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Theoretical Essay

Loanwords: Core Concepts and the Case of Wasei Eigo

Júlia Cristina Valverde da Silva

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https://orcid.org/0000-0002-6605-6619


Keywords

Loanwords
Wasei Eigo
Japanese-English

Abstract

This essay aims to define the linguistic phenomenon known as "loanwords" and identify the main processes through which foreign elements are integrated into a different linguistic system. Additionally, as a case study, the linguistic typology of wasei eigo will be discussed to contextualize loanwords within the receiving culture and language.

Resumo para não especialistas

Este breve trabalho busca entender como uma língua “pega emprestadas” palavras de outros idiomas. O foco está em como esse fenômeno se desenrola no contexto do Japão e nas expressões únicas conhecidas como wasei eigo.

Introdução

A integração de palavras estrangeiras a uma dada língua é um dos meios pelos quais o sistema linguístico é ampliado em termos expressivos, referenciais e formais. Os contatos linguísticos, facilitados e exponenciados pelo advento tecnológico, são as forças motrizes da circulação e da adoção de novas formas lexicais estrangeiras. Nesse sentido, o fenômeno do empréstimo se torna basilar para a constituição das línguas, seja ele resultado do intercâmbio cultural, das trocas linguísticas em ambientes virtuais ou da proximidade territorial e geográfica entre duas ou mais línguas. Uma viagem diacrônica, ancorada na gramática histórica, revela, assim, como a adoção de empréstimos é um processo não apenas de ampliação do léxico de uma língua, mas também de diversificação de produção literária, científica e cultural.

Os empréstimos emergem de situações em que os falantes tentam reproduzir padrões linguísticos na tentativa de lidar com as demandas de novas situações enunciativas. Dessa maneira, no centro da definição de empréstimo está a tentativa de reprodução “em uma língua de padrões anteriormente encontrados em outra[1]” (Haugen, 1950, p.212, tradução nossa). Também denominados “estrangeirismos”, os empréstimos deixam uma marca indelével na língua, até se integrarem completamente ao novo sistema, gerando as mais diversas reações, desde a aceitabilidade acrítica a um purismo linguístico com traços de xenofobia[2] (Bagno, 2017, p.107).

Em sua leitura de Haugen (1950, p.212), Alves (2008) sustenta que as unidades lexicais advindas de outras línguas podem adentrar o novo sistema por dois processos, a saber, o de importação ou substituição. No primeiro, as unidades são aceitas como elementos do novo sistema e consideradas como inovações; enquanto o segundo processo abarca as instâncias de decalque e de empréstimo semântico. A entrada de estrangeirismos, contudo, não acontece de forma uniforme, sendo os processos de integração variados em espécie e linguisticamente motivados pelo sistema receptor. Ademais, a “travessia” de uma palavra de um sistema a outro não garante sua integridade semântica, sendo comum que o empréstimo passe a deter sentidos diferentes da palavra da qual partiu (Bagno, 2017, p.107). Nesse sentido, este breve ensaio terá por enfoque precisamente a alteração semântica em um caso particular de estrangeirismo, isto é, um fenômeno em que anglicismos são manipulados e ressignificados na língua japonesa, ocasionando o que linguistas denominam de wasei eigo (和製英語). Antes de adentrar o tópico, contudo, delinearemos os principais processos a partir dos quais empréstimos são geralmente integrados a uma língua e, posteriormente, indicaremos o que torna o caso do wasei eigo tão peculiar em termo de processos de estrangeirização de um idioma.

1. Processos usuais de integração de empréstimos linguísticos

Por fazerem parte do processo formativo das línguas, os empréstimos são um meio pelo qual o conteúdo lexical, expressivo e referencial de um sistema linguístico é expandido ao se adotar e adaptar termos de uma língua estrangeira à de chegada (Carvalho, 2002). A ampliação sistemática, empreendida pela integração de empréstimos, atua de forma mais significativa em determinados estratos da língua do que em outros. Ou seja, o que Carvalho (2002) denomina de “lexemas” (ou palavras lexicais) -palavras que representam o universo extralinguístico nomeando atividades, coisas e qualidades-são os itens mais passíveis de receberem influência dos estrangeirismos, já que são classes de palavras abertas com forte componente semântico, incluindo em seu arsenal os verbos, adjetivos, substantivos e advérbios nominais. Em contraposição aos lexemas, haveria, ainda a categoria de gramemas, relativamente estáveis, constituindo a parte formal e interna da língua, sendo pouco receptiva a neologismos ou inovações e atuando como “palavras-ferramenta”, classe na qual estariam presentes os artigos, preposições, pronomes relativos e alguns advérbios.

