Resumo para não especialistas
Este estudo investiga um aspecto importante da língua portuguesa no Brasil: como usamos certas frases para comparar ideias indiretamente. Essas frases, chamadas de Construções Imperativas de Atitude Proposicional (CIAP), ocorrem quando usamos verbos como "imaginar" ou "supor" para fazer comparações. Por exemplo, em vez de dizer “Jogue com inteligência, como se fosse o Pelé”, é possível formular “Jogue com inteligência. Imagine que você é o Pelé” para sugerir a comparação. Aqui, o objetivo é entender como essas frases funcionam e como as pessoas as percebem. Isso é importante porque as gramáticas tradicionais da língua portuguesa não explicam bem como fazemos comparações no dia a dia, sobretudo quando usamos essas formas tão comuns. Espera-se, portanto, que os resultados desse estudo possam orientar o ensino da língua e a criação de ferramentas automáticas de linguagem, que precisam entender essas nuances. Foram analisados mais de mil exemplos retirados de um grande banco de dados de textos em português do Brasil. Também foi realizado um experimento para medir como os falantes do português reconhecem essas comparações. Por fim, descobriu-se que as CIAP são usadas principalmente para ilustrar ideias e que os verbos "imaginar" e "supor" são os mais comuns em comparações hipotéticas.
Introdução
As pesquisas recentes acerca da língua portuguesa voltam-se frequentemente aos desafios que a aliança entre o uso e a descrição nos trazem, sobretudo naquilo que diz respeito à prática docente. Isso acontece porque, ao notar o texto, bem como a sua organização, as suas unidades discursivas e os seus contextos de realização, o investigador em linguagem (professor ou não) pode ampliar as impressões que se perpetuam no cânone acerca de um uso específico. É por essa via que este artigo quer avançar.
Mais especificamente, trata-se aqui da forma como podem ser discutidas as relações circunstanciais em enunciados. Este trabalho questiona se pode existir, para além do nível do período composto, como tradicionalmente nomeada; ou da cláusula, tal qual teorias baseadas no uso têm denominado, a manifestação linguística das relações de comparação no Português do Brasil (PB) em uso. Vejamos: segundo a tradição gramatical, o tratamento dado às relações circunstanciais no âmbito do período composto envolve o uso de conectores que revelam tais circunstâncias; assim, é comum que palavras do tipo como, assim como, bem como, como se etc. integrem essas cláusulas, conforme é possível observar nos exemplos (1) e (2).
(1) Ele fala como se fosse um papagaio.
(2) Desconsiderar pensamentos ruins é como explodir balões cheios de ar.
Por outro lado, um conjunto mais amplo de cláusulas também pode evidenciar a comparação, recorrendo a possíveis marcadores discursivos de atitude proposicional. Um deles está destacado no enunciado (3), que foi parafraseado em (3’), a seguir.
(3) Considere como pensamentos e crenças equivocadas podem fazer com que inconscientemente nos boicotemos e não consigamos aproveitar prazeres e felicidade quando as coisas vão bem ou quando alguém nos ama? Imagine que esses insights explodam o balão destas fantasias e imagine-se aproveitando a felicidade.
(3’) Desconsiderar pensamentos e crenças equivocadas (...) é como explodir o balão dessas fantasias e aproveitar a felicidade.
Por isso, traçou-se como objetivo central deste artigo descrever tais estruturas que:
a) podem sinalizar atitudes proposicionais e intersubjetivização do discurso e, por consequência;
b) podem, assim como conectores prototípicos, manifestar as mesmas orientações discursivo-pragmáticas de uma comparação hipotética.
Elencam-se aqui, além de imagine que, mais quatro expressões a serem mapeadas: vamos imaginar que, suponha que, vamos supor que e pense que. Acredita-se ainda, neste trabalho, que cada uma delas pode assumir o status das Construções Imperativas de Atitude Proposicional [(Vaux) Vepis. que]. Em estudos linguísticos com uma abordagem baseada no uso, chama-se de construções todo pareamento convencional entre forma e significado que possa representar o conhecimento do usuário de uma língua (Croft; Cruse, 2004; Goldberg, 2006), associado em uma rede cognitiva que não estrutura os níveis da linguagem de forma discreta. Já o conceito de atitude proposicional é adotado em alguns estudos, como os de Valentim (2005), para se fazer menção ao tipo de atitude que o falante/ouvinte de alguns verbos — como pensar, julgar, crer, achar, supor, acreditar, duvidar, saber, ignorar — pode expressar em relação a uma proposição.
Como aparato metodológico desta pesquisa, foram utilizados alguns procedimentos da Linguística de Corpus e da Psicolinguística. Recorrer à análise de corpus como método de coleta e análise de dados linguísticos é reconhecer a importância da interação de uma língua para a respectiva descrição. Isso vai ao encontro das metas previamente estabelecidas neste trabalho e das teorias linguísticas baseadas no uso, as quais justamente elegem o enunciado como o nível básico de análise linguística. Mais ainda, são os recursos da Linguística de Corpus que nos possibilitam atentar aos usos linguísticos mais prováveis, fornecendo análises qualitativas e quantitativas que indicariam respostas quanto à convencionalidade das construções pertinentes a este estudo. Já a psicolinguística oferece a análise experimental como estratégia de observar a realidade psicológica dos indivíduos.
A realização desta pesquisa decorreu de dois motivos. O primeiro relaciona-se à introspecção e intuição do analista acerca do caráter intersubjetivo que persiste em enunciados comparativos, até mesmo linguisticamente (o conector como se é uma clara evidência da relação entre comparação e hipótese). Nesse sentido, não parece estranho considerar a emergência dos mesmos valores semânticos quando são usados verbos de natureza epistêmica (de pensamento), como pensar, imaginar, supor etc. Já a segunda razão associa-se ao próprio movimento do pesquisador que lida com o uso: a partir das situações reais de interação e da natureza mutável das línguas, é possível reconsiderar a cultura linguística, apontando-lhe possibilidades de descrevê-la e aplicá-la. Entender a materialização linguística não canônica da comparação pode servir, por exemplo, como estímulo a estratégias para a produção de textos em gêneros discursivos próprios.
Este artigo é dividido em mais seis seções, além da introdução. A segunda versa acerca das teorias que alicerçam o trabalho. A terceira apresenta a metodologia adotada para mapear a convencionalidade das cinco estruturas anteriormente citadas. A quarta, a quinta e a sexta dispõem análise e discussão dos dados coletados. A sétima encerra o texto com considerações e conclusões provindas de todo o processo.
1. Caminhos teóricos
1.1. Por que a Gramática de Construções?
Conforme já elucidado, este trabalho recorre a teorias baseadas no uso. Mais especificamente, os alicerces dessa investigação adotam com conceitos da Gramática de Construções (GC), um modelo teórico que, grosso modo, compreende todo o conhecimento linguístico em termos de pareamento entre forma e significado. Isso envolve tanto realizações mais concretas (como as palavras lexicais) quanto estruturas sintáticas inteiramente abstratas, como as relações entre o verbo e os seus complementos. No modelo da GC, todo o nosso conhecimento linguístico é composto por um conjunto de construções, que contém palavras, expressões mais regulares, esquemas morfossintáticos, padrões entoacionais etc.
No Brasil, muitos dos estudos em GC têm se orientado a partir dos pressupostos de Ronald Langacker (1987, 2008), de Adele Goldberg (1995, 2006) e de William Croft (2001). Eles trazem contribuições importantes e contínuas para refletir as categorias gramaticais em termos de processamento cognitivo, de evento comunicativo e de convencionalidade.
