brasil tem a chance de sair do transe e o mundo respira aliviado”, numa clara referência à superação do governo fascista que o país experimentou entre 2019 e 2022. Essa última expressão, também dialoga com o lide da edição 919, de Carta Capital, que, em 2016, apresenta como manchete “A cruzada de Dallagnol”, e como lide “o golpe, da farsa à demência”.
Dessa forma, conceptualizações como “sair do transe” e sua relação com “farsa” e “demência”, da edição de 2016, são elementos que possibilitam justamente acionar os semas que emergem da cena enunciativa instaurada nas edições em questão, pois suscitam dois modelos culturais divergentes.
Um primeiro que possibilita conceptualizar um governo minimamente democrático e um segundo que se estabelece na esteira de um golpe, como o que destituiu a presidente Dilma Rousseff. “sair do transe” faz pressupor (i) que o país estava em transe e (ii) que, se “o mundo respira aliviado”, o transe referido não é positivo. Assim, é possível figurar esquemas culturais distributivos que contrapõem “país que sai do transe”, portanto em recuperação, em reconstrução, e “país em estado de demência”, uma vez que, de acordo com o modelo proposto por Sharifian (2011), a cognição é uma propriedade de grupo(s) e não de indivíduos; nesse sentido, é possível a seguinte representação para uma mesclagem de cognição cultural emergente distributiva, seguindo o modelo proposto pelo autor.
Neste estudo, consideramos que o modelo X estaria atrelado à conceptualização estabelecida a partir da edição 1233 (figura 13), enquanto o modelo cultural Y seria aquele vinculado à conceptualização da edição 919 (figura 01), portanto, ilustramos com apenas um sema em comum, haja vista a forte assimetria com que conceptualizamos ambos os momentos. Para Sarifian (2011, p. 21)
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Emergent properties of cognition at the group level supersede what is rep[1]resented in the mind of each individual and arise from the interactions between the group members. Members of a cultural group may share some but not every aspect of their cultural cognition with other members, and the patterns are not exactly the same for all individuals across the cultural group. In other words, as mentioned earlier, cultural cognition is heterogeneously distributed across the members in a cultural group.
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Nessa medida, a conceptualização cultural, estabelecida por uma mente corporificada, socio-historicamente situada, permite a constituição de uma mesclagem conceptual entre os modelos X e Y, em função da qual a conceptualização mesclada (o blending) conteria semas que perspectivizam o movimento de mudança e de uma certa retomada democrática para o país, fruto da vitória de uma frente progressista ampla, em contraposição a um governo marcadamente neoliberal e fascista. Essa correlação é ilustrada em 15 e 16.
Em um exercício hipotético, analogamente a uma cartografia da significação, ou em descrição componencial, como fazia Bernard Pottier (1978), poderíamos postular que o sema que se mantém nas duas situações seria aquele ligado a eleições livres e funcionamento “normal” das instituições do Estado – o que também pode ser bastante questionável, se considerarmos o fim do governo da presidente Dilma Rousseff como um Golpe de Estado efetivado pelo parlamento brasileiro e reconhecido pelo judiciário -.
Quanto à edição 184, de Le Monde, a mesclagem conceptual de Brasil como “país em reconstrução” é estabelecida não somente porque a expressão “Reconstruir o Brasil” esteja verbalmente explícita, nem tampouco porque dialoga, em termos análogos à leitura anterior, com as edições analisadas no evento da UFMG, mas porque há uma simbiose muito perfeita entre a imagem de capa e a expressão verbal que a acompanha.
A imagem, e sua relação com a expressão verbal, é rica em metáfora, metonímia e metaftonímia, embora neste estudo não nos debrucemos propriamente sobre elas[1]. Nessa capa, o mapa é uma metonímia para Brasil, pois a representação cartográfica do território é tomada pelo próprio país (que está em “reconstrução”). Há ainda uma metáfora (“nação é prédio”), em “reconstruir o Brasil”, uma vez que, na verdade, prédios é que podem ser reconstruídos; ainda, é possível considerar “Brasil" como uma metaftonímia, porque a "reconstrução" (metáfora) não é só do território físico (entre estados), mas também entre as pessoas, as crenças etc: decalcadas pelas pessoas que “costuram”, com pontos artesanais, o mapa do Brasil.
Estas pessoas são representantes de diferentes segmentos populares, levadas à cena por um motoboy, uma trabalhadora doméstica, um trabalhador rural, uma pessoa representante dos povos originários, um trabalhador do setor de saúde e um trabalhador da construção civil que, juntamente com o presidente eleito “reconstroem o Brasil”. Trabalhadores dos segmentos listados têm poucos direitos sociais como garantia e para eles, portanto, um Estado forte, democrático e com políticas públicas inclusivas é indispensável (exatamente o contrário das políticas do governo derrotado nas urnas).
Todas percepções apontadas são constituídas enquanto experiência conceptualizadora emergente, em função de modelos cognitivos distributivos, que operam a intersecção dos mais diversos semas. Por questões de limitação de espaço, não nos será possível explorar cada uma das figuras que constroem a cena enunciativa da imagem de Le Monde, entretanto, o periódico antecipou a própria percepção do governo eleito, uma vez que na cerimônia de posse o presidente subiu a rampa do Palácio do Planalto justamente com representantes de diferentes segmentos sociais.
