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Research Report

Na fala tem. Mas há na escrita? Reflexões preliminares sobre a norma de referência na escrita acadêmica.

Daniela Samira da Cruz Barros

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro image/svg+xml

https://orcid.org/0009-0002-2890-7440


Abstract

A norma-padrão idealizada no Brasil vem de uma origem lusitanizada e, desde o início de sua implementação na nossa cultura, já estava fadada ao fracasso por estar totalmente distante do senso linguístico dos mais de 80% de analfabetos que habitavam o país no final do século XIX, ou seja, já nasceu sem ressonância social, ambientada em contexto de uma pequena elite letrada (Faraco, 2023). Ter e haver sempre concorreram no Português e existem muitos estudos relatando as mudanças diacrônicas dessa dupla. O que vemos atualmente é uma preferência, quase categórica, pelo verbo ter em detrimento do verbo haver na fala brasileira (Callou; Avelar, 2000; Lucchesi, 2022). A partir da ideia de que existem no Brasil outros padrões de referência (Faraco, 2008, 2015, 2020) se sobrepondo à norma-padrão prescrita pela gramática tradicional, buscou-se identificar em que medida a variação ter/haver existencial aparece na escrita acadêmica. A pesquisa é pautada nos estudos da Sociolinguística Laboviana (Weinreich, Labov, Herzog, 2006 [1968]), que considera a língua em uso, em seu contexto heterogêneo, e pretende sistematizar fatores que condicionam as variações linguísticas. Há ainda um panorama das reflexões mais recentes, no contexto brasileiro, sobre norma e diversidade linguística (Lucchesi, 2015; Vieira, 2018; Vieira, Lima, 2019). Nossos dados foram extraídos de publicações de revistas eletrônicas da USP e da UFRJ: são textos escritos e lidos por uma parcela considerada mais escolarizada da população, que consome e pratica a escrita acadêmica, lê e escreve, periodicamente, segundo modelos dos gêneros textuais acadêmicos, relativamente estáveis em sua produção. Optou-se por investigar textos de Comunicação Social e Direito, duas áreas que atuam essencialmente por meio da expressão linguística. Os resultados indicam que os produtores de textos acadêmicos se prendem a formatos específicos de gêneros e linguagens, corroborando a manutenção da forma mais conservadora, mas que o ter existencial vem ganhando espaço, sobretudo ao selecionar argumentos mais concretos e humanos, não sendo exemplo, portanto, de variante recusada nem na escrita acadêmica. Assim, identificamos diferentes padrões de referência sendo praticados pela parcela mais escolarizada da população, dentre os quais convivem os propostos pela chamada norma-padrão tradicional e outros padrões, convivência que denuncia uma norma de referência para a escrita que acomoda pluralidade, conforme propõe Vieira; Lima (2019).

Resumo para não especialistas

A norma-padrão idealizada no Brasil tem origem em Portugal e, desde o início de sua implementação já estava fadada ao fracasso por estar totalmente distante do que era praticado por mais de 80% de analfabetos que habitavam o país no final do século XIX. A norma-padrão já nasceu distante da língua real praticada pela sociedade brasileira e alguns fenômenos sempre foram facilmente identificados como exemplos disso. O uso de ter e haver em contextos existenciais é um dos aspectos que permitem distinguir a norma portuguesa e a norma brasileira e, por isso, os usos dos verbos ter e haver sempre foram objeto de estudos linguísticos, os quais evidenciam, no contexto brasileiro atual, uma preferência pelo verbo ter em construções existenciais. Nosso objetivo é verificar se o verbo ter aparece em construções existenciais na escrita acadêmica, por isso, os dados que analisamos para este trabalho foram extraídos de revistas online dos cursos de Comunicação Social e Direito, da USP e da UFRJ. Os resultados indicam que o verbo ter com sentido existencial vem ganhando espaço na escrita de universitários brasileiros, apesar de não estar descrito na gramática tradicional, o que fortalece a crença de que além da norma-padrão prescrita pela gramática tradicional, existem outros padrões que servem como referência de uso da língua. A ideia de norma de referência amplia o conceito de norma-padrão ao indicar que a língua é plural e variada até mesmo na escrita, o que pode contribuir imensamente para os estudos de gramática nas escolas e universidades brasileiras.

Introdução

Este trabalho é o primeiro resultado de uma pesquisa de pós-doutoramento que visa contribuir com o projeto Pró-norma plural: do continuum fala-escrita para a norma-padrão, cuja intenção é mapear fenômenos variáveis em gêneros textuais do continuum fala-escrita, com o objetivo de propor e avaliar fundamentos e resultados relativos ao estabelecimento de uma norma de referência (Vieira; Lima, 2019; Lima, 2023).

Ao escolher um dos oito fenômenos[1] elencados para investigação no Projeto Pró-norma plural, as construções existenciais com ter e haver (Tem muito doce na festa. / muitas pessoas na casa.) se destacavam pelo fato de ter e haver sempre concorrerem no Português e, por isso, haver certo apelo histórico e a possibilidade desta pesquisa se desdobrar num trabalho futuro, de análise diacrônica. Além disso, a concorrência ter x haver também se destaca por fazer parte do conjunto de fenômenos que já observara na prática pessoal em sala de aula com alunos de Direito.

Para Lucchesi (2022), Callou e Avelar (2000) e outros estudiosos, o uso existencial de ter é tratado como inovação brasileira em oposição ao conservador uso do haver, tipicamente Português, o item lexical empregado nas construções existenciais é um dos aspectos gramaticais que mais contribuem para distinguir o Português do Brasil do Português Europeu, assim, o fenômeno pode ser um diferenciador das duas variedades do Português.

Por outro lado, Bagno (2012, p. 625) parece indicar, em sua Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, não o caráter inovador, mas conservador do ter existencial que deixou de ser usado por portugueses, depois de transplantarem a forma para o Brasil.

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Ora, o fato é que os portugueses simplesmente abandonaram o uso de ter com função existencial, função que foi conservada porém por brasileiros e africanos – e se brasileiros e africanos continuam a usar ter como existencial/apresentacional é porque receberam esse uso da língua de seus ex-colonizadores. (Bagno, 2012, p. 625)

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Assim, o que parece uma inovação brasileira é, na verdade, a manutenção do ter existencial usado por portugueses na época em que transplantaram sua língua para o Brasil, ou seja, uma característica conservadora. O conservadorismo linguístico do PB, já tão explorado por grandes linguistas brasileiros – como Silva Neto (1960), Celso Cunha (1986), Mattos e Silva (2004), Scherre e Naro (2007), por exemplo – decorre da teoria da deriva linguística proposta por Sapir (1949 [1921] apud Scherre; Naro, 2007): “a língua se move ao longo do tempo num curso que lhe é próprio. Tem uma deriva.”

Como muitos outros fenômenos linguísticos do português brasileiro, o ter existencial é a manutenção de algo que deixou de existir no português europeu, mas foi conservado no português do Brasil. Depois que o ter existencial desapareceu no português europeu, sua manutenção no português brasileiro passou a ser considerada erro, já que a variante portuguesa continuava a ser considerada como a variante de prestígio.

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A condenação dos puristas ao uso de ter existencial se deve, como sempre, à sua tentativa de querer impor aos brasileiros os usos portugueses. Como os portugueses não usam o verbo ter nessa função, logo (pela lógica distorcida que move a atitude purista) tal uso é “errado”. (Bagno, 2012, p. 625)

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Corroborando o que disse Bagno (2012), já que os portugueses não usam – mais – o verbo ter existencial, a variação brasileira, o uso do ter existencial, é considerada errada pela gramática tradicional, constitui desvio à norma-padrão, apesar de predominar na fala brasileira inclusive de pessoas mais escolarizadas e em situações mais formais como demonstram as pesquisas de Callou e Avelar (2000), Avelar (2006), Vitório (2010), Lucchesi (2022). Sobre o ter existencial na escrita, há estudos importantes como os de Vitório (2010, 2012, 2013a), Lucchesi (2022) e os desdobramentos que começam a surgir do Projeto Pró-norma, buscando mapear o que acontece com o ter existencial na escrita escolar, acadêmica e jornalística.

Cabe elucidar que o título deste artigo homenageia o trabalho intitulado “As construções existenciais com ter e haver: o que tem na fala e o que há na escrita” (Vitório, 2013a), e dialoga, respeitosamente, com a obra da Professora Elyne Vitório acerca do fenômeno.

Independentemente de considerarmos ter existencial como conservador ou inovador (como algumas pesquisas com a fala apontam), a noção de norma de referência os ajuda a entender/explicar esse imbróglio, na medida em que considera a existência da pluralidade de normas também na escrita, reconhecendo “que os usos cultos da língua, como todos os outros, comportam variação”, como propõe Faraco (2023).

De acordo com Faraco (2023), a norma-padrão idealizada no Brasil vem de uma origem lusitanizada e, desde o início de sua implementação na nossa cultura, já estava fadada ao fracasso por estar totalmente distante do senso linguístico dos mais de 80% de analfabetos que habitavam o país no final do século XIX, ou seja, já nasceu sem ressonância social, ambientada em contexto de uma pequena elite letrada que perseguiu a norma lusitanizada como padrão “em sua pretensão de ser considerada essencialmente europeia”. (Faraco, 2023).