Apesar de serem usados de forma intercambiável em certos contextos, Carvalho (2002) estabelece uma distinção entre “estrangeirismo” e “empréstimo” e, a partir de uma visão saussuriana dicotômica, define o estrangeirismo como um fenômeno da parole, ou seja, decorrente de usos concretos individualizados, e o empréstimo enquanto a socialização e o uso difundido, integrante da langue.

Seja como for, ao adentrar um sistema receptor, o termo estrangeiro passa por certos processos de normatização para se conformar fonológica, morfossintática e semanticamente à língua-alvo. A primeira adaptação é de cunho fonológico e visa a adequar o elemento estrangeiro ao sistema fonético do idioma receptor. Anglicismos de ampla circulação no Brasil como McDonalds, Facebook, crush, cringe são pronunciados diferentemente em língua portuguesa, considerando as restrições fonéticas estabelecidas pelo sistema que tende a exigir, por exemplo, que vogais de apoio (Facebookà Feicibuqui) sejam utilizadas caso uma palavra termine em consoante. Enquanto processo de incorporação de empréstimos, a adaptação fonológica também abarca a substituição fônica, quando um dado fonema não existe no inventário fonêmico da língua receptora e é substituído por um fonema “nativo”; e encurtamento, quando palavras originalmente longas são condensadas (e.g appatomento, empréstimo do inglês para a língua japonês, torna-se apaato).

A segunda categoria normativa pela qual alguns estrangeirismos passam é de caráter morfossintático, tornando os itens lexicais passíveis de serem flexionados em número e gênero, ou conjugados, no caso de verbos, tais como os demais componentes do sistema linguístico de chegada (e.g duas katanas; três Méquis; bloggar), sujeitando-os, assim, a comportamentos morfossintáticos da língua receptora (Harmon, 1994, p.468). Essas adaptações na dimensão morfossintática, que vão desde flexões morfológicas, verbalizações e marcação de caso até reduções morfológicas, são necessárias devido às restrições estruturais intrínsecas à língua receptora e visam a garantir inteligibilidade e aceitação da comunidade em que o novo item circulará.

Um outro processo de integração de empréstimos diz respeito ao decalque, que consiste na tradução literal de um item para a língua receptora, constituindo um caso de empréstimo semântico, como arranha-céu (skycraper) e alta-costura (haute couture) (Carvalho, 2002).

Cumpre mencionar, ainda, que o processo de adaptação ortográfica, que pervade outros procedimentos de incorporação de empréstimo, atua como um mecanismo de absorção do item, padronizando-o, dicionarizando-o e firmando seu status na língua. Entre exemplos de adequação ortográfica, citam-se bife (beef); pudim (pudding); esporte (sport)-que resultam da adaptação fônica (Borceda, 2006, p.40). Em língua japonesa, que faz uso de vários sistemas de escrita, o katakana, é o silabário mais associado à escrita de palavras estrangeiras não chinesas e é a forma mais comum de adaptação ortográfica (Irwin, 2011), como em コーヒー (kōhī)- café; ページ (pēji)-página.

No que concerne aos aspectos semânticos, o item estrangeiro pode ser significativamente restrito durante a transferência, tendo apenas parte de suas acepções originais transplantadas para a língua receptora. Nesse sentido, o empréstimo seria, inicialmente, monossêmico e referencial; contudo, tendo em vista seu novo ambiente sociolinguístico e cultural, a palavra tenderia à polissemia, perdendo ou modificando seu significado primeiro. Um exemplo de restrição semântica é reduce, do inglês, que, em japonês, ridyūsu, passou a significar apenas reduzir lixo como meio de proteção ambiental (Hosokawa, 2023).

Essa alteração semântica, representativa dos fenômenos de empréstimos, é socialmente motivada e vinculada. Isto é, a motivação por trás da adoção de um estrangeirismo pode ser cultural, com a transferência de padrões de ação, procedimentos técnicos, práticas beligerantes, ritos religiosos e condutas, conforme propõe Bloomfield (1933, p.445); no entanto, a integração do empréstimo não visa a servir interesses da língua/cultura de origem. Entende-se, dessa forma, que, apesar da denominação “empréstimo” remeter à tomada de um objeto de forma obsequiosa, o fenômeno em si revela, na verdade, a autonomia de que as línguas gozam para se renovar constantemente, conforme veremos com o caso do wasei eigo, na seção seguinte.

