Resumo para não especialistas
Neste trabalho, nosso objetivo é apresentar o processo e o resultado preliminar da construção de um dicionário bilíngue e bidialetal Baniwa-koripako-português. Partindo da metodologia de criação de dicionários bilíngues e multimídias para línguas ameaçadas, focamos no dicionário Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Dessa forma, pretendemos apresentar como a descrição e documentação de línguas estão ligadas à produção de dicionários que podem ser usados para ajudar no processo de revitalização de línguas ameaçadas e para a formação de novos pesquisadores. Importante salientar que, na língua Baniwa-Koripako, existem variações dialetais entre os grupos, mas essas variações não impedem a compreensão entre nós, ou seja, existe a chamada inteligibilidade mútua entre os falantes das duas variedades. Por isso, podemos considerar que somos iguais, porém com algumas especificidades que nos diferenciam.
Introdução
Este trabalho é um recorte da tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) na Universidade de Brasília, em 2023, intitulada “estudo lexicográfico da língua medzeniakonai: proposta de um dicionário bilíngue e bidialetal Baniwa-koripako-Português” (Gonçalves, 2023), de minha autoria, sob a orientação do Professor Doutor Tiago Costa Chacon.
A bacia do rio Içana é o território de ocupação tradicional do povo Baniwa e Koripako. Ao longo do rio Içana, no lado brasileiro estão as 83 comunidades Baniwa e Koripako, somando uma população de pouco mais de quatro mil pessoas, segundo Levantamento Socioambiental (FOIRN/ISA/FUNAI, 2017). Conforme descrito no Levantamento Socioambiental realizado pelo povo Baniwa e Koripako (Nadzoeri-Foirn-ISA, 2021), a organização geopolítica local e interna do povo Baniwa e Koripako, o território do rio Içana está zoneado em 5 (cinco) microrregiões geográficas (destacadas no mapa abaixo) e em cada região existem associações indígenas constituídas para representar as comunidades instaladas nestes trechos de rio, a saber: 1) Zoneamento do Baixo rio Içana – abrange 19 (dezenove) comunidades e possui 04 (quatro) associações representativas, a Associação Indígena do Baixo Rio Içana (AIBRI), Organização da Comunidade Indígena do Distrito de Assunção do Içana (OCIDAI), Associação Indígena do Rio Cubate (AIRC), e Associação das Mulheres Indígenas do Baixo Içana (AMIBI); 2) Zoneamento do Médio Içana I– abriga 12 (doze) comunidades e 04 (quatro) associações, a União da Nação Indígena Baniwa do Médio Içana (UNIB), Associação de Artesã das Mulheres Indígena do Médio Içana (AAMI), e Associação Baniwa do Rio Içana e Cuyari (ABRIC); 3) Zoneamento do Médio Içana II – onde tem 14 (quatorze) comunidades e todas elas representadas pela Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI); 4) Zoneamento do Rio Ayari – onde estão situadas as 19 (dezenove) comunidades e 02 (duas) associações, a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Ayari (ACIRA) e União das Mulheres Indígenas do Rio Ayari (UMIRA) e; 5) Zoneamento do Alto rio Içana – onde se localizam as 20 (vinte) comunidades e todas elas representadas pela Organização Indígena Koripako do Alto Rio Içana (OIKAI). O mapa na figura 1, abaixo, apresenta a distribuição de associações e comunidades dos Medzeniakonai Baniwa-Koripako.
Figure 1. Figura 1. Mapa distribuição de associações e comunidades dos Medzeniakonai Baniwa-Koripako (Nadzoeri-Foirn-ISA, 2021).
Os Medzeniakonai já possuem alguns trabalhos descritivos sobre sua língua, por exemplo, os de Ramirez (2001a, 2001b), Taylor (1991), Valadares (1993) e Souza (2012), que trabalharam no rio Içana, e Granadillo (2006) e González Ñáñez (2017), que realizaram pesquisas na Colômbia e Venezuela. Existem dois dicionários: o Dicionário da Língua Baniwa (DLB), publicado no Brasil pelo linguista Henri Ramirez (Ramirez, 2001b), e um Dicionário Koripako feito na Colômbia (Bedoya, 1988). Ambos estão com edições esgotadas e de acesso extremamente difícil. Diante disso, é importante respondermos o porquê de um novo dicionário Baniwa-Koripako.
Este novo dicionário, elaborado como produto da tese de doutorado, apoiou-se nas experiências lexicográficas anteriores para melhorar aspectos centrais que limitam a quantidade e qualidades dos dados e dificultam o uso por parte de diferentes públicos alvos dos dicionários existentes. Vamos começar pelos pontos em que este novo dicionário, o Dicionário Medzeniakonai (DM), busca ser diferente do DLB. Primeiramente, o DM está sendo desenvolvido por mim, um linguista falante nativo de Baniwa, enquanto o autor do DLB não é falante nativo desta língua. Além de mim, temos três outros editores, dois falantes nativos de Baniwa (Augusto Garcia Gonçalves, Gilberto Garcia filho) e, outro, um falante de Koripako do Alto Içana (Geraldo Garcia Lino). Junto a isso, o DM está sendo realizado por um grande trabalho coletivo e colaborativo, com professores, sabedores, lideranças e alunos Baniwa–Koripako de diferentes regiões do rio Içana.
Um dos aspectos que o DM aproveita do DLB é a ortografia desenvolvida por Henri Ramirez. Hoje em dia, em relação à grafia Baniwa-Koripako, existem grupos de pessoas que se identificam com uma ou outra proposta e praticam diferentes grafias existentes, havendo uma divisão na sociedade Baniwa que, além de dialetal, é também baseada nas práticas ortográficas em diferentes esferas sociais. Muitas das grafias existentes são remanescentes do trabalho de diferentes missionários evangélicos. As escolas tendem a usar mais recentemente a grafia desenvolvida por Ramirez, enquanto a leitura nas igrejas permanece com a grafia antiga dos missionários. Porém, nem todos os professores usam a grafia de Ramirez em suas comunidades. O DM se alinha ao movimento político de autodeterminação indígena e de educação escolar indígena, que patrocinou o trabalho desenvolvido por Henri Ramirez sobre história da escrita entre os Medzeniakonai. Logo, o DM será um importante instrumento para difundir esta proposta ortográfica em diferentes comunidades.
Do meu ponto de vista, enfrentamos essa dificuldade entre os professores que atuam em todo percurso do rio Içana e seus afluentes. A escrita de cada professor está impregnada com o seu próprio modo de falar, o que às vezes a afasta da proposta ortográfica dos vocábulos do DLB. Enquanto os grafemas de Ramirez são suficientes para escrever todos os dialetos Baniwa-Koripako, há diferenças fonéticas entre os dialetos, o que implica que algumas palavras são faladas e escritas de modo diferente, como por exemplo dzamada x yamada “dois ou duas” (variação fonética), karowatsa x nãmewatsa “não vai ser” (variação lexical) (cf. Gonçalves 2018), demonstrando que as variações dialetais representam manifestações das diferentes identidades do povo Baniwa-Koripako. Assim, antes de usar uma única forma ou uma forma padrão e determinar as variantes subordinadas esse padrão, o DM propõe a representação das principais formas dialetais documentadas, sem impor uma ortografia única, ainda que use um conjunto limitado de grafemas.
Além disso, este novo dicionário pretende ser um recurso didático e incluir elementos multimídia, o que contribuirá para a educação escolar indígena, tendo em vista que, quando eu era professor nas comunidades (incluindo a minha comunidade Tunuí- Cachoeira, ou Ttonoda), eu tinha bastante dificuldade para ministrar as aulas devido à falta de material didático adequado para o ensino da língua Baniwa-Koripako. Ainda hoje, no contexto da educação escolar indígena, a maioria das escolas e professores enfrentam esse desafio no ensino da própria língua em suas escolas. Por isso, uma demanda que existe por parte de professores e outras lideranças Baniwa-Koripako é que a língua tenha ferramentas para ser utilizada em novos espaços sociais, inclusive na escola, no uso de aparelhos digitais e na internet. Os professores, alunos e lideranças das comunidades reclamam bastante da falta de materiais didáticos para trabalhar nas próprias escolas onde atuam. Há muitos professores formados no curso de Magistério e licenciaturas interculturais indígenas, os quais estão preocupados em valorizar sua língua.