Os trabalhos desenvolvidos à luz dessa corrente costumam esboçar as restrições e as propriedades léxico-gramaticais das estruturas partindo das situações reais de interação. Isso acontece, sobretudo, se o uso, embora integre o conhecimento linguístico do falante, é entendido canonicamente como um desvio dos padrões formais e funcionais de uma estrutura linguística. É por essa via que a Linguística de Corpus se torna uma aliada à GC, uma vez que é capaz de informar frequência e coocorrência entre dois ou mais itens do léxico. Ainda que as ferramentas de Linguística de Corpus não automatizem o suficiente a identificação de construções (principalmente aquelas que são mais abstratas), esse é um recurso que pode “sistematizar e implementar etapas de análise linguística manual” (McEnery e Hardie, 2011, p. 183).
1.2. As orações comparativas no português do Brasil (PB)
De acordo com Langacker (1987, p.101), a comparação é fundamental para o processamento cognitivo e a estruturação da experiência. Nas palavras do autor, a capacidade de comparar dois eventos, numa relação de mutualidade X ⇔ Y é
.
generalizada e onipresente: atos de comparação ocorrem continuamente em todos os domínios cognitivos ativos e em vários níveis de abstração e complexidade; independentemente do domínio e do nível, além disso, eles são manifestações da mesma capacidade básica (ou pelo menos são funcionalmente paralelos). (Langacker, 1987: 101, tradução nossa)
.
Essa afirmação, por si só, já sugere o quanto as línguas podem nos oferecer diferentes possibilidades de compararmos eventos e registrar-lhes semelhanças e diferenças.
No português do Brasil (PB), as orações subordinadas adverbiais são as formas mais convencionais de expressar a comparação. Normalmente, quando é este o tema abordado, a Gramática Tradicional (GT) apresenta listagens e classificações que mesclam comportamento sintático e (in)(ter)dependência semântica. Pouco se discute sobre o papel discursivo pragmático dessas estruturas, comumente categorizadas a partir dos conectores que a integram, em exemplos que apontam um comportamento sintático limitado. Cunha & Cintra (1985, p. 574) estabelecem que “as conjunções comparativas delimitam o segundo membro de uma comparação, de um confronto” e que elas encabeçam as chamadas orações subordinadas adverbiais comparativas. Luft (1978), além de elencar as conjunções prototipicamente comparativas, ressalva que a estrutura da oração comparativa apresenta, geralmente, verbo elíptico, cuja referência sempre será anafórica àquele da primeira oração. Rocha Lima (1983) lista as conjunções “que, do que (depois de mais, menor, menos, maior, menor, melhor e pior), qual (depois de tal), quanto (depois de tanto), como, assim como, bem como, como se, etc.” (Rocha Lima, 1983, p. 163) e se estende, ao agrupar as orações subordinadas adverbiais comparativas de duas maneiras: quantitativas e assimilativas.
Em geral, a tradição gramatical elenca a conjunção como como a forma prototípica na articulação de orações comparativas. Entretanto, outras descrições oferecem diferentes análises. O texto de Martins (1967), por exemplo, cita a possibilidade de comparar em períodos extensos ou separados. A autora afirma que, na escrita em “prosa moderna, são escassas as comparações extensas, em que se descreve minuciosa e enfaticamente pelo menos um dos termos comparados. Mesmo não sendo muito extensa, pode a comparação fazer-se em orações separadas” (Martins, p. 214, 1967). Já a análise de Mateus et al (2003) discute a arquitetura truncada das orações comparativas, referindo-se à elipse verbal e à posição posposta dessas estruturas. Sem restringir as orações comparativas a um processo comum de subordinação — em que as orações são móveis, com verbos expressos — as autoras reconhecem-nas como “construções de graduação e comparação” que envolvem proposições que, de diferentes modos, estão relacionadas com a expressão de grau” (Mateus et al, 2003, p. 731).
No século XXI, estudos mais orientados à relação entre conhecimento e uso da linguagem exploraram as relações entre comparação e expressão de grau. Pires (2013) investigou um tipo específico de comparação, instanciado pelo conector que nem, a Construção Hiperbólica por Símile (CHS). Para o autor, frases como “Ele come que nem um touro”, além de evocarem a noção de similaridade, evocam subjetivamente a cena de “posição máxima em uma escala”. Além da CHS, são elencados por Thompson (2019) outros tipos de construção não canônicas, que veiculam a comparação. A pesquisadora defende que as construções comparativas assimilativas (CCA) podem ser instanciadas por conectores que não assumem, necessariamente, o status de conjunção — feito, tipo, igual e que nem — e, nessas circunstâncias, podem reforçar ou mais a noção de semelhança, ou mais a noção de exemplificação, ambas inerentes à comparação.
Grosso modo, o estado da arte acerca da comparação assume que ela “pode se manifestar linguisticamente no nível do sintagma nominal e da sentença simples — além do nível textual —, e não apenas no âmbito das orações subordinadas adverbiais” (Rodrigues; Thompson, 2020, p. 165). Portanto, a elaboração de enunciados comparativos pode ser, nos níveis de forma e de conteúdo, mais rica do que a tradição costuma apontar.
1.3. A comparação e a nuance de hipótese
A relação entre comparação e hipótese é comumente materializada pela locução conjuntiva como se. Ao delinear um panorama dos casos do PB em que a comparação se realiza, Martins (1967) defende que a comparação hipotética exige que “segundo termo da comparação” construa um evento “imaginado, suposto, hipotético” (Martins, 1967, p. 212). Além disso, esses usos são muito comuns em “textos de fundo psicológico”, em que há um “um esforço mental de encontrar uma explicação para qualquer fato, ou coisa que determina uma impressão mais forte”.
No texto de Martins (1967), chama atenção ainda um outro tipo, a comparação intensiva. Para a autora, isso decorre da associação entre o evento real e positivo, na oração principal, e a suposição desse mesmo evento, na oração subordinada. Além disso, ela afirma que os verbos presentes no segundo aspecto da comparação, como “supor, querer, pedir, prometer”, são geralmente identificados na descrição linguística como verbos epistêmicos. São aqueles que revelam o grau de envolvimento do falante e do ouvinte com a factualidade da declaração proferida, modalizando o discurso, avaliando o estado de coisas hipoteticamente e fortalecendo a confiança do ouvinte na proposição comunicada.
2. Método: coleta de dados em corpus e tarefa psicolinguística
Nos estudos linguísticos baseados no uso, tanto a Linguística de Corpus quanto os experimentos psicolinguísticos têm se revelado eficazes para atestar a realidade das construções, na interação e na mente. Essas abordagens de análise não apenas proporcionam parâmetros qualitativos para entender o comportamento linguístico, mas também possibilitam a quantificação dos dados, permitindo a identificação de generalizações linguísticas. Os pormenores relativos aos procedimentos adotados, de uma maneira ou de outra, serão detalhados nas seções subsequentes.
2.1. A coleta de dados em corpus
Na perspectiva da Linguística de Corpus, quanto maior o número de dados, potencialmente mais representativo da realidade de uma língua ele se torna. Diante disso, esta investigação comprometeu-se com a frequência de ocorrência de traços lexicais, estruturais e discursivos das estruturas observadas, dentro de um grande número de palavras. Para isso, este estudo selecionou o Corpus do Português (CdP), criado por Mark Davies (professor da Brigham Young University —BYU) e Michael Ferreira (professor da Georgetown University — Georgetown U)[1]. Os dados desta pesquisa foram selecionados a partir de uma das quatro plataformas disponíveis no Corpus, denominada Web/Dialetos, que contém aproximadamente um bilhão de palavras em português, coletadas em mais de um milhão de páginas da web de quatro países: Brasil, Portugal, Angola e Moçambique. A plataforma foi implementada em 2016, compilando textos produzidos entre 2013 e 2014. Em relação à categorização por gênero, há uma abordagem menos rígida: as seções diferenciam textos diversos da internet (seção Geral) e textos exclusivamente publicados em blogs (seção Blogs), incluindo os comentários de usuário. Além disso, a escolha dos textos é realizada de maneira aleatória, mesclando, por vezes, manifestações de língua oral e escrita.
