Resumo para não especialistas
Em 2019, o município de São Félix do Xingu (PA) tornou cooficial a língua Mebêngôkre (Kayapó). Essa é primeira língua de mais de 2 mil indígenas residentes na área, distribuídos por 30 aldeias, atendidas por mais de 30 escolas municipais. O objetivo da cooficialização é proteger os direitos linguísticos dos indígenas. O povo Mebêngôkre (Kayapó) enfrenta desafios diários para manter sua cultura e preservar sua língua, muitas vezes alvos de preconceito. Para fortalecê-lo na sua luta, empoderá-lo e dar protagonismo a ele, o Projeto de Extensão Ações de Combate ao Preconceito Linguístico (UFRJ) firmou parceria com o Departamento de Educação Escolar Indígena do município. Surgiu aí a ação “Me kunī umari — em rede pelos direitos linguísticos”, que recolhe e difunde as demandas dos Mebêngôkre, fazendo-as serem ouvidas pelos canais competentes, a fim de que, após a cooficialização a realidade linguística local venha de fato a alterar, a contento dos Mebêngôkre.
Epígrafe
Em São Félix do Xingu, município localizado no sul do Pará, com uma população estimada em 124.000 pessoas (IBGE, 2019) e um rebanho de gado de corte superior a 2,2 milhões de cabeças, há um grupo indígena que resiste ao longo dos séculos, os Kayapó, autodenominados Mebêngôkre. Frente à expansão das fronteiras agropecuárias e da extração ilegal de minérios, eles defendem seu território e lutam pelos seus direitos constantemente. (MENDONÇA JUNIOR, 2021, p.13)
Introdução
Em 1500, quando Cabral aportou no Brasil, havia entre dois e cinco milhões de indígenas, falantes de pelo menos 600 línguas, talvez de até mil (SANTANA, 2020)[1]. Séculos depois, a população indígena caiu para cerca de 900 mil indivíduos (ISA, 2021), menos que 1% do total de habitantes no país. Povos inteiros foram dizimados, junto com suas línguas. Ainda hoje, a identidade cultural e os direitos linguísticos dos que resistiram estão sob constante ameaça. A preservação das populações indígenas depende da demarcação de seus territórios. As terras demarcadas ou reservadas, 13% do território nacional na atualidade, além de serem importantes para a sobrevivência dos indígenas, preservam a biodiversidade, dado o modo de vida desses povos. O mapa das regiões do Brasil com maior concentração de indígenas e o mapa das áreas do Brasil com maior preservação florestal se sobrepõem. O Parque Indígena do Xingu (Alto Xingu) é uma das regiões do Brasil com maior diversidade linguística[2]. O Xingu, multicultural e multilíngue, é habitado desde o século IX (STORTO, 2019, p. 58).
Entre as línguas do Xingu está o Mebêngôkre (autodenominação), mais conhecido como Kayapó[3], família linguística Jê, tronco Macro-Jê. A língua é falada por crianças, jovens e adultos em todas as comunidades. O centro urbano da sede do município é bastante visitado pelos Mebêngôkre, que interagem com os não-indígenas (quase sempre não-falantes de Mebêngôkre, de modo que essa interação se dá principalmente em português) no comércio, em eventos, nas instâncias administrativas, nas instituições financeiras, em estabelecimentos prestadores de serviço, em espaços públicos etc. Atendimentos na cidade em língua Mebêngôkre são raramente oferecidos, durante tais interlocuções. Um levantamento feito pela Secretaria Municipal de Cultura (SEMCULT, 2021) de São Félix do Xingu (PA), em parceria com a FUNAI e a SESAI, contabilizou 2.120 falantes da língua Mebêngôkre na área municipal, distribuídos por 30 aldeias. Há 31 escolas de ensino fundamental e uma escola de ensino médio localizadas nessas aldeias. Algumas das questões caras ao povo são a atribuição de aulas a professores indígenas, um calendário escolar que se coadune com os eventos próprios da cultura, com períodos marcados que fazem parte do calendário anual Mebêngôkre, o tempo de aula sobre a língua Mebêngôkre e mais disciplinas dadas nessa língua, com a inclusão de temas próprios à cultura do povo.
Para termos uma ideia das vulnerabilidades dos Mebêngôkre no Xingu, precisamos recordar que, durante o governo Bolsonaro, houve um desmonte da Funai e um aumento do garimpo ilegal, o que tornou mais difícil a vida dos Mebêngôkre, a curto ou a médio prazo (por conta, entre outras coisas, da contaminação dos rios, da mata e dos peixes, diminuindo a oferta de alimento). Muitas aldeias perderam o apoio financeiro de ONGs ambientalistas. Nas palavras da liderança Doto Takak Ire, “a Funai parou de ajudar as pessoas que estão defendendo a floresta” (SCOFIELD, 2022, p. 3). “Antigamente a Funai fazia assim, ela ia lá na aldeia, conversava com a liderança, ajudava a expulsar os garimpeiros, mas hoje não [...]. A extração de ouro e madeira dentro da Terra Indígena é proibida por lei. [...]. A Funai não vê a lei.” (IBIDEM, p. 3 e 4). Segundo o observatório da mineração, o garimpo ilegal em terras indígenas aumentou impressionantes 632% de 2010 a 2021 (ANGELO, 2022). Segundo a mesma fonte, a maior expansão registrada em 36 anos ocorreu em 2021 e uma das três terras indígenas mais afetadas foi a Kayapó. Na Terra Indígena Kayapó, os rios Fresco e Branco estão contaminados por mercúrio e desfigurados por balsas e retroescavadeiras do garimpo. Em reportagem da BBC, aponta-se como um dos incentivos para o aumento do garimpo a diminuição nas multas aplicadas pelo Ibama, órgão que não está cumprindo eficazmente seu papel no combate a crimes ambientais em terras indígenas (FELLET, 2019). O Instituto Raoni, a Associação Floresta Protegida e o Instituto Kabu, todos Mebêngôkre, lançaram um manifesto conjunto contra o garimpo e a mineração, repudiando “a forma como o governo federal vem estimulando a invasão de nossos territórios, seja pela retórica que fortalece o crime organizado, seja pela omissão e fragilização dos órgãos responsáveis pela proteção dos territórios indígenas” (ANGELO, 2022). O manifesto declara seu repúdio ao garimpo e à mineração na TI:
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Como poderíamos ser a favor de uma atividade que gera profundos impactos ambientais e sociais aos nossos territórios e comunidades? Como poderíamos privar nossos filhos e netos de um território preservado para seguirem vivendo segundo nossos usos, costumes e tradições, como garante a Constituição Federal? (KABU, 2020, p. 2).
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Em junho de 2022, lideranças Mebêngôkre apresentaram à Funai um projeto sustentável desenvolvido pela etnia.
São Félix do Xingu (PA) é o sexto mais extenso município do Brasil, com 84 mil quilômetros quadrados, mais de 10 vezes a área da região metropolitana de São Paulo (SP). É também o município com o maior rebanho bovino do Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 2,3 milhões de cabeças de gado ali, e esse número segue aumentando. São 17 bovinos por habitante, enquanto a média brasileira é de pouco mais de uma cabeça de gado por habitante (GUERREIRO NETO, 2020). Ali a maioria das queimadas começa em pastagens. O fogo é usado na pecuária extensiva para limpar e renovar pastagens, assim como para expandir áreas e abrir novos pastos para o gado. A unidade de Conservação Ambiental brasileira campeã de queimadas, a APA Triunfo do Xingu, fica no município de São Félix do Xingu (PA). Em 2021, o município recebeu outro título negativo, o de maior emissor de gases de efeito estufa per capita do mundo. Cada morador emitiu 225 toneladas de dióxido de carbono, o equivalente, por ano, a um volume 22 vezes maior do que a média de emissões brutas per capita do Brasil (PINTO, 2021). Nas palavras do jornalista Lúcio Flávio Pinto, “a temporada de caça às terras de São Félix do Xingu está aberta” (IBIDEM, p. 2).
