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Research Report

Macuxi, Wapixana e Pomerano: políticas lingüísticas en la aplicación de la ley de co-oficialización

Lisiane Machado Aguiar

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https://orcid.org/0000-0002-7840-0923

Jan Pohlmann

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Keywords

Ley de Cooficialización Linguística
Pueblos Indígenas
Pomeranos
Políticas Lingüísticas

Abstract

El objetivo de este trabajo es analizar las políticas lingüísticas en la implementación de la Ley de Co-oficialización y comprender los procesos que alentaron los municipios a llevar a cabo este procedimiento legislativo. Al contemplar la historia brasileña de instituir un monolingüismo en portugués, el proceso de cooficialización de idiomas locales significa un movimiento pionero. La ley prevé la transformación de municipios enteros en espacios multilingües, que incluyen: emisión de documentos oficiales, asistencia en agencias públicas y adaptación de letreros. Al contemplar con precisión el proceso de implementación de esta ley, decidimos llevar a cabo un estudio comparativo en dos municipios brasileños fundamentalmente diferentes: Bonfim / RR (que cooficializó Macuxi y Wapixana en 2014) y Santa María de Jetibá / ES (con una fuerte presencia de descendientes de Inmigrantes europeos, hablantes de la lengua germánica de Pomerania, cooficializada en 2009). En el estudio comparativo, se encontraron aspectos desiguales en términos económicos, históricos y sociales. Por otro lado, existe un paralelo con la implementación de la Ley de Co-oficialización en el fortalecimiento y la lucha de los hablantes de idiomas locales por el derecho a expresarse en el idioma de su preferencia.

Introdução

A Lei de Co-oficialização de Línguas entrou em vigor a partir do ano de 2002, o que significou um avanço para a paisagem linguística brasileira, pois pela primeira vez na história do Brasil, o país reconheceu legalmente um multilinguismo local. No nível municipal, a lei eleva o status de respectivas línguas locais, cujo valor jurídico é equiparado à língua nacional portuguesa. É relevante lembrar que a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), também foi cooficializada em 2002, no nível nacional. Assim, o Brasil passaria a ser um país completamente bilíngue. Mas a lei possui uma limitação fundamental, o que gerou a consternação de muitas(os) falantes: a “LIBRAS não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa” (BRASIL, 2002, Lei n° 10.436).

Atualmente são cooficializadas onze línguas em 35 municípios (IPOL, 2020), dos 5.568 existentes no Brasil (IBGE, 2020). Logo, podemos perceber que cada vez mais municípios implementam a lei e cooficializam línguas indígenas e/ou de imigração, pois a Lei de Co-oficialização prevê uma concepção multilíngue dos respectivos municípios. No texto da lei é definido o fornecimento de documentos oficiais em instituições públicas como podemos observar nesse trecho: “A lei de co-oficialização da língua pomerana obriga o município a: […] produzir a documentação pública […] na língua oficial e na língua cooficializada” (LEI DE CO-OFICIALIZAÇÃO DE SANTA MARIA DE JETIBÁ, 2009, Lei n° 1136) a prestação de serviços na prefeitura ou em hospitais e a instalação de placas de rua bi- ou multilíngues.

Os textos das leis de cooficialização dos municípios diferentes são quase idênticos. Entretanto, a grande maioria dos anúncios públicos e todos os documentos oficiais ainda permanecem apenas em Português. Essa observação despertou a problematização: seria possível que uma lei com (tanto) potencial de emancipar as línguas locais existisse apenas “no papel”? Quais dinâmicas surgiram através da promulgação da Lei de Co-oficialização de Línguas nos municípios com a intenção de transformar o espaço em um ambiente bi- ou multilíngue? Se a lei foi assinada, representando uma intenção dos municípios de integrar todos os grupos linguísticos, mas não foi implementada seria completamente sem efeito?

A lei prevê uma série de medidas para atingir um efeito promissor para os municípios: entre as listadas acima o município se obriga também a “incentivar o aprendizado e o uso da língua pomerana, [respectivamente] das línguas cooficiais nas escolas e nos meios de comunicação”. Além disso, a lei prevê a prestação de um atendimento ao público “na língua oficial e na[s] língua[s] cooficializada[s]” (LEI DE CO-OFICIALIZAÇÃO DE SANTA MARIA DE JETIBÁ, 2009, Lei Nº 1136; LEI DE CO-OFICIALIZAÇÃO DE BONFIM, 2014, Lei Nº 211).