2. Do Wase eigo ou inglês do Japão: Falsos anglicismos ou palavras japonesas?

Pode-se dizer que o processo de importação de termos ingleses à língua japonesa teve como gênesis oficial a abertura do país asiático ao ocidente, durante a Restauração Meiji, no século XIX. O advento da 2ª guerra mundial, contudo, gerou uma série de políticas linguísticas restritivas quanto ao uso da língua inglesa, as quais caíram por terra durante a ocupação estadunidense, após o fim do conflito mundial, em 1945 (Stanlaw, 1992, p.61). Os empréstimos linguísticos de origem inglesa, então, resistiram à passagem do tempo, adentrando as mais diversas áreas chegando, inclusive, a representar 10% dos itens lexicais usados diariamente por japoneses, segundo uma pesquisa realizada entre 1970 e 1974, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Linguísticas do Japão (Stanlaw, 1992).

Tendo em vista a posição ainda ocupada pelo inglês como língua franca, é de se imaginar que se houve alguma modificação no cenário sociolinguístico do Japão foi apenas no sentido de incluir ainda mais anglicismos. Além dos empréstimos diretos (ver quadro 1), que passam pelos processos de integração anteriormente citados (e.g adequação fonológica), há também aqueles “quase-empréstimos”, produzidos no Japão para uso doméstico, fenômeno sobre o qual nos deteremos a seguir.

O quadro 1 abaixo lista nove palavras de origem inglesa, suas transliterações para o japonês (em katakana e em alfabeto romano) e os respectivos itens dos quais se originaram. Os dados são organizados em duas colunas: "Palavra/transliteração" e "Item original".

Palavra/ transliteração Item original
センター/ senta center
サービス/sabisu service
システム/shisutemu system
メール/ meru mail
テレビ/terebi TV
データ/ deta data
ブログ/burogu blog
エネルギー/enerugi energy
グループ/gurupu group
Table 1. Quadro 1. Lista de empréstimos das palavras em inglês mais frequentes no Balanced Corpus of Contemporary Written Japanese. Fonte: Elaboração a partir dos dados do Balanced Corpus of Contemporary Written Japanese (2025)

O léxico da língua japonesa é constituído pelo estrato nativo, pelo sino-japonês e pelo estrato estrangeiro (Shimada, Nagano, 2019, p.1), incluídas na última categoria as palavras de língua inglesa, de grande difusão e de uso diário por nativos de japonês, como back-mirror, high-tension e one-pattern, as quais fazem parte de um fenômeno denominado wasei eigo. As palavras há pouco ilustradas são, inegavelmente, de origem inglesa, contudo, essas expressões não são de uso frequente de nativos da língua inglesa que, por sua vez, empregariam, em seu lugar, rear-view mirror, energetic/lively e repetitive/predictable, ou itens lexicais similares e de uso corrente. Esse fenômeno, caracterizado por Shimada e Nagano (2019) como o resultado de interpretações e usos errôneos da língua inglesa por não nativos, é denominado de wasei eigo (tradução literal: Inglês do Japão/Inglês feito no Japão).

Ao discorrer sobre a natureza dos empréstimos realizados na língua japonesa, Irwin (2011, p.154) aponta que concomitante à adoção de estrangeirismos ocorrem também processos de mudança semânticas, os quais podem ser de estreitamento (narrowing) ou de ampliação (broadening). Nos exemplos de palavras cujos significados foram reduzidos, incluem-se cunning , que em japonês significa “colar em uma prova”; yell, que passa a significar “torcer, apoiar um time”; e bonus, pagamento adicional. Entre os anglicismos cujos significados ganharam matizes semânticas adicionais, encontram-se handle (que passa a significar também volante, guidão de bicicleta) e jinx (superstição). Diferentemente desses exemplos de empréstimos, que passam apenas por um movimento de redução ou ampliação semântica, o grupo de itens lexicais complexos que formam o wasei eigo é constituído por dois elementos estrangeiros-quase sempre anglicismos- que se unem para formar uma expressão que se distancia de itens lexicais existentes na língua de origem e que seriam normalmente usados para articular os significados expressivos e referenciais almejados pelo wasei eigo.

