Resumo para não especialistas
Apresentamos o projeto “Escola sem fake”, uma iniciativa para capacitar estudantes de escolas públicas a identificar e denunciar textos de desinformação. A ideia é usar conhecimentos de uma área chamada Linguística Cognitiva, que estuda como usamos a linguagem para entender a nossa mente e o mundo, para ajudar a perceber como narrativas falsas são criadas para enganar. O projeto considera a escola um espaço muito importante para os jovens aprenderem a desenvolver um olhar crítico sobre o que consomem e produzem na internet; por isso, queremos ajudar a formar cidadãos mais preparados para lidar com os desafios atuais. O projeto acontecerá em escolas públicas de João Pessoa. Primeiro, vamos conversar com os estudantes dessas escolas para entender o que eles já sabem sobre desinformação. Depois, vamos oferecer oficinas de leitura e produção de textos para analisarmos juntos exemplos reais de textos de desinformação. Por fim, vamos criar materiais para alertar a comunidade sobre os perigos da desinformação. Com as oficinas, esperamos que os estudantes possam: 1) identificar e desconstruir textos de desinformação; 2) se ver como protagonistas no enfrentamento à desinformação na sua comunidade; e 3) produzir materiais educativos para ajudar outras pessoas a enfrentar a desinformação.
Breve contextualização
O século XXI tem sido marcado pelos efeitos deletérios da proliferação de textos de desinformação, impulsionados descontroladamente nas e pelas redes sociais (Bentes; Souza-Santos, 2023). No ano de 2023, por exemplo, acompanhamos, estarrecidos, uma série de ataques brutais a creches e escolas públicas em diversas regiões do Brasil. Nos casos mais graves, os ataques vitimaram uma professora da rede estadual de São Paulo – morta a facadas por um aluno de treze anos – e, um mês depois, quatro crianças em uma creche no município de Blumenau – SC. A gravidade desses recentes ataques a instituições de ensino – que, no Brasil, já ceifaram a vida de 52 pessoas[1] desde 2011 – escancarou uma gravíssima situação no cenário educacional brasileiro – já marcado por problemas crônicos, como a desvalorização do magistério, a evasão escolar, o analfabetismo funcional e o sucateamento das estruturas físicas das escolas: a violência orquestrada nas redes sociais a partir da disseminação indiscriminada de textos de desinformação, que popularmente se conhece pelo termo fake news.
Se antes esses discursos ficavam restritos a plataformas da deepweb como 4chan, 8chan ou grupos menores do Portal Reddit – famoso por reunir milhões de usuários adeptos das mais esdrúxulas teorias da conspiração (Da Empoli, 2020) –, o que temos hoje é o acesso facilitado à desinformação em redes como X/Twitter, Facebook e Whatsapp. Sob o questionável manto da “liberdade de expressão”, essas redes pouco têm atuado no sentido de desarticular grupos extremistas e seus discursos de ódio a minorias principalmente. Para elas, o mais importante, ao que parece, é a quantidade de curtidas e de compartilhamentos, independentemente do texto que estiver sendo disseminado, independentemente se vidas e reputações estiverem sendo destruídas numa velocidade avassaladora.
Pela complexidade desse grave problema social, tornou-se urgente que o poder público adote medidas imediatas para combater a desinformação. Podemos citar como exemplos o monitoramento mais ostensivo das redes; a retirada ou suspensão de perfis em redes digitais que visavam difundir discursos de ódio; e a prisão de suspeitos de envolvimento nos atentados. Todas essas medidas visam, por óbvio, importantes e necessárias para apagar o incêndio no curto prazo; contudo, todas elas tratam do combate à desinformação no âmbito da segurança pública, ou seja, na repressão desses crimes, sem ainda se apresentar uma proposta concreta para fomentar políticas públicas permanentes de prevenção à desinformação.
Na Finlândia, o método adotado para combater a desinformação de forma permanente foi incluir no currículo básico nacional uma disciplina relacionada à alfabetização midiática, a qual é ministrada desde a pré-escola. Nessa disciplina, professores levam artigos, notícias e vídeos das redes sociais para debater com os alunos a veracidade da informação. Os alunos são estimulados ainda a ensinar os idosos a identificar textos suspeitos on-line, utilizando bibliotecas como centro de estudos para essas pessoas[2]. No Brasil esse debate ainda é incipiente. Na Câmara Federal, segundo Alves e Maciel (2020), tramitam atualmente dezenove projetos de lei que tratam de fake news. Apenas um trata de incluir o combate às fake news na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; os outros tratam do assunto no âmbito da segurança pública, com definições muito vagas sobre o que são as fake news e o seu alcance na sociedade.
No combate a essa epidemia, a escola tem papel fundamental: estimular no estudante a atitude crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de discursos que circulam nos meios digitais (Brasil, 2018). Para tanto, é preciso que se proponham ações que desenvolvam nos estudantes a capacidade de investigar a veracidade das informações e de produzir textos que desconstruam informações falsas (Kleiman; Santos-Marques, 2020).
É a partir desse contexto que nasce o projeto “Escola sem fake: oficinas de leitura, produção textual e análise linguística no combate à desinformação”, com a finalidade de ir até o “chão de fábrica”, escolas públicas de ensino fundamental e médio de João Pessoa, para primeiramente ouvir os estudantes sobre o que eles sabem sobre desinformação e, com base nesse conhecimento, propor oficinas de leitura, produção de texto e de análise linguística, sob o arcabouço teórico da Linguística Cognitiva, que, em parceria com esses alunos, reflitam criticamente sobre os textos e os discursos veiculados em textos de desinformação, convidando-os a serem protagonistas no enfrentamento à desinformação. Com essa configuração, este projeto se alinha à primeira diretriz do Plano Nacional de Extensão, pois contempla atividades de ensino, pesquisa e extensão de modo indissociado, vinculando-se ao processo de formação de pessoas – no caso os discentes da UFPB e os estudantes da escola pública contemplada, com pesquisa em cada uma das etapas de sua implementação. Neste projeto, os discentes de graduação e os estudantes da escola são os protagonistas da própria formação, uma vez que, como pretendemos evidenciar após a execução deste projeto, serão convidados a atuar como formadores.