Quais dessas medidas foram tomadas para que as línguas locais (ou seja, seus falantes) pudessem atingir um reconhecimento societal (um prestígio em relação à paisagem linguística brasileira e um combate à discriminação linguística)? Como é enfrentada a tentativa de resgate e revitalização dessas línguas, considerando que a língua portuguesa está avançando nas esferas da vida cotidiana, sobretudo das crianças, criando assim um vão na transmissão linguística intergeracional?

Em Santa Maria de Jetibá, o ensino do Pomerano nas escolas (nas series primárias) e nas creches das redes municipais é obrigatório durante duas horas por semana. Nas comunidades indígenas de Bonfim existe um ensino escolar fundamental nas línguas Macuxi e Wapixana. Na Universidade Federal de Roraima (UFRR), existe o Instituto Insikiran, um departamento universitário exclusivamente para indígenas que oferece um aperfeiçoamento linguístico, também no campo da ortografia (detalharemos mais no item: “3. Processualidades teórico-metodológicas”).

Na tentativa de avaliar a eficácia da implementação da Lei de Co-oficialização e perceber os processos que incentivaram os municípios a realizar esse procedimento legislativo foram escolhidos dois municípios que decidiram executar a lei para o levantamento de dados. Escolhemos esses municípios por apresentarem diferenças fundamentais em termos demográficos, históricos, geográficos e econômicos. Entretanto, mostram paralelos em relação às tentativas de resgatar as respectivas línguas chamadas minoritárias.

1. Paralelos em políticas linguísticas divergentes

Os dois municípios observados foram Bonfim/RR e Santa Maria de Jetibá/ES. Sendo regiões profundamente diferentes podemos dizer que eles formam um par contrastivo. As diferenças desses lugares contribuem para o reconhecimento de eventuais paralelos nas dinâmicas do uso das línguas locais e da língua Portuguesa num país que agora reconhece a existência de regiões multilíngues oficialmente.

Nos municípios são faladas uma ou mais línguas locais e são povoados por grupos que representam chamadas minorias2 no Brasil. Em Bonfim/RR (línguas indígenas Macuxi e Wapixana) e em Santa Maria de Jetibá/ES (língua germânica Pomerano). No caso dessas três línguas observadas é problemático falar em comunidades de fala, considerando que nem todos os membros dos grupos falam a língua ancestral. Usamos o termo “grupo” a partir de uma definição da UNESCO (2003): “’grupo’ pode se referir ao grupo étnico, religioso, regional ou nacional com qual a comunidade de fala se identifica”. A preocupação é que a transmissão intergeracional das línguas seja interrompida e que entre as gerações mais novas se estabeleça um monolinguismo em Português. Pode-se mencionar como uma das motivações principais para tomar medidas, como a implementação da Lei de Co-oficialização de Línguas para enfrentar a projetada perda das línguas.

As falantes das três línguas locais passaram por uma história de proibição do exercício de suas manifestações culturais. Ambos lutam pelo reconhecimento das peculiaridades culturais, sendo a língua um elemento fundamental delas. Os grupos são membros da coligação “Povos e Comunidade Tradicionais” que é organizada pelo Ministério do Meio Ambiente Brasileiro (MMA), criando assim um órgão de defesa de chamadas minorias do país. Os grupos aqui associados representam cerca de 25 milhões de pessoas. A inclusão no conceito jurídico de “Povos e Comunidades Tradicionais” assegura-lhes uma posição especial na luta por direitos territoriais. Assim, o acesso de indígenas às terras “tradicionalmente habitadas” é reforçado, como está detalhado no artigo 231° da Constituição Brasileira. Além de povos indígenas, povos de terreiro, povos ciganos, comunidades quilombolas, pescadores artesanais, geraizeiras, veredeiras, vazanteiras, de apanhadores de flores sempre-vivas, faiscadores, entre outros, também os(as) Pomeranos(as) foram considerados povo tradicional. Desse modo, os(as) Pomeranos(as) conquistaram o direito de continuar habitando uma região no Espírito Santo chamada Monumento Natural dos Pontões Capixabas, após uma iniciativa governamental de declarar a região como Parque Nacional, o que destererritorializaria os(as) Pomeranos(as) que ali viviam por muitas gerações.