Para isso, os então letrados brasileiros tiveram que negar não apenas a variante popular do português praticado por escravizados e trabalhadores pobres, mas também sua própria variedade da língua:

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[...] o que era característico da fala culta brasileira e se diferenciava da norma lusitana passou a ser tido como incorreto, ou seja, a diferença foi transformada em “erro”. E, no trato da língua, se desenvolveu, então, no Brasil, uma cultura negativa, uma cultura do erro, ainda hoje muito forte. (Faraco, 2023, p. 25)

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E assim, ainda no século XIX, cunhou-se uma norma-padrão lusitanizada para o Brasil, que desde o início já não abarcava a diversidade da língua praticada por seu povo e sua gramática natural porque perseguia a ilusão da língua correta. Criou-se a impressão de que, desde sempre, nós, brasileiros, não sabemos a nossa própria língua, visto que, desde sua criação, a norma-padrão se distancia dos usos correntes e característicos do português brasileiro.

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Essa norma, por ser distante do senso linguístico dos falantes, mesmo dos letrados, foi, desde o início, um saber artificial, hermético, quase inalcançável. Acabou se petrificando em listas infindas de preceitos dogmáticos e inflexíveis. Em consequência, essa norma-padrão raramente tem servido de referência efetiva aos falantes, cuja insegurança normativa é facilmente observável em textos jornalísticos e acadêmicos. (Faraco, 2023, p. 25-26)

Essa insegurança normativa facilmente observável em textos jornalísticos e acadêmicos (Faraco, 2023) é um dos motivadores para a existência de um projeto como o Pró-norma plural, na busca por referências que possam, ao mesmo tempo, refletir os usos reais praticados por brasileiros e normatizar esses usos:

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O fracasso da norma-padrão lusitanizada não significa, porém, que devemos desistir de projetos normatizadores. Ao contrário, precisamos contribuir para desatar o imbróglio normativo do Brasil, alcançando uma norma-padrão que faça sentido para os brasileiros e lhes sirva de referência para os usos mais monitorados da língua, bem como para o ensino da língua. (Faraco, 2023, p. 26)

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Partindo da hipótese de que a força normativa de haver, característico da escrita mais formal e monitorada, talvez não seja suficiente para frear a deriva, ou seja, o curso próprio do ter existencial no português do Brasil, o objetivo geral desta pesquisa verificar se o ter existencial, tão presente na fala dos brasileiros, já consta da escrita acadêmica. – domínio típico do extremo do continuum de monitoração e letramento.

Estamos tratando de uma mudança em curso e, por isso, no capítulo 1, apresentamos como suporte teórico desta investigação os pressupostos da Sociolinguística Laboviana (Weinreich; Labov; Herzog; 2006 [1968]), lembrando que a possibilidade de estudar a mudança linguística em progresso fez Labov rever a ideia, até então predominante, de que a mudança linguística só poderia ser investigada após estar concluída. A partir disso, Labov passou a entrever a mudança em progresso na variação observada num dado momento, o que o autor definiu como o estudo da mudança em tempo aparente, através da análise de um recorte transversal na amostra. Era preciso também inserir a variação no sistema linguístico para que ela fosse objeto de análise linguística sistemática, rompendo com a visão estruturalista (de que tal sistema seria homogêneo).

No capítulo 2, apresentamos reflexão atualizada sobre estudos de norma e diversidade no contexto brasileiro (Lucchesi, 2015; Vieira; Lima, 2019), revisitamos os conceitos de norma e enfatizamos o uso, neste trabalho, da expressão norma de referência, a partir da perspectiva de Faraco (2008, 2015, 2023) de que existem no Brasil outros padrões de referência se sobrepondo à norma-padrão

Para justificar nossa escolha pela escrita e pelos gêneros acadêmicos, no capítulo 3, apresentamos a relação entre os gêneros textuais e os continuum fala-escrita e monitoração estilística (Marcuschi, 2011; Vieira, 2019a).

No capítulo 4, promovemos ampla revisão da literatura sobre a alternância dos verbos ter e haver na fala a e na escrita brasileiras (Callou; Avelar, 2000; Avelar, 2006; Vitório, 2010, 2011, 2012, 2013ab; Lucchesi, 2022) e suas contribuições para chegarmos aos nossos parâmetros investigativos, como variáveis controladas, por exemplo.

Por fim, no capítulo 5, apresentamos os métodos e análise de dados. Optamos por trabalhar com gêneros textuais discursivos do domínio acadêmico, ou seja, textos da escrita mais monitorada, publicados em revistas eletrônicas de duas renomadas universidades do eixo Rio-São Paulo (UFRJ e USP). Corroborando com a ideia da escrita mais monitorada, investigamos duas áreas do conhecimento que trabalham diretamente com a linguagem: Comunicação Social e Direito. Para isso, recortamos cerca de 20.200 palavras, sendo mais ou menos 500 palavras de cada um dos 40 artigos que selecionamos (10 de Comunicação Social da USP, 10 de Direito da USP, 10 de Comunicação Social da UFRJ, 10 de Direito da UFRJ).

1. Contribuições da sociolinguística Laboviana

A Sociolinguística Variacionista Laboviana estabelecer uma correlação entre a estrutura linguística e a estrutura social e trata a língua como sistema heterogêneo. Labov (1972) afirma que o termo sociolinguística é redundante, uma vez que não se pode conceber uma linguística que não seja social, ou seja, estudar qualquer língua ou dialeto implica, necessariamente, estudar sua história social, inclusive porque existe a possibilidade de inferir processos que operaram no passado a partir da observação de processos em andamento no presente.

Neste trabalho, assumimos a postura da sociolinguística laboviana quando consideramos que a variação é inerente ao sistema linguístico e que a noção de heterogeneidade ordenada não é incompatível com a noção de sistema, aceitando a dissociação entre estrutura e homogeneidade, já que a variação não existe apenas numa comunidade. A variação existe, inclusive, na fala de uma mesma pessoa e não é aleatória, mas governada por restrições linguísticas e não linguísticas. Labov também deixou de focar apenas a estrutura e o nível individual – o idioleto – e passou a observar a língua em uso efetivo pela sociedade, investigando a comunidade de fala como um todo.

Para a Sociolinguística, a comunicação linguística conjuga a variabilidade na unidade e a unidade na variabilidade. Embora tenha como foco o uso e o falante, a Sociolinguística não refuta o caráter estrutural da língua, mas, ao contrário, prevê que a complexa gama de usos em variação é intrínseca à língua e, por isso, prevista pelo sistema. Essa variação, aparentemente desordenada, apresenta sistematicidade e é a partir dessa ideia que desenvolvemos esta pesquisa, na busca pela sistematicidade da variação ter/haver existencial na escrita acadêmica e a constatação de que é possível uma norma de referência (que acomode pluralidade e variação também na escrita), visto que analisamos artigos que circulam nos domínios acadêmicos sem qualquer tipo de estigma, tendo sido alvo, em alguma medida, de revisão editorial antes de serem publicados em revistas eletrônicas de duas importantes universidades do país (USP e UFRJ).

2. Revisitando os conceitos de norma

Atualmente, não se pode tratar da conceituação de norma no Brasil sem citar Faraco (2008, 2015, 2023), que há algum tempo vem “desatando alguns nós”. Segundo o autor, norma apresenta, atualmente, dois sentidos: normalidade e normatividade.

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Nos estudos linguísticos, norma designa primordialmente aquele conjunto de fenômenos linguísticos que são correntes, habituais (“normais”) numa determinada comunidade de fala. No funcionamento monitorado da língua, porém, a palavra norma é usada como sentido de preceito, isto é, designa aquilo que tem caráter normativo, que serve, no interior de um projeto político uniformizador, para regular explicitamente os comportamentos dos falantes em determinadas situações. (Faraco, 2008, p. 74)

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A grande questão, no entanto, surge mais adiante, com a distinção entre os conceitos de norma-padrão e norma culta. De forma geral, a norma-padrão está no campo das idealizações e a norma culta, das realizações como bem resume Lucchesi (2023):

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A norma padrão define a variedade de língua descrita e prescrita pela tradição gramatical, ao passo que a norma culta se refere à variedade linguística efetivamente empregada pelas pessoas denominadas cultas, em uma tradição terminológica que traz embutida em si uma boa dose de preconceito socioeconômico e cultural. (Lucchesi, 2023, p. 125)..

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Para Faraco (2008, 2015), a questão da norma-padrão no Brasil é particularmente exemplar porque o padrão foi construído, desde o início, de forma extremamente artificial, como já mencionado neste estudo. O padrão fixado não somente se aproximava do que era praticado em Portugal e considerado de prestígio pela elite letrada brasileira, como também negava o que era “normal” no Brasil. Assim, a normatividade se distanciou da normalidade porque não tomou a linguagem comum praticada no Brasil como base para a prescrição/descrição, mas, ao contrário, o projeto norma-padrão no Brasil teve como objetivo fundamental combater as variedades do português popular praticado no Brasil, por mais estranho que isso possa parecer hoje.