Os dados gerados neste trabalho podem contribuir para que o poder público possa compreender o que está acontecendo nas escolas e encaminhar a propositura de novas ações, de caráter permanente, de combate à desinformação. Desta forma, é possível incentivar a interação entre a universidade pública (no caso deste projeto, a UFPB), em especial a licenciatura em Letras-Português, e instituições públicas de ensino do município João Pessoa. O êxito deste projeto pode contribuir também para a UFPB atender os dois memorandos de entendimento com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nos quais a Universidade se compromete a contribuir para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial a oferta de educação de qualidade e formação de recursos humanos e o desenvolvimento de iniciativas científicas e tecnológicas inovadoras.
O projeto encontra respaldo também na própria BNCC (Brasil, 2018), tanto no que diz respeito às habilidades a serem desenvolvidas nos anos finais do ensino fundamental, quanto no ensino médio. Nos anos finais do ensino fundamental, podemos destacar as habilidades EF08LP01 e EF09LP01, as quais, em linhas gerais, tratam da identificação e comparação de editorias de jornais e de sites noticiosos, bem como da análise do fenômeno da disseminação de textos de desinformação nas redes e as devidas estratégias para reconhecê-las e combatê-las. No ensino médio, podemos destacar as habilidades EM13LP39 e EM12LP40, as quais tratam da importância, nesse nível de ensino, de se usar procedimentos de checagem de fatos, bem como de se analisar a desinformação como fruto do fenômeno da pós-verdade e de se adotar atitude ao mesmo tempo crítica e flexível em relação à desinformação e à revisão de crenças e opiniões.
Na próxima seção, analisamos as contribuições teóricas da Linguística Cognitiva – LC para este projeto, em associação com outras vertentes teóricas, como a Pedagogia Crítica.
1. Contribuições da Linguística Cognitiva para o projeto “Escola sem fake”
Neste projeto, os textos de desinformação são definidos como “práticas comunicativas estruturadas por meio de uma produção textual em larga escala, produção essa concebida no/e incorporada tanto ao campo jornalístico como ao campo político” (Bentes; Souza-Santos, 2023, p. 15). A finalidade principal desses textos é a deterioração das relações sociais e das instituições democráticas. Para Alves e Maciel (2020), a desinformação se caracteriza por uma ação engajada a partir de uma informação consumida, produzida e compartilhada para sustentar uma narrativa ou enfraquecer narrativas consideradas inimigas.
Nesse sentido, entendemos que a desinformação vai além da mera divulgação despretensiosa de uma informação ou notícia falsa – o que caracteriza, por exemplo, as fake news. O objetivo da desinformação é vencer uma disputa ideológica a qualquer preço, ainda que se crie uma realidade paralela na qual as pessoas deixam de se questionar sobre a veracidade da informação que estão consumindo (Alves; Maciel, 2020). Em termos linguísticos, as palavras e expressões utilizadas, somadas em alguns casos a recursos imagéticos, materializam a desinformação, com a utilização de meios estratégicos no modo de argumentar, na organização sintática, na associação a um gênero do discurso, a fim de que seja dada credibilidade e noção de verdade (Freitas; Silva, 2020, p. 180).
Pelas razões que expusemos na seção anterior deste artigo, esse debate precisa estar na sala de aula e ser embasado a partir de uma perspectiva crítica. Uma Pedagogia Crítica considera papel fundamental da escola “ensinar o aluno a identificar, nos textos que lê ou escreve, índices de manifestação de subjetividade, levando-o à compreensão de que a linguagem não é ‘neutra’ quanto às relações de poder da sociedade de que ele faz parte.” (Kleiman; Santos-Marques, 2020, p. 41). Nessa perspectiva, entendemos que a escola é espaço essencial para combater a cultura de manipulação por meio da desinformação, e que “uma educação linguística baseada na criticidade e na alteridade ensina o aluno a ler a realidade social à sua volta, a ter uma postura ética e respeitosa, não aderindo ingenuamente a um discurso aparentemente inocente, mas extremamente segregador e ideológico” (Kleiman; Santos-Marques, 2020, p. 49).
Assim, em nossas oficinas, que seguirão a perspectiva de letramento crítico trazido pela Pedagogia Crítica, o diálogo com os estudantes da educação básica será orientado para refletirmos acerca das diversas possibilidades de sentidos dos textos de desinformação a serem trabalhados. Com isso, esperamos que eles reflitam sobre a necessidade de assumir uma postura ativa diante desses textos, reconhecendo vozes com as quais esses textos dialogam. Acreditamos que os textos que veiculam desinformação, impulsionados pelas redes sociais, têm sido um vetor decisivo na construção de narrativas.
O ato de narrar, que é uma atividade essencial ao pensamento humano (Turner, 1996), – e infelizmente tem sido deixado de lado no ensino de Língua Portuguesa em detrimento do tal tipo “dissertativo-argumentativo” –, passa a construir, nesses textos, ritos que não são os socialmente estabelecidos nem convencionalizados, o que demanda pressão sobre a forma como os interagentes da língua lançam mão dos mecanismos linguísticos. Investigar a desinformação sugere quem são os atores socialmente empoderados por manipulá-las, o que faz emergir as razões por que determinadas narrativas falaciosas são tão facilmente aceitas e reproduzidas, ou seja, as condições de produção dos textos.
Nesse sentido, ao se adentrar no mundo dos textos de desinformação na escola, a expectativa deste projeto é conseguir entender como se dá a relação visceral entre língua(gem), cognição e cultura, e como tal relação permeia os textos produzidos nas mídias sociais, no que tange à consolidação de normas, representações e ideologias (Fairclough, 2008). Partindo, então, do pressuposto da Linguística Cognitiva de que “a língua oferece uma janela dentro da função cognitiva, promovendo ‘insights’ sobre a natureza, a estrutura e organização dos pensamentos e das ideias” (Evans; Green, 2006, p. 5 – tradução nossa), a análise de mecanismos linguísticos nos textos de desinformação dentro de contextos que favorecem a disseminação de discursos de ódio (como as redes sociais), pode contribuir para entendermos o elo indissociável entre sujeitos cognitivos que participam desse contexto, língua(gem), cognição e cultura, compreendendo o que torna textos que veiculam desinformação tão atraentes, principalmente para os usuários das redes sociais.