Assim se configuram as condições de vida hoje na região em que moram os Mebêngôkre, bastante perigosas e hostis, colocando em risco o povo, a cultura e a língua. O município de São Félix do Xingu é guardião de uma rica biodiversidade, de fauna, de flora, cultural e linguística, que precisa ser preservada dessas ameaças. Toda iniciativa de preservação é bem-vinda.
1. Mebêngôkre: língua oficial em São Félix do Xingu (PA)
Por meio da Lei n.º 571/2019 (CMSFX/PA, 2019), a língua Mebêngôkre foi cooficializada em São Félix do Xingu (ROSA, 2020). O município está desde então obrigado a (i) manter atendimento ao público nos órgãos municipais administrativos em português e em Mebêngôkre; (ii) produzir todas as comunicações oficiais, incluindo a sinalização de nomes de rua, também em ambas as línguas; (iii) incentivar o aprendizado do Mebêngôkre em escolas públicas da rede municipal; entre outras coisas. A administração recebeu um prazo de cinco anos para colocar isso em prática, ou seja, ela teria até 2024 para tornar realidade cotidiana o texto da lei. Observa-se, porém, transcorrida mais da metade do prazo, que muito pouco já foi feito para implementar a cooficialização. O projeto de lei municipal foi encaminhado às autoridades pelos professores indígenas Mebêngôkre: Bàykajyr Kayapó, Bepgogoti Kayapó, Bepdjà Kayapó, Pàtkôre Kayapó e Oro Muturua[1], e pelos egressos do Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas (PROFLLIND / Museu Nacional): Claudiane da Silva Menezes, Clebson de Oliveira Alves, Davi da Silva Meneses, Dilcilene da Silva Menezes, Elicia das Mercês Batista da Silva, Ivanilce Gonçalves de Melo, Nádia Fernanda Barbosa Ribeiro, Vicente Carvalho de Sousa e Cledson Mendonça Júnior. Com exceção do último, os demais são também professores municipais e atuam nas escolas indígenas da região. Os proponentes representavam a comunidade indígena, que tinha como demanda ver sua língua empregada nas aulas do ensino Fundamental e Médio e desejava, ainda, com a cooficialização, favorecer a valorização do povo e da língua, tanto por falantes quanto por não-falantes.
Como diz Damulakis, “as leis municipais de cooficialização são uma grande conquista e uma ferramenta muito importante para garantir essa diversidade”. “No plano simbólico, essas leis reforçam a luta contra o preconceito sofrido por essas línguas (...). Muitas das leis repelem explicitamente a discriminação” (DAMULAKIS, 2017, p. 2). A Lei n.º 571/2019, em seu artigo 4ª, estabelece que “o uso da língua Mebêngôkre (Kayapó) não será motivo de discriminação”. Logicamente, se não fosse reconhecida até então uma discriminação palpável, seria desnecessário que a lei assim determinasse. No mesmo texto, Tania Clemente de Souza nos avisa de que:
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a cooficialização de línguas traz implicações diversas, garantidas por lei, mas nem sempre cumpridas, tais como o ensino básico em língua materna, a escrita de leis, decretos e documentos oficiais em duas línguas etc. Tais metas não fazem parte de uma Política Linguística num Estado cuja postura (desde o século XVIII) é ratificar o monolinguismo. Entretanto, isso não invalida as iniciativas em âmbito municipal de cooficialização das línguas minoritárias. Cada um desses atos põe à mostra toda a diversidade linguística de nosso país, o que pode alavancar iniciativas mais amplas em âmbito federal. (CLEMENTE, apud DAMULAKIS, 2017, p. 5)
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Em um universo em que as línguas majoritárias, como o português, dominam os canais oficiais, os de entretenimento, os comerciais e os de serviço, constituindo também a língua pela qual se dá toda e qualquer etapa de educação formal, é natural que os falantes de uma língua minoritária se sintam intimidados e que sua autoestima linguística seja afetada. Além disso, a exemplo do português, essas línguas majoritárias contam com muitas obras de referência descritivas e analíticas de sua estrutura, sendo utilizadas na elaboração de produtos de discursos nos mais variados gêneros. Uma atitude linguística depreciativa por parte de não-indígenas piora muitíssimo essa situação de desequilíbrio.
A língua Mebêngôkre tem escrita[1], proposta inicialmente por missionários estrangeiros que vieram ao Brasil para a evangelização dos indígenas. Testemunhos dão conta de que a alfabetização era feita por cartilhas produzidas pelo Summer Institute of Linguistics (SIL) e que, antes das aulas, que incluíam a leitura de versículos da Bíblia, era necessário rezar o Pai Nosso. Segundo Feitosa (2018, p. 89), no I Encontro Indígena do Brasil (EIB), realizado em São Paulo, em 1981, com a presença de 32 líderes indígenas de todo o país, a educação escolar indígena recebeu menção especial. Havia a preocupação com a preservação dos valores da cultura. Em 2016, segundo Inglêz de Souza (2001), a missão continuou com a incumbência de alfabetizar os indígenas na língua Mebêngôkre, e a FUNAI tomou a seu cargo a responsabilidade de ensiná-los a falar, escrever e a ler em português (FEITOSA; VIZOLLI, 2019). Nas primeiras escolas frequentadas pelos indígenas, todos os professores eram kubē, ou seja, não-indígenas, e monolíngues, falando apenas português. Dada a dificuldade de comunicação, as lideranças indígenas lutaram pela participação de indígenas como agentes educacionais. Hoje, o município coordena 32 escolas[2] em diversas terras indígenas (PMSFX/PA, 2022). A Secretaria Executiva Municipal de Educação (SEMED), por meio de seu Departamento de Educação Escolar Indígena, promove periodicamente um curso instrumental da língua Kayapó do povo Mebêngôkre. “O objetivo desse curso é levar o professor que vai trabalhar nas aldeias a conhecer um pouco melhor a cultura do povo Mebêngôkre e também a ter os instrumentos que vão levá-lo a aprender a língua, para poder se comunicar de forma mais adequada com os seus alunos e com a comunidade em geral.”, diz o site da SEMED (PMSFX/PA, 2022). Essa iniciativa é mais uma resposta a demandas dos indígenas. Apesar de a situação da sua escolarização estar cada vez melhor, os Mebêngôkre ainda se queixam muito de não serem ouvidos e de imposições da cultura não-indígena e da língua hegemônica no seu dia a dia, dentro e fora da escola. Suas demandas são claras, fruto de longos debates entre eles, mas nem sempre alcançam os canais necessários para se fazerem ouvidas pelas autoridades.
2. A Educação Escolar Indígena no município
A Gestão Pública Municipal tem atendido às comunidades indígenas com a criação e a manutenção de novas escolas, conforme as Leis nº 816/2016 e nº 545/2018, assim como conforme os Decretos de nº 573/2019 e nº 306/2021. Ao todo, são 31 escolas indígenas no município, que atendem a cerca de 950 alunos, matriculados entre o 1º e o 9º ano do Ensino Fundamental (SEMED, 2022), mais uma escola em Altamira, coordenada pela mesma SEMED.