Desse modo, norma-padrão brasileira já nasceu problemática, afastada da nossa norma culta/comum/standard real. Por isso, nossa norma-padrão sempre foi alvo de preocupação, desde que os modernistas denunciaram sua inadequação e inspiraram alguns autores, ao longo do tempo, a problematizarem a questão – sobretudo gramáticos, a partir da segunda metade do século XX. A flexibilização resultante desses questionamentos produziu a chamada “norma gramatical, ou seja, o conjunto de fenômenos apresentados como cultos/comuns/standard por esses gramáticos”. (Faraco, 2008)

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Nossos bons gramáticos já não insistem na defesa categórica da norma-padrão do século XIX. No entanto, embora suas gramáticas acolham vários fenômenos da norma culta/comum/standard (em especial aqueles já correntes nos escritores modernos), elas não são propriamente descrições sistemáticas dessa norma. Nossas melhores gramáticas atuais estão, assim, num meio termo entre “os excessos caprichosos da norma-padrão” (para usar a feliz expressão de Evanildo Bechara – cf. notas 55 e 56) e as descrições sistemáticas da norma culta/comum/standard. (Faraco, 2008, p. 81).

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A questão é que, apesar de problemática e fadada ao fracasso desde sua origem, a norma-padrão consolidou-se como variedade de prestígio, sobretudo na língua escrita, e ainda vem sendo tratada como superior.

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Pelo seu caráter conservador, impositivo e excludente, o normativismo e a gramatiquice são parte intrínseca de todo um conjunto de conceitos, atitudes e valores fundamentalmente autoritários, muito adequados ao funcionamento de uma sociedade profundamente marcada pela divisão social. (Faraco, 2008, p. 156)

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Com relação à variação que estamos investigando, ter e haver existenciais na escrita acadêmica, fica muito clara essa consolidação da norma-padrão como superior, desde que a pequena elite letrada, no final do século XIX, excluiu a variação praticada por brasileiros, vista como inovação que feria o “bom” português europeu. Na verdade, com essa atitude, aquela elite letrada do século XIX acabou criando o primeiro expoente do que Faraco (2008) denomina norma curta, pautada por uma noção equivocada de erro, ao insistir em “interditar a ocorrência na escrita de fenômenos normais na fala culta”. (p. 59).

Nesta pesquisa, buscamos enfatizar a nomenclatura norma de referência, introduzida há algum tempo por Faraco e que tem sido adotada por importantes autores (Vieira, Lima, 2019; Faraco, 2020; 2022). A norma de referência representa, de forma mais democrática, o que seria uma espécie de fusão entre a norma-padrão e a norma gramatical, no sentido de incluir, finalmente, a pluralidade de possibilidades de usos normais/cultos/comuns/standards, ou seja, o que realmente é usado na fala e na escrita brasileiras sem ser recusado em nenhuma medida.

Esta pesquisa buscou, então, analisar como ter existencial, já categórico na fala brasileira (citar autores), tem sido usado na escrita acadêmica, que fatores o favorecem em detrimento do haver existencial, típico não apenas da norma gramatical, mas da norma-padrão, da norma culta e, sobretudo, da norma curta.

3. Gêneros textuais e os continua

Esta pesquisa é parte do Projeto Pró-norma, que investiga diversos gêneros textuais escritos, tanto do domínio jornalístico quanto do domínio acadêmico. Os dados analisado neste trabalho foram coletados de artigos acadêmicos, situados na extrema direita do continuum fala-escrita (Figura 01) desenvolvido por Marcuschi (2001).

De forma bastante sucinta, podemos dizer que Marcuschi (2001) define a fala como uma forma de produção textual-discursiva, utilizada para fins comunicativos na modalidade oral. E a escrita constitui uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos, com especificidades materiais, caracterizada pela constituição gráfica, situada no plano do letramento. Marcuschi (2001) apresenta um panorama sobre fala e escrita em diferentes áreas de estudo, considerando quatro perspectivas teóricas distintas, das quais destacamos a perspectiva sociointeracionista que entende a “língua como um fenômeno interativo e dinâmico” (Marcuschi, 2001).

Para Marcuschi (2001), “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico de práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois polos opostos”. Essas diferenças só podem ser observadas na análise dos textos materializados – gêneros textuais –, e são as suas características que permitem a distribuição num continuum fala-escrita.

Figure 1. Figura 01: Gêneros textuais no continuum fala-escrita (Marcuschi, 2001) Fonte: Marcuschi, 2001, p. 41.

Na perspectiva sociointeracionista, as categorias linguísticas, sensíveis a fatos culturais, são construídas interativamente e, assim, os fenômenos de fala e escrita são uma relação entre fatos linguísticos e entre práticas sociais materializadas pelos gêneros textuais que, para Marcuschi são, assim como para Bakhtin (2011 [1979]), “tipos relativamente estáveis de enunciados”. Os textos acadêmicos, que incluem artigos científicos, alvo da nossa investigação, estão situados à extrema direita do continuum, ao lado de textos do domínio jurídico, como leis, pareceres em processo e documentos oficiais. Essa proximidade contribui para entendermos ainda com mais clareza o grau de formalidade desse conjunto de gêneros.

Vale ressaltar que o Pró-norma busca o mapeamento de fenômenos variáveis em gêneros textuais do continuum fala-escrita e propõe investigar textos jornalísticos e acadêmicos, expoentes do texto escrito mais monitorado, mas com objetivos e públicos diferentes. A relação entre texto jornalístico e acadêmico se estreita quando investigamos, além de diversos gêneros jornalísticos dentro do continuum fala-escrita, textos acadêmicos também da área de Comunicação Social.

Além do continuum fala-escrita proposto por Marcuschi (2001, 2008), convém citar também o continuum de monitoração estilística de Bortoni-Ricardo (2005), o continuum de gêneros textuais: fala-escrita e monitoração estilística apresentado por Vieira (2019a) por seu caráter assertivo e ilustrativo, e as considerações de Biazolli (2016, 2018) sobre os continua poderem funcionar como um caminho de difusão de fenômenos em variação.

Vieira (2019a) elaborou esse continuum (Figura 02) para inserir resultados preliminares da pesquisa que, de certa forma, deu origem ao projeto Pró-norma plural. Sua relevância se justifica ao revelar diferentes espaços/porções de um suposto continuum compósito de oralidade-letramento e monitoração estilística, de forma muito clara e expressiva para a sistematização dos gêneros textuais jornalísticos e acadêmicos investigados no âmbito do projeto Pró-norma.

Figure 2. Figura 02: Continuum de gêneros textuais segundo Vieira (2019a): fala-escrita e monitoração estilística Fonte: Vieira (2019a)

A partir do continuum ilustrado na Figura 02, fica muito clara a posição do gênero textual que serviu de base para esta pesquisa: artigos científicos situam-se no domínio mais monitorado da escrita, afastando-se totalmente da oralidade.

4. Revisão dos estudos brasileiros sobre ter e haver existenciais

A maior parte dos estudos que encontramos sobre a variação das construções existenciais com ter e haver no português do Brasil citam registros escritos do uso de ter existencial no português europeu a partir do século XVI e a não-fixação desse uso, ou seja, supõe-se uma mudança na variedade portuguesa da língua, que resultou no abandono total do ter existencial e a supremacia do haver. São informações importantes, já citadas anteriormente nesta pesquisa, assim como também a questão da lusitanização da norma, no século XIX, com o objetivo de apagar marcas da variedade brasileira da língua e manter a norma-padrão (em alguma medida expressa na norma gramatical) distante até mesmo da norma culta praticada na época por aquela elite letrada que pretendia “salvar” o português da suposta influência negativa dos falares brasileiros.

A diferença deste estudo é que questionamos, a priori – tendo em vista que a mudança (a perda do ter existencial) teria ocorrido na variedade portuguesa da língua – o fato de que a manutenção da estrutura em nossa variedade brasileira seja considerada inovação por quase todos os autores que pesquisamos. Ora, se, desde o século XVI, já existiam registros do ter existencial concorrendo com o haver em textos escritos e se é consenso que foi Portugal que passou por uma mudança na ocasião da normatização (a qual, entre outras coisas, acarretou o abandono do ter), por que os autores têm considerado inovador o uso do ter existencial no português do Brasil?

Assim, registre-se aqui nossa discordância a esse respeito, apesar de não ser o foco nesta pesquisa e de não podermos explorar neste momento as questões diacrônicas que pudessem sustentar a hipótese de que o ter existencial foi transplantado para o Brasil com a dominação portuguesa a partir do século XVI. Nesse sentido, essa estrutura teria sido conservada, assim como outras características linguísticas da época, confirmando a tese de que a língua transplantada tenderia a ser conservadora, conforme já mencionamos anteriormente.

