Share

Theoretical Essay

Meaning Effects of Argumentative Operators in Advertising

Maria da Conceição Gomes da Silva Dério

Secretaria de Estado da Educação da Paraíba image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-9722-8524

Erivaldo Pereira do Nascimento

Universidade Federal da Paraíba image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-4595-1550


Keywords

Argumentative Operators
Meaning Effects
Advertising

Abstract

The growing need for communication and the increasingly broad, creative, and complex use of language, combined with the constant transformations in Brazilian society, demand reading practices that require a more attentive and critical reader—especially when faced with advertising language. In this context, learning situations in Portuguese language classes must take place to foster the development of competent readers, particularly those capable of recognizing and reflecting on linguistic mechanisms and both explicit and implicit meaning effects in a wide range of texts. Accordingly, this article aims to present a reading proposal based on our analysis and reflection on the argumentative strength of argumentative operators and the meaning effects materialized in O Boticário's 2020 Christmas campaign advertisement. To this end, we draw upon the studies of Dério, Nascimento, and Sales (2024); Bastos and Nascimento (2023); Nascimento (2022); Ducrot (2020); Koch (2023); among others. Methodologically, we are guided by interpretative-qualitative research of a propositional nature, employing theoretical-analytical procedures. Beyond contributing to studies in Argumentative Semantics applied to the teaching of Portuguese, we aim to promote reading competence through linguistic awareness of the use of argumentative operators in texts, thus considering the meaning effects these operators activate in advertising.

Resumo para não especialistas

A crescente necessidade de comunicação e o uso da linguagem cada vez mais abrangente, criativo e complexo, relacionados às transformações constantes na sociedade brasileira, exigem um leitor mais atento e crítico aos apelos que os textos publicitários utilizam para vender ideias, serviços e produtos. Para tanto, a escola, sobretudo nas aulas de Língua Portuguesa, precisa formar leitores que consigam reconhecer e refletir sobre os sentidos das palavras e/ou expressões linguísticas visíveis e invisíveis nos mais variados textos. Para isso, este trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta para as aulas de leitura com base em nossa análise e reflexão sobre os operadores argumentativos e os sentidos que apresentam em um anúncio de O Boticário, relativo a uma campanha de Natal veiculada em 2020. Utilizamos um método de pesquisa que fornece recursos para a interpretação do texto publicitário, o que nos ajudou a formular a proposta da atividade de leitura referida. Além de contribuir com os estudos da semântica argumentativa aplicada ao ensino de Língua Portuguesa, desejamos desenvolver leitores competentes que saibam observar os sentidos que os operadores argumentativos ativam na publicidade.

Considerações iniciais

Decorrente da criatividade humana, as transformações que despontam a todo instante na sociedade brasileira desembocam nas diferentes formas de uso da linguagem, exigindo práticas de leitura mais críticas e reflexivas de seus usuários, sobretudo em relação àqueles que perpassam a linguagem publicitária. Para atender essa demanda, as aulas de Língua Portuguesa precisam suprir a carência de situações de aprendizagem que incitem a formação de leitor competente que, especificamente, saiba reconhecer e refletir sobre os mecanismos linguísticos e os efeitos de sentido por eles produzidos, além de posicionar-se criticamente ante à publicidade.

Como enfrentamento, o presente estudo tem como objetivo apresentar uma proposta de leitura a partir da nossa análise e reflexão sobre a força argumentativa dos operadores argumentativos e os efeitos de sentido materializados no anúncio de O Boticário, campanha de Natal 2020.

Para isso, utilizamos os pressupostos teóricos da semântica argumentativa (Dério, Nascimento e Sales, 2024; Bastos e Nascimento, 2023; Nascimento, 2022; Ducrot, 2020; Barbisan, 2019; Silva, 2012; Koch, 2023; do discurso publicitário (Carvalho, 2014; Carrascoza, 2014); e da leitura (BNCC, 2018; Rojo, 2013), entre outros.

Metodologicamente, utilizamos a pesquisa interpretativo-qualitativa de natureza propositiva para assistir os procedimentos teórico-analítico. Como resultado, para além de contribuir com os estudos da semântica argumentativa aplicados ao ensino de Língua Portuguesa, esperamos fomentar a competência leitora por meio da consciência linguística a respeito do uso dos operadores argumentativos em enunciados e textos, considerando os efeitos de sentido ditos (e não ditos) por eles ativados em anúncios publicitários e nas mais diversas materialidades e suportes.