Na SEMED, há um Departamento de Educação Escolar Indígena, formado por uma equipe administrativa, técnica, pedagógica e multidisciplinar. Com ênfase nas especificidades da área indígena, esses profissionais habilitados buscam um processo de ensino e aprendizagem bilíngue (Kayapó-português), que valorize e fortaleça a língua Mebêngôkre. O calendário escolar é específico e preconiza a Lei das Diretrizes Básicas (LDB) n º 9394/1996 (art. 32 § 3º) e o Referencial Curricular Nacional das Escolas Indígenas (RCNEI). São 200 dias letivos, divididos do seguinte modo: 180 dias em sala de aula e 20 dias de atividades tradicionais (cerimônias, rituais, caçadas, pescarias e outras), registradas pelos alunos e professor. Nesta proposta, as aulas são cumpridas e distribuídas de acordo com o cotidiano da aldeia. A comunidade determina o horário das aulas.
O município, através da SEMED, tem ofertado na educação básica das escolas indígenas as seguintes modalidades: a educação infantil (Jardim I e II), em duas das escolas (Kubenhikãnhti e Capitão Bepnox); e o Ensino Fundamental I (do 1º ano ao 5º ano) e Fundamental II (do 6º ano ao 9ºano), em todas as escolas.
Os profissionais que atuam nas escolas são docentes, auxiliares de serviços gerais, merendeiros, indígenas e não-indígenas, todos escolhidos pelas lideranças e comunidades.
Os dias letivos são divididos em bimestres: o 1º tem 40 dias letivos; o 2º, 50 dias; o 3º tem 50 dias; e o 4º bimestre, 40 dias letivos. Nesse último, 20 dias são divididos em dois períodos: 10 dias em abril e 10 dias em outubro. Há períodos em que ocorrem as atividades tradicionais nas comunidades. Nessas ocasiões, um aluno de cada turma é escolhido para registrar as atividades, que posteriormente serão relatadas e discutidas em sala de aula. No quadro I, temos uma relação de aldeias atendidas e de suas respectivas escolas:
Além dos alunos no Fundamental, há cerca de 90 alunos no Ensino Médio, ofertado pelo estado na Escola Indígena Capitão Bepnox, localizada na aldeia Kôkraxmôr, à margem do rio Xingu. No ensino superior, a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), através do Instituto de Estudos do Xingu (IEX), tem ofertado vagas para indígenas nos cursos de Licenciatura em Letras-Língua Portuguesa, Licenciatura em Ciências Biológicas e Bacharelado em Engenharia Florestal. No momento, há 4 alunos matriculados, que iniciaram os estudos no ano de 2022.
Os profissionais que atuam nas escolas indígenas são, na maioria, contratados pelo período de um ano, com renovação anual de acordo com o desempenho e aceitação das comunidades. Alguns benefícios são assegurados, dentre eles, o salário-mínimo vigente ou o piso salarial da categoria, conforme a função exercida, e é observado o acordo ou a convenção coletiva de trabalho; ao final de cada ano é realizada a rescisão contratual, com recebimento de 13º salário e de férias proporcionais, de acordo com o inciso VIII, do artigo 7º da Constituição Federal.
No quadro de professores indígenas que atuam na região há 15 graduados pela Universidade Estadual do Pará (UEPA) no curso de Licenciatura Intercultural Indígena, dos quais seis são mestrandos em Linguística e Línguas Indígenas no Profllind (UFRJ). Parte desses docentes atua nas escolas indígenas, no Departamento de Educação Escolar Indígena e em algumas secretarias municipais.
Dentre as atividades realizadas pela SEMED, com o objetivo de capacitar os profissionais que atuam na área indígena, está o Curso Instrumental de Kayapó para professores. Ele teve início como Curso de Capacitação Indígena, com duração de 30 horas, em 2007, e depois se expandiu para 432 horas, em 2008, com o nome “Vamos aprender Kayapó”. Em ambos os períodos, o curso esteve sob a direção da secretária municipal Darci de França Rodrigues, com aulas ministradas pela professora Eunice Ester Bastos Costa da Silva. Em 2019, na gestão do secretário Alexo Barros, 11 anos depois, o curso foi retomado, com carga horária de 240 horas e duração de dois anos. Após a pandemia, na gestão do então secretário, Clebson de Oliveira Alves, o curso voltou a ser oferecido; em 2022, passou a contar com 6 módulos, que abrangem escrita, leitura, interpretação e pronúncia da língua Mebêngôkre (Kayapó). A professora Eunice é mestranda no Profllind (UFRJ) e trabalha com os Mebêngôkre da região há mais de 20 anos; nesse longo convívio, ela se tornou fluente na língua. Na figura 1, apresentamos alguns materiais de uma das atividades desse curso, destinado aos professores kubē atuantes nas escolas indígenas.
Professores Mebêngôkre também participam dessas aulas e ensinam o significado e a pronúncia de palavras de sua língua materna, propondo atividades tais como a que se vê na figura 1, além de, até mesmo, apresentarem aspectos culturais de seu povo. O grande diferencial no momento é a inclusão da antropologia[1] nas aulas. Com textos, áudios, vídeos e imagens, os alunos são submetidos a uma imersão na cultura e na língua Mebêngôkre. Assim, a vivência de situações que antes eram pouco compreendidas pelos não-indígenas e, por isso, ocasionavam atitudes equivocadas ou mesmo preconceituosas, agora promovem a admiração e o respeito para com o povo e a língua.
3. Reverberando a voz Mebêngôkre
Fundado por Beatriz Protti Christino e Ana Paula Quadros Gomes, o Projeto de Extensão Ações de Combate ao Preconceito Linguístico (Faculdade de Letras/ UFRJ) existe desde 2017, em luta pela valorização da diversidade linguística e pela promoção e preservação dos direitos linguísticos. “Preconceito” é uma atitude de menosprezo pelo que é diferente. O preconceito linguístico, por sua vez, é a atitude de rechaçar variedades e variantes diferentes, provocando nos falantes insegurança e baixa autoestima (BAGNO, 2015), é algo que precisa ser combatido. O preconceito linguístico é especialmente nocivo porque se disfarça de zelo pela correção, como se fosse imparcial, mas é seletivo: perdoa ou nem percebe os erros dos seus iguais, mas sempre ataca os “erros” e marcas associados a outras comunidades de fala, sobretudo as vulneráveis. Entendemos ser importantíssimo encorajar a expressão das comunidades linguísticas minorizadas, dar mais espaço para que se manifestem a beleza e a riqueza da diversidade, e empoderar os discriminados, aumentando sua confiança neles mesmos.
Em 2021, o projeto firmou parceria com o Departamento de Educação Escolar Indígena do Município de São Félix do Xingu (PA), da Secretaria Executiva Municipal de Educação (SEMED), para promover a conscientização e o protagonismo dos indígenas na implementação da cooficialização da língua, mediando a comunicação entre indígenas, estabelecimentos e organizações, a fim de que as reinvindicações dos Mebêngôkre fossem atendidas.