É fundamental mencionar diferenças profundas entre os aspectos históricos para descrever as características dos dois municípios escolhidos com o objetivo de serem comparados. Através desses contrastes pretendemos propor um olhar às dinâmicas do uso das línguas locais, das quais focamos os processos iniciados pela implementação da Lei de Co-oficialização. Entre os aspectos relevantes, a época da colonização é sem dúvida a mais proeminente para os povos indígenas. Junto com crueldades físicas contra indígenas cometidas pelos colonizadores houve também um extermínio linguístico. Das cerca de 1.500 línguas indígenas no início da colonização, sobreviveram aproximadamente 300 (MORELLO, 2015). Essa eliminação da diversidade linguística foi, também, reforçada pelo projeto Pombalino, que proibia o uso das línguas indígenas por meio de uma política de monolinguismo da língua Portuguesa como única língua nacional. Cerca de 200 anos depois, sob pressão da nacionalização do ensino na Era Vargas, a língua Portuguesa foi definida como a única permitida nas escolas.

O município de Bonfim está localizado no estado de Roraima, no extremo norte do Brasil. O estado faz fronteira com a Venezuela, Guiana, os estados brasileiros do Amazonas e do Pará. Nessa região fronteiriça estão em contato constante o Português, o Espanhol, o Inglês e línguas indígenas. Bonfim tem uma população de aproximadamente 12.000 pessoas (IBGE, 2020). Segundo o IBGE (2010), a metade dessas pessoas se declaram indígenas. As línguas indígenas, classificadas ameríndias, mais faladas na região são Macuxi (da família Karib) e Wapixana (da família Aruak). O portal Ethnologue (2020) considera-as como “ameaçadas de extinção”.

Na sede do município de Bonfim, moram cerca de 8.000 pessoas. Além disso, existem 17 comunidades indígenas, das quais várias são de difícil acesso – sobretudo na época das chuvas. O povo Macuxi consistia em 23.400 pessoas no ano de 2006, incluindo as pessoas que viviam na Venezuela e na Guiana (ETHNOLOGUE, 2020). Wapixana é considerado por Ethnologue (2020) “uma língua da Guiana”, também falada no extremo norte do Brasil. A população total de falantes é de 12.500. Cerca da metade deles reside no Brasil.

O outro município analisado é Santa Maria de Jetibá (SMJ), que está localizado no estado do Espírito Santo, na região sudeste do Brasil. O município fica em terras serranas, a 80 km de distância da capital estadual, Vitória. Segundo o IBGE (2020), o município tinha uma população de aproximadamente 40.000 pessoas no ano de 2017, cerca de 6.000 pessoas a mais do que no último censo, realizado em 2010, e em torno de 11.000 pessoas a mais do que em 2000. O censo do IBGE (2000) afirma que aproximadamente 80% da população vivia na zona rural.

O Pomerano é uma língua chamada minoritária, falada por descendentes de imigrantes europeus, ao lado do Português. No Espírito Santo essa língua é falada por aproximadamente 120.000 pessoas, enquanto no território brasileiro são cerca de 300.000, sobretudo nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (SEIBEL, 2017).

Na entrada de Santa Maria de Jetibá uma placa diz: “Seja bem-vindo [...ao...] município mais pomerano do Brasil”.

Figure 1. Figura 1. Placa na entrada da cidade Santa Maria de Jetibá/ES. Fonte: Arquivo pessoal.

Na prática, é provavelmente o município mais Pomerano do mundo porque a língua é quase extinta na Europa (TRESSMANN, 2005, p. 55). Além do Português, a língua Pomerana está em contato com línguas indígenas faladas no Espírito Santo e outras línguas de imigração3.