Tratando de narrativas de uma maneira geral, Bruner (2014) aponta dois motivos principais para elas serem analisadas detidamente: o primeiro é controlar os seus efeitos. Nas narrativas falsas, por exemplo, esse controle é fundamental; afinal, nos encontramos em um contexto cultural e político que favorece a sua propagação: radicalização política, guerra ideológica, grandes incertezas, medos, crises econômicas e descrédito das instituições tradicionais (Alves; Maciel, 2020). O segundo é entender como as narrativas criam representações que devem ter o status quo (e mitos) questionado.
Portanto, um pressuposto básico de qualquer estudo sobre narrativas, sejam elas falaciosas ou não, é: elas são construídas para produzir sentidos e justificar ações. É por meio desses sentidos que as pessoas passam a atribuir valores às suas ações no mundo e a criar pensamentos ainda mais abstratos, que envolvem teorias, explicações e hipóteses a respeito desse mundo, o qual, segundo Marcuschi (2007), não é composto por dados a priori, mas, sim, construído com base nas sociointerações e na história do sujeito e da comunidade em que ele se insere. Nessa perspectiva, as narrativas estão na base conceptual dos seres humanos: elas são o pontapé inicial para que relações sociais (ainda mais) complexas possam emergir.
De tão naturais no nosso dia a dia, muitas vezes não paramos para pensar o que há por detrás da produção das histórias e quais as razões para aceitarmos/normalizarmos algumas ou para rejeitarmos/estranharmos outras. Dito de outro modo, pelo fato de estarmos em contato diário com histórias, simplesmente nos esquecemos de questionar o que está por trás de algumas narrativas que são exaustivamente contadas e recontadas (Lakoff, 2000).
Exemplifiquemos essa discussão comparando os seguintes enunciados:
(1) O filho caiu e ralou o joelho. A mãe o abraçou e fez um curativo.
(2) O filho caiu e ralou o joelho. A mãe continuou a verificar as notificações no celular.
Enquanto em (1) temos uma relação de causa e efeito socialmente esperada, em (2) há estranhamento. Sob um olhar da cultura ocidental, a mãe, construída cognitivamente nessa cultura como “guardiã”, “protetora” das crianças, deveria ter respondido de imediato ao acidente do filho, como descrito em (1). A postura adotada em (2), por sua vez, poderia gerar críticas, materializadas em perguntas como: o que aconteceu para essa mãe não agir? Como pode ela ficar impassível, pensando unicamente em seus compromissos pessoais, quando seu filho passa por momentos de dificuldade?
Com base nesse exemplo, é possível perceber que conceitos abstratos e complexos como “mãe sofredora”, “mãe protetora”, “mãe má” têm sua base conceptual sustentada pelas narrativas. Nas palavras de Lakoff (2000), as pessoas diferenciam histórias com base em suas expectativas, as quais são criadas e ressignificadas pela experiência prévia e pelo conhecimento cultural compartilhado dentro da sociedade.
Assim, a interpretação de uma narrativa falsa como verdadeira revela, ao mesmo tempo, como se constituíram experiências prévias e como o conhecimento social e cultural influencia decisivamente o modo como representamos tais experiências. Nessa representação, a língua ocupa um papel central, uma vez que ela é construída com base nas sociointerações e na história do sujeito cognitivo e da comunidade em que ele se insere (Marcuschi, 2007).
Conforme mencionado anteriormente, as narrativas são uma condição da existência humana – e por isso merecem um destaque maior na escola, em especial em atividades de leitura e de produção de textos. Elas representam também formas de dominação, haja vista que algumas narrativas, em especial as construídas/reproduzidas nos textos de desinformação, enquanto aparato de guerra ideológica, são socialmente empoderadas para circular e, ao mesmo tempo, criar/reforçar ideologias, enquanto outras ficam limitadas a pequenos grupos e, em alguns casos, dificilmente se fazem ouvidas. Para começarmos a entender por que essa divisão social acontece, precisamos retomar o conceito de poder social (Van Dijk, 2008; 2011).
Textos que desinformam sobre as minorias, por exemplo, podem legitimar uma ideologia de violência tanto física quanto simbólica. Tal legitimação ocorre porque a ideologia e o poder se constroem por meio de frames narrativos capazes não apenas de organizar a experiência humana em um modo único, mas, principalmente, prevenir a emersão ou a escuta de diferentes vozes (De Fina; Georgakopoulou, 2012).
Ainda segundo De Fina e Georgakopoulou (2012), as narrativas – e neste projeto mais especificamente as criadas nos textos de desinformação – devem ser analisadas, portanto, sob três aspectos: i) a análise do papel delas no acesso ao e no controle dos processos sociais; ii) a análise das estratégias interacionais e retóricas empregadas para encobrir ou construir poder, autoridade e credibilidade; e iii) análise dos mecanismos que permitem as pessoas empoderadas socialmente a dominar outras que não detêm o mesmo poder.
Para dar conta de analisar essas demandas, a Linguística Cognitiva oferece um arcabouço teórico bastante robusto. No projeto “Escola sem fake”, pretendemos estabelecer um diálogo entre categorias dessa corrente (principalmente os frames), e os textos de desinformação que circulam socialmente nas redes sociais, as quais são entendidas como contextos (Fillmore, 1982; Ferrari, 2011) motivadores para os fatos da língua. Esse diálogo pode revelar mais detalhes acerca de como a desinformação se materializa a partir do sistema linguístico – e de uma posição socialmente privilegiada – para construir “uma máquina de comunicação superpotente, concebida em sua origem para fins comerciais, transformada em instrumento privilegiado de todos aqueles que têm por meta multiplicar o caos” (Da Empoli, 2020, p. 25).
O “Escola sem fake” pretende investigar o funcionamento da desinformação em contextos reais de uso linguístico, o que implica também compreender os processos sociocognitivos envolvidos nessas situações. Optamos, portanto, por um recorte teórico-metodológico que alinhe a análise linguística nos domínios da semântica, da pragmática, da cognição e do discurso, o que implica um recorte funcionalista de língua (Martelotta; Alonso, 2012). Ademais, alinha-se também à perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, a qual assume a centralidade do texto como unidade de análise, aos moldes da proposta da BNCC (Brasil, 2018) para o ensino de Língua Portuguesa, contribuindo, assim, para que a desinformação seja debatida a partir de seus contextos de produção.