Esse processo de criação de itens lexicais compostos, cujos equivalentes na língua de origem ocorrem por meio do uso de outras lexias, se dá por meio de um remodelamento semântico (Irwin, 2011, p.155), o qual é comumente ocasionado pela tentativa de atenuação discursiva ou eufemismo já que, de acordo com Irwin, muitas das palavras do wasei eigo se referem a tabus relacionados ao sexo, à indústria sexual e a funções corporais, conforme o quadro abaixo, adaptado de Irwin (2011), Stanlaw (1992) e Miller (1998). O quadro em questão apresenta quatro colunas. A primeira contém os elementos lexicais em inglês que deram origem aos termos do wasei eigo; a segunda, a transliteração para o alfabeto romano; a terceira, o anglicismo equivalente; e a quarta, o significado em português.

Elementos lexicais Romanização Anglicismo equivalente Significado em português
Cherry+ boy Cherībōi Male virgin Homem virgem
Baby +stop Beibīsutoppu Abortion Aborto
Sex +friend Sekkusufurendo Sex buddy Amigo com benefícios
Pillow+friend Pirōfurendo
Stick+ girl Sutikkugāru Female escort Acompanhante
Love+ hotel Rabuhoteru Hotel renting rooms by the hour Motel
Out+ sex Autosekkusu Extramarital sex Sexo extraconjugal
Pipe+ cut Paipu katto Vasectomy Vasectomia
Soap + land Sōpu rando Brothel which offers sex in the setting of a turkish bath Bordel com tema de banho turco
Soap +lady Sōpu redī Soapland prostitute Prostituta que trabalha no soapland
Health+massage Herusu massaji Masturbation Masturbação
Table 2. Quadro 2. Lista de wasei eigo relacionados sexo, à indústria sexual e funções corporais.

Dado o caráter pervasivo do inglês, contudo, o wasei eigo também se manifesta em muitos outros campos semânticos como os do estilo pessoal, do status social, de propriedade e da comunicação, como nas palavras:

a) Hai sensu (high sense), que significa “bom gosto em moda”;

b) Surariman (salaried man), que significa “homem assalariado”;

c) Kyariā ūman (career woman), que se refere a “mulher de carreira ambiciosa”;

d) Mai-ka (my car), que significa “carro próprio” (Irwin; Zisk, 2019);

e) Raibu tōku (live talk), que se refere a “programas de vídeo online” (Hosokawa, 2023);

O ponto a se discutir, no entanto, é o que ocasiona a geração de palavras wasei eigo e sob que categoria tipológica elas se encontram, isto é, seriam empréstimos linguísticos, estrangeirismos, neologismos, ou palavras autenticamente japonesas? Miller (1998, p.125) define o wasei eigo como a combinação de dois lexemas para a criação de uma nova palavra ou conceito, em que os lexemas originais em inglês passariam por um processo considerável de reformulação semântica e fonológica. Complementarmente, Tomoda (2005, p.13) define wasei eigo como palavras que passaram por transformações em termos de pronúncia e significado a tal ponto que não são mais reconhecidas como pertencentes à língua inglesa.

Apesar do pertencimento linguístico dos wasei eigo permanecer na penumbra, Ariefandi e Hariri (2024, p.2) lançam luz a essa questão, defendendo que esse grupo de palavras se constitui, na verdade, como “pseudo-empréstimos” (pseudo-loanwords), isto é, se originam de palavras estrangeiras, inglês em sua maioria, que são adaptadas por processos morfológicos e ortográficos para criar novas palavras, com novos significados subjacentes ou não. Em sua leitura de Hidayat et al. (2006), Putri (2018) e Adriani (2019), Ariefandi e Hariri (2024, p.3) atestam a existência de quatro tipos de wasei eigo, quais sejam:

(1) Imizuretakata: palavras que parecem inglês, mas têm significados e contextos de uso distintos (e.g viking, que significa buffet, em japonês);

(2) Tanshukukata: palavras criadas a partir da redução daquelas em inglês (e.g pasokonà personal computer);

(3) Junwaseikata: expressões que incluem termos em inglês, mas que não são usadas na língua inglesa padrão (e.g Office lady, usado para se referir a secretárias);

(4) Eigohyougen fuzaikata: palavras produzidas por meio da combinação livre de morfemas para a criação de novos significados (e.g skin +ship =skinship, usado para se referir ao afeto entre membros da família ou entre amigos próximos).

