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Research Report

Discursive Modalizers in the Genre of Pedagogical Project of a Higher Education Course

Vanessa Santos da Silva

Universidade Federal da Paraíba image/svg+xml

https://orcid.org/0009-0005-0309-0405


Keywords

Argumentation
Discursive Modalizers
Course Pedagogical Project

Abstract

This paper aims to investigate the argumentative and enunciative semantic functioning of the Discursive Modalization phenomenon, present in the Pedagogical Project genre of Higher Education Courses, especially undergraduate courses, from different areas of knowledge. As a theoretical framework, we adopted studies on the Theory of Discursive Genres proposed by Bakhtin (2016); the Theory of Argumentation in Language proposed by Ducrot (1987; 1988); and studies on Modalization, in which Nascimento and Silva (2012) propose a classification of discursive modalizers, namely: Epistemic, Deontic, Evaluative and Delimiting. Our corpus is formed by 06 (six) Pedagogical Projects of Courses from different areas of knowledge, namely: Human Sciences, Health Sciences, Exact Sciences and Technological Sciences. Within these areas, the PPCs of the following courses were selected: Bachelor's Degree in History, Medicine, Computer Science, Gastronomy, Data Science for Business and Materials Engineering. In these documents, we found almost all types of modalizers, with the exception of the deontic modalization of prohibition. Here, we highlight the most frequent modalizers in our corpus, namely: delimiters, evaluatives, deontic of obligation and deontic of possibility. We also found the phenomena of co-occurrence of modalizers and the recent phenomenon of a single modalizer with dual modal function.

Resumo para não especialistas

Em qualquer ato comunicativo, sendo de maneira consciente ou inconsciente, a argumentação está presente desde uma conversa entre colegas até em documentos oficiais. Através dos nossos discursos (ou seja, as nossas falas), mostramos os nossos pontos de vista e valores sobre determinados assuntos, orientando discursivamente o interlocutor ou leitor para aderir de determinadas conclusões. Dessa forma, buscando compreender a construção da argumentação em gêneros textuais, e selecionamos o Projeto Pedagógico de Curso para investigar a atuação dos fenômenos discursos, em especial a Modalização, e os efeitos de sentidos gerados por eles. Compreender como é construído a argumentação no Projeto Pedagógico de Curso é importante, porque esse documento orienta e organiza as informações sobre os cursos de graduação, e o uso dos modalizadores discursivos podem impactar na tomadas de decisões para o curso. Dessa maneira, selecionamos 06 Projetos Pedagógicos de Curso de áreas diferentes para analisar quais os tipos de modalizadores estavam presentes nos textos. Os dados analisados ajudam a compreender quais pontos de vista são expressos no documento, e afirma a ideia que os textos não são neutros, que sempre possuem ideias e posicionamentos dos autores/falantes.

Introdução

O presente trabalho possui o objetivo de analisar o funcionamento semântico- argumentativo e enunciativo, em especial o fenômeno da Modalização Discursiva, presente no gênero Projeto Pedagógico de Curso do Ensino Superior. Temos, como objetivos específicos: investigar a ocorrência de modalizadores discursivos presentes no gênero projeto pedagógico de curso; descrever e analisar o funcionamento semântico-argumentativo e pragmático dos modalizadores catalogados; e identificar quais os tipos de modalizadores se correlacionam com a função socio discursiva do gênero.

Partimos do questionamento sobre como ocorre o funcionamento real dos fenômenos da Modalização presente nos gêneros discursivos, em especial no Projeto Pedagógico de Curso (PPC), considerando aspectos importantes de sua funcionalidade e de seu uso social.

O gênero PPC é estudado a partir da perspectiva baktiniana, que considera os gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados. Segundo Bakhtin (2016) os gêneros discursivos são:

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Qualquer enunciado considerado isoladamente, é claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (Bakhtin, 2016 [1952-1953], p. 279)

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A diversidade dos gêneros do discurso ou discursivos é interminável, devido às possibilidades inesgotáveis da comunicação humana. Conforme o uso, os gêneros discursivos são ampliados para atender a necessidade social, e, consequentemente, são alterados à proporção que os modelos de comunicação vão se ajustando aos contextos sociais. De acordo com Bakhtin (2016), a heterogeneidade é uma das características que os gêneros discursivos (tanto orais quanto escritos) possuem, incluindo os gêneros do diálogo do cotidiano, cartas, relato do dia a dia, documentos oficiais, propagandas publicitárias, gêneros literários, pesquisas, dentre outros.