A Linguística Cognitiva – LC se mostra adequada aos objetivos deste projeto porque trata a estrutura linguística como derivada de processos de domínio geral, que são aqueles que também operam em outras áreas da cognição que não necessariamente a linguagem (Bybee, 2016). Desse modo, ao se analisar a língua em uso em textos que veiculam desinformação, buscaremos princípios cognitivos de categorização, da organização conceptual, dos aspectos ligados ao processamento linguístico, e, principalmente, da experiência humana organizada contextualmente a partir de atividades individuais, sociointeracionais e culturais (Furtado da Cunha; Bispo; Silva, 2013). Em outras palavras, de acordo com a LC, a língua, longe de ser autônoma, nos fornece pistas sobre os processos cognitivos de domínio geral, que são fundamentais para interagirmos socialmente com o mundo.
Bybee (2016) defende, portanto, que uma teoria linguística baseada no uso (usage-based theory) deve estudar a estrutura da língua não como os pilares de um edifício, cujo formato e estrutura são previamente estabelecidos; mas como dunas de areia, cujo formato e estrutura estão à mercê das forças que contribuem para produzir os padrões observáveis. É essa maleabilidade que faz da língua um sistema adaptativo complexo, pois, por detrás de uma aparente estabilidade da gramática, agem fatores sociais e culturais que pressionam esse sistema e, ao mesmo tempo, são moldados pelo próprio sistema. No caso da desinformação, recaem fatores sociais e culturais sobre o modo como os seus criadores enxergam as personagens no enredo que estão sendo construídos.
Em suma, a Linguística Cognitiva considera que a linguagem constrói a percepção que os seres humanos têm do mundo pelas narrativas. Narrar não se restringe, pois, apenas a um relato afastado dos fatos, como muitas vezes nos é ensinado na escola. Narrar pressupõe persuadir e influenciar o modo como os seres humanos tomam suas decisões (Abreu, 2020), uma vez que, conforme nos ensina Turner (1996), é por meio das narrativas que ideologias, valores, conceitos etc. circulam socialmente e são moldados cognitivamente, em especial em textos que manipulam dados e informações em prol de uma determinada ideologia.
A fim de exemplificarmos esse debate, detalhamos agora um construto teórico da LC que, com a devida adequação didática, deverá estar presente nas atividades de leitura, produção textual e análise linguística que proporemos nas oficinas: os frames.
Segundo Lakoff (2000), a relação língua-conhecimento de mundo se dá, pelo menos, por duas formas: de um lado, a estrutura linguística afeta o modo como percebemos a realidade; de outro, o conhecimento prévio do mundo nos permite utilizar determinadas formas linguísticas. Por essa correspondência língua-conhecimento de mundo, se forma o conceito de frame, um conjunto de conhecimentos predeterminados que contribuem para a compreensão de um enunciado (Lakoff, 2000).
Nessa perspectiva, defendemos o frame enquanto estrutura cognitiva articuladora dos sentidos das palavras com base no funcionamento das instituições sociais e nas experiências que elas proporcionam. Longe de ser um mero “dado armazenado”, o frame representa um sistema de conhecimentos complexos, constantemente construído e ressignificado na memória. Consequentemente, para compreender um frame na sua complexidade, é preciso analisar a própria dinâmica responsável por sua ativação e seu remodelamento a cada novo contexto. Essa (re)construção está imbricada com os elementos e entidades presentes nas cenas da experiência humana, a partir da mobilização de bases físicas e culturais que constituem essa mesma experiência.
Ao tratarmos de “cenas da experiência humana”, compreendemos a importância das narrativas para a construção/ressignificação de frames, pois pareamos em nossa memória – eminentemente narrativa – situações pregressas com o momento presente e, assim, tomamos decisões. Segundo Abreu (2020), as narrativas têm o poder de habilitar ou desabilitar elementos do frame, com base na intenção comunicativa do enunciador (emocionar, justificar, criar suspense etc.). No caso da desinformação, distorce-se a correlação dos fatos narrados para se apagar as informações indesejadas e, ao mesmo tempo, se produzir um mundo desejado, de maneira muitas vezes abusiva e perversa.
Embora relativamente estáveis, os frames – enquanto padrões de conhecimento – são continuamente validados e moldados pelo contexto interacional e pelos itens lexicais que o evocam. No frame da ”fraude eleitoral”, por exemplo, são articulados dinamicamente elementos como a desconfiança das urnas eletrônicas, a suposta interferência do judiciário, a manipulação de pesquisas e a conspiração da mídia. Cada um desses elementos pode se desdobrar em cenários ainda mais complexos, que mobilizam circunstâncias, causas e realidades socioculturais. Aos “engenheiros do caos” (Da Empoli, 2020), cabe decidir quais desses nós da rede serão explicitamente ativados para construir as narrativas, com base nas pretensões comunicativas, sociais e políticas.
Dancygier (2012) considera que basta um único estímulo para que toda a rede de associações do frame seja evocada. Como exemplo, pensemos na desinformação sobre vacinas: alguém que deseja propagar boatos sobre “microchips chineses inseridos nas vacinas para monitorar as pessoas” não precisa apresentar uma teoria completa; é suficiente que mencione o termo “microchip” ou “monitoramento” para que toda a estrutura de conspiração – atrelada a controle populacional, vigilância e outros perigos – seja cognitivamente reconstruída por quem já foi exposto a essa narrativa. No caso da desinformação, esse processo dinâmico é o mecanismo central: a partir da rearticulação maliciosa do frame, estabelecem-se conexões que não condizem com a realidade.
Os frames nem sempre evocam entidades concretas. Pelo fato de fazermos associações sobre os comportamentos humanos no mundo e sobre a maneira com que nos relacionamos com outras pessoas e as entidades desse mundo, o sistema conceptual humano é eminentemente metafórico (Lakoff; Johnson, 2002[1980]). Logo, o nosso modo de pensar e agir no mundo está diretamente atrelado às associações metafóricas que fazemos na vida cotidiana.
