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Editorial

Introduction

Angela Chagas

Universidade Federal do Pará image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-4925-1711

Ana Vilacy Galúcio

Museu Paraense Emílio Goeldi image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0003-0168-1904


Keywords

Introduction

Abstract

Introduction to the first issue of the fifth volume of Cadernos de Linguística.

Apresentação

As línguas indígenas representam uma parcela importante do patrimônio linguístico-cultural da humanidade. No entanto encontram-se seriamente ameaçadas, como resultado de um processo histórico de silenciamento. No decorrer dos últimos cinco séculos, as línguas originárias do Brasil têm sido sistematicamente extintas. Estimativas dão conta de que cerca de 80% da diversidade cultural, étnica e linguística nativa do Brasil foi perdida/silenciada desde a invasão europeia.

Pelo menos desde a segunda metade do século XX, linguistas, antropólogos, sociólogos e educadores vêm trabalhando junto com as comunidades indígenas, na tentativa de cessar ou, ao menos, retardar o processo de perdas linguísticas no Brasil. Mas, o mais importante é a atitude da comunidade indígena com respeito à sua língua nativa, ou seja, se ela está realmente disposta a retomar ou garantir a vitalidade desta no seio de sua vida cotidiana. Nesse sentido, existe um movimento de retomada/revitalização das línguas originárias lideradas pelos próprios povos indígenas que tem ganhado força no país nos últimos anos, a exemplo do que já vem se realizando em outros países com contextos semelhantes. Iniciativas dessa natureza encontram-se atualmente em curso nas várias regiões do país e possuem características específicas, conforme a realidade, disponibilidade de recursos e as experiências de cada povo envolvido.

Este volume da Revista Cadernos de Linguística (Vol. 5, No. 1 – Ano: 2024), dossiê temático “Viva Língua Viva II”, organizado por Ana Vilacy Galúcio (MPEG) e Angela Chagas (UFPA), reúne 14 artigos que tratam fundamentalmente de projetos e experiências de revitalização e manutenção linguísticas, que resultam de comunicações orais e palestras apresentadas no II Seminário Internacional Viva Língua Viva, ocorrido de 22 a 25 de novembro de 2022, na Universidade Federal do Pará, na cidade de Belém. A realização do evento foi uma parceria entre a Universidade Federal do Pará (UFPA), o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN). O título do evento “Viva Língua Viva” faz referência à sobrevivência de línguas ameaçadas de extinção e também exalta a importância da resistência e preservação linguística num contexto histórico e político que promove o seu silenciamento nos vários sentidos deste termo.

O Seminário teve como principal objetivo chamar a atenção para a situação de baixa vitalidade de grande parte das línguas dos povos originários e para a necessidade de investimentos e de valorização dos processos de revitalização linguística. O evento teve como tema “Revitalização de Línguas: Por que e como fazer?”  buscou dar a devida visibilidade a experiências do Brasil e de outras partes do mundo, que intentam preservar e revitalizar línguas ameaçadas de extinção, destacando a importância de se garantir sua sobrevivência.

O evento contou com a participação de membros de 33 etnias indígenas brasileiras, a saber: Apalai, Apurinã, Apyãwa-Tapirapé, Aruã, Ãwa-Canoeiro, Baniwa, Baré, Djeoromitxi, Galibi-Kali'na, Galibi-Marworno, Gavião-Akrãtikatêjê, Haliti Paresi, Ikpeng, Kaingang, Kambeba, Karajá, Karipuna, Kokama, Macuxi, Munduruku, Mỹky, Puruborá, Rikbaktsa, Sakurabiat, Tembé, Terena, Tikuna, Tukano, Wai Wai, Wapichana, Warao, Wayuru e Xakriabá.

Os indígenas marcaram sua presença de diferentes formas, isto é, com apresentação de Palestras, de Comunicações Orais, de Pôsteres, de Oficinas, sempre sobre a temática relativa à preservação, revitalização e retomada de línguas indígenas e minorizadas. Houve também os que participaram como ouvintes e tiveram a oportunidade de aprender com as experiências relatadas por outros indígenas.

Além de membros de povos originários, o evento reuniu também professores e pesquisadores não indígenas de diversas instituições nacionais e internacionais que atuam junto a povos originários e desenvolvem trabalhos de base comunitária visando a manutenção das línguas envolvidas em distintos projetos.