Esses foram os principais motivos que me fizeram realizar este projeto de dicionário da língua Baniwa-Koripako. Depois de várias conversas com outros Baniwa-Koripako, especialmente professores, pensamos como poderíamos ter um dicionário na nossa própria língua e que refletisse mais diretamente a nossa realidade. Além de uma versão inicial do dicionário, espero também que este artigo possa contribuir para outros povos indígenas que tenham interesses e necessidades semelhantes, pois este trabalho também descreverá como se constrói um dicionário a partir de trabalhos colaborativos dentro da própria comunidade de fala. Além disso, sem dúvida alguma, este trabalho coletivo irá exercer seu papel junto às comunidades indígenas Medzeniakonai. Ao mesmo tempo, a documentação linguística e cultural que este projeto está promovendo será um recurso valioso para futuras gerações de pesquisadores e especialistas que virão e a todas pessoas que quiserem fazer consulta da obra e enriquecer seu conhecimento sobre a língua.
1. Pressupostos teóricos
Segundo Biderman (1998), a Lexicologia e a Lexicografia são as disciplinas que têm, como principal finalidade, a descrição do léxico. No entanto, ambas enfocam o seu objeto de estudo de maneiras distintas. A lexicologia estuda os lexemas que são as unidades linguísticas dotadas de características sistêmicas e que têm a propriedade de se referirem a entidades da realidade (Faulstich, 1997) e procura explicar a competência linguística dos falantes de uma língua, através da análise do léxico daquela língua. Nesse sentido, de acordo com Barbosa (1986), a lexicologia é o estudo científico do léxico de uma língua e dos princípios gerais e mecanismos de sua estruturação.
Já o termo Lexicografia é definido por Krieger e Finatto (2004, p. 47) como uma “arte ou técnica de compor dicionários”. Nesse sentido, ainda de acordo com as autoras, a lexicografia está ligada mais ao fazer prático e menos “ao fazer teórico” (2004, p. 48). Embora a lexicografia seja vista mais como uma parte prática, como a área de produção do lexicógrafo, a lexicografia teórica começa a ganhar vez a partir do século XX com a implantação da linguística (Krieger; Finatto, 2004).
Por sua vez, Welker (2004) define lexicografia em dois sentidos. Primeiro, no sentido de lexicografia prática que ele define como “a ‘ciência’, ‘técnica’, ‘prática’ ou mesmo ‘arte’ de elaborar dicionários” (2004, p. 11) e, em outro sentido, como lexicografia teórica que ele adota usando o termo metalexicografia. De acordo com o autor, a metalexicografia é responsável por tratar dos problemas relacionados à produção de dicionários, ou seja, o estudo relacionado ao fazer lexicográfico, ao uso dos dicionários e às pesquisas necessárias para a produção de dicionários, etc.
É nesse sentido que, para Welker (2004), o que compete ao lexicógrafo é a produção de dicionários, de materiais lexicográficos. Já o metalexicógrafo “escreve sobre dicionários” (p. 11). Borba (2003) diz que a lexicografia enquanto prática “ocupa-se de critérios para seleção de nomenclaturas, ou conjunto de entradas”. Já a teoria “procura estabelecer um conjunto de princípios que permitam descrever o léxico (total ou parcial) de uma língua, desenvolvendo um dialeto para manipular e apresentar informações pertinentes”, ou seja, a teoria lexicográfica oferece subsídios para o lexicógrafo.
Nesse contexto, segundo Barbosa (1986), o lexicógrafo tem a incumbência de classificar as lexias de um grupo sócio-linguístico-cultural, de acordo com os critérios lexicográficos (ver também Borba (1991)). Assim, considera-se que um dicionário é uma obra cultural que se destina a registrar a norma linguística e lexical de uma sociedade para a qual é destinada, em determinado momento histórico (Biderman 1981, 1998). Dessa forma, compete ao lexicógrafo combinar o mais que possível a fronteira entre gramática e léxico. Em um dicionário de língua, deve ter destaque o tratamento de terminologias especiais relativas, por exemplo, à caça, à pesca, à medicina, entre outros campos semânticos.
Nesse sentido, citamos a linguista Cristina Fargetti (2021) segundo a qual,
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“A produção de dicionários de línguas indígenas é requerida para a salvaguarda dessas línguas e dos conhecimentos culturais. Para chegar a essas obras, são necessários anos de estudo, pesquisa, documentação e diálogo entre a academia e os falantes das línguas, que podem deixar de ser minorizadas e passar a ter seus direitos reconhecidos. Abordagens teórico-metodológicas, como a da Terminologia Etnográfica, aqui referida, podem contribuir muito para o desenvolvimento de pesquisas sobre léxico de especialidade, que componha dicionários gerais de língua mais abrangentes e apropriados para a documentação, o ensino e a revitalização linguística. (Fargetti, 2021, p. 19-40)
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Seguimos esses critérios e os ensinamentos propostos na literatura especializada, dentre os quais os oferecidos por Faulstich (1997) e Fargetti (2021) para a elaboração do dicionário Medzeniakonai, configurando-se, portanto, como um dicionário geral bilíngue bidialetal Medzeniakonai-Português. Toda a organização da macro e da micro estrutura do dicionário foi pensada pela equipe visando a apresentação de informações contextualizadas e representativas da língua e cultura Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Assim, buscamos não somente apresentar uma tradução Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) – Português, mas também incluímos definições de cada palavra nas duas variedades da língua e explicação enciclopédica, com informações culturais, históricas e mitológicas. Tanto as definições quanto as explicações enciclopédicas seguem os pressupostos da socioterminologia, ou seja, consideramos a interação social da língua, utilizando para isso os princípios da sociolinguística, tais como análise de variação linguística, e dos princípios da etnografia, por exemplo, lançando mão das comunicações entre membros da sociedade capazes de gerar conceitos interacionais de um mesmo termo ou de gerar termos diferentes para um mesmo conceito.
A seguir apresentamos uma síntese de informações gramaticais, especialmente quanto ao sistema fonológico e ao sistema ortográfico da língua Baniwa-Koripako (seção 1.1), conforme discutido em Gonçalves (2023) e na sequência, na seção 2, apresentarmos os métodos utilizados na compilação do material linguístico que compõe o dicionário Medzeniakonai.
1.1. Língua Baniwa-Koripaco: ortografia, fonética e fonologia
A construção do dicionário dos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) envolveu muita discussão sobre a ortografia a ser utilizada e como o dicionário poderia ser usado como referência para materiais didáticos futuros. Atualmente, devido à história relacionada da sociedade e das grafias Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), há diferentes grupos de pessoas que se identificam com as distintas grafias existentes (Gonçalves, 2018). Há, portanto, uma divisão na sociedade Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) que, além de dialetal, é também baseada nas práticas ortográficas. O trabalho de Ramirez foi demandado pelas lideranças indígenas quando a escola EIBK Pamaali, escola indígena Baniwa e Koripako, começou a funcionar em 2002. O trabalho foi muito interessante e aceito pelos falantes, de modo que a escola EIBK e algumas outras escolas também começaram adotar em algumas publicações de materiais didáticos na língua a ortografia baseada na proposta de Ramirez. Apesar disso, atualmente existem alguns falantes de outras regiões dialetais que não tiveram participação nessa proposta e que, por isso, sentem dificuldade de usar essa ortografia. De qualquer modo, neste trabalho, adotei a grafia elaborada por Ramirez (2001a, b), amplamente usada no médio Içana. No decorrer das oficinas realizadas para a construção do dicionário, discutimos sobre a ortografia e concordamos que a proposta por Ramirez já é suficiente para escrever o Medzeniakonai.
Assim, o alfabeto da língua Medzeniakonai possui 21 letras, sendo 4 vogais breves a, e, i, o e quatro longas aa, ee, ii, oo, além de 17 consoantes. O valor fonético das letras do alfabeto, junto com palavras ilustrativas, é oferecido no quadro abaixo.
Figure 2. Quadro 1. Alfabeto Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Fonte: Gonçalves (2023), baseado em Ramirez (2001a, b).
O sistema consonantal dos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) é constituído por 17 consoantes que estão distribuídas de acordo com quadro 2 abaixo:
Figure 3. Quadro 2. Fones Consonantais Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Fonte: Gonçalves (2023), baseado em Ramirez (2001a, b).
Como podemos observar comparando o quadro 1 e o quadro 2 acima, a maioria das letras possui uma relação direta entre 1 grafema e 1 fonema. Alguns grafemas são dígrafos, ou seja, possuem duas letras para representar um som, como ts, dz, tt, rh, lh, jh, wh, kh, mh, nh, ñh, ph, th, e dois trígrafos, tsh, tth.
