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Research Report

The Kheuol Language Spoken in Samaúma Village

Leridiane Benamor Anicá

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https://orcid.org/0000-0002-1281-5843


Keywords

Galibi-Marworno
Língua Kheuól
Indigenous Languages

Abstract

The Galibi-Marworno people speak the Kheuól indigenous language, a French-based creole language (Santos & Silva, G. 2020; Silva, G. 2021) and Portuguese as a second language. They inhabit the Uaçá and Juminã Indigenous Lands, located in the Municipality of Oiapoque, in the extreme north of the State of Amapá, Brazil. This work brings the results of the research carried out in my final course work (TCC), developed in 2019, in which I carried out a Sociolinguistic Diagnosis in the Samaúma village. In this village, we find speakers of Kheuól Galibi-Marworno, Kheuól Karipuna and Portuguese, each language being used in different spaces and at different levels of use. The research was carried out through printed questionnaires, applied to 49 residents of the village. I used the script proposed in the guide of the National Inventory of Linguistic Diversity - INDL (2016) with some adaptations for our reality. I tried to identify the situation of the Kheuol Galibi-Marworno language, its vitality, the degree of Kheuol/Portuguese bilingualism (Silva, 2016) of the villagers, the spaces in which these languages are used, interethnic marriages; and mastery of writing in the indigenous language and in Portuguese. We observed that the Portuguese entered the village through different routes: through marriages with non-indigenous people or with people of other ethnic groups; through contact with health officials, education - in meetings to discuss community interests; through the services of the evangelical church.

Resumo para não especialistas

O povo Galibi-Marworno é falante da língua indígena Kheuól, uma língua de origem crioula de base francesa, que apresenta o Português como segunda língua. Habitam as Terras Indígenas Uaçá e Juminã, que ficam no Município de Oiapoque, no extremo norte do estado do Amapá. Esta pesquisa traz os resultados de um diagnóstico sociolinguístico que realizei na aldeia Samaúma, na qual podemos encontrar falantes de Kheuól Galibi-Marworno, Kheuól Karipuna e Português, cada língua sendo utilizada em diferentes espaços e em diferentes níveis de uso. A pesquisa foi realizada através de questionários impressos, aplicados a 49 moradores. Utilizei o roteiro proposto no guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL, 2016) adaptando para a nossa realidade. Busquei identificar a situação da língua Kheuól Galibi-Marworno, a sua vitalidade, o grau de bilinguismo Kheuól/Português dos moradores da aldeia, os espaços em que essas línguas são utilizadas, os casamentos interétnicos; e sua escrita na língua indígena e em língua portuguesa. Como resultados observamos que o português adentra a aldeia por diferentes vias: através de casamentos com não indígenas ou com pessoa de outras etnias; através do contato com funcionários da saúde e educação – nas reuniões para discutir os interesses da comunidade; através dos cultos da igreja evangélica.

Introdução

Este trabalho foi realizado em 2019 e trata-se de um diagnóstico sociolinguístico da aldeia Samaúma, do povo indígena Galibi-Marworno, por meio de uma pesquisa de campo, observação da língua em uso e participativa, já que foi desenvolvida em minha aldeia, o que me deu uma visão contextualizada da situação. É um trabalho etnográfico, utilizando o termo de acordo com Geertz (1989), que estabelece a etnografia como um trabalho constituído de observação, base teórica e experiência empírica, no qual os dados são coletados a partir das observações do grupo social em sua vida habitual. O povo Galibi-Marworno que habita na aldeia Samaúma fala a língua Kheuól de origem crioula, de base francesa, e a língua portuguesa como segunda língua, muitas vezes utilizada como língua de comunicação com os não indígenas. Os Galibi-Marworno habitam as terras indígenas Uaçá e Juminã, no município de Oiapoque, no Extremo Norte do estado do Amapá, Brasil, que faz fronteira com a Guiana Francesa.

Apresento o resultado da minha pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), realizada na minha aldeia, Samaúma, localizada às margens da BR 156, no KM 83, estrada não asfaltada, ligando o município de Oiapoque à capital Macapá. Na comunidade, habitam moradores que falam Kheuól Galibi-Marworno, Kheuól Karipuna e Português, sendo cada língua utilizada em diferentes espaços e em diferentes níveis de uso, ou seja, dependendo do contexto da comunicação, como: casa, reuniões da comunidade, no culto da igreja, a feira da aldeia, casa da farinha, escola, mutirão, entre outros.