A proposta deste dossiê justifica-se como uma oportunidade de divulgar ainda mais as experiências compartilhadas durante o II Seminário Viva Língua Viva, de modo que elas possam alcançar um público ainda mais amplo, de indígenas ou não indígenas que tenham interesse em conhecer, se embasar ou até mesmo replicar projetos aqui apresentados.

Uma dessas experiências é a relatada por Nivaldo Korira’i Tapirapé, em “TAKÃRA: O CENTRO DE DIFUSÃO DA LINGUAGEM RITUALIZADA” que desenvolveu um projeto sobre a importância da Takãra (casa cerimonial) como espaço central de difusão da linguagem ritualizada presente nas regras de organização de eventos culturais do povo Apyãwa. O artigo mostra quanto o conhecimento dessa linguagem ritualizada é fundamental para a manutenção e o fortalecimento da epistemologia sociocultural do povo Apyãwa.

O trabalho de Francisco Apurinã “OS APURINÃ KUSANATY: DIPLOMATAS E GUARDIÕES DO PLANETA interessa a especialistas da área da linguagem e à sociedade de modo geral, uma vez que, traz para a discussão - fundamentada em dados - questões atuais, envolvendo o clima, a preservação e o respeito à diversidade, incluindo a liberdade de pensamento. Escrito por um autor pesquisador antropólogo indígena, membro da comunidade Apurinã, o artigo é baseado em entrevistas com outros membros da comunidade e traz também a visão do autor, enquanto membro da comunidade e acadêmico, buscando retratar a cosmologia do povo indígena Apurinã, relacionando a cosmovisão do mundo Apurinã ao papel que esse povo desempenha como preservadores da natureza e do meio-ambiente.

O artigo “A LÍNGUA KHEUOL FALADA NA ALDEIA SAMAÚMa”, de Leridiane Benamor Anicá, apresenta um diagnóstico sociolinguístico da aldeia Samaúma, localizada na Terra Indígena Uaçá (T.I. Uaçá), na região do município de Oiapoque-AP. A pesquisa baseia-se no questionário do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O artigo é de grande contribuição para a área da Sociolinguística, do estudo de línguas e culturas indígenas, além de servir como referência para outros autores indígenas, poia além de trazer os dados do diagnóstico, apresenta a metodologia e o relato de experiência do trabalho realizado por um membro da comunidade linguística-alvo, o que, entre outros fatores, permite uma melhor avaliação, por parte da autora, da situação sociolinguística da aldeia. Assim, consideramos que o presente. O relato de experiência trazido por Waraxowo'i Maurício Tapirapé “POLÍTICAS LINGUÍSTICAS ATRAVÉS DE PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS NOVAS DO POVO APYÃWA”, fala sobre a situação multilíngue vivenciada pelos Apyãwa (Tapirapé) especificamente com relação à entrada de empréstimos da língua portuguesa na sociedade Apyãwa. O autor relata a experiência e os resultados alcançados com o desenvolvimento de uma iniciativa centrada em atividades de pesquisa, ensino escolar e discussão comunitária sobre a percepção de seu povo em relação ao uso de palavras emprestadas do português do Brasil pela comunidade Apyãwa e como essa situação poderia afetar a aprendizagem e o uso da língua Apyãwa. O trabalho relata as políticas e as práticas que o povo Apyãwa utilizou para resolver essa questão, de modo a poder falar sobre tecnologias recentes e/ou itens culturais novos, sem precisar usar palavras emprestadas do português. Essa política envolve a criação de neologismos na língua Apyãwa para se referir a itens culturais novos que foram adotados pelos Apyãwa, além de atividades no ambiente escolar e outros ambientes comunitários para reforçar o uso dos neologimos, em vez de usar empréstimos do português.

O artigo de Glauber Romling, Gelsama Mara dos Santos, Amanda C. Carvalho, Janina dos S. Forte e Jaciara S. da Silva, “DICIONÁRIO ONLINE DAS VARIEDADES KHEUÓL DO UAÇÁ, KARIPUNA E GALIBI-MARWORNO”, apresenta uma importante iniciativa de um grupo de pesquisadores indígenas e não indígenas para documentar e descrever a língua Kheuól , falada e compartilhada por dois povos de origens bastante distintas, os Karipuna e os Galibi-Marworno, que habitam a Terra Indígena do Uaçá (Oiapoque-AP), na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. O artigo trata do processo de construção do Dicionário Online do Kheuól do Uaçá (DOKH), um subprojeto do Projeto de Documentação de Línguas do Museu do Índio (FUNAI/UNESCO).