Com relação às vogais, as 4 letras vocálicas servem para escrever os 8 fonemas vocálicos da língua. Há 4 vogais breves a, e, i, o, e 4 vogais longas aa, ee, ii, oo. Apesar de serem 8 os fonemas, a realização fonética deles permite uma maior variedade de fones vocálicos na língua. No quadro 3, mostramos os fonemas vocálicos da língua.
Figure 4. Quadro 3. Fonemas vocálicos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Fonte: Gonçalves (2023), baseado em Ramirez (2001a, b)
2. Metodologia da pesquisa
Para o desenvolvimento desse trabalho contamos com apoio do projeto Programa de Documentação de Línguas e Cultura Indígenas (PRODOCLIN) junto ao Museu do Índio/FUNAI (atual Museu dos povos indígenas), órgão científico-cultural sediado no Rio de Janeiro, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). No âmbito do PRODOCLIN, fizemos duas viagens de campo para fazer oficinas e coletar os dados, contando também com o apoio da Federação das Organizações do Alto Rio Negro (FOIRN).
Para a coleta de dados e elaboração do dicionário foram realizadas oficinas, as quais foram pensadas e planejadas pela equipe do subprojeto de dicionário Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Para cada oficina realizada fizemos um planejamento específico sobre o tipo de material a ser coletado. Por exemplo, na primeira oficina preparamos materiais para coletar palavras sobre animais terrestres e aquáticos. Na segunda oficina, o foco da coleta foi partes do corpo e cultura material, já na terceira oficina trabalhamos a coleta de verbos. Além de preparar as atividades de coleta de dados, cada oficina exigia um complexo trabalho de logística para sua realização. A equipe de pesquisadores do subprojeto dicionário formalizou o convite convidando professores, lideranças, pais, mães dos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), e as instituições governamentais e não governamentais do município de São Gabriel da Cachoeira (SGC), no Alto Rio Negro-AM.
Os participantes vieram de diversas localidades do rio Içana e seus afluentes. A maior dificuldade para a realização da oficina foi a logística, como transporte de materiais pelos rios, desde São Gabriel da Cachoeira até Aracú Cachoeira. Uma viagem difícil por causa das corredeiras, pelo tempo e pelo tamanho da carga – foram três dias de viagens com 200 quilos de gêneros alimentícios, trinta quilos com materiais didáticos e mil litros de gasolina. Além disso, inicialmente havíamos previsto cerca de cinquenta participantes, mas na verdade contamos com mais do que o dobro, o que nos obrigou usar da criatividade para alimentar tantas pessoas por três dias.
No fim, o sentimento dos participantes era de grande sucesso e ansiedade por ter realizado novas oficinas. Isso nos mostrou que as oficinas tiveram um valor que foi além da coleta de dados para o dicionário, pois contribuiu positivamente para a troca de conhecimentos, para a educação dos mais jovens e para o sentimento de orgulho dos participantes por sua herança e identidade indígena.
2.1. As oficinas
Dada a importância das oficinas como espaço de produção de dados e análise lexicográfica, vamos descrever em detalhes como elas se deram. As oficinas são um elemento central da metodologia que o Prodoclin adotou. Durante a realização de oficinas junto com as comunidades Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) realizamos não somente o trabalho lexicográfico em si, mas também outras atividades, como: Reunião de anuência com as comunidades, diagnóstico sociolinguístico da língua nas comunidades, capacitação e orientação de pesquisadores locais sobre a documentação da língua, ações devolutivas para apresentar os resultados do projeto e ensinar as pessoas a como usar o dicionário.
Durante a execução do projeto entre os anos de 2019 e 2023, conseguimos realizar três oficinas. Vamos descrevê-las a seguir.
2.1.1. Primeira Oficina de construção do dicionário multimídia Baniwa-Koripako
A primeira oficina de campo do projeto Documentação da Língua Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) intitulado Dicionário Multimídia Enciclopédico Baniwa-Koripako (Unesco/Museu do Índio/Funai) foi realizada entre os dias 15 e 18 de agosto de 2019, na comunidade Talhipani (Aracu), Rio Iniali (Içana). Nesta primeira oficina tivemos a oportunidade de realizar a elaboração de material didático com foco no Dicionário Multimídia Baniwa-Koripako. Para cumprir o objetivo dentro do período, articulamos e conversamos com alguns professores de referência em São Gabriel da Cachoeira (AM), município de pesquisa, tais como os professores Augusto Garcia Gonçalves, Agnaldo Braga de Santos, e Geraldo Garcia Lino, que manifestaram interesse na participação da pesquisa, e com Mario Felipe Rodrigues da Silva, liderança Baniwa morador da comunidade Aracu Cachoeira, para a logística de transporte para as oficinas.
Após a apresentação das pessoas (comissão organizadora da oficina cujos membros também compõe a equipe de pesquisadores do projeto, professores, alunos, agentes públicos, das lideranças da comunidade local e participantes de outras comunidades), os organizadores apresentaram a importância do projeto quanto à parte de registro e documentação da língua Medzeniakonai (Baniwa e Koripako), enfatizando os tipos de dicionários e suas diferenças, tais como: dicionário escolar; dicionário bilíngue; dicionário trilíngue; dicionário etimológico; dicionário monolíngue; dicionário multimídia e enciclopédico. Uma síntese sobre os estudos linguísticos da língua e a complexidade em estudar uma língua, destacando o objetivo da oficina de desenvolver um dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), também foi apresentada.
A metodologia usada na oficina foi baseada na distribuição dos participantes em grupos para obtenção, de acordo com as bases comuns semânticas, de entradas lexicais para o dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), como apresentado no quadro 04 abaixo. Cada grupo fez um levantamento das palavras e elaborou a definição do significado de cada entrada. Com isso, o grupo foi definido da seguinte maneira:
Figure 5. Quadro 4. Grupos de Trabalhos Distribuídos conforme o Tema. Fonte: Gonçalves (2023).
O levantamento das palavras foi realizado em um dia e meio. Vale destacar que a definição foi alvo de bastante discussão entre os grupos com a participação dos pais, mães e alguns anciãos Medzeniakonai (Baniwa e Koripako) que participaram da oficina. Cada grupo apresentou publicamente o resultado dos trabalhos. Cada componente apresentou um número igual de palavras e a sua definição e foi feita a gravação de cada apresentação. Alguns grupos dividiram a apresentação da mesma palavra em três pessoas. Outros apresentaram todas as palavras levantadas seguindo pela leitura das definições e finalizando com a apresentação dos pontos que os grupos apontaram durante suas apresentações. Vale ressaltar que todas as palavras levantadas e suas respectivas definições foram feitas somente em Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) sem tradução para o português
Algumas palavras precisaram ser definidas de forma mais complexa, priorizando os aspectos da cultura Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Um bom exemplo são as palavras que denominam os clãs Medzeniakonai (Baniwa - Koripako), por exemplo: anta, inambu, onça, paca, arara, pato, urubu, peixe comprido ou bicuda, abelhas, garça, jiboia, sucuriju, e outras que possuam suas origens na tradição de benzimentos.
Como resultado, alguns grupos levantaram mais palavras e outros levantaram menos palavras. Por exemplo, o grupo responsável pelo levantamento dos nomes de animais formigas conseguiu levantar quarenta e dois tipos existentes na região. O grupo responsável por animais quadrúpedes identificou quarenta e seis tipos. No grupo dos animais anfíbios foram levantados dezenove tipos, enquanto no grupo de animais mamíferos foram levantados cinquenta e quatro tipos e o grupo de peixes ficou com setenta e dois tipos. O grupo das plantas foi subdividido pelos próprios integrantes em duas categorias: plantas não comestíveis (sessenta tipos) e plantas comestíveis (cinquenta e três tipos). O grupo dos animais aves levantou noventa e oito tipos e grupo de animais lagartos conseguiu levantar trinta e um tipos. Por último, o grupo dos animais répteis levantou nomes de trinta e uma espécies. Ao todo, foram levantadas 506 palavras pelos grupos.
Outra pauta discutida durante a oficina por todos os grupos de professores, pais, mães e alunos foi a proposta de elaboração de um material paradidático com as palavras coletadas pelo projeto, que gostaríamos de fazer com o apoio do Museu dos povos indígenas. Essa manifestação decorre da inexistência de material desse tipo para que os professores possam ensinar e trabalhar juntos com seus alunos nas suas escolas e comunidades Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) que vivem nessa região. Outra observação dos participantes é a de que o material paradidático poderia complementar o dicionário multimídia. Uma vez que não há muitos recursos eletrônicos na comunidade, e há uma lacuna no ensino escolar, um livro seria uma boa opção de produto de apoio e salvaguarda linguística.