1. Aspectos teórico-metodoloógicos

Com a rapidez e fluidez das transformações que despontam na sociedade contemporânea brasileira oriundas da criatividade humana, as práticas de linguagem também acompanham essa necessidade e isso independe do advento de textos multimidiáticos ainda que sejam potencializados por estes. Se as formas de materialidade desses textos modificam-se, as competências exigidas para as novas práticas de leitura, por exemplo, não podem ser mais as mesmas (Rojo, 2013), sobretudo em relação às estratégias argumentativas utilizadas atualmente para a produção da linguagem publicitária.

A instrumentalização da linguagem publicitária fomenta a circulação de mercadorias e serviços, ativando, desse modo, necessidades de consumo e soluções de problemas causados e/ou criados pelo próprio ato esvaziado de consumo (Carrascoza, 2014). Nessa perspectiva, “as agências publicitárias são verdadeiros laboratórios de comportamento humano, criando [...] frustrações e inseguranças, [...] falsas necessidades para [...] apresentar respostas [ideias, produtos e serviços] como soluções” (Carvalho, 2014, p.14, acréscimo dos autores).

Ademais, a produção e circulação do discurso publicitário em multimídias potencializa o alcance e os efeitos de sentido, sobretudo via redes sociais e, consequentemente, evoca, a adesão de posicionamentos sem a devida reflexão, além do consumismo, sendo este um dos possíveis efeitos de endividamento desenfreado da população no Brasil (Furlan, 2023).

À vista disso, a carência de situações contextualizadas de aprendizagem que permitam a prática de leitura reflexiva nas aulas de Língua Portuguesa (BNCC, 2018) favorece a passividade de um potencial (futuro) consumidor, cujo agente utiliza-se, especialmente, de linguagem apelativa inscrita através de estruturas semântico-linguísticas, que levam o público-consumidor a uma determinada conclusão, a aquisição de ideia/produto/serviço anunciado pelo discurso publicitário. Para atender a essa demanda, as práticas de leitura precisam incitar a formação de leitor competente, que, especificamente, saiba reconhecer e refletir sobre os mecanismos linguísticos e os efeitos de sentido por eles produzidos, além de posicionar-se criticamente ante à passividade gestada pela publicidade.

Diante dessa realidade, este estudo visa apresentar uma proposta de leitura sob a ótica da semântica argumentativa a partir da análise e reflexão realizada sobre o funcionamento argumentativo dos operadores argumentativos e os efeitos de sentido materializados no anúncio de O Boticário, campanha de Natal 2020.

O estudo divide-se em duas grandes partes, além desta que traz aspectos teórico-metodológicos e a que se desdobra na análise do anúncio citado como segunda parte. Passemos, assim, para o tópico que segue.

1. 1. Semântica argumentativa (e argumentação)

Ao adotar uma concepção discursiva da língua, os estudos acerca do significado passaram a se debruçar sobre o sentido do enunciado. A partir dessa abordagem, novos estudos semânticos surgiram sobre os estudos enunciativos, a exemplo da semântica argumentativa.

De base estruturalista, a Semântica Argumentativa, criada por Oswald Ducrot e seus colaboradores, preocupa-se em “descrever a língua não apenas como meio de fornecer informações sobre o mundo, mas como uma forma de construir discursos” (Bastos e Nascimento, 2023, p. 270).

Para chegar a esse ponto de vista, a Semântica Argumentativa foi ajustada ao longo do seu processo de construção. Vale citar as duas grandes partes que dividem os estudos argumentativos: A Forma Standart ou Forma Padrão, que apresenta quatro fases, tais como: Descritivismo Radical, Descritivismo Pressuposicional, Argumentação como constituinte da Significação e Argumentatividade Radical; e a Teoria dos Blocos Semânticos, que consiste na fase em que a Semântica Argumentativa está situada no momento.

Ao longo dessas fases agrupadas acima, Ducrot (2020) e seus colaboradores compreenderam que o sentido não se restringe à representação objetiva da linguagem, mas enfatiza o discurso, o seu emprego, as relações (inter)subjetivas que o locutor/alocutário mantém consigo e com o outro, construindo, dessa forma, o valor argumentativo dos enunciados. Portanto, “o sentido dos enunciados não está [no locutor], nem no [alocutor], mas na relação estabelecida entre ele e o outro [...]. Argumentar é levar o Outro [...] a determinada continuação” (Barbisan, 2019, p.23).