Evangelina S. S. Jeanjacque, Evilania B. da Cunha, Nicole S. L. da Silva, Kassia A. L. M. Galiby e Gelsama Mara dos Santos, no artigo “o renascimento da lingua KALI'NA TELEWUYU”trazem um importante relato de uma ação extensionista envolvendo a língua Kali'na, em que apresentam estratégias e políticas linguísticas criadas pelos próprios indígenas Kali'na do Brasil com vistas à elaboração de materiais didáticos escolares. O texto traz informações sobre a coleta e a compilação de narrativas Kali'na, em áudio e vídeo, e o trabalho realizado pelos pesquisadores indígenas na transcrição e tradução desses materiais, o que tem trazido efeitos positivos para a revitalização da língua e, principalmente, para promover o interesse pelo fortalecimento linguístico em seu contexto de uso. O texto toca em um tema fundamental para comunidades indígenas que é a revitalização linguística, buscando incentivar e instrumentalizar as pessoas para documentarem sua língua.

A contribuição de Angela Chagas, Korotowi Taffarel e Maiua Txicão, “CONTRIBUtions of the linguistic DOCUMENTAtion to the strengthening of the IKPENG language at school”, apresenta uma visão abrangente do projeto PRODOCLIN-Ikpeng, detalhando seus objetivos, metodologia, impacto e implicações, juntamente com insights sobre iniciativas de documentação baseadas na comunidade. Acrescenta significativamente ao conhecimento sobre metodologias de documentação linguística, fornecendo lições valiosas para sua aplicação em projetos semelhantes.

Clédson Mendonça Jr., Ana Paula Q. Gomes, Betire Kayapó e Dilcilene da Silva Menezes abordam a importância de se valorizar as línguas indígenas e preservar seus territórios e culturas, especificamente o caso Mebêngôkre, num artigo intitulado “ME KUNĪ UMARI: NETWORKED FOR THE LINGUISTIC RIGHTS OF MEBÊNGÔKRE (KAYAPÓ) IN SÃO FÉLIX DO XINGU – PA”. O trabalho apresenta um panorama sobre a cooficialização da língua Mebêngôkre em São Félix do Xingu-PA. O texto apresenta ainda outras frentes em que a ação de extensão Me Kunī Umari tem atuado como, por exemplo, na intermediação de ações da gestão pública municipal em relação à lei de cooficialização, na colaboração com a educação escolar indígena e na promoção de atitudes que visem a valorização e reconhecimento do povo e da língua Mebêngôkre, apontando para a presença da língua já em alguns ambientes institucionais, para além das aldeias e da esfera escolar indígena. O artigo é um importante exemplo de ações tomadas em favor da cooficialização de línguas originárias do Brasil.

Em “sobre os sentidos de vitalidade: revisando o atlas das linguas em perigo (UNESCO) à luz de experiências indígenas LOCAis”, Beatriz de Oliveira, Vanessa Sagica e Cristine G. Severo problematizam os significados de vitalidade adotados no Atlas das Línguas em Perigo da UNESCO (1996), no âmbito das línguas indígenas, dando especial atenção às categorizações que envolvem os diferentes graus de perigo e seus nove parâmetros de classificação, adotados no referido Atlas. Assim, promovem um debate acerca dos limites dos sistemas de nomeação e classificação que, muitas vezes, estão pautados em uma perspectiva eurocêntrica, sem levar em conta a realidade indígena. O texto contribui com estudos ligados à revitalização linguística e às políticas linguísticas, chamando a atenção para a necessidade de trazer para os sistemas de classificação relativos à vitalidade das línguas indígenas parâmetros que reflitam seus costumes, práticas e visões de mundo.