A imigração pomerana teve início na metade do século dezenove. Desde a região Pomerânia, na Europa central, muitas pessoas migraram para o Brasil com a esperança de encontrar novas oportunidades de vida. De acordo com Tressmann (2005) e Bremenkamp (2014), o Brasil lhes prometeu propriedades de terras para desenvolverem a agricultura e liberdade religiosa, lançando uma campanha de propaganda na Europa para atrair agricultores de muitas regiões. Na época, a população brasileira consistia de muitos escravos e escravas. A ida de imigrantes serviu para realizar a transição da escravidão ao capitalismo no jovem país independente, para povoar terras ainda não exploradas pelos colonizadores, chamadas “devolutas”, e para executar o projeto do “branqueamento da população (BREMENKAMP, 2014, p. 41). Através desse esquema, os(as) chamados(as) colonos(as) brancos(as) da Europa deveriam formar um contraste à população negra e indígena em termos sociais, econômicos e raciais.

2. Processualidades teórico-metodológicas

No município de Bonfim, as línguas Macuxi e Wapixana são faladas predominantemente nas comunidades indígenas. Na cidade de Bonfim não existe nenhuma placa com palavras escritas nas línguas mencionadas (há de se reconhecer que na cidade inteira não existe quase nenhuma placa no espaço público, nem em Português).

Em um evento escolar chamado “Festival de línguas 2017” foram apresentadas as línguas que são faladas na região e/ou ensinadas na escola, por exemplo, Espanhol, Inglês e Português. As línguas indígenas não tiveram nenhum espaço no festival. Elas parecem não existentes no ambiente urbano e escolar. Há de se considerar quanto ao Ensino escolar que a Lei da Co-oficialização de Línguas determina o incentivo e o aprendizado do uso da língua nas escolas.

Na Universidade Federal de Roraima (UFRR) em Boa Vista, a mais de 100 km de distância da cidade de Bonfim, foi fundada uma instituição específica para indígenas, no ano de 2001: o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena. Ali são formados professoras e professores para dar aulas bi- ou multilíngues nas escolas básicas das comunidades indígenas do Estado. O instituto atende

à demanda dos povos indígenas de Roraima, representados por suas organizações, com o objetivo de viabilizar a formação profissional, de modo específico, diferenciado e intercultural. […] Atualmente, o Instituto Insikiran oferece três cursos de formação superior para indígenas em nível de graduação: a Licenciatura Intercultural, criada em 2001, o Bacharelado em Gestão Territorial Indígena, criado em 2009, e o curso de Bacharelado de Gestão em Saúde Coletiva Indígena, criado em 2012. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 2020[1]).

Várias edições de dicionários para essas línguas foram lançadas, desde 1983: o primeiro dicionário e livro didático para a língua Macuxi foi escrito por Pira e Amodio. Cadete criou um dicionário para a língua Wapixana em 1990. Em 2012, foram lançados novos dicionários para as duas línguas, dos(as) autores Da Silva, De Souza Silva e De Oliveira; dessa vez aparentemente sem influência da igreja. Em 2016, foi lançado a segunda edição do Dicionário Macuxi, por Raposo e Cruz. Esses dicionários são usados no ensino de línguas nas comunidades e na UFRR para a formação de professores(as).

As três línguas mostram uma presença mais forte em áreas não urbanas. Na zona rural percebe-se um uso oral extenso do Pomerano. Macuxi e Wapixana estão mais presentes nas comunidades indígenas, longe do espaço urbano. Já na zona urbana pode-se observar tendências de domínios diferentes: apesar de menos difundido que na zona rural, e dividindo o espaço público com a língua Portuguesa, o uso oral do Pomerano é bastante forte. Nota-se uma tendência de o idioma ser encontrado cada vez mais em domínios formais. Existem casos isolados de comunicação escrita em Pomerano no espaço público, como, por exemplo, a inscrição do prédio da Prefeitura, da estação rodoviária, ou placas de indicação na feira central de alimentos.

Um dicionário foi criado, em 2006, pelo linguista Tressmann no Espírito Santo. Existem outras tentativas de estandardizar uma escrita, por exemplo, da Sociedade Bíblica do Brasil. Porém, o Pomerish-Portugijsisch Wöirbauk (Dicionário Pomerano-Português) de Tressmann (2006), que trabalhou também com a criação de dicionários para línguas indígenas, pode ser determinado como a primeira iniciativa de criar uma escrita para a língua pomerana no Brasil e foi elaborado coletivamente, à base de pesquisas sobre esforços de escrever o Pomerano no Espírito Santo durante décadas. Essa norma da escrita é usada no Programa de Educação Escolar Pomerana (PROEPO), que regulamenta o ensino escolar e a formação dos(as) professores(as) na língua pomerana.