Para embasar este trabalho, adotamos a concepção de argumentação linguística, postulada por Ducrot e colaboradores (1987; 1988), intitulada com a Teoria da Argumentação na Língua (TAL), para quem argumentar é orientar o discurso em razão de determinadas conclusões. Dispomos ainda dos estudos sobre a Modalização Discursiva, em especial de Nascimento e Silva (2012), que consideram o fenômeno da modalização como uma estratégia semântica-argumentativa e pragmática.

Esse trabalho é fruto do projeto de pesquisa do Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PROLING) pela Universidade Federal da Paraíba. O nosso corpus é composto por 06 (seis) Projeto Pedagógico de Curso do ensino superior, referentes aos cursos de graduação, a saber: Ciência da Computação (2023), Medicina (2021), Engenharia de Materiais (2021), Gastronomia (2020), Ciências de Dados para Negócios (2020) e Licenciatura em História (2020). Os documentos foram consultados no site do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), na seção de Conselhos e Resoluções aprovados pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal da Paraíba (CONSEPE/UFPB). Para a seleção do material, estabelecemos como critérios os seguintes requisitos: os documentos devem pertencer as áreas distintas do conhecimento; e o ano de elaboração do PPC, de modo que foram produzidos entre os anos de 2020 a 2023.

A nossa pesquisa possui natureza descritiva, pois descreve o funcionamento das estratégias, estruturas e do fenômeno semântico-argumentativo e enunciativo da modalização discursiva, a partir do gênero Projeto Pedagógico de Curso. Possui o caráter interpretativista, pois analisa o funcionamento semântico-argumentativo do fenômeno descrito à luz do referencial teórico supracitado. A pesquisa é qualitativa, pois trazemos o caráter subjetivo através de nossas análises do fenômeno da Modalização em nosso corpus.

A seguir, apresentamos o nosso aporte teórico que fundamentam a nossa pesquisa, sendo eles: a Teoria da Argumentação na Língua proposta por Ducrot e colaboradores (1987; 1988); os estudos sobre a Modalização Discursiva apresentada por Nascimento e Silva (2012); e os estudos sobre o gênero Projeto Pedagógico de Curso através dos autores Veiga (2003; 2012) e ForGRAD (2003).

1. Teoria da Argumentação na Língua (TAL)

A Teoria da Argumentação na Língua (doravante TAL) proposta por Ducrot e os colaboradores (1988), faz oposição à concepção tradicional de argumentação bem como a concepção tradicional de sentido. Segundo Ducrot, a concepção tradicional de argumentação (especialmente a Retórica) trata a língua de forma secundária na construção da argumentação, uma vez que seu papel seria apenas fornecer conectores e elementos linguísticos para os discursos e enunciados e a argumentação está nos fatos ou outros elementos do acordo. Como também, pela concepção da Retórica, a argumentação é vista como uma habilidade de convencer e persuadir um determinado público.

Com o surgimento da TAL, os estudos sobre a argumentação voltam a sua atenção para a língua e sua intrínseca relação com a argumentatividade, que segundo Ducrot (1988), na seleção de determinadas estruturas linguísticas, o locutor leva em consideração que algumas dessas não serão úteis para a sua finalidade; logo, ele selecionará as estruturas linguísticas que permitem imprimir sua avaliação ou posicionamento sobre determinado conteúdo.

Na concepção tradicional, o sentido do enunciado é composto por três aspectos, sendo eles: objetivo, na qual a sua função é representar a realidade; subjetivo, esse revela o posicionamento do locutor diante da realidade; intersubjetivo, expressa as relações existentes entre os locutores e interlocutores diante ao discurso enunciado. Logo, os aspectos objetivos, tradicionalmente, são chamados de denotação, e os subjetivos e intersubjetivos de conotação. Contudo, Ducrot (1988) propõe a necessidade de acabar como essa separação entre denotação e conotação, pelo fato que, se a linguagem ordinária descreve a realidade, isso ocorrerá por meio dos aspectos subjetivos e intersubjetivos.

Ducrot (1988) unifica os aspectos subjetivos e intersubjetivos e denomina-os de valor argumentativo dos enunciados. O autor acrescenta que a palavra orienta o discurso em favor de determinadas conclusões (e isso é argumentação), produzindo determinados efeitos de sentido: “en efecto, a mi juicio el empleo de una plabra have possible o impossible una cierta continuación del discurso y el valor argumentativo de esa palabra es el conjunto de esas possibilidade o impossibilidades de continuación discursiva que su empleo determina” 1 . (Ducrot, 1988, p. 51).