No artigo “O PROCESSO DE RECOLHA COMO ESTRATÉGIA DA POLÍTICA DE REAPROVEITAMENTO NHEENGATU NO BAIXO TAPAJÓS” de Sâmela R. da Silva Meirelles, é um recorte da tese de doutorado da autora intitulada “A reinscrição de uma língua destituída: o Nheengatu no Baixo Tapajós” e traz um cruzamento bem estruturado de dados da historiografia oficial com memórias dos povos indígenas no Baixo Tapajós e fatos recentes e contextualizados da história da região. O discute o papel de rememoração da língua no processo de retomada linguística e cultural da língua Nheengatu na região do Baixo Tapajós e a conexão entre esse trabalho e as ações políticas ocorridas na região. O artigo defende a tese que a memória coletiva é um aspeto central para a constituição da identidade indígena. Considerando a história do Nheengatu na Amazônia, este artigo é relevante para linguistas, antropólogos e demais estudiosos e interessados no tema de retomadas linguísticas e culturais, assim como para leitores interessados em questões relacionadas á sociolinguística e questões de identidade.

A proposta de Ana Paula S. Rodrigues e Manoel Antônio de O. Silva – “os cantos XAKRIABÁ e a recuperação da lingua AKWE᷉” – trata da retomada da língua Xakriabá, através dos cantos tradicionais do povo.  O texto descreve iniciativas de outros pesquisadores que contribuem para a retomada da língua nas comunidades através de estratégias diversas.  A partir desse retrato, o texto faz uma importante reflexão sobre o lugar da língua originária, que foi substituída pelo português. É tema de interesse para o campo da política linguística e da antropologia linguística.

A experiência compartilhada por Matheus A. R. Soares, Douglas da C. Rodrigues Jr. e Ana Vilacy Galúcio, cujo título é “A DICIONARIZAÇÃO COMO FERRAMENTA DE REVITALIZAÇÃO DE LÍNGUAS AMEAÇADAS: DOIS RELATOS DE EXPERIÊNCIA”, apresenta uma abordagem inovadora e significativa no âmbito da revitalização linguística, com foco na elaboração de dicionários bilíngues multimídia para as línguas dos Puruborá e dos Sakurabiat, duas comunidades originárias cujas línguas estão entre as mais ameaçadas na região de Rondônia. A discussão apresentada destaca a importância desse tipo de material par a revitalização das línguas e, sobretudo, para o uso dos próprios falantes indígenas e é relevante para as comunidades indígenas e para demais pesquisadores interessados no tema da documentação de línguas aliada à revitalização

No artigo “FORTALECIMENTO DA LÍNGUA E CULTURA INDÍGENAS: PROJETO CASHINAHUA (2006-2011)”, as autoras Sabine Reiter e Eliane Camargo apresentam um relato de experiência com o povo Caxinauá, grupo que vive na área fronteiriça entre o Brasil e o Peru e refletem sobre as ações realizadas inicialmente no âmbito do Programa DobeS (Dokumentation bedrohter Sprachen) e que depois se estendeu durante um longo período de pesquisa, evidenciando a importância de ações educativas de forma continuada, a fim de gerar resultados mais duradouros.

O artigo de Walber G. de Abreu, chamado “ANÁLISE FONOLÓGICA COMPARADA DA LÍNGUA DE SINAIS TERENA E DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS”, investiga as semelhanças e as diferenças fonológicas dos sinais de duas línguas: Língua Terena de Sinais (LTS) e Língua Brasileira de Sinais (Libras). Por trazer questões relativas a uma língua de sinais indígena, objeto de pesquisa ainda muito pouco explorado pelos estudiosos da área, o artigo torna-se de grande importância tanto para o campo de estudo das línguas indígenas, como das línguas de sinais.

A contribuição de Camiel Hamans, Hein van der Voort, Katia Silene Costa Valdenilson & Miguel Oliveira, Jr. aborda um tema inovador, já que muito pouco explorado dentro da Linguística, a saber: o valor econômico das línguas ameaçada – conforme indicado no próprio título: “THE ECONOMIC VALUE OF ENDENGERED LANGUAGES”. O texto contrapõe-se à ideia naturalizada e recorrente que "a preservação de línguas ameaçadas não proporciona qualquer benefício econômico para sociedade", o artigo busca problematizar e demonstrar a partir de uma análise que relaciona monolinguismo, identidade cultural e dinâmicas econômicas como tais línguas podem contribuir não apenas para a diversidade linguística e cultural, mas também para manutenção da biodiversidade do planeta. Desta forma a partir de discussões de contextos históricos e linguísticos da França, Canadá, África e Noroeste Amazônico, os autores refletem sobre o lugar que as línguas ameaçadas podem ocupar. Ampliando a discussão de como o conhecimento destas línguas pode ser importante para a indústria ou para a bioeconomia.