A minha pesquisa buscou identificar a situação linguística que envolve a língua Kheuól Galibi-Marworno, sua vitalidade, o grau de bilinguismo Kheuól/Português falado pelos moradores da aldeia. Identifico os espaços em que essas línguas são utilizadas, os casamentos interétnicos, o domínio do uso da escrita em língua indígena e em língua portuguesa. Utilizei a metodologia de aplicação de questionários impressos, aplicando-os à 49 moradores da aldeia. Parti do roteiro proposto no guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL, 2016), com algumas adaptações para a nossa realidade.

A partir dos questionários, ficou claro que o Português penetra facilmente na aldeia por diversas vias: através de casamentos com não indígenas ou com pessoas de outras etnias; do contato com funcionários do governo, da saúde e da educação nas reuniões para discutir da comunidade; por meio da igreja evangélica que chegou à comunidade com o intuito de fazer leituras e traduções de textos bíblicos.

1. As três terras indígenas localizadas na região do município Oiapoque

Na região do município do Oiapoque, moram povos indígenas que são distribuídos por terras indígenas, conforme afirma Maciel (2022, p. 21).

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No município de Oiapoque do estado do Amapá extremo norte do Brasil, estão localizadas as três terras Indígenas que foram demarcadas e homologadas na década de 90, são as Terras Indígenas Uaçá, Juminã e Galibi, onde habitam quatros povos indígenas de diferentes etnias, são os povos Karipuna, Galibi Marworno, Palikur e Galibi de Oiapoque ou Galibi Kalinã. Esses quatros povos indígenas dessa região somam um número de aproximadamente quase 10 mil indígenas aldeados, que estão distribuídas em 57 comunidades indígenas que se encontram em diferentes áreas das terras indígenas demarcadas, como nas margens BR 156 que liga a cidade de Oiapoque à capital Macapá, outras ficam nas margens do Rio Oiapoque que faz fronteira com a Guiana francesa, Rio Uaçá, rio Urukauá e rio Curipi.

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Podemos ver de outra forma, a partir do mapa abaixo, as localizações de cada Terra Indígena e as distribuições de aldeias dos quatro povos que habitam nessas regiões.

Figure 1. Figura 1. Mapa das Terras Indígenas de Oiapoque. Fonte: https/www1.unicap.br/ojs/index.php/história/article/view/1535

Esses povos compartilham uma mesma região, vivem em harmonia a partir de uma rede de relações de casamentos interétnicos, relações comerciais e culturais, cada um com suas especificidades e regras locais. Eles desenvolvem o trabalho da agricultura e dependem da caça para seu sustento. As comunidades são administradas pelo cacique e seus conselhos, cujos membros também trabalham em parceria com professores e agentes de saúde indígena.

2. Quem são os Galibi-Marworno?

O Povo Galibi-Marworno é o resultado da mistura dos Galibi com os povos Aruã, Maraon que habitavam há muito tempo nessa região que hoje se chama estado do Amapá, precisamente nas terras indígenas Uaçá e Juminã. De acordo com (Silva et al., 2017).

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... este povo se formou a partir da mistura de várias etnias indígenas, principalmente Maraon, que são citados por viajantes da região do Oiapoque desde o século XVII, e os Aruã, oriundos da ilha de Marajó que migraram no século XVIII em fuga das perseguições e explorações dos portugueses. Estes grupos, assim como Itoutan, Galibi e outros, passaram pela experiência das missões jesuíticas no século XVIII, nas quais muitos foram catequizados, e pela exploração de comerciantes no século XIX As explorações, perseguições e escravização eram constantes nessa região, práticas que ficaram marcadas na memória deste povo que até hoje são contadas através das histórias dos mais velhos. (SILVA, D. SILVA, N., 2017, p. 16).

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Os Galibi-Marworno estão distribuídos em 14 aldeias que ficam na região do rio Oiapoque, no rio Uaçá e BR 156, sendo assim: 10 aldeias estão localizadas às margens do rio Uaçá – aldeias Aruatu, Karibuen, Manau, Maji, Kaxiwahi, Paraiko, Tukuiuen, Flamã, Paramwaka, Kumarumã; Terra Indígena Juminã – aldeia Uaha é a única que fica na região do rio Oiapoque; e 04 aldeias na região da BR 156 – aldeias Tuluhi no km 23, Samaúma no km 83, Tukay no km 92, Anawerá no km 105. Segundo Anicá (2019, p. 8)

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A maior aldeia dos Galibi-Marworno é a Kumarumã, onde está concentrado o maior número de habitantes desta etnia. O povo Galibi-Marworno é falante do Kheuól, uma língua de origem crioula de base francesa e o Português como segunda língua (ANICÁ, 2019, p.08).