Ducrot (1988, p. 52) afirma que a palavra sentido significa, ao mesmo tempo, significação e direção: “a palavra sentido significa pelo menos duas coisas. Por uma parte significação e por outra, direção, em inglês meaning e direction respectivamente”. Através da constatação do autor, percebemos que o valor argumentativo dos enunciados se estende além do sentido restrito do enunciado, pois está vinculada a noção de direcionamento e atuação da palavra no enunciado.

A argumentação está assim assinalada pelas palavras e diferentes elementos linguísticos presentes na materialidade linguística do texto ou enunciado, entre os quais os operadores argumentativos, os índices de pressuposição e negação, por exemplo. Dentre esses elementos, inscrevem-se os modalizadores discursivos, na perspectiva de Nascimento (2009) e Nascimento e Silva (2012).

A seguir, apresentamos os estudos sobre a Modalização e seus subtipos proposta por Nascimento e Silva (2012).

2. A Modalização discursiva

Neste trabalho, o fenômeno da modalização é visto como um ato de fala particular que permite ao locutor, além de deixar marcas de suas intenções, agir em função do seu interlocutor, segundo Nascimento (2009). Para Nascimento e Silva (2012), a modalização é vista como uma estratégia argumentativa utilizada pelo locutor responsável do discurso, com a intenção de expressar a sua avaliação ou ponto de vista sobre o conteúdo da enunciação.

Para Nascimento e Silva (2012, p. 80), os modalizadores discursivos seriam elementos linguísticos “que materializam, explicitamente, a modalização e se classificam de acordo com o tipo de modalização que expressam, nos enunciados e discursos em que aparecem”. Os autores (2012), partindo da classificação inicial de Castilho e Castilho (1993), agruparam os modalizadores discursivos em quatro grandes grupos, de acordo com os efeitos de sentido que geram nos enunciados: Modalizadores Epistêmicos, Modalizadores Deônticos, Modalizadores Avaliativos e Modalizadores Delimitadores.

A Modalização Epistêmica apresenta uma avaliação sobre o valor de verdade ou de certeza do conteúdo do enunciado, que revela o conhecimento do locutor em relação a proposição. Essa modalização divide-se em asseverativa, quase-asseverativa e habilitativa, a saber:

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Epistêmica asseverativa – ocorre quando o falante considera verdadeiro o conteúdo do enunciado e, consequentemente, e responsabiliza pelo dito.

Epistêmica quase-asseverativa – ocorre quando o falante considera o conteúdo da proposição quase certo ou como uma hipótese a ser confirmada e por isso não se responsabiliza pelo valor de verdade da proposição.

Epistêmica habilitativa – ocorre quando o falante expressa que algo ou alguém tem a capacidade de realizar algo e assim o faz porque tem conhecimento a esse respeito. (Nascimento; Silva, 2012, p. 81-82).

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Para esclarecer os conceitos dos modalizadores epistêmicos, apresentamos exemplos utilizados pelos autores (2012), que evidenciam os efeitos de sentidos ativados pelos modalizadores nos enunciados. A seguir, apresentamos os exemplos com os modalizadores, respectivamente, epistêmico asseverativo, epistêmico quase-asseverativo e epistêmico habilitativo:

Exemplo 01

Com certeza haverá aula hoje” (Nascimento; Silva, 2012, p. 81).

No exemplo 01, a expressão com certeza atua no enunciado como um modalizador epistêmico asseverativo, pois apresenta o conteúdo da proposição como um conhecimento sobre o fato de que hoje haverá aula. Ao expressar o valor de verdade do enunciado, o locutor se compromete e, consequentemente, se responsabiliza com o conteúdo dito, pois ele afirma como algo verdadeiro e certo de que haverá aula hoje.

Exemplo 02

Provavelmente, haverá aula hoje” (Nascimento; Silva, 2012, p. 82).

Nesse exemplo, temos um caso do modalizador epistêmico quase-asseverativo através do advérbio provavelmente. Ele modaliza o enunciado, pois expressa uma noção de possível certeza (quase-asseveração) sobre o conteúdo do enunciado, ou seja, se haverá aula hoje. Ao imprimir esse posicionamento de possível certeza, o locutor não se compromete inteiramente com o conteúdo do enunciado, uma vez que não assevera a certeza de que hoje acontecerá a aula.

Exemplo 03

“Paulo pode realizar essa prova. Ele estudou bastante esse conteúdo” (Nascimento; Silva, 2012, p. 82).