Participam do projeto como extensionistas as graduandas Ana Carla do Nascimento Gomes e Vitória Sara de Almeida Campos, a mestranda em Linguística e Línguas Indígenas (Profllind) Marinei Alves Pereira e os doutorandos em Linguística Clédson Mendonça Júnior e Dilcilene da Silva Menezes, todos discentes na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nossa inspiração para criar, no âmbito do Projeto de Extensão Ações de Combate ao Preconceito Linguístico, a ação Me kunī umari — em rede pelos direitos linguísticos, veio do Copiô, parente?[1], iniciativa do Instituto Sociambiental (ISA). Trata-se de um boletim de áudio semanal com notícias que interessam aos povos indígenas e povos da floresta. É distribuído em formato MP3 por Whatsapp para cerca de dois mil contatos diretos entre indígenas, extrativistas, quilombolas, geraizeiros[2], ribeirinhos etc. O “Copiô” agora está em formato de podcast, transmitido semanalmente, aos domingos, na Rádio Nacional da Amazônia e em rádios comunitárias de vários pontos da Amazônia, alcançando ao menos 60 comunidades no Pará e Amazonas.
A metodologia da Ação Me kunī umari — A Voz Mebêngôkre — é entrevistar falantes de Mebêngôkre, sobretudo professores indígenas, presencialmente, com gravação em áudio e/ou vídeo, aportando as questões de sua comunidade sobre as reinvindicações de direitos linguísticos e a inserção de sua cultura na educação oficial. Foi montado um grupo de WhattsApp, com participantes de diversas aldeias, para formar uma rede de comunicação, a fim de agilizar tomadas de decisão conjuntas sobre problemas coletivos. Os depoimentos, reinvindicações e posicionamentos dos indígenas são repostados nas redes, para ganharem visibilidade.
4. Nas palavras dos protagonistas
A proposta principal da Ação Me kunī umari é dar voz aos Mebêngôkre, permitindo que alcancem espaços para além de suas comunidades. Autoridades municipais, professores e professoras, indígenas ou não, falantes de Mebêngôkre em geral e pessoas que atuam na causa indígena, personagens que vivenciam o dia a dia dos Mebêngôkre na cidade e em suas aldeias, são as vozes que auxiliam na ação. Eles relatam suas experiências e anseios, como pessoas que aguardam o reconhecimento de suas identidades, de suas liberdades e direitos. Dentre vários relatos, vamos destacar alguns: os de professores que atuam nas escolas e secretarias municipais de São Félix do Xingu. A seguir, trazemos o depoimento do professor Mebêngôkre, Betire Kayapó (comunicação pessoal[1]), e a reprodução de algumas entrevistas[2] realizadas durante a ação:
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Meu nome é Betire Kayapó, sou professor na Escola Municipal Indígena Capitão Bepnox, localizada na aldeia Kôkraxmôr, no Rio Xingu. Sou servidor público vinculado à Secretaria Executiva Municipal de Educação (SEMED), de São Félix do Xingu, no Pará. Minha formação foi em grande parte na cidade, do fundamental ao magistério indígena, até a conclusão do ensino superior através da Universidade Estadual do Pará (UEPA), em 2018. A maior dificuldade nesse período foi a língua portuguesa. Eu aprendi, aos poucos, a escrever e a ler, mas com dificuldades para falar. Até hoje ainda encontro palavras ‘difíceis’ no português. Nas escolas indígenas as crianças estão aprendendo a escrever em Kayapó. Isso precisa melhorar, porque ajuda a entender cada detalhe, a escrever e falar bem com o tempo. Na cidade, já vi situações de preconceito com os Mebêngôkre, principalmente andando na rua. São brincadeiras, piadas, dentre outras atitudes dos não-indígenas. No mercado, por exemplo, no Comercial Kayapó, alguns atendentes sabem um pouco de Mebêngôkre, no hospital também. Eles perguntam Nire, mỳj na? (Mulher, o que foi? O que precisa? Pois não?). Nas escolas indígenas as professoras também se esforçam para conversar em Mebêngôkre. Entretanto, nos bancos, no cartório, ninguém fala uma palavra em nossa língua. Às vezes, as mulheres falam português, quando não são entendidas em Kayapó, mas na maioria do tempo estão acompanhadas do marido e esse fala a língua do kubē (não-indígena). Sobre a cooficialização, eu não sabia desses direitos. Vi placa em Mebêngôkre no hotel e na praça. Os supermercados atendem bem o Mebêngôkre, bancos e cartório precisam melhorar. Agora que sei sobre a lei de cooficialização, quero ajudar. Vou articular com os parentes. (BETIRE KAYAPÓ, 2022)
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O depoimento de Betire deixa claro como o exercício da cidadania, o direito ao tratamento de saúde, à educação, à documentação e movimentações financeiras fica prejudicado pela barreira linguística, uma vez que os não-indígenas não falam a língua dos indígenas. Queixas semelhantes repercutem na voz de outros três Mebêngôkre, com as quais ilustramos a seguir a dinâmica da ação: (i) Irerwỳk Kayapó, professor na aldeia Kremaxti; (ii) Bàykajyr Kayapó, servidor público da SEMED; e (iii) Bepdjà Kayapó, servidor público no Departamento de Educação Escolar Indígena. Todos são mestrandos em Linguística e Línguas Indígenas no Profllind (UFRJ).
Durante a entrevista presencial (figura 2), Irerwỳk Kayapó (informação verbal[1]) relatou que ensina todas as disciplinas em sua escola, mas tem dificuldade em ministrar aulas de matemática para alunos do 6º ao 9º ano, por falta de material didático na sua língua. Há alguns materiais de apoio na língua Mebêngôkre para alunos do 1º ao 5º ano, mas não para as séries seguintes. Mesmo os materiais existentes são produções realizadas por missionários, com a finalidade de auxiliar na alfabetização das crianças. Segundo ele, faz falta a publicação de livros didáticos em Mebêngôkre para o ensino Fundamental II, principalmente na área de exatas. O professor Irerwỳk também contou que já sofreu preconceito, por conta da ideia corrente entre não-indígenas de que os indígenas não estão aptos a exercer a sua profissão. Ele ouviu de várias pessoas que professor indígena não ensina bem, que os professores indígenas sabem apenas o básico. Outro apontamento feito por ele foi quanto à diferença na atitude entre indígenas e não-indígenas quanto à cultura letrada, à modalidade escrita da língua. Ao enfrentar a escrita, os alunos Mebêngôkre têm dificuldades com a pontuação. Apesar desse déficit quanto à modalidade escrita, que tem razões históricas e culturais, ele observou que, entre os indígenas, quem frequenta mais as aulas aprende melhor e se destaca entre os outros. As aulas de Mebêngôkre são realizadas nas escolas das aldeias apenas às sextas-feiras, o que é muito pouco. Ele defende que é preciso aumentar essa carga horária e, durante as aulas, chamar os anciãos para contar histórias, falar sobre o que aconteceu no passado, trazer os ensinamentos antigos relativos aos saberes do povo. Ele propõe que os anciãos ajudem a construir livros didáticos. Se isso de fato ocorrer, ele calcula que, em pouco tempo, os Mebêngôkre poderão ser alfabetizados na língua materna.