As edições publicadas por ocasião da posse do presidente, Carta Capital 1241, de 05 de janeiro de 2023 e Le Monde Diplomatique Brasil 186, de 25 de dezembro de 2022[1] destacam mais a importância da figura de Luís Inácio Lula da Silva, seja como estadista, seja pelo seu vínculo com a classe trabalhadora.
Carta Capital destaca Lula enquanto estadista, e com isso dialoga com a tragédia humana que fora o representante anterior do Palácio do Planalto, fazendo um jogo de palavras ao aludir o terceiro mandato do presidente como parte de uma cena teatral; enquanto Le Monde apresenta o presidente, com a faixa presidencial, portanto, empossado[1], sendo levado pelos braços do povo em direção ao Palácio do Planalto, sede administrativa do governo. Esta imagem constitui uma releitura da fotografia icônica de Ricardo Stuckert, na ocasião em que Lula saiu do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nos braços do povo, para a prisão, na sede da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba. A conceptualização que emerge evoca a fotografia anterior e sua força é tão expressiva que, de todas as capas em análise, é a única que não contém nenhuma expressão verbal. É preciso reconhecer uma imagem na outra, o diálogo entre as duas figura justamente em função de uma cognição cultural emergente e distributiva, como postula Sharifian (2011). Nessa medida, dentre as pessoas que constituem a multidão da edição 186, de Le Monde, é possível identificar figuras públicas reconhecidas por sua atuação social, como, por exemplo, o padre Júlio Lancellotti.
A relação cognitiva cultural emergente e distributiva se dá na medida em que a fotografia de Stuckert é ressignificada, por meio de diferentes semas que passam a possibilitar um novo cenário: Lula nos braços do povo sendo levado para o cárcere e Lula nos braços do povo sendo conduzido ao Palácio do Planalto.
O entrecruzamento conceptual entre a edição 186, de Le Monde, e a fotografia de Stuckert somente é possível porque experenciado por uma mente corporificada e socio-historicamente indexada, ou seja, a significação que resulta do processo cognitivo de conceptualização é fruto de uma experiência linguística semiotizada, corporificada e sócio-histórica.
Todas edições trabalhadas concentram força na figura do presidente, como pessoa com capacidade para apaziguar ânimos, unir o país e, principalmente, reconstruí-lo, a única diferença é que o número da vitória de Lula, do Le Monde, explicita que o governo deve percorrer este caminho juntamente com diferentes setores da sociedade.
4. Pontos de chegada
Nosso empenho consistiu em buscar compreender o movimento de conceptualização cultural que subjaz às diferentes capas de revista selecionadas, à luz das considerações teóricas referidas, para aferir de que maneira a conceptualização que apresenta “Brasil como país em reconstrução” se efetiva.
Nossa hipótese teórica é de que a significação seria um substrato semântico, resultante do processo cognitivo de conceptualização cultural, que se dá por meio de perspectivização de semas que são postos em proeminência, em detrimento de outros traços semânticos, menos centrais, de acordo com a possibilidade de significação empreendida. Assim, os esquemas de eventos, de papéis, de perspectivização e de mesclagem conceptual fornecem estruturas para a conceptualização cultural distributiva, a partir da figuração icônica culturalmente estabelecida (um país devassado/ destruído), enquanto resultado de experiências sociais. Essas imagens são construídas pela mesclagem conceptual de elementos e de “personagens” do Brasil, que representam diferentes setores sociais - o que contrasta com o governo anterior e seu desprezo por grupos sociais com menor representatividade -.
Já que estamos sustentando a percepção de modelo de conceptualização cultural emergente distributiva, é possível retomar a edição em que figura o mapa do Brasil sendo “costurado” por diversas mãos. Essa imagem pode fazer lembrar uma técnica oriental chamada kintsugi, a qual consiste em adicionar pó de ouro, ou de algum outro metal precioso, à cola, para recuperar uma porcelana preciosa que tenha se quebrado. A metáfora consiste em agregar valor à peça a ser recuperada: o Brasil, suas instituições e sua democracia seriam a porcelana, a peça preciosa quebrada, destruída, aparelhada, armada, aquilo que precisa ser “reconstruído” com mais e melhor valor agregado.
Agradecimentos
Agradeço a Vinícius da Rosa da Silva Tavares suas considerações relativas à edição 184, de Le Monde, que muito enriqueceram a análise empreendida.
Informações Complementares
Conflito de Interesse
A autora declara não haver conflito de interesses.
Declaração de Disponibilidade de Dados
Todo o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Referências
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Avaliação
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID743.R
Decisão Editorial
EDITOR: Fabiele Stockmans De Nardi Sottili
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7083-1999
FILIAÇÃO: Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, Brasil.
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CARTA DE DECISÃO: Texto.
Rodadas de Avaliação
AVALIADOR 1: Lilian Noemia Torres de Melo Guimarães
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3743-2256
FILIAÇÃO: Universidade Federal Rural de Pernambuco, Pernambuco, Brasil.