Quanto às feições contemporâneas da norma praticada por brasileiros, sobretudo por indivíduos escolarizados (variedade de especial interesse desta investigação, visto que se ocupa da problemática do estabelecimento de uma norma de referência), a primeira sistematização de dados da norma culta brasileira ocorreu a partir da década de 1970com a execução do projeto NURC, que visava mapear a norma urbana culta em cinco cidades brasileiras com no mínimo um milhão de habitantes e que serviu de base para inúmeras pesquisas sobre as variações do português brasileiro, inclusive a alternância ter e haver existenciais. Cabe incluir aqui uma observação feita por Lucchesi (2022) no seu recente trabalho intitulado “Ter e haver na norma culta escrita e a questão da norma padrão no Brasil”, publicado no livro em homenagem à Dinah Callou (Oliveira, Mota, Reis, 2022), em que o autor questiona o objetivo do NURC e o relativiza a partir de uma espécie de mentalidade comum aos linguistas da época – zeitgeist – justificando a necessidade de observar os fenômenos na escrita se quisermos tratar realmente da questão da norma de referência:

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Com efeito, um dos principais objetivos do Projeto NURC seria fornecer fundamentos empíricos mais consistentes para a normatização da língua. Contudo ocorreu uma contradição entre esse objetivo e o zeitgeist da pesquisa linguística nas décadas de 1960 e 1970. Profundamente marcados pelos princípios do estruturalismo saussuriano, os pesquisadores do NURC compartilhavam do primado da análise sincrônica da língua falada. Porém, apesar de as gramáticas normativas se proporem a fixar as regras de como “falar e escrever corretamente”, a normatização dos usos linguísticos está precipuamente voltada para a escrita, mesmo que as fronteiras entre o oral e o escrito se tenham esbatido com o avanço do progresso tecnológico (MARCUSCHI, 2001). Assim, a pesquisa empírica para fundamentar uma necessária atualização da norma de referência linguística no Brasil deverá contemplar não apenas os estudos da modalidade falada da língua mas sobretudo a modalidade escrita, já que é na escrita que se concentram os usos mais formais da língua e que demandam a fortiori uma maior padronização. (Lucchesi, 2022, p. 126)

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Assim, apesar de reconhecermos a importância e contribuição das pesquisas variacionistas sobre ter/haver na fala brasileira (Callou; Avelar, 2000; Avelar, 2006; Franchi; Negrão; Viotti, 1998; Viana; Araújo, 2020, entre outros), que “têm confirmado o generalizado uso do ter como verbo existencial na língua falada no Brasil” (Lucchesi, 2022), daremos ênfase – logo a seguir – a trabalhos que tratam a variação na escrita, os quais, muitas vezes, foram desenvolvidos em comparação com o que acontece na fala.

Um dos textos mais citados em trabalhos sobre ter e haver existenciais é o precursor “Sobre ter e haver em construções existenciais: variação e mudança no português do Brasil”, de Callou e Avelar (2000), fruto de uma pesquisa realizada com dados do NURC, ou seja, dados de fala. Entretanto, apesar da reflexão que fizemos anteriormente sobre normatização e dados de fala, o trabalho de Callou e Avelar (2000) contribui significativamente para as pesquisas que vêm sendo realizadas a partir de então e por isso nos servirá de guia em muitos aspectos.

A partir dos dados do NURC, os autores atestam o uso corrente do ter existencial na fala culta carioca nas décadas de 1970 e 1990 e a defesa da emergência de uma gramática “brasileira”, afirmando que o PB estaria passando por uma etapa crucial na formação de sua gramática:

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[...] de um lado, a manutenção de haver no sistema está ameaçada; do outro, assiste-se ao começo de um ‘golpe final’ nas construções impessoais, processo já bem avançado entre as sentenças existenciais realizadas pelos falantes mais jovens. (Callou, Avelar, 2000, p. 97).

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Havia (e ainda há) muito o que se explorar a partir das conclusões de Callou e Avelar (2000), ainda que possam ser expoentes do zeitgeist das pesquisa linguísticas da época (Lucchesi, 2022) e não refletirem, sobremaneira, uma mudança propriamente, mas a manutenção do que sempre ocorreu na fala popular, sendo revelado em pesquisa com o que era considerado fala “culta”, a fala de indivíduos com formação superior. Por isso, faremos nossas considerações a partir desse texto.

Callou e Avellar (2000) identificaram na fala culta carioca quatro fatores relevantes para a ocorrência de ter ou haver existencial, tanto na década de 1970 quanto em 1990: tempo verbal, especificidade semântica do argumento interno, faixa etária e gênero do informante.

Sobre tempo verbal, os autores concluíram que o passado favorece o uso do haver, enquanto ter é favorecido pelo tempo presente, ainda que tenha havido um aumento no número de ocorrências de ter no pretérito perfeito na segunda faixa temporal da coleta.

Com relação à semântica do argumento interno, os autores sistematizaram uma classificação prevendo cinco especificidades: animado, inanimado, espaço, abstrato e evento, e concluíram que a materialidade (animado, inanimado) do argumento favorece a ocorrência de ter, enquanto a abstração dos argumentos marcados pelo traço [- material] (abstrato, evento) favorece o uso de haver.

Para os autores, o aumento do uso de ter, entre 1970 e 1990, em todas as faixas etárias investigadas, parece indicar uma mudança em progresso, visto o registro de que quanto mais jovem o informante, maior a frequência de uso do ter.

Sobre o gênero dos informantes, os resultados indicaram que as mulheres utilizavam mais o ter do que os homens, embora também registrem que, de 1970 para 1990, houve um significativo aumento do uso do ter também entre os informantes do sexo masculino, de 47% para 74%. Os autores não apresentam hipóteses para explicar os números referentes ao gênero; sugerem desdobramentos em novas etapas de pesquisa, mas ressaltam que o resultado vai “ao encontro de outros resultados que atestam ser as mulheres que lideram as mudanças na direção de um uso não estigmatizado” (Callou, Avelar, 2000, p. 94).

Avelar (2006) propõe estudo comparativo das alternâncias ter/haver e de/em (que deixaremos de lado neste estudo) em português brasileiro utilizando dados de fala e escrita. Os dados de fala foram extraídos do projeto NURC (amostras da década de 1990) e do projeto PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua – amostras da década de 1980) e sistematizados em dados de fala de indivíduos com e sem “nível superior”. Os dados de língua escrita foram extraídos de textos jornalísticos (jornais e revistas variados, como O Globo, Veja e Super interessante) e de livros de temáticas e autores variados (por exemplo, Chico Buarque, Paulo Coelho, Augusto Cury e o grupo Casseta e Planeta).

O primeiro resultado do referido estudo revela que as frequências de ter e haver são diametralmente opostas nas línguas falada e escrita: 87% de ter na fala contra 14% de ter na escrita; logo, 13% de ocorrências de haver na fala e 86%, na escrita.

Quanto à faixa etária, os resultados corroboram o que encontraram Callou e Avelar (2000): quanto mais jovem o falante, maior o percentual de uso de ter. Avelar chama a atenção ao fato de que, independentemente da faixa etária, nos dados de fala do NURC e do PEUL, o percentual de ter é amplamente maior que o de haver.

Quanto ao nível de escolarização, ter ocorre com maior frequência entre os indivíduos menos escolarizados. Na escrita, apenas nos dados extraídos de um livro de piadas do Casseta e Planeta (o gênero piada usos mais próximos da oralidade), o autor encontra maior frequência de ter existencial, e chega a encontrar usos do ter em textos do Chico Buarque, do jornal Extra e de anúncios (15%, 14% e 47% respectivamente), mas, de forma geral, prevalece o haver na modalidade escrita.

Avelar (2006) aponta ainda que não encontrou condicionamento de qualquer ordem intralinguística para a variação ter/haver e, ao considerar os fatores extralinguísticos verificados, conclui que eles sustentam a ideia de que haver seria a variante de prestígio, forma preferida na escrita, embora não perceba haver qualquer estigma para o uso do ter na língua falada. O autor atribui a distribuição de ter na escrita à necessidade de reprodução de elementos comuns à oralidade e à aproximação com o leitor, como no caso dos diálogos dos textos de piada.

Um dado interessante desse trabalho de Avelar (2006), apesar de não ser o foco desta pesquisa e por isso não será debatido, é que se a língua falada representa um acesso mais direto à gramática internalizada do que a língua escrita, devemos estar diante de uma situação em que ter exerce um papel diferenciado do exercido por haver (Avelar, 2006).

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Ou seja, a rigor, não existe variação ter e haver na gramática internalizada de um falante do português brasileiro, mas o uso de haver nos mesmos termos em que se usam outros verbos apresentacionais da língua, licenciados normalmente em contextos de interpretação existencial. [...] se assumirmos uma variação entre ter e haver de igual para igual, vamos ter também de incluir acontecer e existir no pacotão das formas variantes [...]. (Avelar, 2006, p. 115)

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Trata-se de uma importante observação que corrobora nossas observações quanto à mudança sofrida pela norma gramatical portuguesa no século XIX, imposta aos brasileiros que não comungavam da mesma norma; talvez por isso, haver nunca tenha concorrido com ter na fala brasileira.

Avelar (2006) defende a hipótese de que “as duas formas não estão competindo pelo posto de verbo existencial como duas categorias funcionais da língua”. O verbo ter reinaria absoluto como existencial e possessivo e haver faria parte de uma série de verbos existenciais sem uso funcional que apontam interpretações específicas de verbos com função apresentacional. Infelizmente, não temos espaço neste estudo para explorar as questões levantadas por Avelar sobre gramática nuclear e periférica e outros conceitos, mas, ainda que superficialmente, a observância da falta de competição entre ter e haver contribui para nossas reflexões sobre as divergências entre norma-padrão lusitanizada imposta a quem compartilha uma norma culta tipicamente brasileira.