Lakoff (2000) argumenta que a habilidade de promover ou suprimir certas conexões dentro dos frames constitui poderosa forma de controle social. Visto que nossa capacidade cognitiva é mobilizada pela linguagem – e, em especial, por narrativas –, a disputa por seu controle se torna crucial. Definir quais frames serão evocados e quem tem legitimidade para usá-los para construir sentidos é, fundamentalmente, uma disputa por poder. Portanto, as batalhas narrativas são, em essência, um esforço contínuo para reforçar percursos cognitivos em detrimento de outros, com o objetivo de moldar/reconstruir parte significativa de nossa realidade (Lakoff, 2000).
Nessa discussão, os textos de desinformação se apresentam como arena privilegiada para a criação/manutenção/adulteração de frames. Amsterdam e Bruner (2000) argumentam que a narrativa opera para confirmar ou subverter expectativas que os frames ativam sobre a atuação dos participantes de uma cena. Contudo, os textos de desinformação sequestram esse processo com itens lexicais que visam seduzir/enganar/violentar para explorar o viés de confirmação e as carências afetivas dos leitores. A finalidade é evocar emoções negativas, que convidam o leitor a agir sob um sentimento de raiva (Da Empoli, 2020).
2. Como pretendemos colocar o bloco na rua
Com base nos pressupostos da LC apresentados na seção anterior, defendemos a necessidade de trabalhar nas oficinas com a análise de textos reais de desinformação, no funcionamento em eventos discursivos reais. Para tanto, lançaremos mão em cada etapa do projeto de ferramentas propostas pela pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa se preocupa com o processo social e com o contexto em que os processos ocorrem. No caso de um projeto como o “Escola sem fake”, que tem a LC em interface com a Pedagogia Crítica como aparato teórico, a abordagem qualitativa nos leva a ir além do que é previsível pelas regras da gramática tradicional e encontrar no âmbito da cognição e da interação social as motivações para os usos discursivos.
Assim, o pesquisador que lança mão da abordagem qualitativa está ciente de que essa abordagem se debruça sobre o novo e se lança ao desenvolvimento de teorias empiricamente fundamentadas. Desse modo, a pesquisa qualitativa vai em busca da pluralidade dos campos de atuação por meio da observação das ligações entre os objetos para, então, começar a construir uma figura mais concreta. Para o pesquisador qualitativo, não há sentido em estudar um mundo já pronto que se encaixa perfeitamente nas variáveis artificialmente criadas em algum laboratório.
Um aspecto fascinante da pesquisa qualitativa – e fundamental para o projeto “Escola sem fake” – é a possibilidade de confirmar “a variedade de perspectivas (...) sobre o objeto, partindo dos significados sociais e subjetivos a ele relacionados” (FLICK, 2009b, p. 24). Pelo fato de se debruçar sobre o modo como os discursos interagem nos mais diversos contextos reais da vida cotidiana, mais especificamente as redes sociais, repletas de desinformação, a pesquisa qualitativa permite um olhar diferenciado para a diversidade desses discursos.
Para esta ação, serão utilizados três métodos da pesquisa qualitativa: a entrevista narrativa, a análise documental e a pesquisa-ação, sendo que essas duas últimas acontecem praticamente de forma simultânea.
A entrevista narrativa se inicia, segundo Flick (2009a), com uma pergunta gerativa de narrativa – no caso desta pesquisa episódios da vida dos alunos em que eles tiveram contato com desinformações e como eles agiram diante delas. A finalização da entrevista narrativa se dá com perguntas que possam estimular mais relatos de outros episódios associados à experiência principal – por exemplo, a narração de episódios de desinformação ocorridos apenas na escola ou com algum colega. Acreditamos ser de suma importância ouvir a voz dos estudantes, que muito têm a nos ensinar sobre as redes sociais e sobre o acesso aos textos de desinformação. Assim, com as entrevistas narrativas, pretendemos também conhecer melhor os estudantes e buscar meios para que eles se sintam valorizados; conhecer seus traços culturais; identificar seus anseios, receios e, principalmente, as dificuldades enfrentadas com relação à desinformação.
As entrevistas narrativas podem nos auxiliar a compreender os frames que os estudantes utilizam para construir, interpretar e narrar suas realidades. Em parceria com os estudantes, pretendemos criar um espaço em que os frames são postos em movimento, testados e ressignificados.
Após as entrevistas, procedemos à degravação delas e ao levantamento das necessidades dos estudantes acerca da problemática da desinformação. Sob a ótima da dinâmica dos frames, essa análise é um mapeamento de como os estudantes constroem a realidade da desinformação. Conhecer o que eles já sabem pode nos auxiliar a compreender os frames já consolidados e utilizados com frequência. Conhecer o que eles ainda não sabem, pode explicar por que eles mesmos caem em boatos, ou ainda as fraturas e as insuficiências dos frames que já foram construídos. Logo, as oficinas não serão simplesmente “ensinar sobre fake news”, mas reconstruir um ambiente que possa reconstruir frames.
A segunda metodologia qualitativa é a análise documental. Os documentos são uma forma de institucionalizar, pela escrita, determinadas práticas sociais. Conforme aponta Flick (2009b, p. 230), a vida em sociedade se complexificou de tal forma que “dificilmente qualquer atividade institucional – do nascimento à morte de pessoas – ocorre sem produzir um registro”. Desse modo, eles são fontes vivas de como as atividades sociais eram avaliadas no passado, e de como essas atividades sociais são desempenhadas no presente.
Cellard (2014) confirma o caráter precioso dos documentos, haja vista que eles são insubstituíveis na tentativa de se reconstituir um passado relativamente distante. Ao mesmo tempo, os documentos materializam procedimentos padrões que precisam ser seguidos pelas instituições. No caso deste projeto, os textos de desinformação que serão coletados nas mídias sociais para servirem de material de análise nas oficinas, revelam representações e ideologias evocadas na tentativa de se defender certo espectro ideológico.
Flick (2009b, p. 232) defende que os documentos mostram muito mais do que a representação dos fatos ou da realidade. Para ele, “alguém (ou uma instituição) os produz visando a algum objetivo (prático) e a algum tipo de uso (o que também inclui a definição sobre a quem está destinado o acesso a esses dados)”, o que implica considerar na pesquisa as características do documento e o contexto específico em que foi produzido.