Além disso, os precursores dos estudos argumentativos contrapõem-se à retórica Aristotélica, uma vez que entendem que os sentidos não se constituem somente por meio da exterioridade linguística, mas também pela sua estrutura. A Teoria da Argumentação é uma reação a esse posicionamento que encara a língua atrelada à referenciação, uma vez que observa os sentidos atrelados a regras, pistas e estratégias que dependem do contexto para explicar a maneira como os discursos são construídos, muito para além da forma como são descritos, referenciados.

Sendo assim, a tese central da chamada Teoria da Argumentação da língua de Ducrot (2020) e seus colaboradores “é a de que determinadas palavras são providas de valores argumentativos que terminarão a possibilidade e impossibilidade da continuação de um discurso” (Silva, 2015, p. 117). Nessa esteira, os operadores argumentativos, como veremos adiante, são vistos como uma dessas palavras que produz uma determinada orientação argumentativa para incitar determinadas conclusões no discurso com base num determinado objetivo.

Desse modo, compreender que a argumentação é inerente à língua, sendo,

.

a partir dela, das possibilidades de usos de suas formas linguísticas, é que os sentidos são orientados discursivamente mediante as marcas linguísticas utilizadas pelo locutor do enunciado, de modo a ser possível [...] observar a subjetividade desse sujeito locutor e sua orientação discursiva a certas conclusões (Dério; Nascimento; Sales, 2024).

.

Como já mencionado, os estudos argumentativos têm base estruturalista e apresenta algumas noções que cabe conceitualizá-las para melhor compreensão dessa concepção. Para a Semântica Argumentativa, a língua é instrumentalizada para gerar comunicação e não para persuadir o interlocutor como acontecia na retórica tradicional, sendo entendida como um conjunto de frases de ordem abstrata que se materializa através de enunciados concretos. Essa materialização enunciativa é realizada no discurso produzida com uma determinada orientação e sentidos possíveis.

Desse modo, Ducrot (2020) afirma que a significação está relacionada à frase; de igual modo, o sentido está atrelado à produção de enunciados. Do ponto de vista semântico, a descrição desses enunciados abre um leque de possibilidades para a compreensão do funcionamento da força argumentativa e dos efeitos de sentido dos ditos (e não ditos) produzidos e materializados pelo sujeito-locutor.

Dito isso, as contribuições da teoria explicativa acerca do sentido no discurso possibilitam a elaboração de contextos de aprendizagem que fomentam a reflexão dos ditos (e não ditos) nas mais diversas materialidades por meio de pistas linguísticas de alguns dos recursos argumentativos utilizados, quais sejam: operadores argumentativos já citados acima e polifonia enunciativa. Assim, reforçamos aos docentes de Língua Portuguesa que a importância de os discentes conhecerem uma língua

.

e utilizá-la adequadamente é ter conhecimento dos recursos, das estratégias de que essa língua dispõe quando do seu uso em contextos reais de utilização [...] para que possa[m] atingir/conseguir [seus] objetivos, com base nas [suas] intenções, nos momentos de interação com outros indivíduos (Silva, 2015, p. 117, acréscimo/alteração dos autores).

.

Ademais, consoante aos estudos da Teoria da Argumentação de Ducrot (2020), as normativas educacionais atuais defendem que

.

analisar efeitos de sentido decorrentes de usos expressivos da linguagem, da escolha de determinadas palavras ou expressões e da ordenação, combinação e contraposição de palavras, dentre outros, para ampliar as possibilidades de construção de sentidos e de uso crítico da língua (BNCC, 2018).

.

No intuito de perceber o funcionamento argumentativo e, consequentemente, os efeitos de sentido do anúncio referido, passemos para os procedimentos teórico-analíticos a seguir.

1.2. Aspectos teórico-analíticos

Utilizamos da pesquisa interpretativo-qualitativa, de natureza aplicada de cunho propositivo, para assistir os procedimentos teóricos-analíticos mobilizados e, consequentemente, refletir sobre os efeitos de sentido do texto publicitário citado, a exemplo dos operadores argumentativos e da teoria polifônica, para cita algumas das estratégias argumentativas.

Como resultado dessa análise e reflexão sobre os efeitos de sentido ditos e não-ditos produzidos por tais estratégias no anúncio citado, configuramos a nossa proposta didática como contribuição para o ensino de Semântica argumentativa na prática de ensino de Língua Portuguesa na educação básica, especificamente, no Ensino Médio. Podendo, desse modo, ser extensiva às aulas de Português instrumental no Ensino Superior.