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O acesso às aldeias se dá de diferentes maneiras, podendo ser através de transporte fluvial e terrestre. Os povos que lá habitam dependem da floresta para cultivar seu próprio alimento, dependem da caça e da pesca, das frutas, da natureza e das árvores para construir casas, canoas, remos, objetos de uso e outros. Além disso, eles têm suas especificidades próprias, e lideranças para criar suas leis e normas para manter sua comunidade em ordem e unida. Cada aldeia tem seu modo de viver, seus costumes e crenças; todos dependem da natureza para viverem bem.

Figure 2. Figura 2. Vista aérea da Aldeia Samaúma. Foto: Érica Galibi-Marworno.

A aldeia Samaúma localiza-se no km 83 da BR-156, que faz ligação do município de Oiapoque à capital Macapá, na Terra Indígena Uaçá. Há 27 anos, desde sua fundação, iniciou-se com apenas duas famílias, ao longo dos anos, foram chegando mais famílias, totalizando hoje 21 famílias e 103 moradores. Além do povo Galibi-Marworno, há o povo Palikur e Karipuna, resultados de casamentos interétnicos. São indígenas com suas especificidades, seu modo de vida próprio, cultura, costumes e dependem da floresta para fazer roças, cultivar alimentos, caçar e pescar. Eles dependem da farinha para consumo e para comercializar, uma forma de adquirir alimentos industrializados vendidos no município de Oiapoque. Como forma alternativa de renda, a população comercializa produtos extraídos da aldeia. Como a aldeia fica às margens da BR-156, criou-se uma pequena venda de produtos, na qual se pode encontrar: macaxeira, pimenta, farinha, frutas e entre outros. E nessa interação com a população não indígena, é necessário saber se comunicar em português para poder comercializar seus produtos.

Figure 3. Figura 3. Dentro da casa da Feira. Fonte: Leridiane Anicá.

3. O desenvolvimento da minha pesquisa

Este trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa de campo, observação da língua em uso, e participação, já que foi desenvolvida em minha aldeia o que me deu uma visão contextualizada. Antes de iniciar meu trabalho, falei com o cacique Roberval, um líder respeitado pela comunidade. Apresentei minha pesquisa e pedi autorização para realizá-la junto à comunidade, tendo o total apoio de todos. Por ser uma comunidade pequena, selecionei apenas 49 pessoas para participar do questionário.

Nesse questionário, foi utilizado o roteiro do guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL, 2016), fizemos algumas adaptações para a realidade da comunidade. O questionário contém 30 perguntas. Visitei 10 casas, no período da manhã, tarde e noite, fazendo visita e conversando com os moradores para descontraí-los e não os deixar tímidos ou nevosos. Meu objetivo principal era identificar a vitalidade da língua Kheuól, dando-lhe o prestígio pelos falantes, caso todos utilizem a língua em todos os ambientes, em todas as situações de fala e entre todos os moradores. Para tanto, o conjunto de perguntas tinha o objetivo de verificar a vitalidade da língua Kheuól; o grau de bilinguismo Kheuól-Português e outras línguas; os casamentos interétnicos; e o domínio da escrita em língua indígena e língua portuguesa.

4. Como as entrevistas foram realizadas

Após a elaboração do questionário, realizei as entrevistas na aldeia no ano de 2019. Na aldeia moram 82 pessoas, mas somente 49 moradores se disponibilizaram a participar. Esses 49 moradores estão distribuídos em 10 casas, na faixa etária de 5 a 66 anos. Chegando na aldeia Samaúma, fui conversar com o cacique Roberval, líder respeitado pela comunidade. Apresentei minha pesquisa, pedi autorização para realizar a pesquisa junto à comunidade e tive o total apoio de todos. Expliquei sobre o tema e a importância desse estudo para nossa comunidade. Ele concordou e disse que podia fazer o meu trabalho sem problemas. Após a conversa com o cacique, passei por todas as casas para conversar com cada família e explicar-lhes o motivo da minha visita. Falei um pouco da importância de meu trabalho para a escola e para comunidade. Depois da explicação, iniciei a entrevista baseada em uma conversa com cada morador da aldeia. Antes de iniciar as entrevistas, fiz um mapeamento das casas que visitaria.