Cellard (2014) aponta três desafios para o pesquisador qualitativo que deseja se lançar na análise documental. O primeiro é a localização de textos pertinentes. Muitas vezes, os documentos são de difícil acesso ou raros, o que pode ser um entrave para a pesquisa. O segundo é a credibilidade e a representatividade. No caso deste projeto, há uma inversão no critério credibilidade, uma vez que os textos de desinformação não gozam desse atributo, mas terão de ser o material principal de análise. No caso da representatividade, o pesquisador tem de ter em mente que a pesquisa qualitativa aponta para o caráter mais local, mais contextualizado dos documentos. O terceiro desafio é o de contentar-se com as informações fornecidas pelo documento. Segundo Cellard (2014, p. 299), o pesquisador precisa aceitar o documento da forma in natura, o que demanda a composição de algumas fontes documentais “mesmo as mais pobres, pois elas são geralmente as únicas que podem nos esclarecer, por pouco que seja, sobre uma situação determinada”.
No caso deste projeto, os dois primeiros desafios podem ser resolvidos com certa facilidade, pois os textos de desinformação podem ser encontrados em larga escala nas redes sociais e em sites de checagem (ex. Aos fatos, Agência Lupa etc.). O terceiro desafio demanda soluções um pouco mais complexas. De acordo com Flick (2009b), um passo significativo da pesquisa documental é decidir a respeito da amostragem. Nesse ponto, Flick (2009b) sugere que sejam respondidas pelo menos duas perguntas: 1) a amostra será constituída de uma quantidade representativa de todos os documentos de um certo tipo? 2) a amostra tem como finalidade a reconstrução de um caso?
A análise documental é, portanto, metodologia básica nas oficinas deste projeto. Todas as pessoas envolvidas no projeto – coordenador do projeto, graduandos do curso de Letras-Português, estudantes e professores das escolas – são convidadas a pesquisar nas redes sociais e nos sites de checagem diversos temas para serem utilizados nas oficinas da terceira etapa deste projeto. A ideia é categorizar os textos de desinformação por temática e decidir coletivamente qual/quais será/serão trabalhadas nas oficinas.
Nessas primeiras oficinas, que deverão ocorrer semanalmente, com duração de duas horas, a dinâmica será a seguinte: cada integrante do projeto apresenta pelo menos três textos de desinformação e informa: a categoria em que ela se encontra, as categorias teóricas da LC utilizadas para a análise e sugestões de como abordá-las. Após a composição desse corpus, a ideia é analisar os textos de desinformação à luz das categorias teóricas da Linguística Cognitiva, procurando identificar padrões de uso dos frames. A fim de alcançar um público mais abrangente, essas análises também podem ser apresentadas no formato de podcast e/ou de textos de divulgação científica, o que contará com a participação efetiva dos estudantes da educação básica.
O processo de análise documental dos textos de desinformação seguirá os pressupostos da pesquisa-ação. De acordo com Paiva (2019), a pesquisa-ação em linguística envolve um professor pesquisador ou um grupo de professores em colaboração com o objetivo de compreender um ambiente educacional e propor melhorias a ele. A pesquisa-ação é, pois, participativa, uma vez que os pesquisadores e os colaboradores são parceiros na produção de conhecimento teórico e prático sobre a situação. Por meio da pesquisa-ação, reforça-se o espírito de colegialidade, colaboração e envolvimento dos participantes que são atores no contexto e têm mais probabilidade de se afetar pelas mudanças, as quais visam à continuidade, ao autodesenvolvimento e ao crescimento.
Thiolent (1992) destaca também o caráter intervencionista da pesquisa-ação com objetivo de propor mudanças positivas a um contexto, em especial pelo mapeamento dos problemas identificados, pela reflexão sobre os encaminhamentos, pela conscientização dos participantes sobre esses problemas e pela produção de conhecimento para a coletividade investigada.
Nessa perspectiva, este projeto descreve empiricamente os microcosmos das salas de aula a partir das situações concretas, no caso as oficinas, buscando-se apresentar uma intervenção que coletivamente resolva os problemas que foram detectados durante a análise documental. Para tanto, a equipe procede à observação participante no contexto das oficinas, nas quais estamos, ao mesmo tempo, intervindo por meio de novas estratégias de formação linguística e descrevendo, em forma de relatórios, o processo interacional que se construiu naquele ambiente, além dos aspectos positivos e negativos da experiência.
Em princípio, estimamos o total de 21 oficinas, divididas em dois blocos, a saber:
● Bloco 1, intitulado “‘Epa, peraí, tem algo estranho aqui’: aprendendo a identificar desinformação”. São oficinas em que, a partir da pesquisa documental, debatemos coletivamente os textos que veiculam desinformação e, com base numa abordagem didática e adaptada de pressupostos teóricos da LC, mostramos como identificar, por meio da leitura crítica e da análise linguística, as estratégias utilizadas nesses textos para veicular desinformação. As oficinas são conduzidas pelos discentes da UFPB, com o acompanhamento do docente coordenador do projeto. A ideia é comparar artigos de notícias, vídeos das redes sociais e notícias falsas e compreender as nuances linguísticas nos discursos de cada um deles, a partir das categorias teóricas da LC, em especial os frames. Ao término desse bloco, faremos, na escola, uma avaliação coletiva das atividades, com a participação da equipe do projeto e dos alunos para obtermos deles um retorno quanto ao desenvolvimento das atividades. Estimulamos a divulgação dos dados da oficina nas mídias sociais da escola, caso existam.
● Bloco 2, intitulado “‘Desinformação na minha escola não se cria!: criando material de prevenção à desinformação”. Nas oficinas que compõem esse bloco, todas as pessoas envolvidas no projeto trabalham juntas para produzir textos que contribuam para alertar a comunidade escolar sobre o perigo da desinformação. Num primeiro momento, a expectativa é que sejam produzidos memes, panfletos, vídeos curtos etc., a depender dos recursos disponíveis na escola. Podem ser ministradas também oficinas de edição de fotos e vídeos para se debater o quanto é fácil manipular informações. Ao término desse bloco, faremos, na escola, uma avaliação coletiva das atividades, com a participação da equipe do projeto e dos alunos para obtermos deles um retorno quanto ao desenvolvimento das atividades. Estimularemos a divulgação dos dados da oficina nas mídias sociais da escola, caso existam.