A partir desse trabalho, houve discussão entre os participantes, principalmente entre os professores, sobre o uso potencial desse material paradidático A maioria decidiu que o material seria usado do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental. Na decisão da maioria, o livro (ou cartilha) seria composto com essas palavras levantadas na oficina. As palavras seriam ilustradas com historinhas para cada desenho em Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), que poderia ser multidisciplinar com glossário no final do livro, caso este formato fosse escolhido. Solicitaram ainda que a elaboração seja monitorada pelo coordenador do projeto juntamente com o Museu dos povos indígenas. O formato de livro ou cartilha poderia ser um dos resultados do projeto do Dicionário Multimídia Baniwa-Koripako e estaria bem mais acessível e voltado para a comunidade e, principalmente, para as escolas.
No último dia da oficina foi solicitada a avaliação da oficina pelos participantes. Cada representante das comunidades avaliou a oficina como muito importante e todos manifestaram que acreditam no resultado do trabalho realizado pelos originários da região e, que o coordenador cumprirá com o objetivo proposto pelo projeto. No final, após os agradecimentos a todos da comunidade e ao cacique da comunidade de Aracu Cachoeira, Milicio da Silva Brazão, esteve sempre com a equipe, articulando e promovendo a realização da oficina, o coordenador do projeto, Artur Garcia Gonçalves, consultou sobre a disponibilidade das comunidades e dos professores para a realização de uma segunda oficina. Considerando a questão do calendário escolar, as comunidades presentes decidiram que a segunda oficina iria acontecer no mês de dezembro. Desta forma, ficou definido o calendário da comunidade e a escola Dzaakapiaro como local da próxima oficina.
2.1.2. Segunda Oficina de construção do dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako)
A segunda oficina de campo do projeto Documentação da Língua Baniwa-Koripako intitulado Dicionário Multimídia Enciclopédico Baniwa-Koripako (Unesco/Museu do Índio /Funai) foi realizada entre os dias 16 e 19 de fevereiro 2020, no auditório da escola municipal indígena Dom Miguel Alagna em São Gabriel da Cachoeira e contou com a participação dos professores e lideranças indígenas das comunidades Medzeniakonai (Baniwa/Koripako), pesquisadores indígenas Augusto Garcia, Geraldo Garcia e Luiz Alberto Lino, o coordenador do projeto (Artur Gonçalves) e a pesquisadora convidada Camille Miranda.
De acordo com programação da oficina, iniciamos com as falas das lideranças e professores sobre a importância do dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) para a educação escolar, assim como explicação da função desses materiais na manutenção do idioma. Na sequência houve uma palestra sobre a importância da documentação de línguas indígenas, com ênfase na língua Baniwa-Koripako, um treinamento de programas linguísticos ministrados pela pesquisadora Camille Miranda. Foi apresentado também uma síntese sobre o estudo linguístico na língua e sua complexidade em estudar uma língua e importância de desenvolver o dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa – koripako).
A metodologia usada nesta segunda oficina foi baseada na distribuição dos participantes em grupos para obtenção de um banco de dados categorizados por domínios semânticos. Cada grupo ficou com uma temática para fazer levantamento das palavras e elaborando o exemplo de uso de cada entrada. Com isso a distribuição dos grupos foi definida da seguinte maneira, conforme apresentado no quadro 05 abaixo:
Figure 6. Quadro 5. Definição de Grupos na segunda oficina. Fonte: Gonçalves (2023).
Os grupos trabalharam de acordo com a temática distribuída e ficaram bastante motivados nos levantamentos dos dados, discutindo e dialogando sobre as palavras, definições e exemplo de uso, em seguida fizeram tradução para o português. Após a oficina, conseguimos realizar gravações que contribuíram no registro dos dados já coletados.
2.1.3. Terceira Oficina de construção do dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako)
A terceira oficina de campo do projeto Documentação da Língua Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) intitulado Dicionário Multimídia Enciclopédico Baniwa-Koripako (Unesco/Museu do Índio /Funai) foi realizada entre os dias 17 de agosto e 19 de setembro de 2022, na comunidade Itacoatiara Mirim, localizada na estrada em São Gabriel da Cachoeira.
Assim como nas demais oficinas, após a apresentação dos participantes e da equipe do projeto, o coordenador falou sobre sua trajetória como professor na comunidade e linguista estudioso da língua Medzeniakonai (Baniwa - Koripako) e sobre as fases anteriores na elaboração do projeto, além de enfatizar o propósito de produzir material didático em língua indígena como contribuição para o ensino nas escolas locais. Na sequência, cada componente da mesa de abertura fez uso da palavra, enfatizando a importância do evento, suas contribuições linguísticas e didáticas, assim como a participação da comunidade. Houve confirmação da anuência da comunidade ao projeto e a indicação dos pesquisadores indígenas (Gilberto Garcia Filho e Geraldo Garcia Lino), através de votação unânime. Os pesquisadores relataram sua participação nas fases anteriores do projeto, enfatizando a importância do protagonismo indígena nesta construção coletiva.
Houve ainda a apresentação da Plataforma Japiim e o Dicionário na plataforma, explanando sobre o trabalho realizado até o momento, detalhando as formas de acesso (seja online, através da plataforma dos dicionários disponibilizada na internet, seja em formato PDF), e o aplicativo desenvolvido, além da importância dos recursos multimídia como enriquecedores do trabalho didático para professores e alunos. A partir da Plataforma Japiim, os usuários podem acessar o dicionário em formato eletrônico, seja no navegador da internet, no endereço https://japiim.museudoindio.gov.br ou por um aplicativo de celular.
A metodologia de trabalho foi a mesma das oficinas anteriores, com a distribuição em grupos compostos por representantes da comunidade para elaboração dos exemplos de uso dos verbetes em Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), a partir das entradas já selecionadas e tradução preliminar para inserção no dicionário. Nesta oficina, trabalhamos com a categoria dos verbos. Cada grupo fez um levantamento das palavras e elaborou a definição do significado de cada entrada.
Durante a avaliação ao final da oficina pelos participantes, cada professor e cada liderança avaliou a importância da oficina e todos manifestaram sua preocupação com a necessidade de manter o uso da língua como manifestação cultural e dar subsídios didáticos para o ensino nas escolas. Enfatizaram que acreditam no resultado do trabalho, agradecendo a oportunidade de participar e ressaltaram que o objetivo proposto pelo projeto está sendo cumprido à medida que privilegia o envolvimento das comunidades indígenas. A equipe de pesquisadores também enfatizou sua satisfação pela participação da comunidade no projeto e o coordenador, Artur Garcia Gonçalves, agradeceu o empenho da comunidade, incluindo a liderança, os professores, os pais e mães e alunos em geral.
3. O Dicionário Medzeniakonai
O dicionário da língua Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) produzido a partir das oficinas descritas na seção anterior é a primeira versão dos resultados de um trabalho coletivo e colaborativo que ocorreu entre 2019 e 2023 com apoio do Programa Documentação Línguas Indígenas (PRODOCLIN) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), e UNESCO, por meio do Museu do Índio (atual Museu dos povos indígenas). Esse trabalho contou com a participação expressiva de falantes do Medzeniakonai do rio Içana e afluentes do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas, com parcerias como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e a Secretária Municipal de Educação (SEMED) de São Gabriel da Cachoeira, e sob coordenação do professor Artur Garcia Gonçalves Baniwa, que à época do projeto era aluno doutorando em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB).
Apresentamos a seguir a macro e a microestrutura do Dicionário Multimídia Enciclopédico Baniwa-Koripako, definidas a partir dos estudos específicos para a elaboração desse dicionário, considerando as características linguísticas e culturais relevantes.
3.1. Macroestrutura
Trata-se de um dicionário Bilíngue Medzeniakonai – português, e bidialetal, ou seja, incluindo as variedades Baniwa e Koripako. Logo, a macroestrutura do dicionário permite consultas em que o Baniwa ou o Koripako sejam as línguas-alvo. As duas variedades dialetais são registradas, não foi priorizada uma em detrimento da outra, ambas são apresentadas na entrada de cada verbete onde há diferenças.
Nessa versão preliminar, o dicionário multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) é composto por 600 verbetes e um total de cerca de 1200 entradas lexicais, uma vez que o dicionário registra a variação dialetal entre Baniwa e Koripako, e 1400 exemplos de uso. O verbete apresenta uma definição de cada a entrada juntamente com a imagem representativa. O formato do verbete se configura Baniwa-Koripako – Português, Português – Baniwa- Koripako, em ordem alfabética e temático, ou seja, esses itens estão distribuídos em 15 categorias semânticas ou campos semânticos, alimentação animais, aves, cores, cultura matérias, fenômeno naturais, frutas, números quantificadores, parentesco, partes do corpo, peixes, plantas, propriedades, verbo em ação, e verbo de movimento. As palavras pertencem às diferentes categorias lexicais da língua Medzeniakonai, tais como nomes, verbos, classificadores, adjetivos, numerais. Assim constituindo uma amostra extremamente representativa do corpus linguístico disponível desta língua a seguir mostramos dois verbetes para ilustrar o modo de apresentação que está on-line na plataforma japiim.