Além de Avelar (2006), Vitório (2010) também aponta a implementação de ter na escrita padrão ao investigar textos escritos de alunos do ensino fundamental e do ensino médio na cidade de Maceió, mas observa que “com o aumento do nível de escolarização, há um aumento no percentual de uso do haver”.

Assim como Callou e Avelar (2000) e Avelar (2006), Vitório (2010, 2011, 2012, 2013a, 2013b), ao verificar construções existencias na fala e na escrita, reafirma que ter é verbo existencial canônico no português falado: “o uso do verbo ter em construções existenciais não é um fenômeno estigmatizado pela sociedade, pois é utilizado por falantes de diferentes níveis de escolarização, sem causar preconceito linguístico e social” (Vitório, 2010).

Em seus estudos sobre ter e haver na escrita, Vitório (2010, 2012, 2013a, 2013b) também encontrou relevância nos fatores tempo verbal, faixa etária e escolarização, concluindo que o passado favorece o uso de haver na escrita e o presente favorece o uso de ter, e que quanto mais escolarizado e mais velho o informante, mais estará favorecido o uso de haver na escrita.

Além disso, a autora observou, assim como Callou e Avelar (2000), que o argumento interno [+ abstrato] condiciona o uso de haver, ao contrário de ter, favorecido por argumento interno concreto, [- abstrato]. Vitório (2013a) destaca a análise de sentenças com ter pessoal:

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[...] o português vem apresentando comportamentos mais alinhados com as línguas de sujeito não nulo, como o inglês e o francês, mostrando não só a realização dos sujeitos de referência definida e arbitrária, mas também caminhando para o preenchimento dos sujeitos não-referenciais/não-argumentais, constituindo, assim, uma etapa natural do processo de mudança. (Vitório, 2013a, p. 82).

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Para a autora, a tendência do português brasileiro para preencher a posição de sujeito tanto por elementos argumentais quanto não-argumentais também vem contribuindo para a supressão do haver existencial que não aceita a realização de elementos lexicais em tal posição, diferentemente do que acontece com ter. Com foco na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo, Vitório (2013a) destaca, além da menor frequência de haver existencial, a preferência na escrita por construções existenciais com o ter pessoal e os pronomes nós e se, os mesmos que aparecem representando sujeito indeterminado. A autora ressalta ainda que o uso de ter pessoal na primeira pessoa do plural (como no exemplo: Na figura 5 temos o perfil característico do crescimento de um microorganismo (sic) unicelular.) (Vitório, 2013b, p. 71) acontece com o pronome preferencialmente nulo, contrariando também a tendência no português brasileiro de não apresentar o verbo em primeira posição absoluta.

Assim, com relação à ausência ou presença de elementos à esquerda do verbo, Vitório (2013b) aponta a preferência pelo preenchimento dessa posição, principalmente por elementos que indiquem negação, mas também por sintagmas adverbiais, marcadores discursivos, pronomes relativos e DPs plenos, fator que também controlamos nesta pesquisa.

Vitório (2013b) confirma o que outros autores constataram quanto ao fato de maior escolaridade e faixa etária favorecerem o uso de haver; no entanto, a variável sexo se mostrou estatisticamente insignificante tanto na fala quanto na escrita.

Em seus resultados finais, Vitório (2013b) considera a implementação do verbo ter possessivo em contextos existenciais como um dos efeitos colaterais da mudança que se refere à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo, gerando preferência por ter sobre haver e favorecendo à implementação de construções existenciais com verbo ter pessoal.

Com relação à escrita acadêmica especificamente (Vitório, 2013a, 2013b), a autora retifica que haver é a variante de prestígio e que a pouca realização de ter se deve à condenação do uso por parte dos manuais normativos. Segundo a autora, seus dados sinalizam que

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[...] a escrita acadêmica sofre forte influência do trabalho escolar, uma vez que as variantes de menor prestígio na fala alagoana – haver existencial e os pronomes se e nós em construções existenciais com ter pessoal – passam a ser as formas preferidas na escrita acadêmica, excluindo quase categoricamente as formas selecionadas na língua falada. (Vitório, 2013, p. 73)

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Por fim, recorremos aos estudos mais recentes sobre a variação ter/haver existenciais, organizados por Lucchesi (2022), que coordena o Projeto de Estudo da Norma Culta Escrita – PENCE – , implementado na UFF em 2019. O projeto reúne um corpus de língua culta escrita com cerca de 320 mil palavras contemplando tanto a linguagem jornalística quanto a linguagem acadêmica e, por isso, se aproxima, em alguma medida, das investigações do projeto Pró- norma plural.

As análises do PENCE, publicadas no livro em homenagem à Dinah Callou, identificaram forte influência de fatores extralinguísticos na variação ter/haver em construções existenciais. Das 320 mil palavras que compõem o corpus, foram encontrados 498 ocorrências de ter e haver com valor existencial, corroborando, como era de se esperar, largo predomínio de haver (87,3%).

Lucchesi (2022) confirmou alguns condicionamentos estruturais já identificados em análises anteriores como tempo verbal e caracterização semântica do argumento, corroborando que o uso de haver é favorecido pelo tempo passado e argumento abstrato. Entretanto, o autor propõe amalgamar alguns fatores, proposta que nos parece bastante profícua e, por isso, a adotamos nesta pesquisa.

Com relação ao tempo verbal, assim como proposto por Lucchesi (2022), classificamos os tempos verbais em presente, passado (reunindo todas as formas de pretérito), irrealis (reunindo todos os tempos relacionados ao modo irrealis) e formas nominais do verbo.

Com relação à caracterização semântica do argumento do verbo, também adotamos o que foi proposto por Lucchesi (2022), depois de amalgamar alguns valores em função dos achados de análises anteriores: [+humano], [- animado, + concreto], [- animado, - concreto], em nossa pesquisa caracterizados, respectivamente, por humano, concreto e abstrato.

Por último, adotamos também a abordagem de Lucchesi (2022) sobre a estrutura do argumento. Em sua amostra, Lucchesi (2022) identificou que “o ter é muito favorecido quando a estrutura sintagmática do argumento é a mais simples” (p. 138) e haver é mais favorecido à medida que o argumento se torna mais complexo. Assim, a classificação sugerida por Lucchesi (2022, p. 137) e adotada nesta pesquisa quanto à estrutura sintagmática é: simples (no máximo um determinante e um núcleo), com um modificador à direita, com dois ou três modificadores à direita e argumento formado por oração + palavra interrogativa.

Em suas conclusões, Lucchesi (2022) aponta um cenário de predomínio do haver, com quase 90% das ocorrências coletadas. Segundo o autor, o haver é praticamente absoluto nos artigos científicos, que se caracterizam por sua complexa elaboração e por sua destinação a um público especializado. “Nesse universo acadêmico, a prescrição normativa é totalmente atendida e o uso do haver como verbo existencial é praticamente exclusivo” (p. 141).

Lucchesi (2022) ratifica que análises sociolinguísticas indicam que a substituição do haver pelo ter se encontra em estágio muito avançado na fala e, com isso, pode-se inferir que o ter é o verbo existencial na gramática dos brasileiros, sugerindo uma padronização linguística no que diz respeito ao tratamento da forma do verbo existencial pelas gramáticas:

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O ter é o verbo empregado nas construções existenciais na linguagem natural dos brasileiros, predominando tanto na fala quanto na escrita informal ou com uma linguagem mais direta e mais acessível (e.g. Nos dias de hoje, ainda tem muita gente que acredita que a Terra é plana.). Contudo, seguindo a tradição, o verbo haver é predominante na linguagem formal e nos textos mais complexos e mais reflexivos (e.g. Na atualidade, ainda muitas pessoas dominadas por concepções obscurantistas e negacionistas.). Tanto o haver quanto o ter são, nessas construções, verbos impessoais, não devendo se flexionar em pessoa e número, sendo usados na forma não marcada da 3ª pessoa do singular. (Lucchesi, 2022, p. 142)

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Há de se reconhecer que a sugestão de Lucchesi (2022) é renovada e infinitamente mais apropriada do que o que tem circulado atualmente em determinadas orientações normativas, mesmo as mais modernas. Destacamos que a proposta do autor não objetivou contemplar outras construções, como, por exemplo, o uso do ter pessoal na primeira pessoa do singular com sujeito nulo, identificado por Vitório (2013b) e também por esta pesquisa, como veremos adiante.

A partir das pesquisas citadas e seus resultados preliminares, chegamos ao seguinte grupo de fatores: (g1) preenchimento do sujeito/pessoalização; (g2) preenchedores à esquerda do verbo; (g3) tempo verbal; (g4) estrutura sintagmática do argumento; (g5) caracterização semântica do argumento; (g6) sexo/gênero do informante; (g7) estado; e (g8) curso.

5. Métodos, análises e resultados

Os dados[1] foram recortados de artigos acadêmicos de Comunicação Social e Direito, extraídos de revistas eletrônicas da USP e da UFRJ, para resultados mais claros, priorizamos textos escritos por um ou, no máximo, dois autores, com formação no próprio estado de publicação da revista: São Paulo ou Rio de Janeiro. Ou seja, estamos analisando comparativamente textos acadêmicos de duas áreas cuja linguagem é instrumento de trabalho (Comunicação Social e Direito), de dois estados com amplo destaque nacional em vários aspectos (São Paulo e Rio de Janeiro.