5. Análise dos questionários

Para este artigo, irei apresentar somente os gráficos que descrevem a situação da língua Kheuól na aldeia Samaúma. Para isso, apresento os gráficos sobre a população, as etnias que vivem na aldeia, a distribuição da população por idade, a língua que conversa com o esposo ou esposa, se já morou na cidade, a língua que fala com fluência; que língua usa ou quais línguas usa dentro de casa; quais línguas são faladas em casa, língua falada na reunião da aldeia e a língua na qual foi alfabetizado. Esta parte do trabalho se baseia na análise dos gráficos. Todavia, selecionei somente os gráficos que apresentam a real situação da língua na aldeia.

Figure 4. Gráfico 1. População-etnia. Fonte: a autora.

O gráfico 01 está representando as etnias presentes na aldeia Samaúma. Aparecem duas etnias: Galibi-Marworno e Karipuna. No gráfico indica-se que há apenas 1 morador da etnia Karipuna, representando 2% do total. Hoje, na aldeia, existem 3 indígenas Karipuna e 4 não indígenas. Consegui aplicar o questionário apenas com um destes moradores Karipuna. Ele veio como professor há alguns anos. Era morador da aldeia Santa Isabel. Após casar-se com uma Galibi-Marworno, constituiu família e não voltou mais para sua aldeia. O gráfico também mostra que, dos 49 questionários aplicados, 48 são indígenas Galibi-Marworno, representando 98% do total. Os resultados mostram que, pelo fato de a aldeia ser fundada por famílias da etnia Galibi-Marworno vindas da aldeia Kumarumã, a etnia predominante ainda é a Galibi-Marworno. (ANICÁ, 2019).

Figure 5. Gráfico 2. A distribuição da população por idade. Fonte: a autora.

Eu utilizo como modelo para identificar as faixas etárias da população a tabela do guia INDL (p. 65):

Figure 6. Tabela 1.

No gráfico 02, dentre os 49 entrevistados, sobressai o número de jovens, que é de 19, correspondendo a 39% do total.

Figure 7. Gráfico 3. Língua que conversa com o esposo ou esposa. Fonte: a autora.

No grupo de entrevistados, há 23 casais, dos quais 20 casais se comunicam em língua Kheuól e os outros 3 casais falam na língua portuguesa. A situação linguísticas dos casais que falam português é a seguinte: i) um casal é formado por Karipuna e Galibi-Marworno, eles se comunicam nas duas línguas porque o esposo fala mais o português e fala pouco o Kheuól, mas entende bem; ii) o segundo casal são dois jovens que conversam em Kheuól e Português, pois a esposa tem pai não indígena e ela só fala português e entende um pouco de Kheuól; iii) o último casal só conversa em português pois o esposo é não indígena, entende um pouco Kheuól, mas não fala. De acordo com o gráfico, prevalece mais fortemente a comunicação em língua Kheuól.

Figure 8. Gráfico 4. Se já morou na cidade. Fonte: a autora.

A resposta para essa pergunta era Sim ou Não. Os que responderam (Sim) são 28 moradores que afirmam já ter morado na cidade de Oiapoque, passado meses ou anos, num percentual de 57% das pessoas, o que corresponde a mais da metade das pessoas entrevistadas. Isso é reflexo do grande número de jovens que saem da aldeia em busca de melhores estudos e trabalho. Já aqueles que responderam (Não) são 21 moradores, na faixa de adulto I e II, que já se casaram e constituíram famílias na aldeia, equivalendo ao percentual de 43% de pessoas.

Figure 9. Gráfico 5. Língua que fala com fluência. Fonte: a autora.

Não fiz teste para esta pergunta, as pessoas tiveram a liberdade de responder com consciência. A pergunta foi feita em português e, das 49 pessoas entrevistadas, 73%, ou seja, 36 pessoas, afirmaram que falam com fluência a língua Kheuól. Afirmaram também que falam fluentemente o português, 13 pessoas, num total de 27%. As pessoas que falam português com fluência são motivadas por diversos fatores, tais como: casamentos entre indígenas e não indígenas; o grande número de jovens que vão para cidade estudar, e nesse caso, acabam tendo que falar fluente o português. Ambos os grupos, aqueles que afirmaram que falam fluentemente o Kheuól disseram que também falam o português, e aqueles que afirmaram que falam somente português, entendem o Kheuól, mas falam pouco. É muito comum que as famílias se deslocarem para a cidade, no nosso caso, para Oiapoque, para que os filhos deem continuidade aos estudos ou mesmo arranjem emprego.