Frisa-se que a hipótese estabelecida aqui é de que certos verbos epistêmicos, especialmente quando conjugados na terceira pessoa do modo imperativo, podem exibir variabilidade formal e semântica em diversos contextos, incluindo aqueles de comparação. Da mesma forma, os padrões lexicais que permeiam essas estruturas podem revelar regularidades e idiossincrasias. Este trabalho busca explorar esses elementos, visando identificar os parâmetros sintáticos, semânticos e discursivos que influenciam o uso desses verbos.
Apesar de estabelecer esse objetivo, dois desafios fundamentais surgiram durante a análise: i) a alta produtividade dessas construções na língua em uso e ii) a falta de um corpus semanticamente anotado. Para mitigar a complexidade da investigação, optou-se por uma estratégia de compilação em uma abordagem bottom-up. Inicialmente, a abordagem consistiu em analisar a frequência de ocorrência (token) de cinco construções: imagine que, vamos imaginar que, suponha que, vamos supor que e pense que. A locução verbal vamos pensar, foi dispensada, uma vez que, no corpus compilado, apresentou menor recorrência estatisticamente significativa. Além disso, determinou-se a frequência de tipo () de cada construção observada, de modo que fosse possível i) identificar quais delas materializam o papel intersubjetivo comum às estruturas de comparação canônicas e ii) detectar padrões linguísticos que as caracterizassem. Como a anotação semântica do corpus era insuficiente/inexistente, a identificação dos types exigiu uma análise semiautomática dos contextos, resultante de amostragens estatisticamente controladas pela própria plataforma de busca.
Cada uma dessas estruturas foi examinada em termos de sua frequência absoluta em um conjunto de 32.709.407 palavras em português. O espaço reservado para a palavra-chave foi preenchido pelo agrupamento lexical, isto é, as construções [(Vaux) Vepis que], o que dispensou outras formas. Além disso, como se trata de um corpus de língua geral, as opções de dialeto também foram assinaladas para controlar os usos no português do Brasil, conforme ilustrado na Figura 1.
Ao comparar os cinco itens, observa-se que pense que e imagine que são os usos mais frequentes, com 4082 e 3017 ocorrências, respectivamente.
Em seguida, a partir da sintaxe de busca estabelecida para a seleção das ocorrências, observou-se o padrão de uso dos seus colocados, ou seja, a coocorrência entre a expressão buscada e os seus limites do co-texto. Vale lembrar que não se tratava de um corpus anotado em termos semânticos e/ou discursivos, além de ser insuficientemente etiquetado em termos estruturais ― não era possível distinguir tipos de conector (que pronome, e que conjunção, por exemplo) ou o modo verbal, por exemplo. Por isso, a frequência type precisou seguir uma estratégia que permitisse ao pesquisador controlá-la e medi-la estatisticamente na própria ferramenta de extração. Desse modo, dividiu-se a metodologia de trabalho em duas etapas: i) a verificação das palavras-chave em contexto e ii) a constituição de um subcorpus de análise. Utilizando o concordanciador automático da plataforma, realizou-se uma análise horizontal, examinando as relações sintagmáticas, e uma análise vertical, interpretando os contextos das linhas de concordância, conforme ilustrado na Figura 2.
Inicialmente, para identificar a proeminência dos termos colocados e compreender seus possíveis efeitos de coerção sobre as características linguísticas das expressões de busca, foi estabelecido um limite máximo de 2 (duas) janelas à esquerda e à direita em cada linha. Além disso, definiu-se o critério de 200 ocorrências por palavra-chave em contexto, que foram ordenadas alfabeticamente. A busca estabeleceu o nível 3 de informação mútua, um índice estatístico que calcula a relação entre frequência e dependência entre a expressão de busca e os termos circundantes. Na Tabela 2 estão apresentadas as informações de frequência dos termos mais recorrentes à direita, enquanto na Tabela 3 estão os termos mais recorrentes à esquerda. As expressões lematizadas, representadas em letras maiúsculas, indicam os lemas correspondentes às suas formas flexionadas em tokens. Além disso, foram eliminados manualmente dados duplicados que não foram devidamente filtrados pelo concordanciador.
Após a identificação dos termos mais recorrentes, retornou-se à plataforma do Corpus com o objetivo de estabelecer novas sintaxes de busca, examinar as linhas de concordância e identificar padrões mais específicos em um subcorpus compilado. Dessa forma, tornou-se possível categorizar as instâncias de acordo com os pressupostos linguísticos relevantes para a investigação. O novo corpus especializado foi composto por aproximadamente 7 milhões de palavras (6.558.941), provenientes de 250 textos em português brasileiro de diversos gêneros. Essa quantidade justifica-se pela coleta de 50 textos para cada parâmetro linguístico, ou seja, a ocorrência das cinco expressões investigadas. É relevante mencionar que a plataforma do Corpus possui um limite de 100 textos por busca, sem filtragem por país de origem. Assim, a metade desse limite foi o recorte adotado para considerar a variedade do português do Brasil. Além disso, essa estratégia mostrou-se a mais eficaz para possibilitar a busca dos textos de acordo com a ocorrência de um grupo específico de palavras.
Feito isso, procedeu-se novamente à análise vertical e horizontal das linhas de concordância. No entanto, a busca revelou padrões distintos, decorrentes da lista de termos colocados mais frequentes, conforme apresentado nas tabelas 2 e 3. Além disso, a partir desse filtro, foi calculado o percentual de frequência dos cinco agrupamentos, considerando as 200 entradas listadas pela plataforma.
2.2. Tarefa psicolinguística
Esta etapa da pesquisa complementa análise de corpus no sentido de aplicar um experimento[1] nomeado tarefa de julgamento para enunciados comparativos, cujo objetivo era medir o tamanho da preferência de uma construção em relação a outras. Trata-se de uma adaptação de outro teste psicolinguístico, denominado julgamento de aceitabilidade (Oliveira; Sá, 2013), um experimento off-line que envolve a percepção de um falante acerca das unidades linguísticas.
O uso deste teste é justificado como uma forma de avaliar a realidade psicológica das CIAP, partindo da hipótese de que elas funcionam como construções comparativas em nível discursivo e, embora não sejam as prototípicas (cf. Rodrigues, 2001, 2014), são percebidas pelos falantes do português brasileiro (PB) como formas regulares e convencionais de expressar comparações.
Para testar esses usos, consideraram-se como construções comparativas não prototípicas dois tipos de exemplares, distribuídos de duas maneiras:
a) construções oracionais, nas quais se incluem as cláusulas instanciadas por conectores comparativos gramaticalizados e pelo conector enquanto;
b) construções discursivas, instanciadas por Construções Imperativas de Atitude Proposicional [Vepis que] e [(Vaux) Vepis que].
O quadro 1, a seguir, esquematiza o delineamento do estudo.