Figure 7. Fonte: GONÇALVES, Artur. (compilador), Garcia Augusto, (pesquisador) Lino Geraldo (pesquisador) Filho Gilberto (pesquisador, (2020) Dicionário Multimídia Baniwa-Koripako- Baniwa-Koripako), Versão 1.0. Rio de Janeiro: PRODOCLIN/Museu dos povos indígenas. URL: https://japiim.museudoindio.gov.br/ dic/baniwa-koripako/
Figure 8. Fonte: GONÇALVES, Artur. (compilador), Garcia Augusto, (pesquisador) Lino Geraldo (pesquisador) Filho Gilberto (pesquisador, (2020) Dicionário Multimídia Baniwa-Koripako- Baniwa-Koripako), Versão 1.0. Rio de Janeiro: PRODOCLIN/Museu dos povos indígenas. URL: https://japiim.museudoindio.gov.br/ dic/baniwa-koripako/
Conforme mencionado acima, a organização do dicionário obedece a uma sequência das entradas em ordem alfabética, mas também possui uma organização em campos semânticos. O fato de as entradas possuírem campos semânticos permite uma segunda forma de organização de sua macroestrutura, a partir de uma organização temática com base nos campos semânticos, como: alimentos, animais, aves, cores, cultura material, fenômenos naturais, frutas, mamíferos, números quantificadores, parentesco, peixes, plantas, propriedades, verbos de ação, e verbos de movimento. Também podemos organizar esse dicionário pelas classes das palavras. Essas diferentes possibilidades da macroestrutura do dicionário são facilmente reproduzíveis com os recursos da Plataforma Japiim, onde esse dicionário está depositado. Isso significa que a plataforma permite ao usuário escolher a alternativa de organização que mais lhe interessa. As diferentes possibilidades de visualização são disponibilizadas na plataforma Japiim, que pode ser acessada no endereço https://japiim.museudoindio.gov.br. Como já mencionado, nela, os usuários podem acessar o dicionário em formato eletrônico, seja no navegador da internet, ou por um aplicativo de celular. A plataforma também permite que versões para impressão sejam baixadas por qualquer usuário no formato PDF.
Como já apresentado na seção 1.1 acima, para a organização alfabética em língua Medzeniakonai, seguimos o alfabeto da língua Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) desenvolvido pelo linguista Henri Ramirez (2001a,b) e adaptado pelos professores que cursaram o curso de licenciatura intercultural do polo Baniwa-Koripako para seu uso prático no trabalho com os alunos. Abaixo, no quadro 06, apresentamos o alfabeto Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) na ordem aqui utilizada para consulta das entradas, os símbolos fonéticos que elas representam (seguindo Associação Internacional de Fonética) e os fonemas da língua:
Figure 9. Quadro 6. Alfabeto Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Fonte: Gonçalves (2023), baseado em Ramirez (2001a, b).
3.2. A Microestrutura
A microestrutura do dicionário Medzeniakonai é constituída pelos conjuntos de informações que compõem as entradas. As entradas conterão os seguintes campos e subcampos, hierarquicamente organizados, de modo a permitir uma melhor utilização do dicionário em seus diferentes formatos e por diferentes tipos de usuários.
3.2.1. campos e subcampos das entradas no dicionário Medzeniakonai
1. Lema: forma ortográfica da palavra em Baniwa/Koripako
1.1 Indicação do dialeto: Baniwa ou Koripako
2. Classe da Palavra: nome, verbo, adjetivo, numeral, pronome, classificador
2.1 Classicadores Nominais: cada nome em Baniwa-Koripako possui um classificador
3. Fonética
3.1 Arquivo de áudio com a pronúncia da palavra por falantes de Baniwa e de Koripako
3.2 Transcrições com uso do IPA
4. Definição: Baniwa e Koripako
4.1 Definição de palavras sob uma perspectiva da socioterminologia.
4.2 Explicação enciclopédica: informações culturais, históricas e mitológicas
5. Tradução: Português
6. Exemplo de uso: Baniwa, Koripako e português
6.1 Frases em Baniwa e Koripako com o mesmo sentido
6.2 Traduções para o português
6.3 Áudio com a pronúncia das frases em Baniwa e em Koripako
7. Imagem: fotografias
As entradas variam conforme as informações que elas contêm para cada palavra. Minimamente, todas as entradas possuem os seguintes campos:
· verbete ou entrada lexical (lema);
· classe de palavra;
· fonética;
· definição;
· tradução;
· exemplos de uso.
A seguir, apresentamos uma entrada que contém apenas estes campos mínimos, bem como uma outra entrada que contém imagem ilustrativa, além dos campos mínimos. O exemplo 1 apresenta uma entrada que contém somente os campos mínimos, enquanto o exemplo 2 ilustra uma apresenta que os campos mínimos e uma imagem ilustrativa.
EXEMPLO 1: entrada contendo apenas os campos mínimos
Entrada: Baniwa daka (padaka)
Entrada: Koripako dakaka (padakaka)
Categoria Gramatical: verbo
Glosa: urinar
Pronúncia: [‘daka]
Pronúncia: [‘dakaka]
Definição Baniwa: Padakaka ttipale iawa iakalhe.
Definição Koripako: Padakaka ttipale iawa teekolhe.
Definição Português: Urinando bem longe.
Frase ilustrativa Baniwa: Apaita nokitsinda idaka iakalhe.
Frase ilustrativa Koripako: Paita nokitsinda idaka iakalhe.
Frase ilustrativa tradução: Um dos meus amigos urinou bem longe.
EXEMPLO 2: entrada contendo os campos mínimos e uma imagem ilustrativa
Entrada: Baniwa eedzawa
Entrada: Koripako eeyawa
Categoria Gramatical: nome
Glosa: terra firme
Pronúncia: [‘e:dzawa]
Pronúncia: [‘e:jawa]
Definição Baniwa: Awakada haikolima makakanadalittoa. Eewadalikaawa hiipai. Neenikawa pakeeta nhaaha; iitape, pantthipe.
Definição Koripako: Awakada haikolima maokakanadalittoa. Eewadalikaana hiipai. Neenekaana paokeeta nhaahi; íitape, ttoophi.
Definição Português: Mata virgem de terra amarela. Onde se encontra madeira que serve para esteio.
Frase ilustrativa Baniwa: Nopedzo nodzeekataka kiniki apada eedzawa nako.
Frase ilustrativa Koripako: Nopeyo nonaithaka kiniki pada eeyao
Frase ilustrativa tradução: Gosto de fazer roça numa terra firme.
Figure 10.
3.2.2. Apresentação de campos específicos do dicionário Medzeniakonai
3.2.2.1. Campos para os Classificadores Nominais
Os classificadores nominais são um campo importante para as entradas cuja categoria gramatical é nome. Muitos nomes possuem apenas um classificador, mas há outros que possuem mais de um classificador. Quando a entrada possui classificadores, indicamos num campo específico quais são os classificadores e também apresentamos uma frase exemplificando o uso da palavra com o classificador. Os exemplos 3 e 4 ilustram o uso de entradas com classificadores.
EXEMPLO 3: entrada contendo um classificador e uma imagem ilustrativa
Entrada Baniwa: weemai
Entrada Koripako: weemai
Categoria Gramatical: nome
Glosa :pirandira
Pronúncia: [‘we:mai]
Pronúncia: [‘we:mai]
Classificador: -ita
Definição Baniwa: Kophe halittapete, ketshaite, lkapakanaa keramhaite .Liiñhali tteephe, liemakawa ooni makakepekiriko nheette kalittaliko.
Definição Koripako: Kophe halittaitetsa, keetshaite, likapakanaa keramhaite .Liiñhali tteephe, liemakawa ooni makakepekiriko nheette kalittaliko.
Definição Português: Peixe bem fino que possui dentes; a aparência é de cor alaranjada. Alimenta-se de piaba. Vive nos rios grandes e nos lagos.
Frase ilustrativa Baniwa: Weemai apaita kophe ketshaite.
Frase ilustrativa Koripako: Weemai paita kophe keetshaite.
Frase ilustrativa tradução: Pirandira é um peixe que tem dente.