1. 2. 1. Recursos linguísticos: Operadores Argumentativos e Teoria Polifônica da Enunciação

Como já ventilamos em tópico anterior, a Semântica Argumentativa concebe a linguagem como instrumento de interação que se concretiza sob diversas formas e finalidades, o que permite ao locutor e alocutário atuar argumentativamente sobre o outro. Essa atuação possibilita “orientar os enunciados que produzimos no sentido de determinadas conclusões (com exclusão de outras)”, afirma Koch (2023, p. 29). Para tanto, o locutor (se) inscreve através de pistas linguísticas. E para explicar como essa inscrição argumentativa ocorre nos enunciados materializados, Ducrot (2020) cria duas noções substanciais à compreensão desse funcionamento, quais sejam

.

classe argumentativa [...] constituída de um conjunto de nunciados que podem igualmente servir de argumento para [...] uma mesma conclusão; [...] e quando dois ou mais enunciados de uma classe se apresentam em gradação de força crescente no sentido de uma mesma conclusão, têm-se uma escala argumentativa (koch, 2023, p. 30, destaques da autora).

.

Entre essas marcas linguísticas que orientam a argumentatividade dos enunciados, baseada em Ducrot (2020), a autora assevera que há operadores argumentativos utilizados para “designar certos elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar (“mostrar”) a força argumentativa dos enunciados, a direção (sentido) para o qual apontam” (Koch, 2023, p. 30).

Com base em Koch (2023) e Silva (2012) elencamos alguns dos operadores de acordo com cada tipologia e sua respectiva força argumentativa descrita abaixo:

Figure 1. Quadro 1. Alguns tipos de operadores argumentativos Fonte: Elaborado pelos autores (2024)

Além dos operadores brevemente expostos, baseado nos estudos dialógicos Bakthinianos, Ducrot (2020) desenvolve uma Teoria Polifônica da Enunciação por contrapor-se à unicidade do sujeito. Ele afirma que, para além da voz do enunciador, existem outras vozes presentes nas estruturas linguísticas que se entrecruzam e se materializam nos enunciados produzidos, sendo estes, “por natureza, polifônico[s]” (Nascimento, 2022, p.171).

Nessa perspectiva, Bastos e Nascimento (2023) demonstram funções específicas assumidas por tais sujeitos-locutores, a saber: locutor empírico (SE), que diz respeito ao próprio autor do enunciado produzido; locutor (L) que toma para si a responsabilidade da produção do enunciado; enunciadores (E), ainda que abstratos, são os pontos de vista que o locutor evoca no enunciado.

Os estudos polifônicos da enunciação também apresentam tipos de polífonas que se materializam nos enunciados, quais sejam: polifonia de locutores, intertextualidade, SE-locutor e a polifonia dos enunciadores. Esta consiste no locutor que se posiciona de diferentes formas, podendo identificar-se, aprovar ou rechaçar parcial ou totalmente o ponto de vista dos enunciadores (E) (Bastos e Nascimento, 2023).

Para fins de análise, pudemos não só identificar a força argumentativa das relações (inter)subjetivas dos locutores, mas também o entrecruzamento de seus diferentes pontos de vista e/ou efeitos de sentido no discurso do anúncio referido. Para isso, resumimos o texto publicitário em questão, analisamos enfaticamente a função do masPA, operador discursivo de contraposição. Elencamos e analisamos também os enunciadores ativados e suas respectivas relações com o anúncio citado, além da posição do locutor (L) frente a esse enunciadores (E).

Com base na mobilização do dispositivo teórico-analítico, destacamos um dos operadores argumentativos com função de contraposição masPA deste estudo, observando, desse modo, os efeitos de sentido materializados no texto publicitário em voga.

Vale reforçar que, devido ao caráter sucinto deste artigo, fizemos também um pequeno recorte da análise da argumentativa da peça em tela, sendo apresentado na próxima sessão.

2. Análise argumentativa do anúncio de o boticário

A peça publicitária que materializa a campanha de Natal (2020) de O Boticário está disponível na rede social Youtube. O anúncio traz, em seu bojo, uma narrativa acerca da ritualização natalina por uma família de fenótipo negro. Já no primeiro enquadramento, em primeiro plano, é possível observar a silhueta da logomarca, que sobrepõe a referida família (pai, mãe e uma criança), contemplando uma vitrine comercial com adornos natalinos dos anos 1980.

