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Review

Línguas Indígenas e Gramática Universal: Review

Guillaume Thomas

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https://orcid.org/0000-0001-7829-9362


Keywords

Generative Grammar; Brazilian Indigenous Languages.

Abstract

Resenha do livro Línguas Indígenas e Gramática Universal.

Resenha

Em seu novo livro, Marcus Maia, Bruna Franchetto, Miriam Lemle e Márcia Damaso Vieira apresentam ao leitor aspectos da gramática de cinco línguas indígenas brasileiras a partir da perspectiva da Gramática Gerativa. Não podemos imaginar um melhor grupo de autores para esse livro. Miriam Lemle (in memoriam) foi uma das pioneiras da linguística gerativista no Brasil. Atuou em áreas tão diversas quanto morfologia, sintaxe, semântica e neurolinguística, e influenciou várias gerações de linguistas. As/os demais autores, Marcus Maia, Bruna Franchetto e Márcia Damaso Vieira, são pesquisadores internacionalmente renomada/os, que possuem um conhecimento profundo de modelos teóricos gerativistas e dedicaram sua vida ao estudo das línguas indígenas. Juntos, trazem ao livro experiência e autoridade com respeito às línguas abordadas na obra.

O livro “Línguas Indígenas e Gramática Universal” (MAIA et al., 2019[1]) representa um acréscimo oportuno a um pequeno grupo de introduções às línguas indígenas brasileiras direcionado ao grande público. Há duas referências clássicas no assunto, o livro de Joaquim Mattoso Câmara Jr. de 1965 e o de Rodrigues (1986), que continuam sendo leituras obrigatórias para qualquer estudante das línguas indígenas brasileiras. Mais recentemente, Storto (2019) publicou outra excelente introdução às línguas indígenas faladas no Brasil. O texto de Aikhenvald (2012), embora seja focado nas línguas da Amazônia e esteja escrito em inglês, também é uma porta de entrada aos estudos das línguas indígenas do Brasil. O foco principal de Rodrigues (1986) é a história e a classificação das línguas, com forte ênfase no material fonológico e lexical. Tanto Aikhenvald (2012) como Storto (2019) fornecem uma introdução geral à classificação das línguas indígenas e aos seus agrupamentos em regiões linguísticas e, logo em seguida, passam a uma discussão sobre diferentes aspectos da estrutura e do uso das línguas, de uma perspectiva comparativa. Neste contexto, Maia et al. (2019) trazem uma nova abordagem ao conjunto de introduções às línguas indígenas, pois focam em aspectos formais.

A primeira característica do livro a ser ressaltada é o foco exclusivo em cinco línguas indígenas: Guarani Mbyá e Tupínamba (da família Tupi-Guarani), Karajá (Macro-Jê), Kuikuro (Carib) e Paumarí (Arawa). A gramática dessas línguas é apresentada ao leitor em quatro capítulos sucessivos, nos quais diferentes aspectos da estrutura morfológica e sintática destas línguas são discutidos. Além disso, como já salientado, outra característica única de Maia et al. (2019) é o forte embasamento teórico na Gramática Gerativa de Chomsky e na teoria inatista da Gramática Universal. Na introdução do livro, os autores explicam que a adoção deste paradigma teórico foi motivada pelo desejo de mostrar ao leitor que as línguas indígenas não são relíquias exóticas do passado, mas idiomas sujeitos aos mesmos princípios que governam qualquer outra língua humana.

O livro está organizado em seis partes: uma introdução e cinco capítulos. Na introdução, apresentam-se uma classificação das línguas indígenas faladas no Brasil e também uma visão geral das cinco línguas abordadas no livro – incluindo informações a respeito da sua classificação, localização e demografia, além de um esboço das suas características fonológicas, ortográficas e tipológicas. O capítulo 1 dedica-se à conceptualização da Gramática Universal segundo a tradição chomskyana. O leitor é apresentado às categorias linguísticas discutidas no decorrer do livro: a recursividade (ou seja, o uso de operações recursivas para criar sintagmas e outros tipos de unidades gramaticais complexas), a distinção entre constituintes de núcleo final e inicial, a unificação de perguntas de conteúdo, construções de tópico e foco por meio do conceito de movimento à periferia esquerda da oração e, finalmente, a construção de categorias sintáticas a partir de raízes acategoriais de acordo com os pressupostos teóricos da Morfologia Distribuída. Todas essas categorias analíticas encontram-se exemplificadas no português brasileiro, o que não deve ser visto como um problema na tradição do gerativismo de Chomsky, dado que são categorias consideradas universais. O leitor que rejeita o uso de categorias universais pré-estabelecidas (cf. por exemplo HASPELMATH, 2007[2]; EVANS; LEVINSON, 2009[3]) certamente encontrará problemas com a estratégia dos autores; no entanto, deve-se dizer mais uma vez que este livro é fundamentado na tradição chomskyana de maneira coerente. As categorias linguísticas apresentadas no primeiro capítulo são aplicadas nos capítulos seguintes à descrição e à análise das línguas Guarani Mbyá, Tupínamba, Karajá, Kuikuro e Paumarí.