No exemplo acima, o modalizador pode possui o caráter da Modalização Epistêmica Habilitativa, pois o locutor declara que o discente possui a capacidade de realizar a prova. De acordo com Nascimento e Silva (2012), já que o discente estudou bastante o conteúdo, ele conseguirá alcançar um ótimo desempenho na prova. Desse modo, o locutor expressa o seu conhecimento sobre o potencial do discente em realizar o feito, se comprometendo com o dito em relação ao conteúdo do enunciado.

A Modalização Deôntica subdivide-se em quatro categorias, imprimindo a noção de obrigatoriedade, de permissão, de proibição ou de desejo, a saber:

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Deôntica de obrigatoriedade: quando expressa que o conteúdo do enunciado é algo que deve ocorrer obrigatoriamente, e que o provável interlocutor deve obedecer a esse conteúdo.

Deôntica de proibição: ocorre quando o conteúdo do enunciado expressa algo proibido e deve ser considerado como tal pelo provável interlocutor.

Deôntica de possibilidade: quando expressa que o conteúdo da proposição é algo facultativo e/ou quando o interlocutor tem a permissão de exercê-lo ou adotá-lo.

Deôntica volitiva: ocorre quando o modalizador expressa um desejo ou vontade, por parte do locutor. (Nascimento; Silva, 2012, p. 84-86).

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A seguir, apresentamos os exemplos dos modalizadores deônticos, obedecendo a ordem: deôntico de obrigatoriedade, deôntico de proibição, deôntico de possibilidade e deôntico volitiva.

Exemplo 04

É obrigatório que você faça a tarefa de casa” (Nascimento; Silva, 2012, p. 84).

No exemplo 04, a expressão é obrigatório atua como modalizador deôntico de obrigatoriedade, pois o locutor expressa uma obrigação que recai sobre o estudante, que obrigatoriamente precisa fazer a sua tarefa de casa. Quando o locutor apresenta essa proposição, ele afirma a necessidade de o estudante realizar a ação mencionada, e ele, por sua vez, precisa obedecer às orientações do locutor.

Exemplo 05

“Você não pode fumar nesse ambiente” (Nascimento; Silva, 2012, p. 84).

No exemplo 05, temos uma ocorrência do modalizador deôntico de proibição, por meio dos termos não pode. Nesse caso, o locutor apresenta uma avaliação de proibição ao exprimir que não é permitido fumar naquele ambiente. Através do enunciado, o locutor expõe a noção de proibição, direcionando o provável interlocutor a considerar o conteúdo do enunciado como tal e não realizar a ação, ou seja, não fumar naquele recinto.

Exemplo 06

“Você pode entrar nessa sala” (Nascimento; Silva, 2012, p. 85).

Nesse exemplo, o verbo pode é caracterizado como modalizador deôntico de possibilidade, em virtude de o locutor apresentar uma noção de permissão de que o interlocutor pode entrar na sala. Mas isto não garante que o interlocutor desempenhará essa ação, ficando ao seu critério, como algo facultativo, se entrará ou não na sala. Assim, o conteúdo do enunciado recai como uma possibilidade “que também é dada diretamente ao interlocutor sob a forma de uma permissão (é permitido entrar aqui e você tem a permissão para tal)” (Nascimento; Silva, 2012, p. 85).

Exemplo 07

Eu gostaria que você fosse comigo” (Nascimento; Silva, 2012, p. 86).

No exemplo 07, temos um caso do modalizador deôntico volitivo através da expressão eu gostaria que, pois o locutor apresenta uma noção de desejo e/ou vontade de que o interlocutor o acompanhe a algum lugar. Através desse modalizador, o locutor expressa um pedido, ou até mesmo um convite de forma indireta, ao interlocutor, para que ele acompanhe o locutor em alguma ocasião ou lugar.

A Modalização Avaliativa ocorre quando o locutor apresenta um julgamento de valor ou ponto de vista em relação ao conteúdo do enunciado, excetuando-se qualquer avaliação de caráter deôntico ou epistêmico. A seguir, temos um exemplo com o modalizador avaliativo:

Exemplo 08

Lamentavelmente Pedro não fez a tarefa de casa” (Nascimento; Silva, 2012, p. 88).

No exemplo 08, o adjetivo lamentavelmente apresenta características da Modalização Avaliativa, trazendo para o enunciado um juízo de valor partilhado pelo locutor. Nesse caso, o juízo de valor recai sobre o enunciado Pedro não fez a tarefa de casa, que revela o ponto de vista do locutor sobre o fato de Pedro não ter feito a tarefa de casa. Ao expressar o juízo de valor, o locutor revela o seu posicionamento em relação ao conteúdo da proposição, se comprometendo com o dito.