Sobre o preconceito linguístico, Irerwỳk relata com tristeza que muitos Mebêngôkre ouvem repetidamente as pessoas dizerem que os indígenas falam mal português, não entendem e falam errado. É desanimador ouvir que eles, os indígenas, devem ficar na aldeia, que não adianta estudar. Na escola, em Belém, Irerwỳk escutou várias vezes que ele não deveria aprender a dirigir um carro ou fazer informática, conhecimentos que seriam sem utilidade para ele, já que, segundo a opinião dos não-indígenas, ele deveria ficar limitado à sua aldeia. Em vários momentos, esse professor testemunhou os Mebêngôkre com dificuldades no atendimento em hospitais, na emissão de documentos e em outros espaços públicos. As pessoas kubē não falam a língua indígena, no comércio e em lugares da cidade, em geral; isso é uma barreira, que atinge a acessibilidade dos indígenas a diversos serviços.
Sobre a cooficialização, ele opina que é preciso começar a colocá-la em prática, pois já se passaram anos, e nada foi feito para assegurar que ela tivesse efeito prático na vida dos indígenas. Perguntado sobre o que pode ser feito, ele relata que as lideranças Mebêngôkre sempre estão em diálogo com as pessoas que trabalham nas áreas da saúde e educação; entretanto falta vontade política para valorizar a cultura, a língua e a tradição de seu povo. Na educação, é preciso abrir mais vagas para concursados, principalmente para indígenas. O Wajanga (Pajé em Mebêngôkre) pode ensinar remédios que são de “domínio público” em sala de aula. Ele sabe quais plantas servem para certas enfermidades. As mulheres podem participar das aulas ensinando pintura, produção de cintas e falando sobre como é feito um parto natural na aldeia. As meninas não sabem como é um parto natural na aldeia, a “parteira” não existe mais. A escola pode ser aproveitada como um espaço de aprendizagem da cultura Mebêngôkre. A seu ver, é de suma importância os jovens conhecerem a história Mebêngôkre antes de estudarem a do não-indígena. Para entrar na faculdade, precisam estar bem-preparados também sobre a própria identidade. Quanto à escrita, as crianças podem ser alfabetizadas na sua língua materna por volta dos sete anos, para dominar o oral e o escrito. Só depois disso elas deveriam aprender português como segunda língua e ir de ano em ano, até a faculdade.
Outro entrevistado digno de nota é Bàykajyr Kayapó (depoimento oral[1]). Ele comenta que também passou por dificuldades com as aulas em português, durante o Ensino Fundamental e Médio em Belém. Ainda sentiu dificuldades por ter aulas em português, e não em sua língua nativa, quando fez a graduação pela UEPA e, no momento, no mestrado que está fazendo no Museu Nacional, na UFRJ. Ele se sente julgado, de maneira bem negativa, por ser falante nativo de língua indígena. Os não-indígenas dizem que, por esse motivo, não o julgam capaz de aprender, visto as aulas serem dadas em português. Apenas ele e mais alguns, da sua antiga turma da UEPA, estão no mestrado. Na sua opinião, as crianças deveriam ser alfabetizadas na língua materna para só depois aprenderem português como segunda língua. Outro ponto que ele destaca como fundamental é a necessidade de uma regularização da escola indígena enquanto meio de aprendizado próprio. Ainda hoje, diz, é um enorme desafio conseguir nos meios oficiais o reconhecimento das especificidades da educação escolar indígena.
Por fim, são muito representativas as falas de Bepdjà Kayapó (comunicação oral[1]). Ele relata que, desde os 10 anos, estuda em escola. Passou alguns momentos de sua escolarização na cidade, outros na aldeia. Neste período, assistiu a algumas poucas aulas em Mebêngôkre, tendo a maioria dos cursos de sua formação sido ministrado em português. Aos 15 anos, voltou para a cidade e terminou o magistério indígena. Passou por muitas dificuldades por ter de fazer as atividades escolares em português. Além de aprender a falar bem a língua portuguesa, sempre viu como um sonho estudar e conquistar algo melhor para a família e a comunidade. Hoje, reconhece que não sabe tudo sobre o português, mas aprendeu o suficiente para concluir cada nível de estudo e seguir em frente. Compreender bem uma segunda língua possibilitou a ele conhecer outras coisas, a dialogar com os kubē e discursar para as pessoas.
Na escola, acha que não sofreu preconceito dos colegas de turma, mas sim de amigos, que o viam estudando e o criticavam. Alguns lhe perguntavam sobre o propósito de seus estudos. Ao responder, ele sempre reafirmava o seu desejo de ser professor indígena. Em tom de preconceito, certas amizades opinavam que ele deveria voltar para a aldeia dele, acrescentando que a escola era lugar de ‘branco’. O lugar de aprender era na aldeia, não na cidade. Consciente do preconceito que estava sofrendo, retrucava que, mesmo a língua e cultura sendo diferentes, todos os seres humanos têm o direito de estudar, inclusive ele próprio. Ele queria muito aprender uma nova língua, poder se comunicar em português, ensinar par os alunos indígenas e a comunidade as coisas do kubē, e nunca desanimou. Seu desejo não era o de sair de sua aldeia para aprender coisas ruins, mas sim para ir atrás de saberes, de coisas boas que poderiam ajudar os seus parentes. Mesmo assim, amigos continuamente questionavam a sua posição e diziam que ele deveria voltar para a aldeia, viver lá, fazer arco e flecha.
Hoje, no mestrado, Bepdjà deseja aprender coisas novas, avançar nos conhecimentos dos brancos, sem deixar de ser educado e respeitoso com os parentes. Ele sonha em trabalhar na educação, em melhorar suas atitudes. É isso o que ele deseja, e, apesar das dificuldades, vai seguir em frente.