Em seguida, é possível perceber a mesma família reunida na sala de uma residência encenando o ritual natalino, agora com a personificação clássica do Papai Noel. Diante desse roteiro, a criança estampa um ar de intriga, sobretudo em relação a essa figura. O fechar e abrir de olhos da criança transporta-o para o mesmo cenário já nos anos 2000, como adulto representando o Papai Noel. Sorrisos e troca de presentes descrevem a cena seguinte, cujo enquadramento do perfume da marca serve de mote para a satisfação de um jovem que se ver representado pela figura do Papai Noel negro, destacando, em primeiro plano, o slogan: “Que você seja tudo o que desejar” e, na sequência, o enunciado: “onde tem beleza, tem amor”. O vídeo encerra com os dizeres “Aqui no Boticário equidade racial importa [...] Vamos juntos combater o racismo. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.”

Na cena em que a criança fica intrigada ante à imagem clássica de um Papai Noel que possui fenótipo diferente do dela, reflexo da imagem que ela tem de si, é materializada no seguinte enunciado: “Toda criança gosta de Natal, né? [...] Mas tinha uma coisa que me deixava intrigado”. Nesse recorte, constatamos uma das várias pistas argumentativas que constroem os efeitos de sentido tanto para o enunciado em questão quanto na relação desses efeitos com o sentido global da peça publicitária. Tomando por base Nascimento (2022), é possível observar, em relação ao enunciado anterior, que a ocorrência do operador argumentativo apresenta a função de contraposição (masPA).

Ao se dirigir ao interlocutor por meio de um questionamento e, ao final, utilizar o “”, essas escolhas linguísticas revelam a intenção do locutor para buscar adesão ao discurso “toda criança gosta de Natal”. No entanto, na mesma sequência, ao continuar com: “mas tinha uma coisa que me deixava intrigado.”, induz discursivamente que esse mesmo interlocutor apresente, de forma relativamente “autônoma” conclusões contrárias ao que que foi expresso no enunciado anterior conforme observamos. Constata-se aí um dos efeitos da enunciação de acordo com Ducrot (2020, p. 184), ao afirmar que “não se trata mais do que se faz quando se fala, mas do que se considera que a fala, segundo o próprio enunciado, faz”.

Ademais, polifonicamente (MORAIS; FRANÇA; NASCIMENTO, 2019), o operador em questão põe em cena quatro enunciadores, tais como:

Figure 2. Quadro 2. Enunciadores ativados. Fonte: Elaborado pelos autores (2024).

Diante do movimento argumentativo dos enunciadores descritos no quadro acima, observamos que a criança/adulto, locutor (L), identifica-se com os pontos de vista assumidos tanto de E3 quanto de E4 em relação ao questionamento que materializa a intriga da imagem e dos sentidos que a figura clássica que o Papai Noel provoca em L2.

Em relação ao que E2 assume, L2 parcialmente rechaça-o, uma vez que se opõe a ele ante ao que assume o E4. Esse ponto de vista está atrelado ao assumido por L2 quando a leitura da autoimagem infantil que se fazia frente àquela eurocêntrica difundida e representada pelo Papai Noel. Já adulto, ao performar essa mesma figura, a cena de satisfação de que se fez representar o seu/o mesmo tom de pele das crianças da cena, finalizam o anúncio.

Ao observar o locutor principal (L1), entrecruzados pelo O Boticário e quem agenciou a marca, constatamos ponto de vista identificado com E2, uma vez que a empresa vende a ideia de que o consumo de seus produtos evoca felicidade e, consequentemente, a generalização da representação da identidade racial buscada por L2.

Esse posicionamento em relação ao E2, sob a forja da representação de uma das identidades raciais, subvaloriza sutilmente a imagem da marca, além de trazer a falsa sensação de felicidade que o consumo acrítico provoca e reforça em relação ao ter em detrimento do ser.

Do funcionamento argumentativo exposto, observamos alguns dos recursos responsáveis pela condução para determinadas conclusões em detrimento de outras, como defendem Ducrot (2020, p. 110) e Anscombre ao ensinar que “nossa tese é que uma orientação argumentativa é inerente à maior parte (ao menos) das frases: sua significação contém uma instrução”. Apesar de ser uma instrução contrária à enunciada, pudemos explorar um dos operadores argumentativos anunciados no texto publicitário apresentados por L2. Ainda assim, pudemos perceber a força argumentativa na literariedade da peça, sendo, desse modo, observável a posição assumida pelos locutores (Silva, 2012), a exemplo da criança/adulto que vozeia a marca anunciada através da agência (L1).