Segundo Nascimento e Silva (2012, p. 88), a Modalização Delimitadora “estabelece os limites dentro dos quais se deve considerar o conteúdo da proposição”. A seguir, no exemplo 09, podemos ver um caso dessa Modalização:

Exemplo 09

Teoricamente Pedro fez a tarefa de casa” (Nascimento; Silva, 2012, p. 88).

No exemplo 09, temos um caso do modalizador delimitador através do advérbio teoricamente. Esse modalizador estabelece os limites que devem ser considerados para a compreensão global do conteúdo do enunciado, “como se o falante estivesse combinando com o seu interlocutor que a proposição Pedro fez a tarefa de casa só pudesse ser lida dentro do campo teórico, desprezando o campo prático, ou afetivo” (Nascimento; Silva, 2012, p. 89).

Também é possível encontrar o fenômeno da coocorrência de modalizadores, que segundo Nascimento (2010), esse fenômeno permite, em um mesmo enunciado, a combinação de mais um tipo de modalizador, podendo gerar o efeito de atenuação ou acentuação no efeito de sentido. Além da alteração do efeito de sentido, o fenômeno da coocorrência de modalizadores pode estabelecer graus de comprometimento, obrigatoriedade, distanciamento, dentre outros. A partir da investigação de diferentes coocorrências de modalizadores deônticos com outros tipos de modalizadores, Nascimento (2010, p. 43) estabeleceu uma escala de graus da modalização deôntica de obrigatoriedade:

+ Verdadeiramente havia necessidade

Decidiu-se que havia necessidade

Definiu-se que havia necessidade

Havia necessidade

É possível que houvesse necessidade

Não é certo que havia necessidade

- Não havia necessidade

Em alguns casos, as coocorrências de modalizadores geravam graus diferentes no conteúdo da proposição, acentuando ou atenuando a força de um tipo de modalizador. Logo, o autor explica como esse fenômeno atua no enunciado:

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A coocorrência de outros modalizadores com a modalização deôntica permite, conforme demonstram as descrições acima, a possibilidade de estabelecer graus na natureza deôntica dos enunciados, bem como demonstrar como se obtém diferentes efeitos de sentido no enunciado (Nascimento, 2010, p. 43).

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A seguir, no exemplo 10, temos uma ocorrência de dois tipos diferentes de modalizadores em ação:

Exemplo 10

Realmente é proibido entrar na sala depois das 10” (Nascimento; Silva, 2012, p. 95).

No exemplo 10, temos a coocorrência de dois modalizadores diferentes: realmente como modalizador epistêmico asseverativo e é proibido como modalizador deôntico de proibição. O efeito de sentido gerado com essa coocorrência é a acentuação do caráter de proibição do modalizador é proibido, atingindo o seu grau máximo na argumentatividade através da atuação do modalizador epistêmico asseverativo realmente.

Ainda é possível encontrar o fenômeno da dupla função modal de um único modalizador. Geralmente, elas coexistem dentro do enunciado, sem alteração do efeito de sentido dessas funções modais distintas. Elas estão presentes dentro de um único modalizador, e podem gerar os mais variados efeitos de sentidos, como por exemplo, delimitação, avaliativo, obrigação, ordem, dentre outras.

Exemplo 11

Trecho 74 - Petição B

Imperativo, portanto, que os Requerentes sejam indenizados pelo abalo moral em decorrência dos atos ilícitos, em razão de terem sido vítimas pelas ações da demandada (p. 15)” (Nascimento et al, 2022, p. 293).

Segundo os pesquisadores Nascimento, Alves e Silva, o modalizador imperativo possui duas funções modais: avaliativa e obrigatoriedade. O modalizador atua sob o segmento: “Imperativo, portanto, que os Requerentes sejam indenizados pelo abalo moral em decorrência dos atos ilícitos”; assim, o locutor expressa uma avaliação sobre a indenização como uma ação necessária e fundamental, que precisa ser feita ao requerente. O adjetivo imperativo, apesar de ser um modalizador avaliativo, também possui a função de deôntico de obrigatoriedade, uma vez que expressa o conteúdo do enunciado como algo obrigatório e que precisa acontecer. Desse modo, o locutor utiliza o modalizador “para indicar que a indenização é algo obrigatório e deve ser reparada pela demandada, isto é, o vocábulo ‘imperativo’ atua no segmento do enunciado como uma ordem que deve ser cumprida pela ré” (Nascimento et al, 2022, p. 293).

A seguir, apresentamos os estudos acerca do gênero discursivo Projeto Pedagógico de Curso.