Os recortes de depoimentos dos indígenas aqui reproduzidos mostram que há conflitos de cultura e língua entre os Mebêngrôke e os kubē, em que os indígenas são sempre a parte vulnerável. A educação é feita praticamente toda em língua portuguesa, uma língua estrangeira para esse povo do Xingu. A natural diferença de desempenho entre os alunos Mebêngrôke e os alunos falantes nativos da língua em que as aulas são ministradas não é vista como o propulsor de uma necessária política de acolhimento, integração e acessibilidade, que diminua essa desigualdade, proporcionando canais para aumentar a fluência dos indígenas na língua oficial da escolarização, o que poderia mitigar uma desigualdade histórica. Além de alternativas como ensino regulamentar dado completamente em Mebêngrôke não serem cogitadas, o indígena que persevera nos estudos formais é responsabilizado pelo domínio menor de uma língua estrangeira para ele, como se nascer numa comunidade originária fosse índice de inferioridade, e como se os indígenas não tivessem os mesmos direitos a uma educação pública que os brasileiros não-indígenas. Não há estímulo, nem programa de apoio que sustente a inserção dos Mebêngrôke nas graduações e pós-graduações. Perseverar na formação, nessas condições, é uma luta diária contra obstáculos que precisam ser superados, em meio a atitudes indiferentes ou, pior, preconceituosas e desencorajadoras. A educação formal é um canal de aprendizagem do português, veículo de inserção no mercado de trabalho e de contato com saberes que não estão presentes nas aldeias. A educação formal e o domínio da língua em que ela é oferecida, a língua portuguesa, são um túnel ligando dois mundos muito diversos, duas culturas muito distintas e conjuntos de saberes que não se sobrepõem. Dada a situação de vulnerabilidade dos Mebêngôkre, a formação de professores indígenas e de pesquisadores indígenas é fundamental para a resistência e valorização de sua língua e cultura de identidade. Além do exercício do direito à educação pública, e do decorrente acesso a saberes, a barreira linguística também entrava o exercício de outros direitos, como o acesso ao sistema público de saúde, a inserção no comércio e o uso dos serviços bancários. Esses extratos de fala mostram também que requer muita energia ter uma atitude de valorização da própria língua e da própria cultura quando elas são constantemente minorizadas no entorno. Não obstante, os Mebêngôkre aqui representados explicitaram os caminhos que vislumbram por uma situação mais igualitária, mais equilibrada: aumentar o número de disciplinas ministradas em sua própria língua, no ensino fundamental, nas escolas que estão dentro das aldeias; garantir que as crianças das aldeias sejam alfabetizadas primeiramente em sua própria língua, para só depois, então, passarem a escrever em português; fazer com que mais professores indígenas sejam nomeados para as escolas localizadas nas aldeias e conseguir que mais material didático em Mebêngôkre seja produzido e disponibilizado. Ou seja, os Mebêngôkre querem ocupar os espaços do ensino fundamental, de modo a obter que sua língua materna seja a primeira a ser vista pelas crianças em início da escolarização. Eles propõem ainda que sua própria cultura também seja vista na escola já nos primeiros anos escolares. Essa visão está representada na proposta de ocupação da horários da grade por atividades realizadas por membros da comunidade detentores de saberes específicos, como partos naturais, história oral do povo e medicina natural, a fim de preservar esses saberes e transmiti-los às novas gerações. Um efeito colateral da inserção de tudo isso no ensino é a valorização da cultura e da língua Mebêngôkre pelas novas gerações, com a reafirmação da própria identidade e com o incremento da autoestima linguística desse povo. É muito claro para os entrevistados que a escola é um espaço oficial importante, que precisa ser ocupado; e que o atendimento de tais reinvindicações está amarrado com a formação superior dos indígenas, bem como com o aumento de indígenas na pós-graduação, para que eles possam ocupar os cargos que lhes permitam assumir o controle dos conteúdos, da linguagem e da alfabetização nas escolas de suas aldeias, decidindo assim como será a educação de suas crianças. Paralelamente, há plena percepção de que a lei da oficialização praticamente não saiu do papel, e que, de forma geral, os espaços urbanos onde foi prometido que haveria sinalização e atendimento em Mebêngôkre ainda não cumprem essa obrigação. Os indígenas estão plenamente conscientes de que é preciso pressionar continuamente para que a cooficialização venha a produzir o acesso a serviços e saberes que prometeu. Nesse contexto, a Ação Me kunī umari é uma ferramenta social importante para que planos e promessas se convertam continuamente na realidade tão sonhada pelos Mebêngôkre.
5. O protagonismo Mebêngôkre
Para além das entrevistas e aúdios de whatsapp, a Ação Me kunī umari tem atuado em diversas frentes, como, por exemplo, na intermediação de ações da gestão pública municipal em relação à lei de cooficialização, na colaboração com a educação escolar indígena e na promoção de atitudes[1] que visem a valorização e reconhecimento do povo e da língua Mebêngôkre.
A Lei Municipal no 571/2019, no art. 5, determina que “as pessoas jurídicas estabelecidas no município de São Félix do Xingu deverão adotar atendimento e mensagens ao público no idioma oficial e naquele cooficializado por esta Lei”. Consoantemente, um hotel na cidade foi o primeiro estabelecimento privado a adotar esta medida, ao incluir em sua sinalização o termo em Mebêngôkre para hotel, na língua: Me õt djà (Me-humano/gente; õt – dormir; djà – função/lugar), conforme figura 3.
O sucesso foi imediato. O espaço passou a ser frequentado pelos Mebêngôkre, tanto como hóspedes quanto como visitantes. Não apenas Mebêngôkre, mas Xikrin, Parakanã, dentre outros povos, passaram a ver o estabelecimento como lugar de apoio a indígenas em trânsito pela cidade. Além da sinalização de fachada, as informações dispostas internamente também estão sendo traduzidas para a língua Mebêngôkre.
A ação Me kunī umari solicitou ao hotel uma autorização para divulgação da iniciativa nas redes sociais (figura 3). Uma foto do estabelecimento foi publicada nas redes sociais do Voz Mebêngôkre e viralizou na web. Diversas pessoas de diferentes povos compartilharam e elogiaram a atitude, curtiram a postagem e debateram nos comentários (exemplos na figura 4) sobre como outros municípios deveriam adotar o mesmo reconhecimento às línguas indígenas em seus territórios. Essa pequena conquista é um dos efeitos de se fazer reverberar a voz dos Mebêngôkre, pedindo que a lei da cooficalização passe de letra fria a uma realidade concreta.
No setor público, a iniciativa partiu da Secretaria Municipal de Cultura (SEMCULT). Após ter conhecimento de que a sinalização de uma biblioteca e uma praça seria substituída, a ação Me kunī umari sugeriu à coordenadora de atividades, Claudiane da Silva Menezes, que adotasse a sinalização bilíngue prevista na lei de cooficialização, que diz no art. 2, inciso II: “produzir [...] as placas indicativas de ruas, praças e prédios públicos [...] na língua oficial e na língua cooficializada”. Seguindo a legislação, a Biblioteca Belas Artes e a Pracinha da Cultura (figuras 5 e 6) receberam os termos na língua Mebêngôkre (Kayapó): Pi’ôk jadjwỳr djà e Me krãptī kīnhkatidjà, respectivamente, com a ajuda de três Mebêngôkre e da professora Eunice Ester na tradução.
Com a sinalização em sua própria língua, o espaço passou a ser frequentado pelos Mebêngôkre diariamente, seja na biblioteca (que recebeu novos livros do Museu do Índio) ou nos espaços abertos da praça, destinados às atividades recreativas. Um relato da professora Jakeline Gonçalves, que atua nas aldeias do município, descreve como a sinalização bilíngue é vista pelos Mebêngôkre. Ao questionar uma Me nire (mulher Mebêngôkre) sobre o porquê de ela estar na praça com os filhos, ela recebeu a seguinte resposta: “estou aqui porque a praça não é só do kubē (não-indígena), é do Mebêngôkre também”. Esse depoimento comprova o impacto que a sinalização bilíngue ocasionou no espaço público. A sinalização bilíngue simboliza uma forma de respeito, reconhecimento e valorização do povo e língua.
6. Conclusão
Seguiremos realizando entrevistas, tanto com professores indígenas que atuam em suas comunidades, quanto com outras lideranças e representantes, para registrar relatos e promover ações de combate ao preconceito linguístico com falantes de Kayapó. Nos dispomos a mediar conflitos, abraçando as causas Mebêngôkre e contribuir com propostas que favoreçam a implementação concreta da lei de cooficialização no município de São Félix do Xingu (PA). Nos colocamos a serviço de reverberar as principais reivindicações dos indígenas quanto à garantia de seus direitos linguísticos e nos dispomos a favorecer e apoiar a execução de ações propostas por eles, por meio da parceria com as instituições municipais, para o incentivo e o reconhecimento do povo e da língua no município. O protagonismo é da própria comunidade linguística minorizada. Pautamo-nos pelo Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996), que diz: “Entende-se por comunidade linguística toda sociedade humana que, radicada historicamente num determinado espaço territorial, reconhecido ou não, se identifica como povo e desenvolveu uma língua comum como meio de comunicação natural e de coesão cultural entre os seus membros”. Nosso ideal é fazer valer Artigo 13° da Constituição Federal Brasileira (1988), que garante o direito à educação em outras línguas para comunidades indígenas; porém, não há menção no texto a qualquer outra realidade linguística, como a de outros grupos minorizados. Essa realidade precisa ser exposta. Esses povos, suas línguas e culturas precisam ganhar cada vez mais visibilidade e voz. E merecem conquistar esse espaço.