Figure 11.
EXEMPLO 4: entrada contendo um classificador e uma imagem ilustrativa
Entrada Baniwa: doomali
Entrada Koripako: doomali
Categoria Gramatical: nome
Glosa: umari
Pronúncia: [‘du:mali]
Pronúncia: [‘du:mali]
Classificador: -da
Definição Baniwa: Apada paniatti paiñhanida kettapadali, paira tsakha lianaa. Neeni eewane nheette aamoladali iinaka.
Definição Koripako: Pada paniatti paiñhanida kettapadali, paira tsakha lianaa. Neene eewane nheette amolhadali iinaka.
Definição Português: Uma planta comestível bem gostosa, o vinho dele é consumido. Existe umari, fruta de cor amarela e marrom.
Frase ilustrativa Baniwa: Roiñha doomali.
Frase ilustrativa Koripako: Roiñha doomali.
Frase ilustrativa tradução: Ela come umari.
Figure 12.
Pode ainda haver diferenças dialetais, em que os Baniwa e os Koripako usam diferentes classificadores para a mesma palavra. Isso ainda não foi levantado sistematicamente para este dicionário.
3.2.2.2. Definição e explicações enciclopédicas
A definição é um campo mínimo do dicionário. No dicionário Medzeniakonai, as palavras são definidas usando as próprias variedades Baniwa e Koripako, além do português que, na maioria dos casos, é uma tradução da definição em Baniwa-Koripako. Certas palavras, sobretudo alguns substantivos, possuem uma explicação enciclopédica, com informações adicionais sobre o significado e seus sentidos dentro de um contexto cultural mais amplo e significativo, sobretudo com referência à mitologia do povo Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), como ilustrado no exemplo 5 abaixo.
EXEMPLO 5: entrada contendo informações enciclopédicas
Entrada: heema
Categoria Gramatical: nome
Pronúncia: [‘he:ma]
Pronúncia: [‘he:ma]
Classificador: -na ‘animais e peixes de tamanho maior’
Definição Baniwa: Iitsiri iemakana awakadaliko liiñhali panaphe walipodo. liwiñhaka walipikadanako keeri, liiraka liirawaatsa. Iñhawadatti tsakhakani phiome irhio. 2 nawheri nhaaha Waliperedakeenai.
Definição Koripako: maawhikai iemakana awakadaliko liiñhali panaphe walipodoa. liwñnhaka walipikada-nako keeri, liiraka liirawaatsa. Iñhawadatti tsakhani phiome irho. 2 nawhemi nhaahi Walipere idakeenai.
Definição Português: Animal que vive na floresta e se alimenta de folhas novas. Comunica-se por uso de assobios em certas épocas, especialmente de lua nova, busca seus bebedouros específicos. Serve de alimento para o ser humano. 2. Ancestral do Clã Waliperidakeenai.
Frase ilustrativa Baniwa: Heema aapana iitsiri makane.
Frase ilustrativa Koripako: Heema aapana maawhikai makane.
Frase ilustrativa tradução: A anta é um animal grande.
Figure 13.
3.2.2.3. Variação dialetal
A variação dialetal entre Baniwa e Koripako neste dicionário foi captada nos seguintes campos: ortográfico, fonético, lexical, definição, exemplos de uso. Quando não há nenhum tipo de variação, usamos uma mesma entrada, idêntica, para as duas variedades. Se há variação apenas nos campos de definição e exemplos de uso, também mantemos uma mesma entrada para as duas variedades. Vejamos o exemplo 6 abaixo.
EXEMPLO 6: entrada sem variação dialetal
Entrada: aalidali
Categoria Gramatical: nome
Pronúncia: [aaɺi'daɺi]
Classificador: -da ‘redondo’
Definição Baniwa: Ieemakada hiipairiko awakadaliko. Taaradali ittamhette. Liiñhali kamara ipira. Lianhikawa awakada -liko deepi, hekoapi tsakha. Lirhioka liipana hiipai -riko, Iñhawadattikani walhio.
Definição Koripako: Ieemakada hiipairiko awakadaliko. Taaradali iya lhiawhette. Liiñhali kamara. Lianhekawa awakada-liko deepi, haaleweriko tsakha. Lirhoka liipana hiipairiko, iñhaodattikani warho
Definição Português: Tatu pequeno que vive na floresta e possui casca dura por cima das costas. Alimenta-se de cupins e formigas. Ele anda no mato tanto à noite quanto de dia. Ele serve de alimentação para todos.
Frase ilustrativa Baniwa: Aalidali tsodoalitsa apada iitsiri iemakada awakadaliko
Frase ilustrativa Koripako: Aalidali tsoodali apada maawhikai yaanhekada awakadaliko.
Frase ilustrativa tradução: O tatu bola é um animal pequeno que vive no mato.
Figure 14.
EXEMPLO 7: entrada com variação fonético-ortográfica
Entrada Baniwa: aapidza
Entrada Koripkao: aapiya
Categoria Gramatical: nome
Pronúncia: [‘a:pidza]
Pronúncia: [‘a:pija]
Classificador: -da ‘redondo’
Definição Baniwa: Iittaperi iidzo; ieemakape awakadaliko, iiñaiperi, naanhikawa papokope, naiñhali haikotheda, kaini. Iñhawadattika nhaa walhio.
Definição Koripako: Iittaperi iiyo; iemakapewa awakadaliko, iiñaiperi iittani, naanhekawa papokope, nainhãli haikotheda, kaini. Iñhawadattika nhaa warho.
Definição Português: Que tem pelo preto, vive no mato, tem cheiro forte, anda de bandos e alimenta-se de frutas de árvores, mandioca brava e serve como alimentação.
Frase ilustrativa Baniwa: Aapidza apada iitsiri paketanda awakadaliko.
Frase ilustrativa Koripako: Aapiya pada maawhikai paoketanida awakadaliko.
Frase ilustrativa tradução: Um porco do mato é um animal encontrado no mato.
Figure 15.
A mesma estratégia é usada quando temos variação no item lexical como um todo, ou seja, quando o Baniwa e o Koripako possuem palavras completamente diferentes para um mesmo conceito. Nesse caso, haveria duas entradas independentes, mas os demais campos são compartilhados pelas duas entradas. Vejamos o exemplo 8 que ilustra esse tipo de variação lexical.
EXEMPLO 8: entrada com variação lexical
Entrada Baniwa: aattine
Entrada Koripako: maayali
Categoria Gramatical: nome
Pronúncia: [‘a:t̪ine]
Pronúncia: [‘ma:yaɺi]
Classificador: -da ‘redondo’
Definição Baniwa: Iitsiri iaapoakaapa ittaapali iidzo nheette littamhette lirhio liidzo halhiadali, lianhikawa hiipainako awakadaliko, iarakaapa. Lipedzo lhiraka liema kaiko ikenako pawhietakadanakoni. lhiatsakha iñhawadattikani phiome irhio.
Definição Koripako: Maawhikai iaapokaapa iittapali iiyo nheette littamhette lirho liiyo lhiawhette keerhia, lianhekawa hiipainako awakadaliko, iarakaapa. Lipeyo lhiraka liema haiko ikinako pawhietakadanakoni. lhiatsakha iñhawadattikani phiome irho.
Definição Português: Animal que canta e possui penugem preta e, nas costas, tem penugem de cor branca. Ele anda no chão, no mato e voa pouco. Gosta de subir no galho de árvore quando se espanta. Também serve de alimentação.
Frase ilustrativa Baniwa: Aattine apaapa iitsiri iapoakapa.
Frase ilustrativa Koripako: Maayali apaapa maawhikai iapoakapa..
Frase ilustrativa tradução: O jacamim é um animal que canta.
Figure 16.
3.2.2.4. Classe de palavra
As entradas variam conforme a classe gramatical das palavras. Os verbos como lexemas dependentes são apresentados na sua forma de raiz e, entre parênteses, na sua forma conjugada com o prefixo pa- ‘pessoa indeterminada’ + RAIZ + o sufixo -ka ‘presente’. Vejamos um exemplo de uma entrada verbal (exemplo 9):
EXEMPLO 9: entrada ilustrativa de um verbo
Entrada Baniwa: aka (paakaka)
Entrada Koripako: aka (paakaka)
Categoria Gramatical: verbo
Pronúncia: [‘aka]
Pronúncia: [‘aka]
Tradução Português: derrubar
Frase ilustrativa Baniwa: Kawale idoita haiiko hiwawa nokinikeriko.
Frase ilustrativa Koripako: Kaaole idoeta haiiko hiwawa nokinikeriko.