No capítulo 2, aborda-se o uso da recursividade sintática, a qual pode ser entendida, neste contexto, como o uso de operações ou sequencias de operações que podem ser aplicadas ao seu próprio output. Segundo Hauser, Chomsky & Fitch (2002), a faculdade da linguagem no sentido estrito “somente inclui recursividade e [esta] é o único componente exclusivamente humano da faculdade da linguagem” (HAUSER; CHOMSKY; FITCH, 2002[4], p. 1569, tradução minha).1 Essa proposta foi criticada por Everett (2005), o qual argumenta que não há nenhuma evidência de que falantes da língua Pirahã usem operações sintáticas recursivas. O debate subsequente a respeito do tema ocasionou uma onda de estudos sobre construções com encaixe hierárquico em línguas indígenas do Brasil. Alguns desses estudos podem ser encontrados em Amaral et al. (2018), uma publicação à qual três dos autores de Maia et. al (2019) contribuíram. Dando continuidade a essa tradição, o capítulo 2 traz uma variedade de estruturas sintáticas que podem ser caracterizadas como “encaixando um constituinte em um outro constituinte do mesmo tipo” (PINKER; JACKENDOFF, 2005[5], p. 211, tradução minha).2 Esse tipo de encaixamento é identificado em construções possessivas (Mbyá, Tupinamba, Kuikuro, Paumarí), em complementos oracionais (Mbyá, Tupinamba, Kuikuro), assim como em sintagmas posposicionais locativos e em orações relativas (Karajá). Além da contribuição ao debate sobre o caráter universal da recursividade sintática, esse capítulo serve como uma clara introdução à estrutura dos sintagmas nominais nas cinco línguas discutidas no livro.

No capítulo 3, trata-se a questão da ordem de constituintes a partir da teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY 1981[6]; BAKER 2001[7], entre outros). Os autores discutem a importância do parâmetro de posição do núcleo em diversos tipos de sintagmas em Mbyá, Tupinamba, Kuikuro, Karajá e Paumarí, todas descritas como línguas de núcleo final, com diferentes graus de desarmonia com o padrão.

No capítulo 4, discutem-se as construções interrogativas e sua relação com construções de tópico e foco, com base na tipologia das perguntas interrogativas (wh-questions) de Cheng (1991) e no estudo de Rizzi (1997) sobre a estrutura da periferia esquerda da oração, um trabalho fundamental na tradição da cartográfica sintática (CINQUE, 1999[8]). Maia et al. (2019) mostram que, nas cinco línguas abordadas, as perguntas de conteúdo são formadas por meio de uma palavra ou sintagma interrogativo posicionado à frente da oração, enquanto as interrogativas polares são marcadas por meio de partículas interrogativas. Os autores argumentam que as duas estratégias nunca coocorrem, de acordo com a hipótese da classificação das orações (clause typing hypothesis) de Cheng (1991). A estrutura das perguntas de conteúdo nas línguas Guarani Mbyá e Tupinambá traz um desafio interessante a esse argumento, reconhecido e discutido por Damaso Vieira neste capítulo. Os autores argumentam que as construções de tópico e de foco também requerem a realização dos sintagmas topicalizados ou focalizados em posição inicial na oração. Por fim, a análise das perguntas de conteúdo e das construções de tópico e de foco é unificada por meio do conceito de movimento à periferia esquerda da oração.

No capítulo 5, o foco passar a ser a estrutura de palavras com base na teoria da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993[9]). Neste modelo teórico, é proposto que as palavras são construídas na sintaxe a partir de raízes acategoriais e de núcleos funcionais categorizadores (MARANTZ, 1997). Essa proposta encontra-se justificada nas cinco línguas indígenas estudadas ao se observar que suas raízes tendem a ser multifuncionais, tendo, quando marcada, a categoria sintática determinada por um afixo categorizador. Em seguida, tal perspectiva passa a ser aplicada à análise de nominalizações e verbalizações, dois processos apresentados como englobando vários núcleos categorizadores. O capítulo também aborda outras questões relacionadas ao aumento e à diminuição de valência verbal em Mbyá, Tupínamba, Karajá e Paumarí.

O livro é bem estruturado; o leitor é introduzido à complexidade gramatical das cinco línguas progressivamente. Os capítulos 2 a 5 contam com exercícios accessíveis a estudantes sem formação prévia em linguística, que lembram questões de Olimpíadas de Linguística. Os autores também mantiveram a lista de referências reduzida, e portanto menos intimidadora para estudantes da graduação e leitores do grande público. A maioria dos trabalhos citados são estudos clássicos da Gramática Gerativa e referências fundamentais sobre as línguas analisadas no livro. Maia et al. (2019) poderá ser usado como o texto principal em cursos dedicados a abordagens gerativas da sintaxe e da morfologia das línguas indígenas brasileiras. Além disso, o livro poderia ser utilizado em um módulo relacionado às línguas indígenas dentro de um curso de introdução à linguística gerativa, ou, ainda, como complemento em um curso introdutório sobre línguas indígenas que não tenha foco exclusivo na abordagem gerativa.

Em síntese, este é um excelente livro que não somente complementará livros introdutórios já existentes sobre as línguas indígenas brasileiras como também contribuirá para o conhecimento da Gramática Gerativa no país.

How to Cite

THOMAS, G. Línguas Indígenas e Gramática Universal: Review. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 3, p. 01–06, 2020. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n3.id238. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/238. Acesso em: 16 apr. 2024.

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