Nessa parte dos gráficos, podemos observar um cenário totalmente diferente dos anteriores; podemos observar a mudança nas respostas que os moradores deram.

Figure 10. Gráfico 6. Que língua usa ou quais línguas usa dentro de casa. Fonte: a autora.

Dentre as línguas mais falada em casa, 32 falantes, correspondentes a 65%, afirmam que falam o Kheuól diariamente em casa, não tendo o costume de falar o português, apenas quando houver necessidade. O segundo grupo, aquele que fala somente português, conta com 9 falantes, equivalente a 19% das famílias, que entendem o Kheuól, mas falam pouco. Por fim, 16% ou 8 pessoas disseram que usam as duas línguas, Kheuól e português, no seu cotidiano dentro de casa.

Figure 11. Gráfico 7. Quais línguas são faladas em casa. Fonte: a autora.

Nesta pergunta, há uma tentativa de descobrir quais são as línguas faladas em casa. O gráfico mostra uma situação preocupante, pois, 57%, dos entrevistados (28 pessoas) afirmam que ambas, o Kheuól e Português, são faladas em suas casas, o que representa mais da metade do grupo entrevistado. Os outros 41%, que equivale a 20 pessoas, afirmam que só falam o Kheuól em casa, e apenas 1 pessoa informara que só fala o português em casa, representando assim 2%. Esta situação reflete uma forma comum de família extensa nas casas Galibi-Marworno, onde até três famílias convivem juntas na mesma casa. Por exemplo, se um membro desta família não falar Kheuól, o português é usado como língua de comunicação e, por isso, os números do gráfico mostram a opção Kheuól e português como o maior número.

Figure 12. Gráfico 8. Língua falada na reunião da aldeia. Fonte: a autora.

Nas reuniões da aldeia são discutidas as situações da educação, saúde e outros problemas da comunidade. Os assuntos muitas vezes são discutidos em Kheuól e português: 72%, 36 falantes, afirmaram que falam as duas línguas, pelo fato de sempre ter não indígena representando os órgãos públicos da saúde e educação. Somente 18%, 9 falantes, falam somente o Kheuól durante as reuniões. As crianças, que somam 10%, não participam das reuniões.

Figure 13. Gráfico 9. A língua na qual foi alfabetizado. Fonte: a autora.

O resultado mostra que 90%, 44 pessoas, disseram que foram alfabetizadas em português, isso se deve ao fato que, antigamente, nas escolas indígenas, só tinham professores não indígenas, que davam aulas em português. Atualmente, na aldeia Samaúma, há professores indígenas e não indígenas, mas ainda há professores que dão aulas em português, o que é um dos grandes problemas que temos que resolver na nossa escola. Os 10%, 5 falantes, que disseram que foram alfabetizados nas duas línguas, são os que tiveram a oportunidade de estudar a disciplina língua materna em uma outra escola indígena onde a alfabetização é feita em língua Kheuól.

6. Considerações finais

Sou da etnia Galibi-Marworno, falo um pouco de Kheuól, entendendo mais do que falo, portanto, tive que fazer as entrevistas utilizando o português como língua de comunicação. Este trabalho é um resumo do meu trabalho de final de curso (TCC, ANICÁ, 2019), onde selecionei alguns gráficos para termos uma visualização dos resultados sobre a situação atual da nossa língua Kheuól falada na aldeia Samaúma. Os questionários transformados em gráficos evidenciam a situação de perda de espaço da língua Kheuól para a língua portuguesa. Após o resultado da pesquisa apresentei à comunidade e tivemos uma conversa sobre a realidade linguística do Kheuól. A princípio, as pessoas não entenderam muito bem o objetivo da apresentação dos gráficos; aos poucos, eu fui explicando para que pudéssemos a refletir sobre o assunto.