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AVALIADOR 2: Aurelina Ariadne Domingues Almeida
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9641-2530
FILIAÇÃO: Universidade Federal da Bahia, Bahia, Brasil.
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RODADA 1
AVALIADOR 1
2024-03-18 | 03:52 PM
O artigo “Conceptualização cultural: a figuração do Brasil como país em reconstrução” tem como objetivo central investigar, a partir de uma análise de quatro capas dos periódicos Carta Capital e Le Monde Diplomatique Brasil, como Brasil é representado como país em reconstrução. A fim de realizar tal pesquisa, o trabalho procura dialogar com análises anteriores, realizadas em 2018, sobre duas capas dos mesmos meios jornalísticos, em que foram investigadas como o Brasil era representado, após o golpe de 2016, como o país na Idade Média.
O trabalho em análise apresenta grandes contribuições para os estudos linguísticos-cognitivos, uma vez que coloca em evidência aspectos relacionados à cognição, à conceptualização cultural e à mesclagem conceptual. Isso permite que o artigo tenha impacto na área de conhecimento e seja referencial para a comunidade acadêmica.
Destacam-se como pontos positivos a clareza e objetividades do texto, a boa organização das figuras e o detalhamento dos aspectos teóricos e metodológicos, o que ajuda bastante na sua leitura. Os processos de correção são cuidadosamente realizados, de modo que temos um trabalho adequado ao rigor de uma linguagem requerida em artigo científico. O texto, com isso, faz uso de uma linguagem técnica e científica e de uma linguagem padrão do português, sob o ponto de vista da gramática normativa. Em relação ao cumprimento das normas da ABNT, ele atende muito bem aos principais requisitos.
Os objetivos do artigo definidos foram alcançados, uma vez que a investigação, buscando compreender o movimento, no tocante às conceptualizações culturais, que as capas das revistas analisadas traziam, conseguiu aferir como se efetivava a conceptualização que apresentava o “Brasil como país em reconstrução”.
Por fim, consideramos que há um cuidado do texto em se demonstrar um conhecimento atualizado do tema proposto, apresentando seções teóricas muito consistentes e pertinentes para o desenvolvimento da pesquisa, que tratam acerca da teoria (socio)cognitiva da significação e da conceptualização cultural.
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AVALIADOR 2
2024-07-05 | 07:01 PM
O artigo intitulado Conceptualização cultural: a figuração do Brasil como país em reconstrução encontra-se em conformidade com o gênero artigo do domínio discursivo científico, é coerente, coeso e está em consonância com os ditames da escrita mais monitorada do português, salvo alguns lapsos de digitação e de outros naturais ao processo de (re)escrita de qualquer texto.
O trabalho tem o mérito de refletir sobre a dimensão cultural na geração de sentidos, particularmente, do Brasil em dois momentos distintos da sua história no tempo presente, de modo a trazer também a dimensão histórica para o debate. As referidas dimensões nem sempre são efetivamente levadas em consideração em pesquisas realizadas em Linguística/Semântica Cognitiva, como já demonstraram Almeida e Santana (2019). Assim sendo, entendo que o texto, por sua perspectiva recontextualizante da linguagem, oferece uma contribuição válida para os pesquisadores que busquem religar dimensões da vida não raramente desconsideradas em estudos linguísticos. Observo ainda que, por sua temática, o artigo também poderá interessar a estudiosos de outras áreas do conhecimento, como aqueles que dedicam à Ciência Política.
Dito isto, destaco que a minha leitura do texto levou-me a questionar alguns resultados alcançados com a análise empreendida, o que não é um problema, já que o significado, como preleciona a Linguística/Semântica Cognitiva, não está no texto, mas é construído pelos conceptualizadores-leitores, como é inclusive destacado no próprio artigo, através de uma citação de Ferrari (2011). Compreendo, todavia, que a autora precisa demonstrar explicitamente como chegou a esses resultados, para que seja possível acompanhar mais de perto o percurso realizado para atingi-los. Também entendo que faltam algumas informações de natureza metodológica que evidenciem esses caminhos trilhados. Por fim, avalio que alguns termos precisam ser definidos, a exemplo de sistema adaptativo complexo e de sema. O último termo, por exemplo, é comumente usado na Semântica Estrutural (Pottier, 1968). Por isto, entendo que, no texto, a sua utilização precisa ser acompanhada de uma discussão que demonstre aos leitores como ocorre o seu aproveitamento em Linguística/Semântica Cognitiva; isto considerando que o seu emprego traz implicações teóricas importantes para a compreensão do significado.
A fim de estabelecer um diálogo producente com a autora, fiz algumas ponderações que se encontram em caixas de comentários constantes do arquivo segue em anexo. Observo que os meus questionamentos não invalidam em nada a discussão proposta que é relevante socialmente e também, como já observei antes, necessária por religar dimensões da vida interconectadas por nossa mente corporificada para a produção da linguagem.
Em face do exposto, o meu parecer à favorável ao aceite do artigo para que seja publicado no periódico Cad_Lin, se feita a sua devida revisão.