Além dos projetos apresentados que tratavam fundamentalmente de experiências de revitalização e manutenção linguística, outro resultado importante decorrido do II VLV foi a elaboração da “CARTA DE BELÉM DAS LÍNGUAS DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL” em que o Grupo de Trabalho Nacional para a Década Internacional das Línguas Indígenas, os membros dos 33 povos indígenas presentes, linguistas, e representantes das instituições apoiadoras (UFPA, MPEG, ABRALIN) organizações indígenas, entidades governamentais e não-governamentais reunidos no referido evento reivindicam ações junto ao Ministério dos Povos Originários, com base nas legislações vigentes que amparam e garantem a promoção das línguas indígenas.

O presente Dossiê Temático traz também a publicação, na íntegra, da Carta supramencionada, que pode ser lidas nas páginas subsequentes:

CARTA DE BELÉM DAS LÍNGUAS DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (II SEMINÁRIO INTERNACIONAL – VIVA LÍNGUA VIVA)

Os povos indígenas, os líderes, os governantes e organizações governamentais e não-governamentais do mundo estão sendo convocados pela UNESCO para se unirem na Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) em prol da manutenção, do fortalecimento, da vitalização, da revitalização, da retomada das línguas indígenas, como alternativa para frear o desequilíbrio global que impacta diretamente a vida dos seres vivos do planeta.

Destacamos, com relação a esse desequilíbrio global, o processo acelerado de extinção, desaparecimento, adormecimento das línguas e, especialmente, das línguas indígenas no século XXI. Todos esses fatores estão diretamente relacionados com a vida no planeta. A cada árvore queimada, a cada rio poluído, a cada solo destruído, a crise climática global se intensifica.

Diante desse momento preocupante, os povos indígenas sabem que as línguas indígenas fazem parte da espiritualidade e da vida da Mãe Terra, e que constituem o mesmo corpo: o corpo da nossa grande Mãe Terra.

Diante das ameaças às culturas e línguas indígenas, precisamos incorporar a luta em defesa das línguas indígenas à luta em defesa e demarcação dos nossos territórios originários, pois as línguas indígenas não estão dissociadas do território, da espiritualidade, do bem-estar de seus falantes; as línguas indígenas são a memória do nosso povo, que guia e nos orienta através de nossos ancestrais; as línguas indígenas expressam conhecimentos milenares, resistência, história e nossas culturas ancestrais.

O Grupo de Trabalho Nacional para a Década Internacional das Línguas Indígenas, 33 povos indígenas, lideranças, anciãos, especialistas, linguistas, além de instituições apoiadoras, parceiros, organizações indígenas, entidades governamentais e não-governamentais reunidos no 2º Seminário Internacional Viva Língua Viva, organizado pela Universidade Federal do Pará, Museu Paraense Emílio Goeldi e Associação Brasileira de Linguística, realizado na cidade de Belém (PA) entre os dias 22 a 25 de novembro de 2022, reivindicam ações junto ao Ministério dos Povos Indígenas com base nas legislações vigentes que amparam e garantem a promoção das línguas indígenas. Reconhecemos que é fundamental partirmos do que já está disposto nos artigos e nos documentos oficiais do Brasil que dispões sobre as dimensões linguísticas dos povos indígenas, bem como os documentos oficiais da Unesco, citadas abaixo:

Artigos da OIT 169:

Artigo 2.

1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade;

Artigo 28.

3. Deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e prática das mesmas;

A Lei 9394/96 Sobre o direito a educação diferenciada;

Artigo 231 da Constituição Federal 1988 que discorre sobre:

O direito à língua, tendo em vista as distintas dimensões cosmológicas de cada povo e a necessidade da presença da língua indígena em todos os âmbitos da vida das comunidades indígenas para a promoção da paz, da justiça e do bem viver dos povos indígenas;

Deve-se garantir o atendimento adequado aos povos indígenas no âmbito da saúde, da justiça, da sua economia. Bem como a plena comunicação com os anciãos na sua língua para a garantia da saúde, dos saberes, do aprendizado do mundo e a promoção do bem viver.