Diante do exposto, propus as seguintes medidas para tentarmos reverter o processo de desprestígio de nossa língua, e iniciarmos um projeto de manutenção e fortalecimento da língua kheuól dentro da escola, se expandindo para toda a comunidade de Samaúma: (i) a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) da nossa escola, juntamente com a comunidade. Somente assim vamos envolver a comunidade nas atividades da escola, construindo uma escola que represente os desejos da comunidade, que seja bilíngue e diferenciada, respeitando os princípios de escola indígena que foi defendida pelos nossos antepassados; (ii) os professores que atuarão na escola devem ser todos indígenas e falantes de Kheuól. O professor deve ser o primeiro a incentivar os alunos a falarem a língua kheuól; se o professor fala dentro da sala de aula, os alunos vão começar a respeitar e prestigiar a nossa língua. (iii) construir materiais didáticos na língua materna; (iv) decretar que a alfabetização seja na língua materna, em Kheuól. A língua deve ser trabalhada com os alunos do Ensino Infantil aos 5 anos de idade, trabalhando com a cultura e ensinando a escrita e prática de leitura na língua materna; (v) decretar que a língua de ensinamento seja o Kheuól, ou seja, que todas as disciplinas sejam transmitidas com a língua kheuól; criar o ensino médio na nossa aldeia, assim os nossos jovens não precisarão sair da aldeia para morar na cidade de Oiapoque.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

O(s) autor(es) não tem/têm conflitos de interesse a declarar.

Declaração de Disponibilidade de Dados

O compartilhamento de dados não é aplicável a este artigo, pois nenhum dado novo foi criado ou analisado neste estudo.

Referências

ANICÁ, Leridiane Benamor. Diagnóstico Sociolinguístico da Aldeia Samaúma. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) - Licenciatura Intercultural Indígena, Universidade Federal do Amapá, Oiapoque-AP, 2019.

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (Brasil) Guia de pesquisa e documentação para o INDL: patrimônio cultural e diversidade linguística / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. – Brasília-DF, 2016.

MACIEL, Gelson Pastana. A literatura indígena em sala de aula a partir das narrativas do povo karipuna da aldeia manga: materiais didáticos na Escola Jorge Iaparra. 2022. Dissertação (Mestrado em Letras) Programa de Pós-Graduação em Letras –Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2022.

SANTOS, Gelsama. M. F.; SILVA, Glauber Romling. Duas ortografias, uma língua: as variedades Karipuna e Galibi-marworno do Kheuól do Uaçá. Revista Porto das Letras -, v. 6, p. 228-250, 2020. Dossiê Léxico e Dialetologia.

https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/9860. Acessada em janeiro 2023.

SANTOS, Davi Felisberto dos. (org.). SANTOS, Nordevaldo dos. (org.). O Lago Maruane: Conhecimentos Tradicionais dos Galibi-Marworno. São Paulo: Iepé: OINAK, 20017.

SILVA, Glauber. Kheuól do Uaçá (Amapá): Aspectos históricos, gramática e educação. Ambiente: Gestão e Desenvolvimento, v. 14, n. 2, 2021.

SILVA, Sara Jane dos Santos. Grau de Bilinguismo e uso de Kheuól na Aldeia Santa Izabel. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) - Licenciatura Intercultural Indígena, Universidade Federal do Amapá, Oiapoque-AP, 2019.

Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2023.V4.N2.ID683.R

Decisão Editorial

EDITOR 1: Ana Vilacy Moreira Galucio

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0168-1904

FILIAÇÃO: Museu Paraense Emílio Goeldi, Pará, Brasil.

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EDITOR 2: Ângela Fabíola Alves Chagas

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4925-1711

FILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.

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CARTA DE DECISÃO:

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Eduardo Alves Vasconcelos

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9860-131

FILIAÇÃO: Universidade Federal do Amapá, Amapá, Brasil.

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AVALIADOR 2: Sâmela Ramos da Silva Meirelles

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7134-9355

FILIAÇÃO: Universidade Federal do Amapá, Amapá, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2023-09-18 | 19:57

O artigo em análise trata-se da apresentação de um diagnóstico sociolinguístico da aldeia Samaúma, localizada na Terra Indígena Uaçá (T.I. Uaçá), às margens da BR-156 que liga o município de Oiapoque à capital do Estado, Macapá. Esta rodovia margeia a Terra Indígena Uaçá, a oeste, com um trecho que a corta, a sudoeste, no sentido norte-sul. Como esclarece a autora, no município de Oiapoque, são três terras indígenas – Uaçá, Juminã e Galibi -, onde estão os povos indígenas Galibi-Marworno, Karipuna, Palikur e Galibi do Oiapoque (ou Galibi Kalinã).