Frase ilustrativa Português: O vento derrubou árvore na minha roça.
Frase ilustrativa Baniwa: Noaka nooka itana.
Frase ilustrativa Koripako: Noaka nooka itana
Frase ilustrativa tradução: Fui derrubar uma madeira de fazer canoa.
Os nomes dependentes, como os termos de parentesco e referentes ao corpo humano, também ocorrem na sua forma de raiz e, entre parêntese, acompanhados do prefixo pa- ‘pessoa indeterminada’, como ilustrado no exemplo 10.
EXEMPLO 10: entrada ilustrativa de um nome dependente
Entrada Baniwa: ‘ekoa (peekoa)
Entrada Koripako: aka (peekoa)
Categoria Gramatical: nome
Pronúncia: ['pe:kʊa]
Pronúncia: ['pe:kʊa]
Definição Baniwa: Pakapakaa nawhaakawa nhaaha patsikole nheette ptthiweedzo dzenoinihedali phaa.
Definição Koripako: Pakapakanaa naoyawaaka nhaa patsikole nheette, pathiweeyo yenonirhedali phaa.
Definição Português: Parte do corpo que fica na parte da frente da cabeça e faz limite com a região dos cabelos, orelhas e parte inferior de queixo.
Frase ilustrativa Baniwa: Ñenipetti iñaa iekoa hipairiko.
Frase ilustrativa Koripako: Yenpettida iñaa iekoa hipairiko.
Frase ilustrativa tradução: O menino bateu o rosto no chão.
Os adjetivos são sempre acompanhados do classificador genérico e gênero não feminino -da-li, como ilustrado abaixo no exemplo 11.
EXEMPLO 11: entrada ilustrativa de um adjetivo
Entrada Baniwa: hipole-dali
Entrada Koripako: hipole-dali
Categoria Gramatical: adjetivo
Pronúncia: ['hipʊ'ɺedaɺi]
Pronúncia: [‘hipʊ'ɺedaɺi]
Definição Baniwa: Hipole, Hipoledali ikapakanaa.
Definição Koripako: Hipole, Hipoledali ikapakanaa.
Definição Português: De aparência verde.
Frase ilustrativa Baniwa: Hipoledali ikapakanaa notsapewani.
Frase ilustrativa Koripako: Hipoledali likapakanaa lhiahi notsapewani.
Frase ilustrativa tradução: A cor do meu chapéu é verde.
4. Considerações finais
Neste trabalho, buscou-se apresentar os principais aspectos teóricos e práticos que subjazem à organização do dicionário bilíngue bidialetal dos Medzeniakonai. Este trabalho buscou entender quais são os desafios da metodologia de como se fazer o dicionário em colaboração: para nós é um trabalho novo no sentido de que os próprios falantes estão construindo o seu dicionário. A partir das indagações sobre desafios da pesquisa nas escolas, no processo de construção do dicionário Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), foi importante descrever e analisar as práticas de ensino e aprendizagem dos professores, estudantes, lideranças, pais dos estudantes, enfim toda a comunidade dos Medzeniakonai (Baniwa – Koripako). Como linguista indígena é uma grande realização pessoal poder trabalhar com os professores, pais, alunos e demais membros das comunidades da região do rio denominado Içana (em português) ou Iniali em Medzeniakonai (Baniwa-Koripako). Acredito que essa dinâmica facilitará a metodologia de ensino e valorização da língua e cultura nas escolas de comunidades Baniwa e Koripako.
Ainda temos muitíssimas palavras e imagens a serem incorporadas ao dicionário, as quais foram coletadas durante as oficinas que foram realizadas nas comunidades dos Medzeniakonai. Durante o Projeto de Documentação Dicionário Multimidia Baniwa-Koripako, foram coletadas mais de 2800 palavras já gravadas, transcritas e traduzidas. Ainda temos muito trabalho de checagem de definições e traduções. Esperamos que este dicionário aqui seja uma etapa importante para o seguimento de nossos trabalhos e para o contexto de fortalecimento linguístico e cultural mais amplo para os Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) e outros povos indígenas.
Pode-se observar que a elaboração de um dicionário para uma língua indígena configura-se como um mecanismo de suma importância no que concerne à documentação/registro da língua em questão. Além disso, o dicionário pode ser utilizado pelas comunidades como material pedagógico de referência cuja finalidade é ampliar o conhecimento que se tem da língua no que diz respeito, por exemplo, aos aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos. Vale frisar que a produção de um dicionário para a língua Medzeniakonai e/ou para as línguas indígenas em geral fornecerá, além dos pontos elencados acima, um objeto de interação, sobretudo cultural entre a sociedade indígena e não indígena.
Cumprimos o nosso objetivo de produzir um dicionário que se destaca por conter definições em Medzeniakonai, recursos audiovisuais e informações enciclopédicas sobre o conhecimento, as práticas culturais e o valor simbólico das palavras e seus significados para os Medzeniakonai. Assim, esperamos que ele sirva como material de referência para o futuro das atividades culturais, educacionais e sociopolíticas dos Medzeniakonai e dos outros povos e culturas com quem eles mantêm relações.
Com isso resulta um dicionário muito desejado do povo Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), conforme apresentamos na seção em que descrevemos as oficinas de construção do dicionário. Durante avaliação dos trabalhos ao final de cada oficina, os professores e lideranças manifestaram sua preocupação com a necessidade de manter o uso da língua como manifestação cultural e de ter subsídios didáticos para o ensino nas escolas. Assim, considerando as demandas apresentadas pelas comunidades no processo de construção do dicionário, nosso objetivo é que este dicionário se destaque por conter definições em Medzeniakonai, recursos audiovisuais e informações enciclopédicas sobre o conhecimento, as práticas culturais e o valor simbólico das palavras e seus significados para os Medzeniakonai. Esperamos que ele sirva como material de referência para o futuro das atividades culturais, educacionais e sociopolíticas dos Medzeniakonai e dos outros povos e culturas com quem eles mantêm relações.
Por fim, ressaltamos que a importância desse trabalho está no fato de ter despertado o interesse de professores e alunos dos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), conforme apresentado acima. Dar continuidade ao trabalho é um desejo meu junto com professores e lideranças e isso é também uma solicitação do povo dos Medzeniakonai (Baniwa -Koripako). Esperamos que, a partir desse dicionário, outros materiais sejam elaborados, como, por exemplo, uma versão eletrônica do dicionário, dicionários pedagógicos, glossários de campos específicos da cultura dos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) e cartilhas temáticas. Além disso, esperamos também que o dicionário Medzeniakonai se transforme em estímulo para outros pesquisadores (mais especialmente pesquisadores Medzeniakonai e indígenas de modo geral) e para a realização de trabalhos interdisciplinares.
Agradecimentos
Agradecemos aos povos Medzeniakonai (Baniwa-Koripako), pela parceria na execução do projeto pesquisa e na elaboração dos produtos resultantes da pesquisa, os documentos multimídia Medzeniakonai (Baniwa-Koripako) – português. Agradecemos à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura a bolsa produtividade em pesquisa Gonçalves (processo 0004008439 Identificação Unesco: 584083 Número da SA: SA-1011/2022 em parceria com o Museu dos povos indígenas do Rio de Janeiro e Fundação dos povos indígenas (Funai de Brasília)) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) a bolsa de pós-doutorado do Programa de Capacitação Institucional (PCI) no Museu Paraense Emilio Goeldi (processo 300477/2024-4-DB), sob supervisão da Dra. Ana Vilacy Galucio, durante a qual este artigo foi produzido.
Informações Complementares
Conflito de Interesse
O autor não tem/têm conflitos de interesse a declarar.
Declaração de Disponibilidade de Dados
Todo o acervo de dados usados na pesquisa está depositado no Acervo do Projeto Prodoclin do Museu dos Povos Indígenas.
Consentimento e Ética
Todos os participantes da pesquisa forneceram anuência a sua participação através de Consentimento Livre e Esclarecido, durante as oficinas de realização da pesquisa.
Fontes de Financiamento
Gonçalves recebeu Bolsa de Produtividade como consultor da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO) em parceria com o Museu dos Povos Indígenas/RJ e Fundação dos Povos Indígenas/Funai/Brasília (processo 0004008439 Identificação Unesco: 584083 Número da SA: SA-1011/2022) e Bolsa do CNPq no Programa de Capacitação Institucional/PCI no Museu Paraense Emílio Goeldi, modalidade DB-pós-doutorado (processo 300477/2024-4 -DB).
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NADZOERI (Organização Baniwa e Koripako). PGTA (Plano de Gestão Territorial e Ambiental), 2021.