3. O gênero discursivo Projeto Pedagógico de Curso

O Projeto Pedagógico de Curso (PPC) é um documento de planejamento que tem como objetivo apresentar as atividades pedagógicas dos cursos de graduação das instituições de Ensino Superior, reunido as informações sobre a concepção do curso, as questões da gestão acadêmica, pedagógica e administrativa; os fundamentos educacionais que norteiam o processo de ensino-aprendizagem da graduação, entre outros aspectos.

De acordo com Veiga (2003), o termo projeto vem do latim projectu, que significa um plano para a realização de algo. No sentido etimológico do termo, o verbo projicere, que está no particípio do passado, significa lançar para adiante. De maneira geral, o PPC se refere ao planejamento de algo que se pretende realizar, projetando um futuro distinto do presente. Através do PPC, a instituição tem como objetivo atender as demandas da comunidade acadêmica, como também proporcionar uma educação de qualidade, contribuindo para a formação da consciência crítica e profissional do corpo discente.

Segundo ForGRAD (2003, p. 90), o PPC possui alguns princípios norteadores, nos quais consideram o documento como um instrumento político e pedagógico:

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1. Incorporação do conhecimento e da prática tecno científica no espectro de valores humanísticos, de modo que sua dinâmica e sua realização se desloquem em um eixo em que ciência e técnica não se apresentem apenas como meio ou dispositivo, mas como modo específico de inserção na realidade, como uma das formas de o homem agir e interagir no mundo.

2. A autonomia universitária tem como contrapartida o processo de avaliação permanente. Esta avaliação deve estar baseada em indicadores que articulem dialeticamente a vitalidade dinâmica da transformação com a perenidade do compromisso social.

3. A articulação da graduação com o sistema educacional em sua totalidade, da educação básica até a pós-graduação, e no âmbito do fazer, garante a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

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O PPC deve atuar como um instrumento de ação política, fornecendo condições para o cidadão desenvolver as suas atividades acadêmicas e profissionais, levando em consideração a competência, habilidade, a democracia e cooperação, que segundo ForGRAD (2003, p. 89), deve ser promovida “tendo a perspectiva da educação/formação em contínuo processo como estratégia essencial para o desempenho de suas atividades”.

Veiga (2012) afirma que o PPC tem uma característica política, pois existem duas dimensões interligadas na sua concepção: a dimensão formal ou técnica e a dimensão política. Ambas estão implícitas na função social da instituição de Ensino Superior, uma vez que o PPC tem a responsabilidade de adequar o contexto sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. Desse modo, o PPC possui um caráter político, pois mantém um vínculo com a formação do cidadão, isto é, se realiza enquanto prática pedagógica.

Veiga (2012) propõe como referência três dimensões que devem ser consideradas na confecção do PPC: global, específica e particular. Na dimensão global, é necessário refletir sobre as demandas sociais, econômicas e políticas previstas das universidades, que são procedentes da Constituição Federal de 1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Plano Nacional de Educação. A dimensão específica está interligada à dimensão global, pois, conforme o Plano Nacional de Graduação (PNG), a identidade institucional deve ser relacionada à história, à vocação e à inserção regional da instituição de Ensino Superior. Assim, no PPC, as especificidades das áreas de conhecimento de cada curso da graduação devem ser garantidas pelo documento.

A dimensão particular está relacionada às características do espaço e do tempo histórico da universidade, isto é, deve ser levado em consideração o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). A respeito do PPC, o PDI será a dimensão global: “Estabelece-se o espaço particular da história, do ritmo, das diferenças culturais, dos vínculos regionais e dos acúmulos produzidos pelo curso em questão na IES” (Caribé; Brito, 2015, p. 57).

De acordo com Veiga (2012), o PPC deve apresentar as seguintes informações: os fundamentos teórico-metodológicos que dialogam com a concepção formal e social da instituição e do curso; os objetivos do curso (incluindo os objetivos gerais e específicos); competências e habilidades profissionais; o perfil profissional desejado para seus egressos; os conteúdos abordados no decorrer do curso, as disciplinas obrigatórias, complementares e optativas; a metodologia de aprendizagem que será utilizada para abordar determinados conteúdos; formas de execução; e, por último, a avaliação para analisar qualitativamente o ensino-aprendizagem, indicando as necessidades de aperfeiçoamentos.

A seguir, apresentamos a análise dos modalizadores discursivos encontrados em nosso corpus.