Para realizar o diagnóstico proposto, a pesquisadora vai lançar mão do guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2016. A pesquisa foi realizada em 2019, com a aplicação de 49 questionários na, como exposto, aldeia Samaúma e, para este artigo, a pesquisadora seleciona respostas e gráficos referentes à língua Kheuól (língua falada pelos Galibi-Marworno e Karipuna).

No texto apresentado para avaliação, chama a atenção o tema da pesquisa, bem como, ou principalmente, a aplicação da pesquisa. Diferentemente de trabalhos realizados por agentes externos, neste caso, o questionário do INDL foi aplicado por um membro da comunidade, o que, entre outros fatores, permite uma melhor avaliação, por parte da pesquisadora, da situação sociolinguística da aldeia. Além disso, também por ser parte da comunidade, a pesquisadora tem maior facilidade em dialogar com as diferentes famílias e com os diferentes atores no cenário local. Nesse sentido, pontua-se o cuidado da pesquisadora em, após a análise, discutir os resultados com a comunidade (situação que a autora expõe nas considerações finais).

É importante ressaltar que a publicação funciona tanto como uma motivação para que outras pesquisas do gênero sejam realizadas, como para a divulgação da situação sociolinguística das línguas faladas nas terras indígenas do Oiapoque/AP. Como podemos observar nas considerações finais, a pesquisadora, ao apresentar e discutir os resultados com a comunidade, vai elencar uma série de ações que podem contribuir para manutenção, revitalização e prestígio da língua Kheuól, o que aponta para o envolvimento social da pesquisa com a comunidade..

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AVALIADOR 2

2023-09-15 | 15:03

O artigo é resultado de uma pesquisa realizada por uma falante da língua Kheuól, e se soma há um conjunto de reflexões levantadas pelos pesquisadores indígenas quanto à vitalidade das línguas indígenas. O texto apresenta uma parte dos resultados de um levantamento diagnóstico desenvolvido a partir do roteiro da pesquisa guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL (2016), adaptado pela pesquisadora indígena para a realidade de seu povo. A partir dos dados apresentados, temos um panorama dos usos da língua indígena e da língua portuguesa no espaço familiar, escolar e de reuniões da comunidade, no qual percebe-se o uso das duas línguas. Os dados são apresentados de maneira objetiva e coerente, evidenciando uma preocupação: a língua portuguesa tem ganhado espaço nos ambientes familiares. As considerações finais do texto apresentam um conjunto de medidas importantes, compreendendo o espaço escolar como um território que precisa ser ocupado pelos professos indígenas, pensados a partir das suas perspectivas e que envolvam a comunidade no fortalecimento da língua indígena.

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RODADA 2

AVALIADOR 1

2023-10-16 | 19:11

Em geral, as sugestões textuais foram acolhidas pela autora, sugiro, novamente uma atenção à seção 2 (Quem são o Galibi-Marworno?), em que, seguindo informações de pesquisadores não-indígenas, espera-se que na formação dos Galibi-Marworno estejam os Galibi do Oiapoque. A mais, duas correções nos resumos em inglês e Kheuól.

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AVALIADOR 2

2023-10-12 | 21:26

O artigo é resultado de uma pesquisa realizada por uma falante da língua Kheuól, e se soma há um conjunto de reflexões levantadas pelos pesquisadores indígenas quanto à vitalidade das línguas indígenas. O texto apresenta uma parte dos resultados de um levantamento diagnóstico desenvolvido a partir do roteiro da pesquisa guia do Inventário Nacional da Diversidade Linguística – INDL (2016), adaptado pela pesquisadora indígena para a realidade de seu povo. A partir dos dados apresentados, temos um panorama dos usos da língua indígena e da língua portuguesa no espaço familiar, escolar e de reuniões da comunidade, no qual percebe-se o uso das duas línguas. Os dados são apresentados de maneira objetiva e coerente, evidenciando uma preocupação: a língua portuguesa tem ganhado espaço nos ambientes familiares. As considerações finais do texto apresentam um conjunto de medidas importantes, compreendendo o espaço escolar como um território que precisa ser ocupado pelos professos indígenas, pensados a partir das suas perspectivas e que envolvam a comunidade no fortalecimento da língua indígena.

How to Cite

ANICÁ, L. B. The Kheuol Language Spoken in Samaúma Village. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 4, n. 2, p. e683, 2023. DOI: 10.25189/2675-4916.2023.v4.n2.id683. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/683. Acesso em: 27 apr. 2024.

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