Agradecimentos
Agradecemos aos pareceristas pelas revisões solicitadas e recomendações ao texto; todas foram fundamentais para a finalização do relato.
Agradecemos ao revisor profissional Alfredo Dias D’Almeida pela leitura atenta e cuidadosa.
Agradecemos aos extensionistas que já contribuíram e aos que ainda contribuem para a ação ME KUNĪ UMARI: em Rede pelos Direitos Linguísticos, do Projeto de Extensão Ações de Combate ao Preconceito Linguístico, da Faculdade de Letras de Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Somos gratos à Secretaria Executiva Municipal de Educação (SEMED), do município de São Félix do Xingu (PA), por esta parceria, que tem sido tão produtiva.
Agradecemos a todos os professores Mebêngôkre pelas contribuições voluntárias, tão necessárias para a implementação de uma política linguística efetiva no município de São Félix do Xingu (PA).
Nossos agradecimentos mais que especiais ao povo Mebêngôkre do Xingu, sobre quem, com quem e por quem esta ação acontece.
Informações Complementares
Conflito de Interesse
Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.
Declaração de Disponibilidade de Dados
O compartilhamento de dados não é aplicável a este artigo, pois nenhum dado novo foi criado ou analisado neste estudo.
Referências
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Avaliação
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2023.V4.N2.ID687.R
Decisão Editorial
EDITOR 1: Ana Vilacy Moreira Galucio
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0168-1904
FILIAÇÃO: Museu Paraense Emílio Goeldi, Pará, Brasil.
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EDITOR 2: Ângela Fabíola Alves Chagas
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4925-1711
FILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.
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CARTA DE DECISÃO: O texto aborda a importância em se valorizar as línguas indígenas e preservar seus territórios e culturas, em especial a língua Mebêngôkre (Kayapó). O trabalho apresenta um panorama sobre a cooficialização da língua Mebêngôkre em São Félix do Xingu-PA. O texto apresenta ainda outras frentes em que a ação de extensão Me Kunī Umari tem atuado como, por exemplo, na intermediação de ações da gestão pública municipal em relação à lei de cooficialização, na colaboração com a educação escolar indígena e na promoção de atitudes que visem a valorização e reconhecimento do povo e da língua Mebêngôkre, apontando para a presença da língua já em alguns ambientes institucionais, para além das aldeias e da esfera escolar indígena. O artigo é um importante exemplo de ações tomadas em favor da cooficialização de línguas originárias do Brasil e por isso sua publicação nos Cadernos da Abralin é de extrema importância.
Rodadas de Avaliação
AVALIADOR 1: Isabella Coutinho Costa
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2586-8928
FILIAÇÃO: Universidade Estadual de Roraima, Roraima, Brasil.
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AVALIADOR 2: Marília Fernanda Pereira de Freitas
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7607-6077
FILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.
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RODADA 1
AVALIADOR 1
2023-07-28 | 11:42
Recomendo o artigo para publicação, mediante incorporação das sugestões mencionadas ao longo do texto.
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AVALIADOR 2
2023-08-15 | 21:46
De modo geral, o texto está bem organizado e compartilha uma experiência importante, no âmbito das políticas linguísticas, que resultou em uma valorização da língua Mebêngôkre e auxiliou na efetivação de sua cooficialização. Entretanto, alguns pontos merecem ser destacados, no sentido de realizar alguns ajustes necessários à adequação do texto.
Em primeiro lugar, deve-se fazer uma revisão textual criteriosa em todo o texto. Envio, em anexo, o manuscrito com comentários nesse sentido. Quanto ao formato, na página 3, último parágrafo, há problemas com citações feitas (ver correções no manuscrito). Na página 4, primeiro parágrafo, há uma citação maior que 3 linhas que está fora dos padrões de formatação (que deve ser com recuo e fonte menor que 12). No penúltimo parágrafo da mesma página, na citação apresentada, é necessário indicar o número da página. No último parágrafo da página 5 também falta a indicação das páginas das citações. No segundo parágrafo da página 6 há uma citação cuja referência não está clara, é preciso especificar se foi obtida em algum site, em anais de um evento, ou outra fonte.
Em se tratando das figuras apresentadas ao longo do texto, a maioria está desconectada ou não é retomada no corpo do texto, o que dá a sensação de serem dispensáveis, e talvez o sejam, pelo menos algumas delas. Na página 10, é preciso justificar/ explicar a presença da figura 1. A figura 2, na página 11, parece totalmente deslocada do texto, sugere-se sua retirada. O mesmo ocorre com as figuras 3 e 4, na página 12, e com a figura 5, na página 13.
Do ponto de vista textual, no primeiro parágrafo da página 6, deve-se evitar o eco “produção dos produtos”; sugere-se algo como “elaboração de produtos”. No primeiro parágrafo da página 10, é necessário rever a coesão do fragmento “Assim, a vivência de situações que antes eram pouco compreendidas pelos não-indígenas e, por isso, ocasionavam atitudes errôneas ou mesmo preconceituosas, agora é por admiração e respeito para com o povo e língua”, pois o último período parece desconectado sintaticamente do resto. No primeiro parágrafo da página 12, seria interessante explicar, em nota de rodapé, o significado do termo “geraizeiros”, pois, talvez, esta não seja uma palavra de conhecimento do público em geral, fora da região em que é utilizada. No primeiro parágrafo da seção 5, página 16, quando se menciona a “promoção de atitudes”, seria textualmente esclarecedor se exemplos fossem citados.
Em se tratando de questões metodológicas, na seção 4 do trabalho, primeiro parágrafo, afirma-se que serão apresentados “o depoimento do autor Mebêngôkre, Betire Kayapó, e a reprodução de algumas entrevistas realizadas durante a ação”. No entanto, o que se segue não está em formato de citação, em que todas as informações deste ponto em diante aparecem no corpo do texto, sem nenhum tipo de demarcação que permita perceber onde termina o relato (possivelmente transcrito) e onde iniciam as entrevistas e as inserções dos autores do artigo. Não foram dadas informações acerca da coleta desse relato e das entrevistas, ou sobre quando foram coletados, como foram coletados, sobre como os dados foram tratados, se foi feita a transcrição de um texto oral para o escrito e, se sim, como foi feita essa transcrição. Tais informações são fundamentais para que se possa entender como esses dados foram tratados, de onde vieram, etc. Em algum ponto do artigo, afirma-se que esses dados foram publicados em redes sociais. Caso o relato mencionado no texto seja por escrito, publicado no Instagram ou Facebook, por exemplo, seria interessante printar, ao menos, uma parte desse relato e pôr como figura no texto. Caso seja um relato oral, é necessário dizer como foi transcrito, utilizando quais convenções ou ferramentas/programas computacionais.
Em suma, os pontos mencionados nestas recomendações podem vir a ajustar o texto, de modo a torná-lo mais apropriado para publicação.
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RODADA 2
AVALIADOR 1
2023-09-11 | 00:53
O artigo trata da situação sociolinguística da língua Mebêngôkre e das estratégias políticas para manutenção da língua na comunidade. A partir das sugestões de correção do artigo, os itens elencados foram incorporados ao texto conforme a resposta escrita pelos autores. Desta forma, não tendo mais nada a corrigir, considero o artigo apto para publicação.