Para análise estatística dos dados, utilizamos o pacote de programa para análise de regras variáveis já bastante conhecido da Linguística brasileira, o Goldvarb X (Sankoff, Tagliamonte, Smith, 2005).

Após coletar, baixar os arquivos em .pdf, transformá-los em documento editável (word), excluir partes pré e pós-textuais, bem como citações, foi feita uma busca de todas as formas verbais de ter e haver existenciais, totalizando um recorte de 500 palavras por artigo.

Os trechos com os dados recortados foram organizados e classificados num arquivo à parte e, posteriormente, organizados numa planilha de excel contendo todos os grupos de fatores controlados, o dado, o trecho contendo o dado, e a identificação do artigo correspondente. Também elaboramos uma tabela com a identificação dos artigos por título, nome do autor, universidade, nome da revista, região e o link para acesso ao texto original. O corpus resultante dessa pesquisa faz parte dos corpora do Projeto Pró-norma plural, que estão sendo organizados e em breve estarão disponíveis.

Das 20.200 palavras coletadas, após revisão detalhada, chegamos ao total 336 dados, 312 ocorrências de haver e 24 ocorrências de ter em construções existenciais, 93% e 7% respetivamente.

Figure 3. Tabela 01: Ter e haver existenciais em artigos acadêmicos no eixo RJ/SP Fonte: Elaboração própria

A melhor rodada do programa indica como importantes os grupos que se referem à pessoalização/impessoalização do verbo, ao tempo verbal e à região da ocorrência – Rio de Janeiro ou São Paulo (Tabelas 02, 03 e 04).

A Tabela 02 representa as ocorrências de ter pessoal em comparação com haver. Para nossa surpresa, encontramos uma forma pessoalizada de haver:

(1) em 1965, haviam pelo menos cinquenta definições diferentes...”

Figure 4. Tabela 02: Ter existencial em função da pessoalidade Fonte: Elaboração própria.

No que se refere à variável tempo verbal, a tabela a seguir demonstra ocorrência produtiva de ter existencial com o tempo presente:

Figure 5. Tabela 03: Ter existencial em função do tempo verbal Fonte: Elaboração própria.

A variável extralinguística que marca a região geográfica indicou maior número de ocorrências em São Paulo:

Figure 6. Tabela 04: Ter existencial em função da região geográfica Fonte: Elaboração própria.

A leitura dessa combinação de fatores indica (i) a existência de ocorrências de ter pessoal em construção existencial; (ii) que o presente favorece a ocorrência de ter existencial; que (iii) há mais ocorrências de ter em construções existenciais nos textos de São Paulo.

Quanto aos cursos de origem dos textos, se de Comunicação Social ou de Direito, os resultados quanto às ocorrências de ter e haver vão ao encontro da hipótese de que o curso de Direito se mostra mais conservador, mantenedor de uma norma-padrão mais distante da norma culta de uso, talvez por conta da sua tradição discursiva tão arraigada ao tradicional, ao formal e à normatização de forma geral. Na Tabela 06, temos a distribuição das ocorrências de ter existencial nos gêneros acadêmicos dos dois cursos pesquisados:

Figure 7. Tabela 05: O verbo ter existencial em função do curso Fonte: Elaboração própria.

Os resultados obtidos com relação à ocorrência do ter pessoal em construções existenciais corroboram alguns aspectos que encontramos na literatura (VITÓRIO, 2013a; VITÓRIO, 2013b) e sua análise demanda um pouco mais de aprofundamento porque relaciona (i) a questão da possibilidade de preenchimento do sujeito; (ii) a marcação de parâmetro do sujeito nulo; (iii) a presença dos pronomes nós e se, próprios do sujeito indeterminado e (iv) a preferência pelo sujeito nulo em ocorrência de ter na primeira pessoa do plural, contrariando a tendência brasileira.

Este último fator nos interessa particularmente porque, entre as 24 ocorrências de ter, encontramos 14 ocorrências (54,17%) da forma temos (13 de Comunicação Social em São Paulo e 01 do Direito do Rio de Janeiro), das quais 02 estão em início absoluto de oração e nenhuma com a realização do sujeito nós. Como exemplo, destacamos aqui quatro trechos com “temos”, dois em posição inicial absoluta:

(1) Temos aí um grafo com seis objetos, dos quais três correspondem a pessoas

(2) Temos aqui uma amostra disso.

(3) Nas séries serializadas, temos momentos de clímax em cada episódio e o momento de clímax do enredo, geralmente no último episódio...

(4) enquanto nas procedimentais temos uma estrutura similar à dos filmes, com clímax a cada ato do episódio e um clímax do enredo nas sequências finais do episódio.

Também encontramos 09 ocorrências da construção ter + se, outra forma de tornar impessoal, sendo 07 de tem-se e 02 com o pronome anteposto: se tem. Para completar os 24 dados de ter existencial, encontramos a ocorrência da forma nominal tendo. Esses resultados corroboram os estudos de Vitório (2013a, 2013b) e confirmam a tendência do PB quanto à realização de construções existenciais com o ter pessoal, mostrando que esses pronomes constituem uma importante estratégia para o preenchimento de sujeito nessas construções. O uso dessas construções indica tendência a inserir elementos tanto argumentais quanto não-argumentais na posição de sujeito gramatical, evitando que o verbo ocorra em posição inicial da sentença (Avelar, Callou, 2011).

Figure 8. Tabela 06: Formas de ter existencial encontradas na escrita acadêmica Fonte: Elaboração própria.

Deixamos ainda registrado que a variável gênero do indivíduo não permitiu visualizar diferenças quantitativas dignas de confirmação de qualquer hipótese, embora tenhamos encontrado um pouco mais ocorrências de ter existencial em textos produzidos por mulheres.

Com relação aos demais fatores, acreditamos ser relevante destacar que os índices também não mostraram diferenças expressivas, mas também não infirmaram a hipótese de desfavorecimento do ter diante de argumentos complexos em relação à estrutura sintática e também em relação à semântica do argumento, como encontramos na literatura: quanto mais estruturalmente complexos e semanticamente abstratos os argumentos, mais o haver existencial seria favorecido. Este também seria um ponto que explicaria a manutenção da norma-padrão (ainda lusitanizada) nos textos do Direito, que ainda optam por uma linguagem rebuscada, com construções complexas e muitos encaixamentos.

6. Conclusão

Os resultados que destacamos indicam que os produtores de textos acadêmicos se prendem a formatos específicos de gêneros e linguagens, corroborando a manutenção da forma mais conservadora, com forte predominância do haver existencial. De todo modo, observando a distribuição geral dos dados nos textos acadêmicos, registra-se um comportamento de regra variável, consoante a tipologia de regras (Labov, 2003). Desse modo, percebe-se que o ter existencial vem ganhando espaço e não constitui variante recusada nem sequer na escrita acadêmica.

Com esta pesquisa, constatamos que, ainda que em pouco número de dados, o ter existencial já aparece na escrita acadêmica, sobretudo de São Paulo, no recorte geográfico que fizemos, nos artigos científicos de Comunicação Social e favorecido pelo tempo verbal no presente. Além disso, mais da metade das ocorrências correspondem a ter pessoal em construções existenciais, na primeira pessoa do plural com sujeito nulo.

Confirmamos nossa hipótese de que a força normativa do haver, característico da escrita formal e monitorada, não tem conseguido frear a deriva, o curso próprio do ter existencial no português do Brasil, nem em textos acadêmicos. O ter existencial aparece mais em textos de Comunicação Social do que em textos do Direito – e sua tradição discursiva tão marcada – , e ainda de formas mais diversificadas do que podíamos supor. Assim, identificamos diferentes normas de referência sendo praticadas pela parcela mais escolarizada da população, dentre as quais convivem as propostas pela chamada norma-padrão – expressa em manuais gramaticais – , ao lado da incursão, sobretudo em textos acadêmicos da área da Comunicação Social recolhidos em São Paulo, de diferentes estruturas com ter existencial, em construções pessoais e impessoais, consoante o que já foi amplamente atestado na norma culta de uso.

Essa convivência de estruturas existenciais mesmo em textos acadêmicos, domínio típico do extremo de monitoração e letramento, no que tange ao continuum fala-escrita que fundamentou a investigação, denuncia a necessidade de que se postule uma norma de referência para a escrita que acomode flexibilidade e pluralidade (Vieira, 2019a; 2019b; Vieira; Lima, 2019; Lima, 2023) – debate que tem sido empreendido também a partir de resultados da pesquisa no âmbito do Projeto Pró-norma plural.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

A autora declara não haver conflito de interesses.

Declaração de Disponibilidade de Dados

Os dados, códigos e materiais que suportam os resultados deste estudo estão disponíveis para consulta sob demanda em drive de responsabilidade da autora.

Referências

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______. As construções existenciais na fala e na escrita. Revista Diadorim/ Revista de Estudos Linguísticos e Literários do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vol. 14, Dezembro 2013b.

WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. I. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. Trad. de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2006 [1968].

Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID761.R

Decisão Editorial

EDITOR: Silvana Silva de Farias Araújo

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5561-3179

FILIAÇÃO: Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil.