Ademais, a escolha desse recurso argumentativo permite orientar o discurso em favor de um determinado objetivo, como o fez para provocar adesão do (novo) público-consumidor da marca. Esse apelo é forjado pelo manto das emoções evocadas, como a empatia à criança muito mais representada esteticamente pela marca que por uma de suas identidades raciais, naturalizando, desse modo, “o imaginário europeu como única forma de relacionamento com a natureza, com o mundo social e com a própria subjetividade”, apontado por Nogueira (2020, p. 125) em sua obra Intolerância Religiosa.

Dessa constatação, podemos concluir que o jogo de cenas da peça publicitária atrelado aos sentidos materializados nos enunciados, que finalizam o vídeo, constroem um posicionamento institucional de uma agenda antirracista questionável frente às novas demandas sociais. Exemplo disso é a luta por afirmação das identidades e pertencimentos de um grupo resistente correspondente a mais da metade da população brasileira que se quer alijado desde os idos da escravidão.

Portanto, refletir sobre essas e outras escolhas inscritas no discurso possibilita que os discentes “percebam a potencialidades e os impedimentos causados [...], [permitindo] compreender que os fenômenos e estratégias argumentativas linguísticas utilizadas pode atingir não apenas palavras no trecho que aparecem, mas o discurso como todo” (Nascimento, 2023, p. 302).

Caminhando para um fim provisório, a presente análise, ainda que suscinta, é capaz de subsidiar o docente de Língua Portuguesa na criação de situações de aprendizagens, que favoreçam o processo de formação da competência leitora por meio do funcionamento argumentativo de operadores argumentativos.

A referida proposta parte da análise do anúncio referido, não se tratando de um modelo didático. No entanto, trata-se de uma provocação, de uma sugestão, para que o docente possa pensar na didatização de situações que fomentem a consciência linguística e a percepção de sentidos ditos e não ditos presentes no anúncio em questão e, por extensão, aos mais variados gêneros e, em especial, aqueles próximos às condições reais dos discentes do Ensino Médio e por que não do Ensino Superior.

3. Considerações finais

Na primeira parte deste estudo, fizemos um breve panorama acerca da necessidade da formação da competência leitora através de práticas de leitura nas aulas de Língua Portuguesa que privilegiem a reflexão sobre o funcionamento argumentativo e efeitos de sentido materializados em textos publicitários veiculados nas redes sociais, a exemplo do youtube.

Diante dessa demanda, na segunda parte, apresentamos uma proposta de leitura por meio da análise semântica dos recursos argumentativos utilizados pelo discurso publicitária citado. A partir dessa análise, observamos a força argumentativa e os efeitos de sentido do operador argumentativo de contraposição que permite introduzir argumentos contrapostos com o fim de orientar para conclusões contrárias.

Compreender esse movimento possibilita perceber as potencialidades e os impedimentos argumentativos das escolhas que marcam a (inter)subjetividade do locutor da materialidade analisada. E, dessa forma, permite ao aluno elaborar conclusões e perceber o posicionamento do locutor em relação aos componentes da materialidade. Afinal, a língua [...] apresenta-se, fundamentalmente, como o lugar do debate e da confrontação das subjetividades”, ensina Ducrot (2020, p. 32).

Assim, as contribuições da semântica argumentativa a partir dos operadores argumentativos utilizados em enunciados e textos são aportes linguísticos fundamentais para o desenvolvimento da consciência linguística discente, considerando os efeitos de sentidos ditos (e não ditos) por eles ativados em anúncios publicitários e nas mais diversas materialidades e suportes, necessários ao processo de formação da competência leitora.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

Os autores declaram que não há qualquer interesse conflitante na/para a produção, revisão e divulgação do referido manuscrito.

Declaração de Disponibilidade de Dados

Os autores confirmam que os dados e materiais utilizados para apoiar os resultados desta pesquisa estão acessíveis no próprio artigo.

Declaração de Uso de IA

Os autores declaram que houve uso do Chatgpt para revisão da redação final deste estudo. Disponível em: https://chatgpt.com/c/68a34ab1-5db0-8320-b6c2-9a481e0a504a. Acesso em 18 ago. 2025.