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AVALIADOR 2
2023-09-07 | 07:12
O texto Me Kunī Umari: em rede pelos direitos linguísticos dos Mebêngôkre (Kayapó) Em São Félix Do Xingu – PA oferece um relato de experiência acerca da ação de extensão Me Kunī Umari, no âmbito do projeto de extensão Ações de Combate ao Preconceito Linguístico (UFRJ). A referida ação consiste em coletar e publicar em redes sociais entrevistas, relatos, entre outros, que focalizem a valorização e a cooficialização da língua Mebêngôkre em São Félix do Xingu.
Em sua introdução, o texto aborda a importância em se valorizar as línguas indígenas e preservar seus territórios e culturas, em especial a língua Mebêngôkre (Kayapó).
Na primeira seção do trabalho, é apresentado um panorama sobre a cooficialização da língua Mebêngôkre em São Félix do Xingu, por meio da Lei n.º 571/2019 (CMSFX/PA, 2019), apontando para o fato de que pouco foi feito no sentido de efetivar essa cooficialização. Nessa mesma seção, são apresentadas também informações sobre as escolas Mebêngôkre e acerca da promoção de cursos voltados para o ensino da língua, apontando para o fato de que, mesmo com essas ações, os Mebêngôkre ainda se queixam de não serem ouvidos e das imposições da cultura não-indígena.
Na segunda seção, é apresentada uma visão geral acerca da educação escolar indígena em São Felix do Xingu, em que são ofertadas as modalidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II, sendo atendidas, ao todo, 32 aldeias Mebêngôkre. Aponta-se que há, ainda, no âmbito da educação escolar indígena do município, uma turma de Ensino Médio, além de serem ofertadas vagas para o Ensino Superior em três cursos.
Na terceira seção, é feita a descrição do projeto de extensão intitulado Ações de Combate ao Preconceito Linguístico (Faculdade de Letras/ UFRJ), no âmbito do qual foi desenvolvida a ação de extensão Me Kunī Umari, cuja metodologia pautou-se na realização de entrevistas com falantes de Mebêngôkre, presencialmente, que foram gravadas em áudio e/ou vídeo, das quais participaram, principalmente, professores indígenas, abordando questões sobre a reinvindicação de seus direitos e a inserção de sua cultura na educação oficial. Essas gravações, posteriormente, foram veiculadas em diferentes redes sociais, promovendo um importante debate no referido município.
Na seção 4, é apresentado o propósito principal da referida ação de extensão, que consiste em formar uma rede de comunicação, a fim de agilizar tomadas de decisão sobre problemas coletivos, em especial aqueles ligados à cooficialização da língua. Nessa mesma seção, também são apresentados relatos de indígenas participantes da ação de extensão, que ilustram a importância, alcance e impactos dessa ação.
Na quinta seção, são apontadas as outras frentes em que a ação de extensão Me Kunī Umari tem atuado como, por exemplo, na intermediação de ações da gestão pública municipal em relação à lei de cooficialização, na colaboração com a educação escolar indígena e na promoção de atitudes que visem a valorização e reconhecimento do povo e da língua Mebêngôkre, apontando para a presença da língua já em alguns ambientes institucionais, para além das aldeias e da esfera escolar indígena.
Por fim, na conclusão, reafirma-se a importância e a continuidade da ação de extensão Me Kunī Umari, no sentido de contribuir com propostas que favoreçam a efetivação da lei de cooficialização no município de São Félix do Xingu, além de promover ações que garantam os direitos linguísticos desse povo e apoiem suas propostas, evidenciando-se, nesse cenário, o protagonismo das comunidades indígenas Mebêngôkre.
O ponto forte do relato apresentado consiste no compartilhamento de uma ação efetiva, no âmbito das políticas linguísticas, que corroborou em resultados concretos para as comunidades Mebêngôkre, em se tratando da promoção de ações de valorização de sua língua, que colaboraram com sua cooficialização efetiva.
Enquanto um relato de experiência, o texto parece ter atingido seu objetivo principal, qual seja, compartilhar os resultados da efetivação da ação de extensão Me Kunī Umari, apresentando resultados claros e uma conclusão satisfatória.
Por oportuno, pode-se dizer que o trabalho pode vir a contribuir com a divulgação de ações, no âmbito das políticas linguísticas, que venham a beneficiar os povos indígenas, ao apresentar possibilidades de efetivação de ações que promovam a valorização dessas línguas.
Resposta dos Autores
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2023.V4.N2.ID687.A
RODADA 1
2023-09-06
Às pareceristas,
Agradecemos as recomendações e explicamos, neste documento, como cada uma das questões apontadas na avaliação foram abordadas na versão revisada, na ordem em que aparecem no parecer.
1) Revisão textual .
A revisão foi realizada e todas as sugestões constantes no manuscrito enviado foram aceitas e incorporadas ao texto.
a) informar as publicações que mencionam que, no Parque Indígena do Xingu, há grande diversidade linguística, situando o Kayapó nesta diversidade.
As referências foram inseridas na nota de rodapé nº 7 e no corpo do texto (p.3), uma delas no próprio texto: Storto, 2019
b) explicar a relação entre Mebêngôkre e Kayapó.
A explicação foi realizada no corpo do texto e uma referência inserida na nota de rodapé nº 8, junto com a adoção do termo Mebêngôkre para o artigo (p.3).
c) informar a fonte da informação sobre a presença 32 líderes indígenas no I EIB.
Inclui-se a referência à dissertação de Feitosa (2018). (p.6)
d) informar a fonte da afirmação de que o preconceito linguístico rechaça variedades e variantes diferentes e provoca insegurança e baixa estima nos falantes.
Este é um comentário dos autores com base nos conhecimentos sobre preconceito linguístico. Incluiu-se a referência a um livro de Marcos Bagno (2015) que apresenta estes conceitos (em relação ao PB). (p. 11)
e) explicar como foram coletados os relatos e realizadas as entrevistas citadas.
As informações solicitadas foram inseridas no corpo do texto e em notas de rodapés, a partir da p.12, incluindo detalhes sobre as entrevistas, como: entrevistado, entrevistador, mês, ano, duração, local e um link de acesso (para as publicadas em podcast). Todas fazem parte do acervo de entrevistas do projeto Ação Me kunī umari.
2) Formatação
Foram corrigidas as citações indicadas (p. 3 e 4). O número de página não está indicado em alguns casos (p. 4 e 5) porque a fonte é uma publicação digital disponibilizada na internet.
Inclui-se a referência da citação no segundo parágrafo da página 6: Feitosa (2018, p. 89)
3) Figuras.
A explicação da figura 1 foi colocada logo abaixo dela (p. 10). As figuras 3, 4 e 5 (logotipos) foram retiradas e a numeração, ajustada.
4) Correções textuais
a) Substituiu-se a expressão “produção dos produtos” por “elaboração de produtos” (p.6).
b) No último parágrafo da página 11, eliminou-se o último período da oração, que estava desconectado do resto.
c) Incluiu-se a nota de rodapé no 14, explicando o que são “geraizeiros” (p. 11).
d) Incluiu-se a nota de rodapé no 20, explicando que tipos de atitudes valorizam e promovem o reconhecimento do povo e da língua Mebêngôkre.
5) Questões metodológicas.
A partir da p.11, seção 4, inclui-se no texto e em notas de rodapé detalhes sobre a metodologia adotada e sobre como, quando e onde foram realizadas as entrevistas e coletados os relatos.
São Félix do Xingu, 06 de setembro de 2023.