4. Análise dos modalizadores discursivos no gênero Projeto Pedagógico de Curso

A seguir, apresentamos a análise dos modalizadores discursivos catalogados em nosso corpus. Selecionamos para apresentação, neste trabalho, a análise de 08 (oito) trechos, relativos aos tipos de modalizadores mais recorrentes em nossa pesquisa, sendo eles: modalizador delimitador, modalizador deôntico de obrigatoriedade, modalizador avaliativo e modalizador deôntico de possibilidade. Além deles, apresentamos outros fenômenos argumentativos que surgiram em nossa investigação, a saber: coocorrência de modalizadores e modalizador com dupla função modal.

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Modalizador delimitador

Trecho 12 - PPC 03 ENG

O Curso pretende desenvolver competências técnicas de supervisão, estudo, projeto, especificação, assistência, consultoria, perícia e pareceres técnicos; ensino, pesquisa, ensaio, padronização, controle de qualidade; montagem, operação e reparo de equipamentos e outras atividades.

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O Trecho 12 - PPC 03 ENG pertence ao PPC do curso de graduação em Engenharia de Materiais, e foi extraído da seção Objetivos do curso. No trecho 12, o modalizador técnicas pertence a categoria da modalização delimitadora, pois “estabelece limites dentro dos quais se deve considerar o conteúdo da proposição” (Nascimento; Silva, 2012, p. 89). Nesse caso, o modalizador delimita o tipo das competências, sendo elas técnicas, que o curso pretende desenvolver durante a formação acadêmica e profissional do engenheiro de materiais. E ao delimitar quais são as competências que o curso pretende desenvolver, o locutor desconsidera qualquer outro tipo ou natureza de competências, considerando apenas as técnicas. Ao utilizar essa estratégia argumentativa, o locutor delimita o conteúdo para orientar discursivamente o seu interlocutor para determinadas conclusões e rechaçar outras.

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Modalizador deôntico de obrigatoriedade

Trecho 09 - PPC 04 GAST

O curso de Gastronomia deverá promover o desenvolvimento das competências gerais no Bacharel em Gastronomia, focando na formação de profissionais criativos e empreendedores, podendo atuar nos setores público e privado, no gerenciamento de custos, de pessoas, de preparo de alimentos e bebidas, nas diferentes modalidades de serviços em gastronomia, respeitando as características socioculturais a preservação ambiental, tendo como base a promoção dos princípios científicos de diversas áreas do conhecimento.

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O Trecho 09 - PPC 04 GAST foi extraído da seção Competências e habilidades profissionais referente ao PPC do curso de Gastronomia. O modalizador deverá trata-se de um modalizador deôntico de obrigatoriedade, pois indica uma obrigação que recai ao curso de Gastronomia em promover as competências gerais nos discentes do curso de Gastronomia. Conforme os autores Nascimento e Silva (2012, p. 84), a modalização deôntica de obrigatoriedade “expressa que o conteúdo do enunciado é algo que deve ocorrer obrigatoriamente, e que o provável interlocutor deve obedecer a esse conteúdo.”. Desse modo, cabe ao curso desenvolver as competências gerais e necessárias para a formação profissional dos gastrônomos, já que o conteúdo do enunciado é visto como uma obrigação, que precisa obrigatoriamente acontecer.

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Modalizador avaliativo

Trecho 06 - PPC 03 ENG

O curso deverá dar condições a seus egressos para adquirir um perfil profissional compreendendo: [...]

2) Formação profissional abrangente que contemple assuntos que possibilitem o sólido conhecimento dos fundamentos, materiais, sistemas e processos característicos da área de habilitação em Engenharia de Materiais, aliada à capacidade para enfrentar e solucionar problemas da área;

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O Trecho 06 - PPC 03 ENG foi recortado da seção Perfil profissional do PPC de Engenharia de Materiais. O modalizador abrangente possui características da modalização avaliativa, pois segundo Nascimento e Silva (2012) expressa uma avaliação ou um ponto de vista sobre o conteúdo do enunciado. Nesse trecho, o locutor utiliza o modalizador abrangente para avaliar a formação profissional, essa que deve ser completa e extensa, abrangendo diversos assuntos que contribuam na formação do engenheiro de materiais. Assim, para o locutor, uma educação superior de qualidade é aquela que fornece para o seu corpo discente uma formação profissional ampla e extensa. Esse modalizador além de imprimir um ponto de vista do locutor e orientar discursivamente o seu interlocutor, como também, compromete a face do locutor por evidenciar um juízo de valor sobre o conteúdo do enunciado.