Essa pletora de processos de criação de wasei eigo corrobora a visão de Tomoda (2005, p.120), para quem os estrangeirismos presentes na língua japonesa não resultam apenas da atividade de copiar anglicismos, mas sim de genuínos procedimentos inovadores que se manifestam em “jogos de palavras sofisticados” [1] (tradução nossa). Miller (1998), por exemplo, aponta como os estrangeirismos já integrados à língua japonesa são base para experimentação e combinações linguísticas das quais o wasei eigo resultam. Contrariamente às críticas acerca do caráter incoerente e errôneo do wasei eigo, Tomoda defende que essas formas de criação linguística e de enriquecimento lexical não ocorrem para benefício da língua de origem, e sim para a língua receptora e seus usuários.

Em linhas similares, Stanlaw (1992) aponta para o caráter também individual do fenômeno wasei eigo, que pode ensejar a criação de itens por indivíduos, de forma autônoma, para expressão do pensamento em contextos de comunicação pontuais, constituindo singularmente seus idioletos. Complementarmente, o mesmo autor defende que um outro ponto de vista deveria ser adotado ao se tratar de episódios de contatos linguísticos que culminam na adoção de estrangeirismos em uma dada língua. Stanlaw (1992) propõe que, em vez de tomar a perspectiva da língua de partida, neste caso o inglês, e arguir questões de deturpação linguística, deve-se adotar as lentes japonesas na investigação de como esse sistema constrói e dá significação nova a palavras e expressões inglesas. Nesse sentido, as palavras do wasei eigo seriam o que o autor denomina de “item vocabular inspirado pelo inglês”, já que o léxico advindo desse fenômeno é cultivado no Japão e para o Japão, havendo poucas coincidências referenciais, fonológicas ou conotativas entre o item nipônico e aqueles que inspiraram sua criação, em inglês.

Percebe-se, dessa maneira que o emprego do wasei eigo não resulta apenas de uma “lacuna” terminológica, referencial ou expressiva, já que sua criação é conscientemente empregada e motivada por valores estéticos, expressivos, humorísticos e eufemísticos (conforme ilustrado no quadro 2). Depreende-se, assim, que a denominação oferecida por Stanlaw, ampliando a compreensão dos processos de inovação linguística que ocorrem internamente a um sistema, revela as dimensões dinâmicas e orgânicas do cenário sociolinguístico de um país, dissociadas de rótulos que perpetuam a superveniência de uma língua sobre a outra.

3. Conclusão

Um estudo diacrônico de uma língua escolhida ao acaso revelaria que seus componentes internos foram, em menor ou maior medida, afetados pelos contatos e variações entre dialetos e outras línguas. Esse fenômeno, conhecido como “empréstimo linguístico” revela, assim, como a história de desenvolvimento de uma língua está associada a processos de contatos e intercâmbios linguístico-culturais. Contudo, ao se integrar itens estrangeiros a um novo sistema, eles devem ser normatizados para se adequar às regras morfológicas, sintáticas e fonológicas que regem a língua de acolhida. Essa adaptação favorece a adoção do estrangeirismo pelos falantes, facilitando sua difusão e inteligibilidade. Todavia, ao ser transplantado, o item estrangeiro deve se adequar também ao novo ambiente sociolinguístico e pode passar, inclusive, a apresentar significados distintos daqueles que motivaram sua integração. Essa alteração semântica está manifestamente presente nas criações lexicais que compõem a categoria de wasei eigo, um fenômeno de composição de palavras da língua japonesa a partir de estrangeirismos em inglês, os quais passam pelos mais diversos processos de adequação fonológica e semântica. As motivações por trás dessa ocorrência linguística são múltiplas, podendo ser ocasionadas por fatores estéticos ou pela tentativa de atenuação discursiva ao se tratar de questões sensíveis ou de tabus.

A reflexão aqui proposta buscou apontar para uma perspectiva alternativa ao tratar dos empréstimos linguísticos. Isto é, em vez de considerar esse fenômeno a partir das lentes da língua “doadora”, em que a língua receptora necessitaria integrar itens lexicais por uma deficiência expressiva ou referencial, cumpre analisar essa transplantação pelo viés do sistema receptor. A língua integradora não adota estrangeirismos de forma passiva; pelo contrário, opera uma série de processos que demandam adequação morfológica, ortográfica, sintática e fonológica, além de estabelecer novos contextos de uso e novas significações. Como um caso em estudo, o wasei eigo demonstrou precisamente o aspecto autônomo do estrangeirismo que, depois de adentrar um novo sistema, serve à nova língua os propósitos delimitados pelos seus falantes e por suas necessidades expressivas e contextuais.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

A autora declara não haver conflitos de interesses financeiros, profissionais ou pessoais de qualquer natureza que possam influenciar a elaboração ou os resultados apresentados neste trabalho.