O perfil dos participantes na amostra é justificado pelo fato de, nesta fase da aprendizagem escolar, estarem em condições equiparadas para compreender e categorizar essas estruturas. Ainda assim, para garantir igualdade de condições na aplicação, os alunos foram treinados após aulas sobre a articulação do período composto como um mecanismo de coesão sequencial. Partiu-se do pressuposto de que, se todos foram instruídos sobre o tópico em algum momento do Ensino Fundamental, as aulas teriam o propósito de reativar a memória e incentivar o uso desse recurso na leitura e escrita.
Quanto aos itens, o conjunto de construções oracionais foi escolhido em um continuum de prototipicidade, indo de estruturas mais próximas aos usos prototípicos, ou seja, o das orações subordinadas adverbiais comparativas (com "que nem", "tipo" e "igual") até os mais distantes, instanciados por enquanto. No grupo de construções discursivas, incluíram-se, além dos distratores, três instâncias que, na perspectiva do analista, poderiam evocar comparação no nível do discurso, baseados em dois parâmetros: o nível de articulação entre os polos da comparação e a presença de colocados coercitivos, conferidos anteriormente na análise de corpus. Os dez itens estão listados no Quadro 2.
3. Análise de dados em corpus
O início da análise envolveu uma comparação quantitativa da frequência dos termos à direita e à esquerda das expressões de busca, conforme evidenciado nas tabelas 2 e 3. Os gráficos 1 e 2 subsequentes apresentam, em ordem decrescente, os itens mais frequentes.
Especialmente à direita, observou-se uma recorrência de pronomes pessoais. Na maioria dos casos, esses pronomes atuam como sujeito expresso na oração subsequente às construções imperativas. À direita, as primeiras posições são predominantemente ocupadas por palavras de alta frequência na língua em geral, como artigos, pronomes e verbos auxiliares. Notavelmente, no entanto, destaca-se o conector condicional se, que media as relações entre fato e hipótese, essenciais às conjecturas feitas neste estudo.
Nos colocados à esquerda, também se observa a presença de palavras de alta frequência, mas as combinações são mais diversas. Entre os lexemas, o advérbio não é o termo mais frequente, em razão da recorrência de dois agrupamentos específicos: mas não pense que e não há quem pense que. Em seguida, notam-se o operador discursivo mas e o pronome se com valor indeterminado. Outros operadores discursivos, como que, embora, talvez, (por) exemplo surgem, assim como outros indeterminadores, como os pronomes quem, alguém e ninguém.
Vale destacar que, apesar das filtragens da ferramenta, os sinais de pontuação surgiram como colocados recorrentes. Assim, observou-se, no subcorpus, os contextos em que apareciam. Junto à imagine que, vamos imaginar que e vamos supor que, por exemplo, era comum os símbolos marcassem o término de uma proposição e o início de outra. Além disso, quando pontuadas por vírgulas, dois-pontos ou outro sinal que não encerrasse necessariamente um enunciado, era comum o uso de operadores discursivos, como agora, por exemplo e então. Era previsível, ainda, que a informação posterior a estes colocados se tornassem a base do conteúdo conceptual (fundo) de outra informação central (figura).
Observar essas características estimulou uma distinção referente à relação entre os enunciados que antecedem e sucedem as construções. Para isso, listaram-se todas as instâncias coletadas no subcorpus, caracterizando-as como articulantes ou não articulantes, de modo que, em um continuum, as primeiras seriam um conjunto de palavras mais agrupado, que desempenharia o papel similar ao de marcadores discursivos, e as últimas seriam menos agrupadas. Isso foi orientado por três critérios gerais de análise ― modalização, (inter)subjetivização e relação intercláusulas ― conforme ilustra o Quadro 3, seguinte.
Uma análise mais qualitativa permitiu observar que muitas das estruturas introduzem exemplos fictícios e mediam relações de contraste e de comparação. Exemplifica esse padrão o exemplo (4), extraído do subcorpus.
(4) Crimes sem sentido têm um sentido muito próprio. Imagine que eu tenho uma terrível discussão com o meu vizinho. Saio de casa e quebrou o pára-brisas do carro dele. É compreensível. É errado, mas faz sentido. Serei multado, e o assunto está encerrado. Mas imagine que vou na rua e paro subitamente junto a um carro qualquer e desato a partir-lhe os vidros. Ninguém vai compreender.
É interessante notar que, neste exemplo, há ruptura da realidade para o hipotético, sugerindo a comparação entre dois polos que representam diferentes estados de coisa. Assim como acontece em muitas construções de comparação (cf. Thompson, 2019), o frame[1] de exemplo é evocado a partir da comparação subjacente. Por estar vinculada a uma cena específica, a comparação incluir modalizadores e padrões intersubjetivos específicos para ilustrar uma hipótese àqueles que participam da situação comunicativa.
Em termos discursivos, no entanto, essas estruturas sugerem orientações discursivas variadas. Para compreender essa distinção, filtraram-se todas as ocorrências nas quais as estruturas eram articulantes. Em seguida, as cinco construções em potencial foram avaliadas em quatro fatores: 1) circunscrição em um frame de exemplo, 2) ambiguidade no conteúdo semântico dos verbos; 3) esquematicidade da construção (mais aberta ou mais fechada); 4) presença de colocados coercitivos. Além disso, todas foram submetidas a uma análise de frequência, levando em consideração a sequência textual (protótipo de texto). Ao todo, foram analisadas 622 ocorrências de construções imperativas articulantes, representando 62% da amostra no subcorpus. As associações entre os types as outras variáveis foram quando possível, medidas estatisticamente em um teste de independência χ² (qui-quadrado), considerando frequências observadas e esperadas.
Na relação entre os types, as quatro variáveis foram classificadas dicotomicamente, de modo que fosse observada uma relação positiva ou negativa. Em geral, o teste foi estatisticamente significativo e cada uma das construções apresentou algum tipo de associação positiva (frequência observada > frequência esperada), como aponta a Tabela 4.
Conforme apontam os dados, houve baixa incidência de colocados coercitivos em todos os types. As instâncias com o verbo imaginar abrangem principalmente os fatores de circunscrição em frame de exemplo, esquematicidade e ambiguidade, embora a correlação seja estatisticamente relevante apenas com a última variável. Por outro lado, as instâncias com os verbos "pensar" e "supor" são altamente esquemáticas, permitindo a substituição por outros verbos epistêmicos. Nota-se ainda que as instâncias com o verbo supor foram as mais transparentes, sem flutuação em seu significado, o de tornar a proposição seguinte em uma hipótese.
Já em relação às sequências textuais, os dados foram distribuídos em seis categorias, conforme aponta a Tabela 5 e a Tabela 6.
No que se refere às sequências, a maioria das estruturas observadas introduziu a descrição de ações, composta por excertos descritivos (16,88% das ocorrências) e narrativos (76,05% das ocorrências). Em termos estatísticos, a correlação entre as sequências e os types foi mensurada apenas nas ocorrências narrativas e descritivas, que não apresentaram caselas nulas na tabela de contingência. Conforme demonstrado na Tabela 6, as frequências observadas excederam as esperadas em ambas as variáveis, alternando-se entre os "types". Os dados com "imagine que" concentram-se na tipologia narrativa, enquanto os outros "types" incidem na tipologia descritiva. É importante mencionar que, em pense que, não são encontradas ocorrências com frame de exemplo. Em geral, a orientação é mais argumentativa, como em (5).
(5) Não se desestimule se seu amor encontrar incompreensão. Pense que você estará fazendo a parte que lhe cabe.