RAMIREZ, H. Gramática do Baníwa do Içana. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2001a.
RAMIREZ, Henri. Dicionário da língua Baniwa. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2001b.
SOUZA, Erick Marcelo Lima de. Estudo Fonológico da Língua Baniwa-Kuripako. Campinas, SP, 2012.
TAYLOR, Gerald. Breve Léxico do Içana da língua Baniwa. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.
VALADARES, Simoni M. Benicio. Aspectos fonológicos da língua Kurripáku (falas Kumandaminai e Ayáneni). Florianópolis, 1993.
WELKER, Andreas Herbert. Dicionários – uma pequena introdução a lexicografia. Brasília: Thesaurus, 2004.
Avaliação
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N3.ID788.R
Decisão Editorial
EDITOR: Ana Suelly Arruda Câmara Cabral
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7212-9178
AFILIAÇÃO: Universidade de Brasília, Brasília, Brasil.
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CARTA DE DECISÃO: Considerando: 1) o conteúdo de cada um dos dois pareceres emitidos em benefício da qualidade do texto A construção de dicionário bilíngue e bidialetal para língua Medzeniakonai (Baniwa - Koripako), submetido ao Cadernos de Linguística (CadLin); 2) a resposta positiva do autor do texto às sugestões dos pareceristas; 3) a revisão realizada na versão original, substanciada nos dois paraceres emitidos por especialistas em línguas indígenas, 4) o fato de o autor necessitar dar sequência à edição do dicionário e disponibilização dessa obra aos usuários Ban[iwa e Koripako; 5) pelo fato de o relato apresentar detalhes de uma metodologia participativa utilizada na construção de um dicionário de utilidade para as escolas Baníwa e Koripako, assim como para os dois povos em geral, e 6) por se tratar de trabalho lexicográfico distinto e complementar dos demais já realizados sobre o Baníwa e sobre o Koripako, e 7) por sua natureza bilingue e bidialetal, posiciono-me favoravelmente à publicação do relato. fruto de uma pesquisa duradoura, e que já foi beneficiada por programas e financiamentos importantes de diferentes instituições.
Rodadas de Avaliação
AVALIADOR 1: Jorge Domingues Lopes
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2211-8029
AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Pará, Pará, Brasil.
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AVALIADOR 2: Januacele Francisca da Costa
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5482-1125
AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Alagoas, Alagoas, Brasil.
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RODADA 1
AVALIADOR 1
2024-11-04 | 06:12 PM
O trabalho de Gonçalves sobre dicionário Baniwa-Koripako apresenta como pontos fortes a tarefa de construir um material lexicográfico em colaboração com os falantes da língua-alvo, sendo o próprio pesquisador falante dessa língua. Além disso, a metodologia empregada permitiu, em um curto espaço de tempo, constituir uma base de dados por campos semânticos significativa da língua e já utilizada para a construção das microestruturas dos verbetes, segundo critérios bem definidos na proposta. Assim, é um trabalho relevante de metalexicografia que apresenta uma experiência efetiva de pesquisa de campo para coleta de dados lexicais de uma língua indígena brasileira. No entanto, o trabalho apresenta como pontos fracos o grande foco dado a detalhes da realização das oficinas que não contribuem diretamente para a dinâmica do artigo, além disso, quase nada é mencionado a respeito dos aspectos gramaticais dessa língua, nem sobre o seu processo de dialetação. Também é importante destacar que o texto não evidencia como o dicionário poderia vir a ser usado como material didático em contexto educacional.
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AVALIADOR 2
2024-11-23 | 05:30 PM
O texto é uma apresentação do trabalho efetuado para a produção de um dicionário bilíngue (Medzeniakonai- Português) e bidialetal – variedades Baniwa e Koripako. Tanto os métodos adotados para coleta– trabalho coletivo com falantes das duas variedades através de oficinas realizadas nas aldeias envolvidas – quanto a metodologia específica da construção do dicionário podem ser consideradas excelentes, assim como o embasamento teórico demonstrado para ambas as perspectivas de trabalho. Os métodos adotados levaram a resultados muito bons, conforme demonstrado através dos exemplos apresentados neste artigo. No que diz respeito aos beneficiados por este trabalho, em primeiro lugar as comunidades de falantes da língua, para as quais os resultados devem reverter em forma de valorização e (re)vitalização da língua, e em segundo lugar os estudiosos de línguas indígenas com projetos de construção de dicionários, o alcance, a relevância e o impacto podem ser significativos. Para os últimos, especificamente, há muito boas indicações de recursos e métodos que podem ser adotados para trabalhos dessa natureza, além das referências indicadas.
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RODADA 2
AVALIADOR 1
2025-05-14 | 08:28 PM
Relata o processo de coleta de dados linguístico-culturais e de elaboração de um dicionário de língua indígena brasileira (com registro de duas variantes) por um falante nativo dessa mesma língua. O artigo apresenta amostras desse material lexicográfico que está em construção.
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AVALIADOR 2
2025-04-04 | 07:01 AM
O texto é uma apresentação do processo de produção de um trabalho de um dicionário bilíngue (Medzeniakonai- Português) e bidialetal – variedades Baniwa e Koripako. Tanto os métodos adotados para coleta– trabalho coletivo com falantes das duas variedades através de oficinas realizadas nas aldeias envolvidas – quanto a metodologia específica da construção do dicionário podem ser consideradas excelentes, assim como o embasamento teórico demonstrado para ambas as perspectivas de trabalho. Os métodos adotados levaram a resultados muito bons, conforme se pode verificar nos exemplos apresentados neste artigo. No que diz respeito aos beneficiados por este trabalho, em primeiro lugar as comunidades de falantes da língua, para as quais os resultados devem reverter em forma de valorização e (re)vitalização da língua, e em segundo lugar os estudiosos de línguas indígenas com projetos de construção de dicionários, o alcance, a relevância e o impacto podem ser significativos. Para os últimos, especificamente, há muito boas indicações de recursos e métodos que podem ser adotados para trabalhos dessa natureza, além das referências indicadas.
Resposta dos Autores
DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N3.ID788.A
RODADA 1
2025-04-03
Inicialmente, agradeço aos pareceristas que avaliaram o trabalho. Procurei atender a todos os comentários e sugestões.
Com relação ao parecer 1, informo que foi feita revisão gramatical e de normalização e incluí as informações gramaticais que considerei relevantes incluir sobre a língua tema do artigo (Baniwa-Koripaco), mais especificamente sobre os sons e fonemas da língua e sobre a relação da representação ortográfica e os sons da língua, pois essa relação de fato é importante para o leitor entender um pouco sobre a apresentação do dicionário. Na introdução, faço uma comparação, entre o dicionário existente (Ramirez, 2001) demonstrando como o dicionário tema deste artigo se diferencia daquele. Outras informações gramaticais penso que são além do foco do artigo, o qual é mais ligado ao processo de construção do dicionário de modo coletivo na comunidade e não tanto sobre o conteúdo dos verbetes, em si. Apenas alguns verbetes são apresentados para ilustrar a organização do dicionário, decidida nesse processo coletivo com a comunidade. Por isso, para outras informações gramaticais sobre a língua e sobre o processo de dialetação, incluímos uma nota no artigo dirigindo os leitores para os trabalhos do linguista Henri Ramirez (2001a, 2001b) citados nas referências. Sobre o comentário de que havia “grande foco dado a detalhes da realização das oficinas que não contribuem diretamente para a dinâmica do artigo”, informo que procurei fazer uma síntese dos itens mais relevantes, porém mantive a organização do artigo, apresentando cada uma das oficinas porque elas são parte essencial da concepção do dicionário, assim como é importante para os leitores entenderem a importância do trabalho em cada comunidade, com a participação de vários atores (lideranças, professores, alunos, agentes públicos etc). Discuto também na conclusão sobre a importância e o uso previsto do dicionário para a apoio nas ações das escolas e como forma de valorização da língua de modo geral nas comunidades.
Com relação ao parecer 2, foram sugeridas diversas correções no texto para se adequar à norma padrão de escrita e redação e foram feitas indicações de trechos que precisavam ser esclarecidos. Procurei atender a todas as indicações. Sobre as questões específicas ao conteúdo de alguns verbetes que foram apresentados para ilustrar a organização do dicionário, eu agradeço e eu anotei e serão considerados para uma futura revisão do dicionário. Mas o artigo é sobre o processo e a metodologia de construção coletiva do dicionário, então considero que este artigo não é o espaço para fazer essas revisões. Apenas em um caso havia realmente um erro na definição do verbete (exemplo 9) e foi corrigido.