Declaração de Disponibilidade de Dados

Este estudo é baseado em análise documental e bibliográfica. Os dados, informações e exemplos linguísticos advêm de fontes devidamente citadas na lista de referências.

Declaração de Uso de IA

A utilização da ferramenta Deepseek de inteligência artificial se circunscreveu à correção da formatação das referências. A autoria intelectual do manuscrito é de responsabilidade da autora.

Referências

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Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N3.ID796.R

Decisão Editorial

EDITOR: Dirce Waltrick do Amarante

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5246-6844

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, Brasil.

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CARTA DE DECISÃO: O tema do ensaio e a sua abordagem são pertinentes. A linguagem parece direcionada sobretudo aos leitores iniciantes. Concordo com uma das avaliadoras que aponta o seguinte: "O detalhamento acerca dos métodos de incorporação de estrangeirismos poderia ser mais aprofundado". Contudo, a minha avaliação é favorável à publicação do texto.

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Marileide Dias Esqueda

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6941-7926

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.

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AVALIADOR 2: Silvana Maria de Jesus

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2261-1956

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2025-05-23 | 01:20 PM

O texto demonstra uma abordagem clara e organizada em sua explanação sobre os empréstimos linguísticos. A escolha do wasei eigo como estudo de caso é pertinente, uma vez que enriquece a análise ao estabelecer uma relação intrínseca entre língua e cultura. Não obstante as qualidades supracitadas, identificam-se algumas lacunas. O detalhamento acerca dos métodos de incorporação de estrangeirismos poderia ser mais aprofundado. Adicionalmente, a limitação do estudo a um único exemplo específico (relacionado a sexo) restringe a amplitude da análise, não explorando potenciais impactos ou debates críticos inerentes ao tema. É possível que tal concisão se justifique pela categorização do trabalho como ensaio. Embora a estrutura geral do texto seja satisfatória, observam-se ocorrências de repetição de ideias, bem como questões pontuais de coerência e coesão textuais, assinaladas em amarelo no manuscrito original. Tais aspectos, uma vez corrigidos, contribuirão para aprimorar a fluidez e a clareza da argumentação. Recomenda-se a publicação do texto após a implementação dos ajustes mencionados.

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AVALIADOR 2

2025-08-18 | 03:28 PM

O artigo é interessante, está bem escrito e bem fundamentado. Esclarece com explicações teóricas e exemplos reais sobre o empréstimo linguístico inglês-japonês. É um trabalho de interesse de linguistas, em geral, e falantes e estudiosos do japonês, em particular.

O artigo descreve o fenômeno do wasei eigo ou empréstimo linguístico inglês-japonês. Discute a importância do empréstimo enquanto mecanismo de renovação linguística e trata de um caso especial, o "inglês feito no Japão". O trabalho apresenta várias visões sobre o fenômeno do wasei eigo, desde "usos errôneos" até "jogos de palavras sofisticados"", trazendo uma reflexão importante sobre a autonomia e o dinamismo cultural da língua. Seria interessante atualizar a lista de empréstimos apresentados na Figura 1 (Morito 1978). O trabalho contribui ricamente para a discussão sobre empréstimos, sendo de interesse de linguistas e professores, em geral, e falantes e estudiosos do japonês, em particular.

Resposta dos Autores

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N3.ID796.A

RODADA 1

2025-11-02 | 11:29 AM

Conforme solicitado, envio arquivo revisado de acordo com os ajustes requisitados pelos pareceristas. Confirmo que:

1. Aprofundei um pouco mais a seção sobre os processos de incorporação de empréstimos na língua receptora. No entanto, tendo em vista que cada processo, por si só, poderia ensejar estudos singulares e autônomos, ressalto que a visão panorâmica oferecida era o obejtivo do trabalho;

2. Atualizei a lista de empréstimos (quadro 1);

3. Considerei os itens sublinhados em amarelo pelo parecerista e fiz os ajustes respectivos;

4. Segui as diretrizes da revista quanto à formtação e aos itens de acessibilidade (https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/formatting).

How to Cite

DA SILVA, J. C. V. Loanwords: Core Concepts and the Case of Wasei Eigo. Cadernos de Linguística, Campinas, SP, Brasil, v. 6, n. 3, p. e796, 2025. DOI: 10.25189/2675-4916.2025.v6.n3.id796. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/796. Acesso em: 31 dec. 2025.

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