Diante disso, houve percepção de que, em termos discursivo-pragmáticos, as CIAP poderiam ser tipificadas de maneiras distintas. Embora sempre seja criado um espaço de hipótese, algumas delas podem estar mais alinhadas ao papel de caracterizador da comparação, enquanto outras não; ou sofrerem a influência dos colocados coercitivos, enquanto outras seriam mais independentes. Isso motivou a segunda etapa da análise, de natureza experimental.
4. Análise da tarefa experimental
A aplicação do experimento psicolinguístico (cf. Seção 2.2) foi conduzida em ambiente escolar, todos com um aplicador responsável, seguindo condições equivalentes. Os participantes que completaram a tarefa não relataram quadros clínicos psiquiátricos que pudessem comprometer as respostas. A maioria dos estudantes em escola pública no Ensino Fundamental (65,2%) e a média de idade foi 17,3 anos. O tempo médio para concluir a tarefa foi de 12 minutos.
Na análise das habilidades de leitura, de escrita e de correção gramatical, as respostas oscilaram mais nas duas últimas variáveis. A maior parte considera-se apta na leitura, optando pelos índices mais altos da escala (4 e 5). Por outro lado, foram menos confiantes em relação à escrita e correção gramatical, em que as respostas variam mais entre os níveis 3 e 4.
Para a análise do grau de compreensão dos informantes, houve duas tentativas. Primeiramente, agrupou-se a resposta dos dois grupos (cinco itens em cada um). Posteriormente, apenas três itens de cada grupo foram agrupados, a fim de eliminar as respostas aos distratores e equilibrar a análise em termos qualitativos (comparação assimilativa “que nem”, “tipo” e “igual” versus comparação discursiva). Em ambas as análises, os resultados indicaram que, em relação à compreensão semântica da comparação, as construções oracionais obtiveram um valor mais elevado (variação 6 a 9, 2º quartil de valor 8), enquanto as construções discursivas apresentaram um valor mais baixo (variação 2 a 7, 2º quartil de valor 5). Os Gráficos 3 e 4, se comparados, podem ilustrar essa diferença.
Esses conjuntos também foram relacionados às demais variáveis da pesquisa, revelando cinco correlações estatisticamente significativas. Em termos das variáveis de autoavaliação, a associação sugere que o desempenho superior em leitura e correção gramatical está vinculado às respostas de maior grau nos julgamentos — ou, em uma interpretação mais específica, as frases foram mais bem compreendidas quando integravam o grupo das construções oracionais. Em outras palavras, o domínio em relação à língua pode ter interferido no tipo de julgamento feito pelos estudantes. A Tabela 7 descreve o p-valor de cada teste e destaca aqueles que apresentam correlação estatística relevante (p<0,05).
Na análise individual, item a item, também há considerações importantes. Vejamos o Gráfico 5, que ilustra o nível de compreensão por item de 1 a 10, considerando os níveis mais baixos da escala, 1 e 2; o nível central, 3; e níveis mais altos, 4 e 5.
Conforme demonstra o Gráfico 5, a análise do grau de compreensão das estruturas revelou, individualmente, uma tendência positiva com a maioria das respostas concentrando-se nos níveis 4 ou 5 da escala. No grupo das estruturas oracionais, destaca-se que muitos respondentes (em média 56,14%) escolheram o grau 5 e o item constituído por que nem foi o mais bem compreendido (72,41%). Surpreendentemente, a construção contrastiva proporcional com enquanto também obteve alto índice de acertos (62,41%). No grupo das comparativas discursivas, o enunciado imagine que se destacou com o maior percentual indicador de comparação (39,66%). Por outro lado, a construção com pense que apresentou o maior percentual em grau 2, indicando que alguns respondentes não perceberam a comparação, mas não sabiam dizer o porquê.
5. A descrição das Construções Imperativas de Atitude Proposicional (CIAP) e o(s) seu(s) evento(s) de uso
Nos termos de Langacker (2008), os contextos de uso de uma construção sempre incluem a conceptualização de uma cena em que os interlocutores assumem uma perspectiva. Isso vai depender da proximidade que eles estabelecem com o evento e da proeminência de elementos que o integram. No que se refere às CIAP, parece haver um arranjo no qual um sujeito conceptualizador (ou emissor, ou o receptor) apresenta um evento contrafactual, com o objetivo de que ele seja comparado a um evento factual, que já foi ou será mencionado. Em outras palavras, as cinco construções, ainda que sejam semanticamente distintas, são perfiladas pela mesma base conceptual em um nível específico de organização (escopo imediato). Assim, quando há uma comparação hipotética X ⇔ Y, o uso das construções acrescentam ao seu polo semântico a contrafactualidade em Y, tornando-as mediadoras na comparação entre fato e hipótese.
Se considerados os resultados da análise, o indicativo é de que todos os types apresentam exemplares que se enquadram na categoria de Construções Imperativas de Atitude Proposicional (CIAP). A instância imagine que parece ser a que captura a maioria das características compartilhadas com as outras, ocupando um lugar fundamental nessa categoria. É uma expressão muito frequente no corpus de língua geral e apresenta certa regularidade, atendo-se frequentemente à introdução de sequências narrativas. A construção, no entanto, tem orientação discursivo-pragmática ambígua.
Por outro lado, as instâncias com o verbo supor têm associações estatisticamente mais significativas, mas revelam-se menos favoráveis em relação à ambiguidade. Apesar de expressar um valor hipotético, o conteúdo semântico associado a esse verbo parece rigidamente restrito à noção geral de causalidade, evidenciado por sequências descritivas com orientação argumentativa centrada em relações de causa-efeito e condição.
Essa percepção só foi possível a partir do fato de que 1) essas unidades linguísticas são abstraídas de eventos de uso e 2) elas foram mensuradas quanto à produtividade e convencionalidade. Conforme defendem os mais recentes modelos teóricos baseados no uso linguístico (Bybee, 2011; Hilpert, 2014), a alta frequência (produtividade) não só afeta o armazenamento de unidades linguísticas, mas também fortalece os padrões da construção, ou em forma, ou em conteúdo.
Embora as construções discursivas abordadas nos itens do experimento não tenham sido prontamente reconhecidas como formas potenciais de comparação, elas são exemplares que ajudam a categorizar as CIAP de três maneiras distintas. A primeira categoria é a de CIAP cognitiva, referindo-se mais diretamente à atividade mental, exemplificada em (6). A segunda, mais prevalente, é a CIAP argumentativa, que envolve a elaboração de analogias orientadas a relações de causalidade, resultado, finalidade ou condição, como visto em (7). A terceira categoria é a CIAP elaborativa, que tem como objetivo construir uma hipótese que enquadre ou caracterize um evento factual por meio de uma comparação com um evento simulado ou contrafactual, criando um arranjo modal ou comparativo, do tipo (8).
(6) ... Deus sempre nos dá forças para superar. Pense que agora sua prima está em paz e vivendo num lugar melhor.
(7) Tem que se tomar cuidado quando se compara números relativos. Vamos supor que um estado do Nordeste tenha valor um e São Paulo valor 100. O estado do Nordeste cresceu em um determinado período para o valor 2, ou seja 100 % e São Paulo cresceu para 110, ou seja, 10 % apenas. Entretanto, cresceu muito mais que o estado do Nordeste e se distanciou muito mais também. “Ah, mas o estado do Nordeste cresceu mais...” Vamos supor que o estado do Nordeste volte a crescer mais um e o seu valor vai para três. Veja o crescimento passou para apenas 50%! Então o estado que tem valores altos tem maior dificuldade em se equiparar relativamente a um estado com valor menor. Sendo assim, não é o crescimento da pobreza ou diminuição da pobreza que está em jogo nesta comparação equivocada, e sim um sistema de segurança.