Referências

BARBISAN, Leci Borges. Semântica Argumentativa. In: JUNIOR, Celso Ferrarezi; BASSO, Renato. Semântica, Semânticas: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2019.

BASTOS, Ana Carolina Vieira; NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do. A contribuição da Teoria da Argumentação na Língua, de Oswald Ducrot e colaboradores, para os estudos da argumentação. In: PIRIS, Eduardo Lopes; GRÁCIO, Rui Alexandre. (orgs.). Introdução às Teorias da Argumentação. 1ª ed. São Paulo: Pontes, 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

CARRASCOZA, João Anzanello. Estratégias criativas da publicidade: consumo e narrativa publicitária. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2014.

CARVALHO, Nelly. O Texto Publicitário na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 2014.

DÉRIO, M. C. G. S; NASCIMENTO, E. P. do; SALES, L. S. “Que você seja tudo o que desejar”: uma leitura discursiva da argumentação do anúncio de O Boticário. Disponível em: https://eventos.congresse.me/ellin/resumos/30444.pdf?version=original . Acesso em 02 jul. 2024.

DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Revisão técnica da tradução Eduardo Guimarães. Campinas SP: Pontes Editores, 2020.

FURLAN, Mariana. Endividamento das famílias é de quase 80%. Serasa, 2023. Disponível em: https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/endividamento-no-brasil/. Acesso 10 jul. 2024.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. 11ª ed., 5ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2023.

NOGUEIRA, Sidnei. Intolerância religiosa. Feminismos Plurais. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020.

NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do. Polifonia enunciativa: fenômeno semântico-argumentativo. In: CARREIRA, R. A. R; OLIVEIRA, W. F; ELIAKIM, J. (org.). Discurso em perspectiva. 1 ed. São Paulo: Blucher, 2022.

NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do; MORAIS, M. E. G.; FRANÇA, M. da G. S. de. Semânticas Argumentativa e Enunciativa: Uma Análise dos Operadores Argumentativos. Revista do GELNE, v. 21, nº 1, p. 63-76, 2019. DOI: 10.21680/1517-7874.2019v21n1ID16044. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/gelne/article/view/16044. Acesso em: 10 jul. 2024.

ROJO, Roxane. Escola conectada: os multiletramentos e as TICs. Rojo, Roxane (org). Estratégia de ensino 40. São Paulo: Parábola, 2013.

SILVA, Marcos Antônio. Argumentação e polifonia na língua. In: Nascimento, Erivaldo Pereira (Org). A argumentação na redação comercial e oficial: estratégias semântico discursivas em gêneros formulaicos. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012.

SILVA, Marcos Antônio. Os operadores argumentativos no ensino de leitura e produção textual no gênero resumo acadêmico. In: FERRAZ, Monica Mano Trindade; Nascimento, Erivaldo Pereira do (Org). Semântica e Ensino. Curitiba: Editora CRV, 2015.

Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N5.ID842.R

Decisão Editorial

EDITOR 1: Dermeval da Hora Oliveira

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9303-5664

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

-

EDITOR 2: Jan Edson Rodrigues Leite

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9054-0673

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

-

EDITOR 3: Tiago de Aguiar Rodrigues

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5120-0908

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

-

EDITOR 4: Alvaro Magalhães Pereira da Silva

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1980-9750

AFILIAÇÃO: Instituto Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil.

-

EDITOR 5: Erivaldo Pereira do Nascimento

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4595-1550

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

-

CARTA DE DECISÃO: O artigo "EFEITOS DE SENTIDOS DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS NA PUBLICIDADE" propõe uma leitura inovadora sobre a força argumentativa dos operadores argumentativos e os efeitos de sentidos que emergem em anúncios publicitários, utilizando como estudo de caso uma campanha de Natal de O Boticário. A principal relevância do estudo reside na sua capacidade de conectar a teoria da Semântica Argumentativa, em especial a teoria polifônica de Ducrot, com a prática pedagógica. Ao analisar detalhadamente uma peça publicitária complexa, que aborda temas como a luta contra o racismo, o artigo oferece um material rico para o desenvolvimento da competência leitora dos estudantes. É inegável a crescente dificuldade dos alunos em compreender as nuances de sentido em diferentes gêneros textuais, e este trabalho surge como uma ferramenta valiosa para superar esse desafio.