3. Considerações (longe de serem) finais
A Linguística Cognitiva se apresenta como um arcabouço teórico fundamental para o projeto "Escola sem fake". A partir de seus pressupostos teóricos, podemos compreender o funcionamento da linguagem intrinsecamente conectado com processos cognitivos e experiências socioculturais dos falantes. Essa perspectiva é essencial para a análise de textos que veiculam desinformação, os quais manipulam estruturas cognitivas básicas para construírem narrativas que parecerem críveis. A LC nos mostra que as narrativas são fundamentais para a cognição humana e para a construção de sentido. Ao entender como as narrativas falsas são estruturadas para parecer coerentes, os estudantes podem desenvolver uma postura mais crítica diante dos textos que circulam nas redes sociais.
Com a abordagem sobre os frames nas oficinas, pretendemos contribuir para a formação crítica dos estudantes da educação básica para identificar como os textos de desinformação ativam seletivamente elementos de nosso conhecimento prévio para manipular a percepção – e construção – da realidade. A expectativa é que, ao compreender esse mecanismo, os estudantes consigam questionar e desconstruir criticamente narrativas falsas. Nessa perspectiva, a LC se alinha à perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem proposta pela BNCC (Brasil, 2018) e à Pedagogia Crítica, contribuindo para a formação de estudantes-sujeitos letrados, capazes de analisar textos em dimensões linguístico-enunciativas, situacionais, interacionais, culturais, intertextuais e discursivas.
Esperamos, assim, que o projeto "Escola sem fake", ao utilizar o arcabouço teórico da Linguística Cognitiva, contribua significativamente para o desenvolvimento de políticas públicas permanentes de combate à desinformação, formando cidadãos críticos capazes de navegar com mais segurança em ambientes digitais. Esperamos também oferecer uma solução educacional de longo prazo, preparando as novas gerações para resistir aos textos que veiculam desinformação e preservar os valores democráticos.
Informações Complementares
Conflito de Interesse
O autor não tem conflitos de interesse a declarar.
Declaração de Disponibilidade de Dados
O compartilhamento de dados não é aplicável a este artigo, pois nenhum dado novo foi criado ou analisado neste estudo.
Declaração de Uso de IA
O autor declara que nenhuma ferramenta de IA foi utilizada na criação deste manuscrito nem em qualquer aspecto dos trabalhos realizados cujo resultado está reportado no manuscrito.
Referências
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Avaliação
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N5.ID850.R
Decisão Editorial
EDITOR 1: Dermeval da Hora Oliveira
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9303-5664
AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.
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EDITOR 2: Jan Edson Rodrigues Leite
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9054-0673
AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.
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EDITOR 3: Alvaro Magalhães Pereira da Silva
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1980-9750
AFILIAÇÃO: Instituto Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil.
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EDITOR 4: Erivaldo Pereira do Nascimento
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4595-1550
AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.
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CARTA DE DECISÃO: É com grande satisfação que informamos a decisão de aceitar o manuscrito intitulado "Contribuições da Linguística Cognitiva para o projeto de ensino "Escola sem fake" (PROLICEN/UFPB)" para publicação em nossa revista. O artigo foi submetido à avaliação de nossos pareceristas, que reconheceram a relevância e a qualidade do trabalho. Ambos destacaram a importância do tema — o combate à desinformação por meio da educação — e a abordagem bem fundamentada nas Ciências Cognitivas e na Linguística Cognitiva. A pertinência do projeto "Escola sem fake" (PROLICEN/UFPB) como ferramenta para desenvolver o senso crítico dos estudantes foi especialmente valorizada.
Rodadas de Avaliação
AVALIADOR 1: Aline Aver Vanin
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9984-6043
AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
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AVALIADOR 2: Mônica Fontenelle Carneiro
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0233-3450
AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Maranhão, Maranhão, Brasil.
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AVALIADOR 3: Edjane Gomes de Assis
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1656-1112
AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba’, Brasil.
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RODADA 1
AVALIADOR 1
2025-04-21 | 04:31 PM
O texto "Contribuições da Linguística Cognitiva para o projeto de ensino “Escola sem fake” (PROLICEN/UFPB)" apresenta uma breve contextualização sobre os efeitos danosos de fake news e desinformação na vida pública e apresenta o projeto "Escola sem Fake [...]". Seu objetivo explícito no resumo é apresentar "as contribuições do arcabouço teórico da Linguística Cognitiva – LC", o que parece incompleto, dado o teor do texto; já no corpo do texto, o objetivo - não do projeto em si - não está expresso na introdução, o que é imprescindível para compreender a intenção do autor desde o início. O projeto descrito baseia-se na Pedagogia Crítica, implementando o letramento crítico para estudantes de ensino fundamental. O texto, a princípio, parece prometer uma análise das contribuições da Linguística Cognitiva para o projeto Escola sem Fake. Porém, ao chegar à seção 3 ("Como pretendemos colocar o bloco na rua"), há uma mudança de rumo e o que se segue é uma longa descrição da metodologia do que se pretende fazer, inclusive utilizando o tempo verbal futuro, destoando do que se supostamente pretendia como objetivo primeiro. O que esta seção indica é que se trata de parte do projeto que ainda será executado, porém sem de fato descrever as contribuições da Linguística Cognitiva, indicando, por exemplo, de que modos esta base teórica poderia ser relevante para o letramento crítico desses estudantes, nem como esta pode ser uma solução educacional para o combate à desinformação. Cabe, então, repensar qual é, de fato, o objetivo do texto que se apresenta - que não é o objetivo do projeto - e adequar seu conteúdo de modo que a escrita alcance este objetivo.
Sugiro algumas correções pontuais: primeiro, revisar a afirmação de que conhecimentos complexos são *estocados*, ou *armazenados*, na memória de longo prazo (p. 7); tais vocábulos parecem sugerir que estes conceitos são estanques. Conhecimentos advindos da memória enciclopédica, construídos pela experiência, são evocados para elaborar novos conceitos a cada nova interação. Ainda, deve-se revisar o texto com o propósito de eliminar o uso excessivo de adjetivos e de advérbios e as repetições de palavras em um mesmo enunciado ("independentemente", p. 2), trazer referências a exemplos citados (na p. 2), eliminar comentários como "por óbvio", que nada acrescentam ao texto, colocar estrangeirismos (a priori, frame, fake news etc.) em itálico.