(8) Pode ser um soco bem dado ou um chute bem mirado e sem dó! Mas preste atenção: é com força! sem dó! Imagine que é o último da sua vida!
Na observação dos dados, as do tipo exemplificado em (8), mais próximas do ato elaborativo, foram apenas instanciadas por pense que e imagine que, expressões de mais alta frequência na língua geral. Isso permitiu que este artigo sugira, de acordo com as tendências de uso informadas por essa investigação até o momento, o seguinte esquema e a sua respectiva descrição, no Quadro 4.
4. Considerações finais
De modo geral, os resultados deste estudo corroboram a hipótese de que as Construções Imperativas de Atitude Proposicional (CIAP) permitem elaborar comparações em nível discursivo e são, portanto, uma possibilidade para além do uso de conjunções comparativas prototípicas. Esse tipo de construção projeta um cenário em que os falantes tentam estabelecer, durante a interação, comparações entre fatos e hipóteses.
Contudo, é relevante notar que, no contexto discursivo, nem todas as CIAP têm o mesmo efeito. Alguns itens analisados no experimento revelaram um nível de compreensão relativamente baixo, indicando que essas construções podem operar semanticamente e/ou discursivamente de maneiras distintas. Por exemplo, além de expressar a relação entre fato e hipótese, a estrutura pode também referir-se ou a processos mentais, ou a analogias que evocam relações de causalidade, resultado, finalidade ou condição. De particular interesse são estruturas como as dos exemplos (4) e (8), que constroem uma hipótese que contextualiza ou descreve um evento factual com um evento simulado ou contrafactual, enfocando relações modais ou comparativas.
Dentre aspectos importantes, destacam-se dois que podem ser, no futuro, examinados mais detalhadamente. O primeiro diz respeito à comparação entre colocados em cada uma das construções. Há, por exemplo, nos sujeitos que sucedem as construções, maior recorrência de artigos definidos, se comparados aos indefinidos. Isso poderia apontar que os locutores costumam partilhar a hipótese que constroem. Observa-se também um número expressivo de verbos existenciais (ter, haver), além de verbos copulativos (ser, estar). Não se sabe ainda se esses usos podem revelar uma tendência discursiva, de modo que sejam delimitados, de forma ainda mais precisa, os gêneros textuais mais comuns às CIAP. Já o segundo aspecto tange às relações circunstanciais que são instanciadas por essas construções. Embora o enfoque aqui seja lançado à comparação e outros valores semânticos tenham sido mencionados, é possível que emerjam outros valores semântico-pragmáticos que ainda não foram sondados.
Não se quer, com este artigo, encerrar a discussão, mas estimular que essas formas linguísticas sejam mais bem exploradas também em termos de significado, na mente ou na interação. Trata-se de um trabalho ainda descritivo, que observa o contexto de uso dessas construções e que insinua (e apenas insinua!) a pertinência de uma análise colostrucional (Stefanowitsch; Gries, 2003), ao interrelacionar construções e as suas preferências de colocação.
Informações Complementares
Conflito de Interesse
Declaro não estar submetido a qualquer tipo de conflito de interesse junto aos participantes ou a qualquer outro colaborador, direto ou indireto, para o desenvolvimento desta pesquisa. Declaro ainda que minha atuação como pesquisador é independente, autônomo e comprometida com o interesse precípuo de defesa de direitos e a segurança do(s) participante(s) de pesquisa nos termos da Resolução 466/12 e demais diretrizes éticas em pesquisas envolvendo seres humanos.
Declaração de Disponibilidade de Dados
Os dados, códigos e materiais que apoiam as conclusões deste estudo estão disponíveis abertamente no Open Science Framework em https://osf.io/wsn4y/files/osfstorage/65d0c0ff6c2a4003ee187981.
Referências
BAKHTIN, Michael Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. In: Estética da criação verbal Trad. Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006a,
BYBEE, Joan. Language, Use and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.
CASTILHO, Ataliba T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 1ª Ed. 3ª reimpressão. 2014.
CROFT, William & CRUSE, Alan. Cognitive Linguistics. Oxford: University Press, 2004.
CROFT, William. Radical Construction Grammar: Syntactic theory in typological perspective. Oxford: Oxford University Press, 2001.
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley F. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
FILLMORE, Charles. Frame semantics. In: Linguistics in the Morning Calm, Linguistic Society of Korea (ed.) Seoul: Hanshin Publishing Company, p. 111-137, 1982.
GOLDBERG, Adele. Constructions at work: the nature of generalization in language. Oxford: Oxford University Press. 2006.
GOLDBERG, Adele. Constructions: A Construction Grammar approach to argument structure. The University of Chicago Press: Chicago and London, 1995.
HILPERT, Martin. Construction grammar and its application to English. Edinburgh University Press, 2014.
Johnson, Mark. 1987. The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason. Chicago: University of Chicago Press, 1987.
LANGACKER, Ronald. Cognitive grammar. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
LANGACKER, Ronald. Foundations of cognitive grammar: Theoretical prerequisites. Stanford university press, 1987.
LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. 2.ed. Porto Alegre: Globo, 1978.
MARTINS, Nilce. Meios de exprimir a comparação no português atual do Brasil. ALFA: Revista de Linguística, São Paulo, v. 12 (1967), 2001. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3313. Acesso em: 18 jun. 2021.
MATEUS, Maria Helena Mira et al (org.). Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Caminho, 2003.
MCENERY, Tony; HARDIE, Andrew. Corpus linguistics: Method, theory and practice. Cambridge University Press, 2011.
PIRES, Robledo. Forte que nem touro, alto que nem torre, livre que nem passarinho: a configuração de uma construção hiperbólica do Português. Tese (Doutorado em Linguística), Faculdade de Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2013.
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. 1983. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983.
RODRIGUES, Violeta Virginia. Comparativas de igualdade canônicas e não-canônicas em português. In: Revista do Mestrado em Estudos Linguísticos, p. 129, 2014.
RODRIGUES, Violeta Virgínia. Construções comparativas: estruturas oracionais?, mimeo. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2001. 164 p.
RODRIGUES, Violeta; THOMPSON, Heloise. A relação de comparação no PB. SEDA - Revista de Letras da Rural-RJ, v. 5, n. 11, p. 161-181, 6 ago. 2020.
OLIVEIRA, Cândido Samuel Fonseca de; SÁ, Thaís Maíra Machado de. Métodos off-line em psicolinguística: julgamento de aceitabilidade. Revele: Revista Virtual dos Estudantes de Letras, v. 5, p. 77-96, 2013.
STEFANOWITSCH, Anatol; GRIES, Stefan Th. Collostructions: Investigating the interaction of words and constructions. International journal of corpus linguistics, v. 8, n. 2, p. 209-243, 2003.
THOMPSON, Heloise. Construções comparativas assimilativas com tipo e igual: uma abordagem baseada no uso. Tese (Doutorado em Letras Vernáculas, Língua Portuguesa). Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
VALENTIM, Helena Topa. Um estudo semântico-enunciativo de predicados subjectivos do português. Tese (Doutorado) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa - Portugal, 2005.
Avaliação
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID0759.R
Decisão Editorial
EDITOR: Janayna Maria da Rocha Carvalho
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2353-1336
FILIAÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.
-
CARTA DE DECISÃO: Texto.
Rodadas de Avaliação
AVALIADOR 1: Lou-Ann Kleppa
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0317-9440
FILIAÇÃO: Ministério dos Povos Indígenas, Brasília, Brasil.
-
AVALIADOR 2: Luana Lopes Amaral
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4290-1208
FILIAÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.