O Atlas das línguas em perigo (UNESCO, 2010), que aponta para a necessidade de uma atenção específica, com estratégias e metodologias de ensino e aprendizagem de línguas que fortaleçam a transmissão intergeracional pensada para além da sala de aula ou do espaço escolar.

A Década Internacional das Línguas Indígenas, com apoio da UNESCO e outras organizações nacionais e internacionais.

O Plano de Ação Global para a Década Internacional de Línguas Indígenas (UNESCO, 2022);

O Plano de Ação Nacional para a Década de Línguas Indígenas (BRASÍLIA, 2021); Nesse sentido, nossas considerações e reivindicações se norteiam a partir de três eixos: a inexistência de políticas linguísticas para a diversidade das línguas indígenas por parte do estado brasileiro, cujo tratamento das línguas indígenas, historicamente, tem ficado restrito ao âmbito da educação escolar indígena, o que não é suficiente para frear o processo de extinção/silenciamento das línguas indígenas; a necessidade de políticas de Estado para as línguas e ensino de línguas indígenas; o apoio das instituições, organizações indígenas, lideranças, anciãos, associações, federações é fundamental para a promoção das línguas indígenas para além das comunidades.

REIVINDICAMOS

• Criação do Departamento de Políticas Linguísticas dentro do Ministério dos Povos Indígenas para a promoção das línguas indígenas, com equipe técnica multidisciplinar com o foco em línguas indígenas;

• Criação do Fundo Nacional para a Promoção das Línguas Indígenas. Articulação com outras instituições de governo que trabalham com políticas de línguas (como as secretarias educacionais, Funai e Iphan);

• Integração real entre as instâncias de governo (municipal/estadual/federal), com o objetivo de garantir o reconhecimento, valorização, fortalecimento e preservação das línguas indígenas com fiscalização do repasse de recursos para essas instâncias de governo;

• Mudanças na Educação Escolar para garantir o multilinguismo – inclusive nas avaliações nacionais (p.ex. provinha Brasil);

• Fortalecer a transmissão intergeracional de línguas indígenas, o número absoluto de falantes, ampliar espaços em que se fala a língua indígena, como TV, rádio e outras mídias e linguagens digitais;

• Mudanças para que haja respeito à dignidade dos povos indígenas, que o sistema se adeque ao dia a dia da educação dos povos, e não o contrário.

Esta carta é o resultado da articulação do Grupo de Trabalho Nacional para a Década Internacional das Línguas Indígenas e seus apoiadores em uma construção coletiva e colaborativa, reunindo propostas voltadas à promoção, valorização, reconhecimento, difusão e vitalização das línguas indígenas brasileiras. Finalizamos reafirmando o lema da Década Internacional das Línguas Indígenas: “Nada para nós sem nós”. Que nenhuma política para os povos indígenas se estabeleça mais nesse país sem a participação efetiva dos povos indígenas nos processos de tomada de decisão, consulta, planejamento e implementação. Viva as línguas indígenas!

Belém, 25 de novembro de 2022.

Listamos abaixo os povos indígenas representados nesse evento. Em anexo segue a assinatura dos representantes desses povos e demais participantes do 2º Seminário Internacional Viva Língua Viva:

1. Terena,

2.Kaingang,

3.Apalai,

4.Djeoromitxi,

5.Baniwa,

6. Tikuna,

7.Tembé,

8.Baré,

9.Tukano,

10. Galibi Kali'na,

11.Apurinã,

12.Macuxi,

13.Kambeba,

14.Rikbaktsa,

15.Galibi-Marworno,

16.Karipuna,

17.Wayuru,

18 Ãwa-Canoeiro,

19.Ikpeng,

20. Kokama,

21.Karajá,

22.Xakriabá,

23.Puruborá,

24.Wapichana,

25.Apyãwa-Tapirapé,

26.Sakurabiat,

27.Wai Wai,

28.Mỹky,

29.Munduruku,

30.Aruã

31.Gavião-Akrãtikatêjê

32.Haliti Paresi

33.Warao

How to Cite

CHAGAS, A.; GALÚCIO, A. V. Introduction. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 5, n. 1, p. e801, 2024. DOI: 10.25189/2675-4916.2024.v5.n1.id801. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/801. Acesso em: 22 feb. 2025.

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