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AVALIADOR 2
2025-07-23 | 10:10 PM
Diante da grave disseminação das fake news e ancorado nas Ciências Cognitivas e no texto para a análise no ensino de Língua Portuguesa, este artigo destaca o papel da escola no seu controle e redução, por meio da criação e implantação de projetos como o “Escola sem fake: oficinas de leitura, produção textual e análise linguística no combate à desinformação”, do (Prolicen/UFPB), que objetiva desenvolver, nos seus alunos, atitudes críticas e responsáveis diante dessas fake news.
Considerando a grave situação decorrente da intensa e cada vez mais danosa disseminação de textos de desinformação tanto nas redes sociais quanto por meio delas, o artigo aqui avaliado tem como seu principal objetivo apresentar um projeto intitulado “Escola sem fake: oficinas de leitura, produção textual e análise linguística no combate à desinformação” do Programa de Apoio às Licenciaturas da UFPB (Prolicen/UFPB). O(A) autor(a) destaca que tal projeto tem como foco a capacitação de alunos de escolas públicas do município de João Pessoa, de forma que possam identificar e desconstruir textos de desinformação (fake news), por meio de oficinas de leitura, produção de textos e análise linguística”. Depois de abordar as dificuldades do século atual, destacando seus principais problemas sociais e seu enfrentamento no estrangeiro e no Brasil, o(a) autor(a) descreve a ancoragem teórica adotada, realçando os pressupostos da LC e suas interfaces não só com a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, segundo a qual o texto é unidade de análise, conforme orienta a BNCC (BRASIL, 2018), mas também com a contribuição da Pedagogia Crítica, que defende a formação de alunos-sujeitos letrados, capazes de realizar análises em dimensões diferentes (linguístico-enunciativas, situacionais, interacionais, culturais, intertextuais e discursivas). Essa fundamentação teórica é bem clara e criteriosamente discutida, com referências valiosas para aprofundamento das discussões. Os procedimentos metodológicos, por sua vez, são cuidadosamente descritos e enriquecidos por detalhes que permitem que o leitor facilmente acompanhe o desenvolvimento de cada etapa do projeto. Sua implementação certamente permitirá a consecução de seu objetivo e atingimento de seus resultados e impactos que, desde já, mostram-se promissores e serão considerados valiosos, por incluírem, a saber: a publicação dos dados obtidos em artigos, capítulos de livro, podcasts e demais mídias; a produção de material didática com base não só nos pressupostos da LC, mas também nos procedimentos de análise da desinformação (fake News), com as devidas orientações metodológicas para o desenvolvimento de atividades em salas de aula de LP na educação básica; assim como as contribuições para o fortalecimento de políticas públicas de ensino para o combate à desinformação. Além de uma ótima organização, o texto conta com uma linguagem clara, que permite uma leitura acessível que mantém a atenção de seu leitor. O artigo contempla o leitor com uma proposta interessante e necessária diante da realidade atual, e certamente contribuirá para o enfrentamento das inquietudes impostas pelas fake news.
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AVALIADOR 3
2025-08-12 | 03:24 PM
O manuscrito atende aos critérios estabelecidos pelo periódico. Trata de um tema (o combate à desinformação) de grande relevância que não está circunscrito apenas ao espaço educacional, mas à formação da cidadania, envolvendo os sujeitos em diversas áreas de convívio social.
O manuscrito intitulado, Contribuições da Linguística Cognitiva para o projeto de ensino “Escola sem fake” , trata-se de uma projeto de licenciatura (Prolicen/UFPB) a ser desenvolvido em uma escola pública de João Pessoa (PB). Apresenta como objetivo geral: "capacitar estudantes de escolas públicas do município de João Pessoa a identificar e desconstruir textos de desinformação, popularmente chamado de fake news, por meio de oficinas de leitura, produção de textos e análise linguística".
Destacamos como um dos pontos fortes do trabalho, a preocupação com a formação crítica dos alunos/leitores em identificar as chamadas fake news que tanto prejudicam a sociedade, sobretudo com o avanço de ideologias extremistas que tem comprometido de forma significativa nossa democracia. Destacamos, ainda, a pertinência da pesquisa em apontar caminhos para além dos aspectos puramente gramaticais dos textos, em trabalhar, por meio de oficinas, a identificação de elementos extralinguísticos que tanto contribuem para seus efeitos de sentido.
O texto encontra-se bem fundamentado teoricamente tendo como área norteadora a Linguística Cognitiva em diálogo com a perspectiva sociointeracionista discursiva. Em relação ao caráter metodológico, apontamos a necessidade de uma melhor definição quanto aos textos que serão trabalhados no referido projeto (sobretudo designar o espaço de circulação destes textos - aspecto fundamental na produção de sentido) e o público-alvo (definição sobre o perfil do aluno selecionado na escola) a ser trabalhado.
De um modo geral, tais pequenos ajustes não invalidam a pertinência da pesquisa que deve ser amplamente difundida tanto no âmbito acadêmico, quanto nos espaços externos à universidade, especialmente na educação básica.
Resposta dos Autores
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N5.ID850.A
RODADA 1
2025-09-08
Prezadas Pareceristas,
Agradeço imensamente a leitura atenta e as valiosas contribuições oferecidas ao meu artigo "Contribuições da Linguística Cognitiva para o projeto de ensino 'Escola sem fake' (PROLICEN/UFPB). Fico muito grato pelo retorno positivo e pela recomendação de aceite. Informo que busquei contemplar todas as relevantes sugestões na versão final do manuscrito, a qual encaminho anexa para nova apreciação.
À parecerista Mônica Carneiro, agradeço especialmente os comentários detalhados e elogiosos sobre a organização, a clareza da escrita e a relevância da proposta. Em atendimento à sua recomendação, procedi à cuidadosa revisão final do texto.
À parecerista Edjane Assis, agradeço também a avaliação positiva e a pertinência das observações. Em resposta às suas sugestões, informo que busquei deixar mais explícita a definição do público-alvo do projeto e especificar melhor os textos a serem trabalhados, bem como seus espaços de circulação. Para tanto, detalhei que o material de análise será coletado a partir das redes sociais e sites de checagem de fatos.
Reitero meus sinceros agradecimentos pelo tempo e dedicação na avaliação deste trabalho.
Atenciosamente,Tiago Aguiar.