-
RODADA 1
AVALIADOR 1
2024-03-30 | 09:53 PM
Minha contribuição para A comparação além da oração: o uso de construções imperativas de atitude proposicional parte de um olhar atento à distância entre oralidade e escrita e as implicações que a materialidade textual acarreta. Há, no texto, menção a locutores, interação e a unidade defendida no início é o enunciado – todos categorias da oralidade, da interação face-a-face. No entanto, a empiria de onde são extraídos os dados para análise é a escrita. As categorias fundamentais de análise para a investigação de construções que veiculam uma comparação hipotética são a oração e o discurso, sendo que o que distingue esses níveis (oracional e discursivo) é - a meu ver - o limite da sentença.
Os limites das sentenças são gráficos porque a sentença é uma unidade da escrita: uma sentença começa com letra maiúscula e termina com algum sinal de pontuação finalizador (ponto, exclamação, interrogação, às vezes reticências). Os sinais de pontuação que figuram à esquerda da construção comparativa são de três tipos: finalizadores; internos à sentença (dois pontos, vírgula, ponto e vírgula e travessão); e independentes da unidade da sentença (parênteses, aspas e reticências). Isso significaria, então, que os sinais de pontuação determinam se a construção comparativa é oracional ou discursiva. Como se “mas” em início de frase fosse discursivo e “mas” depois de vírgula fosse oracional. Tipo isso.
É chamada atenção para o fato de muitas vírgulas serem conjugadas com operadores discursivos (agora, por exemplo, então) que podem figurar em fronteira de sentença. Agora, isso configura uma conjunção oracional? Então.
Não entendi os exemplos no Quadro 2: o item 1, classificado como oracional, apresenta uma construção (que nem) dentro dos limites da sentença em que a comparação se dá. O item 3 contém duas sentenças, em que as duas partes da comparação estão distribuídas. O item 6, primeiro exemplo de construção discursiva, apresenta uma única sentença. Fiquei confusa: o que significa, afinal, oracional e discursivo, se o limite da sentença não influencia na categorização?
Fiquei me perguntando se o subjuntivo (pouco usado em algumas variantes: talvez eu vou/ quer que eu faço?) em construções com o verbo auxiliar (vamos supor que eu queira/quero) é relevante no trabalho.
Percebi um paralelismo entre imagine que/vamos imaginar que; suponha que/vamos supor que. A construção vamos pensar que não apareceu nos dados?
Marquei em amarelo trechos que precisam de atenção no texto.
-
AVALIADOR 2
2024-05-17 | 04:39 PM
O artigo “A comparação além da oração: o uso de construções imperativas de atitude proposicional” levanta um importante problema acerca da expressão da categoria semântico-pragmática-discursiva da comparação em português brasileiro: estaria essa expressão restrita às orações comparativas, como descritas na gramática normativa/tradicional? Claramente, sabemos que não. O artigo, portanto, ressalta a multiplicidade de possibilidades de expressão dessa categoria, salientando que a abordagem gramatical é limitada e limitadora, especialmente quando pensamos no ensino escolar de língua materna. Fazendo um recorte em um tipo específico de estrutura para a expressão da categoria semântico-pragmática-discursiva da comparação, o artigo, assim, toma como objeto de estudo o que nomeia de “construções imperativas de atitude proposicional”. Essas construções são formas imperativas de verbos epistêmicos (‘imaginar’, ‘pensar’, ‘supor’), seguidos de seus complementos oracionais, como em ‘Sempre que for postar algo, imagine que você está postando em um local que pode ter o alcance de milhares de pessoas’. A partir desse recorte, delineia-se como objetivo observar se e como essas estruturas, assim como as subordinadas adverbiais, podem expressar relações comparativas, tendo por hipótese que essas construções marcam no discurso comparações hipotéticas.O texto do artigo é marcado por uma argumentação convincente acerca da tese defendida, que é fundamentada em dados, exemplos e em uma metodologia robusta. Ressalte-se a transparência na explanação das etapas e dos procedimentos metodológicos e a disponibilização irrestrita dos dados. Isso permite a verificação/confirmação das conclusões do presente artigo, bem como possíveis replicações do estudo, sejam com outros dados para o mesmo fenômeno ou até mesmo para fenômenos diferentes. Partindo da ideia inicial de se avaliar a expressão da categoria semântico-pragmática-discursiva da comparação em construções imperativas de atitude proposicional, a pesquisa se valeu de dois grandes momentos metodológicos: uma análise de dados de corpus e um teste psicolinguístico (ambos com perspectivas tanto quantitativa como qualitativa).
Os resultados obtidos através da análise dos dados coletados em corpus confirmam a argumentação do autor e demonstram com clareza a marcação semântico-discursiva da hipótese e da comparação nas construções imperativas de atitude proposicional. Na análise, observou-se a marcação no co-texto por palavras indicadoras da comparação, incluindo sua frequência, a exemplo da ocorrência em alta frequência do conector condicional 'se', que “media as relações entre fato e hipótese”. Ainda, observou-se, em análise também qualitativa, as relações entre os eventos descritos nas construções e o frame evocado; ambos indicando semelhanças em relação às comparativas canônicas. Outras características foram também avaliadas na análise de corpus, como tipologia textual, nível de esquematicidade e outros. Tal análise permitiu a conclusão de que nas construções encontradas nos dados há recorrente relação entre eventos factuais e fictícios, em relação de comparação.
Apesar disso, conclui-se que a construção pode ainda apresentar outros significados, mesmo mantendo o caráter hipotético da proposição que complementa o verbo epistêmico. Assim, argumentou-se pela necessidade de uma segunda grande etapa metodológica. O segundo grande momento metodológico, porém, não está tão bem alinhado aos objetivos do trabalho quanto o primeiro (argumentativamente falando). Trata-se de uma tarefa de julgamento de aceitabilidade modificada, adaptada para o teste de dados de língua em uso. Apesar da robustez do método e dos resultados quantitativos, a ausência de uma maior coerência entre essa metodologia e os propósitos do trabalho é um ponto fraco que se pode destacar no artigo. Além disso, tarefas de julgamento (como conhecemos tradicionalmente) servem para avaliar dados de introspecção. Quando se testa dados de enunciados (de uso), fora de um contexto, é necessário maior detalhamento sobre o que se pretende avaliar, já que dados de corpus, em princípio, não precisam ser julgados. Outro ponto que se pode destacar é um possível viés, já que participantes tiveram aulas sobre as estruturas testadas, pelo ponto de vista da gramática. Por fim, colocando em foco o resultado mais relevante obtido através do experimento psicolinguístico, o artigo mostra que os participantes avaliam menos as construções sob análise como comparativas em relação a outras estruturas linguísticas testadas. A princípio, pode parecer que esse resultado é contrário à hipótese do artigo. Porém, há diversas nuances em cada dado e há questões externas ao experimento que precisam ser observadas e que são, inclusive, apontadas na discussão dos resultados, como as habilidades linguísticas dos participantes, as diferenças entre itens lexicais, entre outros. Ressalto novamente que o estudo de estruturas comparativas pode também ter sido um fator de viés no teste. Ainda assim, é importante frisar que, nos dados obtidos no experimento, há associação, mesmo que em menor medida, entre a comparação e as construções sob análise.Diante dos dados obtidos através das etapas metodológicas e da análise quantitativa e qualitativa realizada, o objetivo inicial foi atingido. Comprovou-se que as construções imperativas de atitude proposicional expressam a categoria semântico-pragmática-discursiva da comparação em português brasileiro.