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Úrsula Pereira Teixeira Germano

ORCID: https://orcid.org/0009-0002-7706-7783

AFILIAÇÃO: Secretaria Municipal de Educação do Ceará, Ceará, Brasil.

-

AVALIADOR 2: Alessandra Baldo

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8186-3179

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

-

RODADA 1

AVALIADOR 1

2025-04-26 | 06:04 PM

Trabalhar o texto como pretexto para dar aulas de gramática é muito comum, mas quando o assunto é práticas de leitura com a finalidade de formar leitores competentes, críticos e reflexivos é mais difícil encontrar. Os desafios encontrados em sala de aula para fazer com que a prática de leitura seja mediada e incite nos estudantes persistem diariamente, mas este estudo veio mostrar que há possibilidades de levar para a escola textos publicitários capazes de contribuir com o desenvolvimento da argumentatividade por meio do uso dos operadores argumentativos presentes em tais textos. A temática abordada neste trabalho perpassa a sala de aula, pois incita pesquisas sobre a força argumentativa como mecanismo linguístico de construção de sentido e estratégias discursivas.

Este artigo visa apresentar uma proposta de leitura a partir da reflexão sobre a força argumentativa dos operadores argumentativos e os efeitos de sentidos materializados no anúncio de uma campanha de Natal 2020, de O Boticário. A partir dessa proposta ´fica claro o quanto é urgente e necessário criar situações de aprendizagem significativa em sala de aula, partindo do uso de textos que abordem o uso de operadores argumentativos, a fim de incitar o desenvolvimento dos mecanismos linguísticos e o posicionamento crítico por meio da argumentatividade. Nesse sentido, é de grande relevância levar para a sala de aula textos que enfatizem os operadores argumentativos, pois o reconhecimento desses recursos linguísticos contribuem para o desenvolvimento crítico e ainda contribui para os estudos da semântica argumentativa, considerando os efeitos de sentidos contidos nos enunciados. Portanto, este estudo contribui significativamente para as aulas de Língua Portuguesa, visto que o uso dos operadores argumentativos permite o desenvolvimento da consciência linguística dos estudantes dentro e fora da escola. Assim teremos estudantes críticos, reflexivos e capazes de defenderem seus pontos de vista frente aos problemas impostos pela sociedade.

-

AVALIADOR 2

2025-05-07 | 06:53 PM

O artigo “Efeitos de sentidos dos operadores argumentativos na publicidade” tem como objetivo apresentar uma proposta de leitura a fim de desenvolver a competência leitora de estudantes. A Semântica Argumentativa, em especial a teoria polifônica de Ducrot, é adotada como base teórica, e, como gênero textual, uma peça publicitária da campanha de Natal de 2020 da empresa O Boticário, criada a partir da temática da luta contra o racismo, é selecionada.

A relevância do tema é indiscutível, dada a crescente dificuldade dos alunos, seja de ensino fundamental, médio ou mesmo superior, de compreenderem as nuances menos superficiais de sentido presentes em textos de diferentes gêneros. A análise da peça publicitária também é bastante detalhada e, se adaptada para o contexto escolar, poderia, de fato, auxiliar a se alcançar o que objetiva o estudo, ou seja, desenvolver a competência leitora dos alunos.

É na questão da didatização da análise que, no meu entender, está o ponto mais frágil do estudo: há uma análise e uma aplicação da teoria de Ducrot a partir de uma publicidade, mas não há menção a como tal teorização poderia ser aplicada no contexto de sala de aula. Nesse sentido, não se sabe a quais alunos tal análise poderia ser producente, embora se infira que seriam ou estudantes do ensino médio ou do ensino superior, dada a complexidade das noções teóricas. De qualquer modo, é um artigo que merece ser lido tanto por estudiosos da língua portuguesa como por professores de português. Os autores propõem a teoria polifônica de Ducrot como mais uma possibilidade para o desenvolvimento da competência leitora dos nossos estudantes. Isso, por si só, tem um grande mérito.

How to Cite

DÉRIO, M. da C. G. da S.; NASCIMENTO, E. P. do. Meaning Effects of Argumentative Operators in Advertising. Cadernos de Linguística, Campinas, SP, Brasil, v. 6, n. 5, p. e842, 2025. DOI: 10.25189/2675-4916.2025.v6.n5.id842. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/842. Acesso em: 31 dec. 2025.

Statistics

Copyright

© All Rights Reserved to the Authors

Cadernos de Linguística supports the Opens Science movement

Collaborate with the journal.

Submit your paper