Apesar do aumento da presença e maior dominância da língua portuguesa no município nas últimas décadas, um domínio resiste entre os falantes: o econômico. No setor comercial, a língua Pomerana tem uma importância fundamental em Santa Maria de Jetibá. Quase todas as lojas no centro da cidade funcionam com a presença de pelo menos uma pessoa que fale Pomerano.

Figure 2. Figura 2. Cartaz em Santa Maria de Jetibá. Fonte: Arquivo pessoal

Dominar essa língua é uma condição para ser contratado como funcionário(a) em várias lojas. Segundo os dados empíricos coletados, essa dinâmica funciona de tal maneira apenas no setor comercial privado. Assim, o domínio econômico é conservado como um ambiente bilíngue, com presença obrigatória da língua pomerana.

Além de questionários aplicados em creches e escolas municipais, os dados coletados foram analisados segundo a Grounded Theory (STRAUSS/GLASER, 1967) e “conceitos constructivistas-perspectivistas” (BREUER, 1996). Breuer traduz o termo Grounded Theory como “formação teórica baseada em objetos” (idem: 16). Sobre a combinação de coleta e análise de dados são formadas teorias e categorias que constituem a base conceitual para a processualidade da pesquisa. O ponto de partida para a seleção inicial dos dados é o contato inicial com o campo: entrevistas pessoais, observações de comportamento ou simbolismo podem ser os primeiros dados empíricos que permitam a formação de categorias primárias. Essas categorias se tornam mais concretas no curso da pesquisa, baseando-se também em análises de dados adicionais. A seleção (ou busca) de informantes e campos empíricos temáticos é, portanto, um processo que se desenvolve a partir da avaliação dos conceitos constantemente recém-formados. Os questionários realizados nas escolas formaram um fundamento para a conceptualização inicial da pesquisa de campo, e não representam dados significativos para uma análise final dos estudos de caso.

Apesar da ausência de mudanças imediatas que seriam facilmente notáveis foi possível observar dinâmicas em relação ao uso e ao posicionamento societal das línguas citadas pela lei. Pode-se confirmar tendências nos domínios das línguas. Agora elas ocupam um espaço em situações oficiais. A reverberação das severas opressões das línguas as manteve fora da vida pública. Não é exagero dizer que as línguas são usadas com mais autoestima. Em conferências acadêmicas, é possível observar usos das línguas que antigamente eram tabus nesse ambiente.

Figure 3. Figura 3. Cartaz na entrada do Centro Amazônico de Fronteiras da UFRR. Fonte: Arquivo pessoal.

Na UFRR, os idiomas Macuxi e Wapixana estão no processo de serem legitimados para constituir discursos acadêmicos. Em uma reunião de lideranças indígenas na comunidade indígena de Manoá houve um encontro para esboçar um decreto que concretiza a realização de todos os parágrafos da Lei de Co-oficialização. Nessa reunião foram apresentados discursos inteiros em Macuxi e Wapixana. No primeiro Seminário do Programa de Educação Escolar Pomerano (PROEPO) em Santa Maria de Jetibá, presenciamos o primeiro discurso inteiro – em ambiente formal e oficial – na língua pomerana. Conforme Fishman (1991), pode-se afirmar que as línguas passam por processos de revitalização.

Figure 4. Figura 4. As três línguas possuem propostas ortográficas que estão fixadas em dicionários. Fonte: Print das capas dos dicionários citados nas referências.

Em Santa Maria de Jetibá, o PROEPO integra a língua pomerana no currículo escolar municipais, desde 2006, também é ensinada nas creches da rede municipal. Em Bonfim, as línguas Macuxi e Wapixana são ensinadas apenas nas comunidades indígenas. Professores(as) são formados(as) fora do município, no Instituto Insikiran, parte da UFRR. Aqui os(as) indígenas podem adquirir um diploma universitário.