Os resultados empíricos e teóricos do trabalho, especialmente a descrição das construções imperativas de atitude proposicional e o desdobramento de sua função, com foco na comparação e na hipótese, são grandes contribuições para o estudo do português brasileiro e para a Linguística Cognitiva. Aqui temos informações não somente sobre a expressão da comparação, mas sobre a construção como um todo, sobre subordinação, sobre verbos epistêmicos e possibilidades de extensão de seu significado. Além desses resultados, a metodologia psicolinguística, sendo inovadora, pode se tornar também uma contribuição se for desenvolvida e adaptada à aplicação no campo da língua em uso (ressalvadas as suas limitações e corrigidos certos problemas). Por fim, por dialogar o tempo todo com as limitações da gramática normativa, um dos principais materiais de base para o ensino de português nas escolas, esta pesquisa ainda tem potencial de contribuir para o ensino, se devidamente adaptada para tal.
Na minha leitura, a segunda justificativa para a pesquisa e também a pergunta de pesquisa partem essencialmente de limitações da gramática normativa no tratamento da expressão da comparação. A segunda justificativa tem a ver com a dificuldade de lidar com as noções estanques da gramática na produção textual, ou no estudo da língua de forma geral, em sala de aula e parece partir da experiência do autor como professor. Já o problema de pesquisa do artigo é a existência de estruturas comparativas para além das orações subordinadas adverbiais descritas como comparativas na gramática. O trabalho, portanto, parte diretamente de um problema na descrição gramatical normativa. Como o próprio artigo mostra, é claro que há inúmeras formas de expressão da comparação, incluindo as subordinadas adverbiais. Ou seja, esse fenômeno das múltiplas expressões da comparação, desconsiderando a gramática, não é em si novidade e nem um problema. A questão colocada, portanto, é que tratar a comparação como sendo expressa por aquelas orações descritas como comparativas na gramática é limitante (e é base para o ensino de português na escola). Há no texto e na pesquisa, assim, o tempo todo, uma “sobra” da gramática e de suas lacunas que se faz presente.
Resposta dos Autores
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID759.A
RODADA 1
2024-07-08
Prezadas/os,
Tenho o prazer de submeter um manuscrito original intitulado “O uso de‘imaginar’, ‘supor’ e ‘pensar’ como expressão de comparação no português doBrasil”, em vias de publicação neste periódico.
Em primeiro lugar, agradeço aos pareceristas por dedicarem tempo para assugestões feitas ao artigo que submeti. Cada feedback foi extremamente valioso,especialmente no contexto do pesquisador que aqui escreve, que tenta conciliar a vidaacadêmica com a de professor na Educação Básica. Notei que revisões textuais e outrosaspectos da redação fugiram ao meu controle e, por isso, sou grato pela atenção dada aosproblemas que o texto apresentou, sejam eles mais ou menos significativos.
Para facilitar as minhas construções de resposta, selecionei alguns trechos de cadaparecer e teci, em relação a eles, algumas considerações.
PARECER 01: Há, no texto, menção a locutores, interação e a unidade defendida noinício é o enunciado – todos categorias da oralidade, da interação face-a-face. Noentanto, a empiria de onde são extraídos os dados para análise é a escrita.
RESPOSTA: Considero muito valiosas as contribuições feitas, especialmente no que dizrespeito à pontuação no texto e aos limites da frase. Ao mencionar a palavra "enunciado",quero abordar conceitos mais amplos de texto, que vão além das noções de oração ouperíodo. Meu corpus, embora materializado em texto escrito, inclui gêneros muitovariados, como comentários de blogs e redes sociais. Estou interessado na unidade desentido completo, semelhante aos "blocos de informação" propostos por Chafe (1980).Compreendo que a distinção entre textos de modalidade oral e escrita foi uma limitação aolongo da pesquisa que conduzi. No entanto, ainda que existam restrições, creio quetenhamos encontrado resultados satisfatórios, que dão conta de interpretar e descrever aconstrução analisada.
PARECER 01: Os limites das sentenças são gráficos porque a sentença é uma unidadeda escrita: uma sentença começa com letra maiúscula e termina com algum sinal depontuação finalizador (ponto, exclamação, interrogação, às vezes reticências).
RESPOSTA: No estudo que estou desenvolvendo, tenho preferido adotar a definição de"cláusula", que transcende os limites da sentença e se refere à função textual-discursivadas porções de texto que se inter-relacionam. Autores como Halliday (1985), Mathiessen eThompson (1988) e Decat (1993) têm sido fundamentais para essa classificação eabordagem. Esta orientação foi crucial e, por isso, readequei o texto de acordo com osobjetivos da minha análise.
PARECER 01: Não entendi os exemplos no Quadro 2: o item 1, classificado comooracional, apresenta uma construção (que nem) dentro dos limites da sentença em que acomparação se dá. O item 3 contém duas sentenças, em que as duas partes dacomparação estão distribuídas. O item 6, primeiro exemplo de construção discursiva,apresenta uma única sentença. Fiquei confusa: o que significa, afinal, oracional ediscursivo, se o limite da sentença não influencia na categorização?
RESPOSTA: Os termos "oracional" e "discursivo" são utilizados para se referir aos itensda tarefa: às vezes, para descrever as estruturas que se comportam de maneira semelhanteàs conjunções; outras vezes, para descrever as construções imperativas de atitudeproposicional, cujo propósito de comparação hipotética é inferido de forma discursiva. Ofoco principal está no elemento que media a comparação: seja um conector semelhante auma conjunção, seja um não conector, desempenhando um papel análogo ao de ummarcador discursivo.
PARECER 01: Percebi um paralelismo entre imagine que/vamos imaginar que; suponhaque/vamos supor que. A construção vamos pensar que não apareceu nos dados?
A construção apareceu com frequência estatisticamente irrelevante, se comparada àsoutras ocorrências e, em nenhuma das realizações, com teor potencialmente comparativo.
PARECER 02: Além desses resultados, a metodologia psicolinguística, sendo inovadora,pode se tornar também uma contribuição se for desenvolvida e adaptada à aplicação nocampo da língua em uso (ressalvadas as suas limitações e corrigidos certos problemas).Por fim, por dialogar o tempo todo com as limitações da gramática normativa, um dosprincipais materiais de base para o ensino de português nas escolas, esta pesquisa aindatem potencial de contribuir para o ensino, se devidamente adaptada para tal.
Agradeço pelas contribuições, especialmente porque foi uma preocupação minha lidarcom um teste psicolinguístico tão específico, como o julgamento de aceitabilidade, eaplicá-lo no contexto usage-based. Ainda mais particular é o campo das cláusulashipotáticas, uma vez que há poucos testes (ou nenhum) que atestem a realidadepsicológica dessas estruturas. Acredito que isso abre uma oportunidade para pensar emquais tarefas poderiam ser adaptadas (ou criadas) para investigar os valoresdiscursivo-pragmáticos em construções clausais e, até mesmo, em porções maiores detexto (gêneros discursivos, por exemplo).Em meu grupo de pesquisa, temos pensado emdelineamentos experimentais que possam tornar a Teoria de Resposta ao Item (TRI) umaopção viável de teste estatístico. Isso ajudaria a focar mais na resposta proporcionada pelaconstrução, e menos na avaliação dos indivíduos.
A maior parte das correções sugeridas, referentes ao corpo do texto, foramrealizadas. Há um arquivo em anexo, com resposta aos problemas apontados pontualmenteno texto escrito.
Mais uma vez, agradeço pelas valiosas contribuições. Espero que, na medida dopossível, tenha conseguido incorporá-las adequadamente para compartilhar o trabalho coma comunidade acadêmica.