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CARTA DE DECISÃO: O artigo traz uma discussão pertinente e atual, principalmente, por abordar as relações entre a fala e a escrita, correlacionando-as a uma abordagem sociolinguística do uso variável das formas TER e HAVER com sentido existencial, fenômeno amplamente estudado no âmbito dos estudos sociolinguísticos. A autora embasa-se em uma sólida revisão da literatura acerca do fenômeno linguístico supracitado, além de focalizar de maneira eficiente o tema da norma linguística de referência no Brasil. Assim, o artigo contribui de maneira significa para os estudos linguísticos. Após a leitura dos pareceres enviados pelos revisores, somos de parecer favorável à publicação do texto no periódico CadLin..

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Marcus Garcia de Sene

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2715-5294

FILIAÇÃO: Universidade de Pernambuco, Pernambuco, Brasil.

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AVALIADOR 2: Gilce de Souza Almeida

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4077-5663

FILIAÇÃO: Universidade do Estado da Bahia, Bahia, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2024-03-11 | 01:18 AM

O artigo cujo título é “Na fala tem. Mas há na escrita?Reflexões preliminares sobre a norma de referência na escrita acadêmica” apresenta resultados preliminares acerca da variação ter e haver existenciais na escrita acadêmica de publicações de revistas eletrônicas da USP e da UFRJ, mais especificamente de um periódico sobre Comunicação Social e outro de Direito. A escolha pelos dois periódicos está embasado na necessidade de encontrar, como referência, a escrita dos falantes mais letrados da sociedade. Os resultados e as reflexões do texto visam contribuir para uma norma de referência, tal como preconiza o projeto Pró-norma plural. O texto, portanto, tem potencial para publicação; envio algumas sugestões para serem apreciadas e incorporadas a versão final: A introdução apresenta, no primeiro parágrafo, o uso de norma-padrão de referência. Para esse caso, recomendei, em comentário, a reflexão se, a essa altura, sem as conclusões mais gerais do projeto Pró-norma, será que usar o termo norma-padrão de referência seria a melhor saída para uma norma de referência que, diferente da padrão, não será abstrata? Ainda na introdução, menciona-se que são oito fenômenos elencados para investigação no Pró-norma, recomendo citá-los, ainda que em nota de rodapé. Na sequência, recomendo pensar na hierarquia das informações que justificam o porquê da escolha de ter x haver. Outra informação importante, da introdução, envolve o uso, por vezes exacerbado, de citações diretas em uma parte do texto que espera-se citações mais indiretas. Em geral, um artigo científico informa o que foi pesquisado e o porquê da investigação. Com isso, recomendo balizar um pouco o número de citações. Recomendo, também, repensar os objetivos específicos e, igualmente, a pertinência em apresentá-los em um artigo científico. Será que eles são pertinentes para esse gênero textual? Inclusive, alguns desses objetivos específicos, como o de formatar e disponibilizar o corpus para outras pesquisas do projeto e contribuir, a posteriori, com a sistematização da norma de referência sobre o uso existencial do verbo ter. Não são retomados em outras partes do texto, o que reforça a importância de retirá-los. A hipótese do trabalho precisa ser reajustada e, sobretudo, colocada noutra opção. Do modo como está posta, a hipótese fica solta. Além disso, observe que sua hipótese já afirma o aparecimento de ter existencial, quando usa “já aparece”. A hipótese deve ser algo informado e que deve ser verificado e não apresentar respostas. Em relação à seção de gêneros textuais e os contínua, o texto inicia-se com a justificativa do porquê textos acadêmicos, mas essa informação não deveria aparecer no primeiro parágrafo, especialmente do modo como foi posta. Afinal, o fato do gênero em questão estar situado na extrema direita do continuum não é suficiente, isso porque existem outros gêneros que pertencem a esse extremo, como é o caso das teses e dissertações. O texto cita apenas o texto de Vieira (2019a) quando trata do contínua: fala-escrita e monitoração estilística. Todavia, há outros estudos anteriores a esse que valeriam a pena destacar como o de Biazolli (2016). Particularmente, condensar na mesma seção método, análise e resultado acaba por sobrepor informações e deixa de explicitar outras igualmente relevantes. Recomendo refletir se não seria importante separar essas partes. Na análise, proporção tem sido confundida com frequência e algumas informações carecem de fontes para sustentar os resultados. Outro ponto importante do texto é que, na conclusão, a autora indica que necessita-se, de forma urgente, estabelecer uma norma de referência para a escrita culta que acomode a flexibilidade e pluralidade linguística. Todavia, com base nos resultados da autora, essa urgência não é atestada, afinal o caso de usos de ter existências é de 7%, frente aos 93% do haver. A pergunta que fica é, para uma norma de referência, o quanto um determinado fenômeno deve-se mostrar produtivo na modalidade escrita formal? Mais informações podem ser observadas nos comentários colocados dentro do texto. Ressalto a relevância do estudo e espero que os comentários destacados auxiliem a autora na versão final do artigo.

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AVALIADOR 2

2024-03-06 | 02:48 PM

O texto Na fala tem. Mas há na escrita? Reflexões preliminares sobre a norma de referência na escrita acadêmica, de autoria de Daniela Samira da Cruz Barros, reflete um importante esforço na investigação da variação linguística relacionada ao uso dos verbos ter e haver em construções existenciais no português brasileiro em contextos de escrita monitorada. Fundamentado em pressupostos da Sociolinguística Variacionista, o estudo se baseia em ocorrências coletadas em artigos acadêmicos, visando avaliar em que medida essa alternância se manifesta na produção escrita acadêmica e que fatores a condicionam.

Para aprimorar a qualidade da argumentação e garantir a fluidez da leitura, algumas melhorias são necessárias. Primeiramente, é recomendável uma revisão minuciosa da redação – levando em consideração as orientações apresentadas no arquivo em anexo –, com o intuito de eliminar possíveis redundâncias, inconsistências, problemas de coesão e desvios gramaticais que possam comprometer a clareza do texto. Em relação à coesão, observa-se que em alguns momentos ocorrem transições abruptas entre orações, períodos ou parágrafos, dificultando o estabelecimento de uma adequada relação lógico-semântica. Essa dificuldade é evidenciada, por exemplo, na transição do primeiro para o segundo período do resumo, assim como entre o segundo e o terceiro período e entre este último e o quarto período do resumo não especializado.

No que diz respeito à revisão gramatical, destaca-se a necessidade de atenção especial aos períodos muito longos, que comprometem a fluidez da leitura. Outras ocorrências que necessitam de revisão estão devidamente notificadas no arquivo anexado a este parecer. Quanto à conformidade com as normas de formatação de trabalhos acadêmicos, é recomendável revisar o espaçamento entre linhas nos títulos e indicativos de fontes de figuras e tabelas, bem como a organização das referências. Alguns itens na lista de referências não foram mencionados ao longo do texto, enquanto outros foram citados, mas não estão incluídos na lista.

Após essas considerações sobre o aspecto formal, passamos agora aos comentários relacionados ao conteúdo e à argumentação do texto.

Ao apresentar o objeto de estudo – as construções existenciais com ter e haver –, na introdução, julga-se pertinente definir esse tipo de ocorrência, incluindo exemplificação.

Na definição do objetivo geral – “verificar se o ter existencial tão presente na fala dos brasileiros já consta da escrita acadêmica, formal e mais monitorada” (p. 05) –, há uma falta de alinhamento com esta informação anterior: “apesar de predominar na fala brasileira inclusive de pessoas mais escolarizadas em situações mais formais como demonstram as pesquisas de Callou e Avelar (2000), Avelar (2006), Vitório (2010), Lucchesi (2022)” (p. 04). Essa informação já aponta o uso de ter em situações monitoradas no PB, assim, para justificar melhor a relevância do estudo, é bom mencionar no objetivo que, embora seja amplamente utilizado na fala, inclusive em contextos de maior formalidade e monitoramento, o verbo ter com sentido existencial ainda não foi suficientemente explorado na escrita acadêmica, que geralmente segue normas mais monitoradas.

Recomenda-se que na introdução do texto sejam incluídas: informações sobre o suporte teórico utilizado, destacando, pelo menos, a teoria e os autores principais; aspectos da metodologia do trabalho, situando o leitor sobre os gêneros pesquisados, a quantidade de textos utilizados, entre outros detalhes relevantes; uma breve descrição das seções subsequentes. Esses ajustes contextualizarão melhor o estudo e a orientarão os leitores sobre o que será tratado ao longo do texto.

A existência da seção Contribuições da Sociolinguística Laboviana só se justifica se for apontado na introdução que esta é a teoria que fundamenta o estudo. Ainda nessa seção, na caracterização da Sociolinguística Laboviana, convém fazer uma afirmação mais assertiva em vez de recorrer à expressão “tenta estabelecer", que pode indicar uma ideia de incerteza ou mera tentativa, o que não condiz com uma teoria já consolidada. Seria mais apropriado afirmar que a Sociolinguística Variacionista Laboviana estabelece uma correlação entre a estrutura linguística e a estrutura social.

Na seção Gêneros textuais e os continua, é relevante explorar as diferenças entre a visão dicotômica e aquela que considera as interações em um continnum, o que pode ser feito por meio de exemplificação. Orienta-se também a inserção de uma breve conclusão para a seção.