Uma imersão pode ser constatada para as três línguas: em SMJ muitos(as) alunos(as) que não falam a língua em casa, frequentam creches e escolas fundamentais municipais e passam por um ensino de duas horas semanais em Pomerano. Em Bonfim não pudemos observar uma imersão nas escolas dentro das comunidades indígenas. No entanto, os cursos para aprender as línguas Macuxi e Wapixana do Instituto Insikiran, na UFRR, contam com uma demanda alta de pessoas não-indígenas. A produção de materiais didáticos representa mais um desafio para o ensino das três línguas nas salas de aula. Eles são feitos à mão pelos(as) professores(as), desenhado de forma individual, parcialmente com escritas não normatizadas unanimemente.

3. Considerações finais

Em ambos os municípios é observado um cenário preocupante de declínio do uso da língua “materna” ou “ancestral” entre os(as) jovens. Através de programas escolares é iniciado o ensino das línguas locais às gerações mais novas. E, finalmente, os dois municípios implementaram a Lei da Co-oficialização.

Essas ligações temáticas fortes entre os grupos legitimam um olhar comparativo às dinâmicas no uso das línguas locais e podem criar propostas de análises capazes de servir para alimentar debates sobre possíveis desenvolvimentos nos municípios por meio de uma revitalização das respectivas línguas.

Desse modo, a implementação da Lei de Co-oficialização de Línguas no Brasil pode ser vista como uma conquista importante na luta por reconhecimento das comunidades aqui apresentadas. As projeções atribuídas à lei possuem um caráter utópico, desenhando a ideia de um município equipado com ferramentas multilíngues que estão ainda distantes de serem reais. Apesar disso, a lei pode servir como um modelo para conceber uma sociedade que respeita, aceita e apoia a diversidade linguística.

O interesse científico e das mídias cresce cada vez mais, pois são feitas muitas reportagens em jornais e canais de televisão que relatam sobre os municípios, a lei e as línguas beneficiadas. As línguas cooficializadas encontram um caminho nas escolas e universidades, chamando a atenção de outros(as) acadêmicos(as) e pesquisadores(as).

Dicionários estão escritos - uma base ortográfica já existe, porém precisa-se de um acordo sobre a ortografia que é ensinada na escola, assim como, usada em documentos oficiais para que possam ser entendidos. A familiarização com a escrita proposta nos dicionários poderia ser alcançada de forma mais eficaz para as pessoas que não tem acesso ao ensino escolar: através de instalação de placas, a publicação de jornais e livros físicos e virtuais, incluindo a atualização constante para as mídias que surgirem.

Uma avaliação definitiva da presença oral das três línguas nos municípios, em relação à tendência de uma tentativa de revitalizar pela Lei de Co-oficialização, seria precoce. A presença de introduções de falas acadêmicas e até discursos inteiros em Macuxi, Wapixana e Pomerano é uma evidência que as línguas estão no processo de se estabelecer nesse domínio altamente formal.

Um entrevistado denominou a lei como o “carimbo para o movimento que já estava em andamento”. Muitas metas já foram conseguidas antes da implementação da lei – como a integração das línguas na escola. Nem todos os parágrafos da lei são realizáveis para trazer efeitos imediatos, mas é significativo para os municípios a existência de um documento que legaliza o uso das línguas e possibilita o combate legal à discriminação linguística.

Se as línguas conseguirão estabelecer uma posição mais prestigiosa na paisagem linguística brasileira e se impor ao lado da língua portuguesa será avaliável no futuro, provavelmente quando tiver uma geração formada nas línguas cooficiais dos municípios. Quanto às questões linguísticas, o status oficial lhes oferece um estado de autonomia, sem qualquer tentativa de criar distância ao Estado brasileiro e à língua portuguesa. O movimento já conseguiu fortalecer um caminho promissor à autoafirmação dos e das falantes das línguas locais. Um retrocesso seria improvável. A diversidade linguística do Brasil se tornou oficialmente real.

How to Cite

AGUIAR, L. M.; POHLMANN, J. Macuxi, Wapixana e Pomerano: políticas lingüísticas en la aplicación de la ley de co-oficialización. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 3, p. 01–14, 2020. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n3.id228. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/228. Acesso em: 26 apr. 2024.

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