Na seção Revisão dos estudos brasileiros sobre ter e haver existenciais, ao mencionar os resultados do trabalho de Callou e Avelar (2000), sugere-se: um pouco mais de esclarecimento em relação ao item ii – “(ii) a possibilidade de a eliminação do haver estar relacionada com a incapacidade de projeção de um sujeito, visto que identificam também o aumento na frequência de sujeitos lexicais” (p. 13); apontar as hipóteses assumidas pelos autores para explicar os resultados.

O texto faz uma breve reflexão sobre o caráter conservador/inovador do português brasileiro e, a despeito de estar explícito que isso foge aos seus objetivos, é valioso mencionar os autores que já se debruçaram sobre a análise da ideia de ser o PB uma língua com traços conservadores, a exemplo de Celso Cunha (1985) em Conservação e inovação no português do Brasil.

Ao fazer referência ao Projeto NURC (p. 12), o texto sugere que o projeto se ocupou apenas da norma do Rio de Janeiro. É importante eliminar esse equívoco, registrando que a proposta do NURC foi mapear a norma urbana culta em cinco cidades brasileiras com um mínimo de um milhão de habitantes: Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

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RODADA 2

AVALIADOR 1

2024-04-01 | 03:33 PM

Todos os ajustes foram devidamente atendidos. Parabenizo a professora Samira pelo desenvolvimento do trabalho e desejo sucesso!

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AVALIADOR 2

2024-04-22 | 07:02 PM

O artigo Na fala tem. Mas há na escrita? Reflexões preliminares sobre a norma de referência na escrita acadêmica apresenta uma análise crítica e bem fundamentada das construções existenciais com os verbos "ter" e "haver" na escrita acadêmica, demonstrando um domínio consistente do tema e uma abordagem reflexiva sobre as questões normativas do português do Brasil. Diante da relevância do tema, da consistência dos resultados apresentados e da contribuição que o texto pode trazer para o campo dos estudos sobre a normatização do português no contexto brasileiro, recomendo a publicação.

Resposta dos Autores

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.V5.N2.ID761.A

RODADA 1

2024-05-27

Prezados revisores e editores,

agradeço muitíssimo pelas orientações e sugestões. Fiz todas as inclusões sugeridas, as quais seguem abaixo, destacadas em vermelho. Uma nova versão foi postada no Zenodo e o artigo segue com alterações e DOI atualizado.

Agradeço mais uma vez e sigo à disposição.

Daniela Samira

1. 01 E 02 (PRECISAMENTE SOBRE O RESUMO E O RESUMO ESPECIALIZADO)

RESUMO

A norma-padrão idealizada no Brasil vem de uma origem lusitanizada e, desde o início de sua implementação na nossa cultura, já estava fadada ao fracasso por estar totalmente distante do senso linguístico dos mais de 80% de analfabetos que habitavam o país no final do século XIX, ou seja, já nasceu sem ressonância social, ambientada em contexto de uma pequena elite letrada (Faraco, 2023). Essa discrepância entre norma-padrão e língua real evidenciou ainda mais as diferenças existentes entre o português europeu e o português brasileiro e alguns fenômenos sempre foram facilmente identificados como exemplos disso. O uso de ter e haver em contextos existenciais é sempre apresentado como um dos aspectos que permitem distinguir a norma portuguesa e a norma brasileira (Callou; Avelar, 2000). Ter e haver sempre concorreram no Português e existem muitos estudos relatando as mudanças diacrônicas dessa dupla. O que vemos atualmente é uma preferência, quase categórica, pelo verbo ter em detrimento do verbo haver na fala brasileira (Callou; Avelar, 2000; Lucchesi, 2022).

RESUMO NÃO ESPECIALIZADO

A norma-padrão idealizada no Brasil tem origem em Portugal e, desde o início de sua implementação já estava fadada ao fracasso por estar totalmente distante do que era praticado por mais de 80% de analfabetos que habitavam o país no final do século XIX. A norma-padrão já nasceu distante da língua real praticada pela sociedade brasileira e alguns fenômenos sempre foram facilmente identificados como exemplos disso. O uso de ter e haver em contextos existenciais é um dos aspectos que permitem distinguir a norma portuguesa e a norma brasileira e, por isso, os usos dos verbos ter e haver sempre foram objeto de estudos linguísticos, os quais evidenciam, no contexto brasileiro atual, uma preferência pelo verbo ter em construções existenciais. Nosso objetivo é verificar se o verbo ter aparece em construções existenciais na escrita acadêmica, por isso, os dados que analisamos para este trabalho foram extraídos de revistas online dos cursos de Comunicação Social e Direito, da USP e da UFRJ. Os resultados indicam que o verbo ter com sentido existencial vem ganhando espaço na escrita de universitários brasileiros, apesar de não estar descrito na gramática tradicional, o que fortalece a crença de que além da norma-padrão prescrita pela gramática tradicional, existem outros padrões que servem como referência de uso da língua. A ideia de norma de referência amplia o conceito de norma-padrão ao indicar que a língua é plural e variada até mesmo na escrita, o que pode contribuir imensamente para os estudos de gramática nas escolas e universidades brasileiras.

2. A REVISÃO NA PÁGINA 06, ACRESCENTANDO INFORMAÇÕES PARA CONSTAR NA SEÇÃO INTRODUTÓRIA DO ARTIGO

Partindo da hipótese de que a força normativa de haver, característico da escrita mais formal e monitorada, talvez não seja suficiente para frear a deriva, ou seja, o curso próprio do ter existencial no português do Brasil, o objetivo geral desta pesquisa verificar se o ter existencial, tão presente na fala dos brasileiros, já consta da escrita acadêmica. – domínio típico do extremo do continuum de monitoração e letramento.

Estamos tratando de uma mudança em curso e, por isso, no capítulo 1, apresentamos como suporte teórico desta investigação os pressupostos da Sociolinguística Laboviana (Weinreich; Labov; Herzog; 2006 [1968]), lembrando que a possibilidade de estudar a mudança linguística em progresso fez Labov rever a ideia, até então predominante, de que a mudança linguística só poderia ser investigada após estar concluída. A partir disso, Labov passou a entrever a mudança em progresso na variação observada num dado momento, o que o autor definiu como o estudo da mudança em tempo aparente, através da análise de um recorte transversal na amostra. Era preciso também inserir a variação no sistema linguístico para que ela fosse objeto de análise linguística sistemática, rompendo com a visão estruturalista (de que tal sistema seria homogêneo).

No capítulo 2, apresentamos reflexão atualizada sobre estudos de norma e diversidade no contexto brasileiro (Lucchesi, 2015; Vieira; Lima, 2019), revisitamos os conceitos de norma e enfatizamos o uso, neste trabalho, da expressão norma de referência, a partir da perspectiva de Faraco (2008, 2015, 2023) de que existem no Brasil outros padrões de referência se sobrepondo à norma-padrão

Para justificar nossa escolha pela escrita e pelos gêneros acadêmicos, no capítulo 3, apresentamos a relação entre os gêneros textuais e os continuum fala-escrita e monitoração estilística (Marcuschi, 2011; Vieira, 2019a).

No capítulo 4, promovemos ampla revisão da literatura sobre a alternância dos verbos ter e haver na fala a e na escrita brasileiras (Callou; Avelar, 2000; Avelar, 2006; Vitório, 2010, 2011, 2012, 2013ab; Lucchesi, 2022) e suas contribuições para chegarmos aos nossos parâmetros investigativos, como variáveis controladas, por exemplo.

Por fim, no capítulo 5, apresentamos os métodos e análise de dados. Optamos por trabalhar com gêneros textuais discursivos do domínio acadêmico, ou seja, textos da escrita mais monitorada, publicados em revistas eletrônicas de duas renomadas universidades do eixo Rio-São Paulo (UFRJ e USP). Corroborando com a ideia da escrita mais monitorada, investigamos duas áreas do conhecimento que trabalham diretamente com a linguagem: Comunicação Social e Direito. Para isso, recortamos cerca de 20.200 palavras, sendo mais ou menos 500 palavras de cada um dos 40 artigos que selecionamos (10 de Comunicação Social da USP, 10 de Direito da USP, 10 de Comunicação Social da UFRJ, 10 de Direito da UFRJ).

3. PÁGINA 08, SEGMENTANDO O PARÁGRAFO EM DOIS PERÍODOS, DEIXANDO-O COM MAIOR FLUIDEZ E CLAREZA

Parágrafo reestruturado:

Desse modo, norma-padrão brasileira já nasceu problemática, afastada da nossa norma culta/comum/standard real. Por isso, nossa norma-padrão sempre foi alvo de preocupação, desde que os modernistas denunciaram sua inadequação e inspiraram alguns autores, ao longo do tempo, a problematizarem a questão – sobretudo gramáticos, a partir da segunda metade do século XX. A flexibilização resultante desses questionamentos produziu a chamada “norma gramatical, ou seja, o conjunto de fenômenos apresentados como cultos/comuns/standard por esses gramáticos”. (Faraco, 2008)

How to Cite

DA CRUZ BARROS, D. S. Na fala tem. Mas há na escrita? Reflexões preliminares sobre a norma de referência na escrita acadêmica. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 5, n. 2, p. e761, 2024. DOI: 10.25189/2675-4916.2024.v5.n2.id761. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/761. Acesso em: 2 jul. 2024.

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