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Modalizador deôntico de possibilidade

Trecho 14 - PPC 04 GAST

O Bacharel em Gastronomia poderá atuar como gestor em empreendimentos de prestação de serviços de alimentação como restaurantes diversos, catering de transportes em geral, complexos de lazer e recreação, fast-foods, buffets, spas e hospitais. Podem atuar também como: personal chef, consultor gastronômico e em ensino e pesquisa.

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O trecho 14 – PPC 04 GAST pertence ao PPC do curso de Gastronomia, da seção Campo de atuação profissional. Os modalizadores poderá e podem atuam como modalizadores deônticos de possibilidade, uma vez que expressam “o conteúdo como algo facultativo ou dá a permissão para que algo aconteça.” (Nascimento; Silva, 2012, p. 93). E nesse caso, é facultado ao bacharel em Gastronomia atuar como gestor de empreendimentos de prestação de serviços de alimentação, como também, atuar como personal chef, consultor gastronômico e em ensino e pesquisa. Dessa maneira, a introdução dos modalizadores poderá e podem no enunciado traz a noção facultativa que recai nas áreas de atuação profissional referentes ao bacharel em Gastronomia. Assim, fica ao critério do gastrônomo em escolher qual área profissional irá atuar. Ao contrário dos outros tipos de modalizadores deônticos, que geralmente impõem uma ordem, obrigação, proibição ou pedido ao interlocutor e deve considerar de tal maneira, a modalização deôntica de possibilidade que expressa a noção facultativa, possibilita ao interlocutor escolher se realiza tal ação ou não, tornando o conteúdo do enunciado como algo facultativo.

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Coocorrência de modalizadores avaliativos

Trecho 63 - PPC 02 MED

Gestão em saúde [...]

d) Incluir a perspectiva dos usuários, família e comunidade, favorecendo sua maior autonomia na decisão do plano terapêutico, respeitando seu processo de planejamento e de decisão considerando, ainda, os seus valores e crenças;

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O Trecho 63 - PPC 02 MED pertence ao PPC do curso de Medicina, da seção Competências e habilidades profissionais. Aqui, temos um caso de coocorrência de modalizadores avaliativos maior e autonomia, pois ambos expressam “um juízo de valor a respeito do conteúdo do enunciado, excetuando-se qualquer avaliação de caráter deôntico ou epistêmico”. (Nascimento; Silva, 2012, p. 88). A coocorrência de modalizadores ocorre quando um modalizador atua sobre um outro modalizador, podendo gerar o efeito de atenuação ou acentuação. Nesse caso, o modalizador maior acentua o efeito de sentido do modalizador autonomia, atingindo assim o seu grau máximo na escala argumentativa. Logo, a avaliação feita pelo locutor sobre a autonomia na decisão do plano terapêutico do paciente ganha mais força com a atuação do modalizador maior sobre autonomia, reforçando a ideia da autonomia ou liberdade dos usuários e das famílias na escolha do plano terapêutico.

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Modalizador delimitador com dupla função modal avaliativa

Trecho 36 - PPC 01 COMP

Os profissionais formados no Curso de Bacharelado em Ciência da Computação do Campus I da UFPB – Unidade Acadêmica Reitor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque – estão aptos a exercer atividades profissionais majoritariamente nos seguintes campos de atuação:

O Trecho 36 - PPC 01 foi retirado da seção Campos de atuação profissional do curso de Ciências da Computação. O modalizador majoritariamente possui uma dupla função modal: delimitadora e avaliativa. Esse fenômeno ocorre quando um único modalizador possui uma dupla função modal, que elas coexistem sem alteração do efeito de sentido uma da outra. Inicialmente, o modalizador majoritariamente possui a função delimitadora, pois estabelece limites dentro do enunciado sobre o exercício das atividades profissionais, delimitando que a maioria delas podem ser realizadas nos determinados campos de atuação. Já em relação a função avaliativa, o modalizador majoritariamente expressa um juízo de valor sobre o exercício das atividades profissionais, considerando-as como pertencentes a uma maioria, ou seja, como majoritário. Com essa estratégia argumentativa, o locutor delimita e expressa um juízo de valor simultaneamente, com o intuito de direcionar o interlocutor a ler e compreender o conteúdo do enunciado de tal maneira.

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Modalizador com dupla função modal: avaliativo e epistêmico habilitativo

Trecho 01 – PPC 05 CNEG

O Curso de Ciência de Dados para Negócios tem como objetivo formar profissionais alinhados às novas perspectivas do mercado, capazes de enfrentar os paradigmas surgidos através das novas interações sociais, das necessidades do moderno mercado de trabalho e das novas possibilidades de atuação profissional.

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O trecho 01 – PPC 05 CNEG pertence ao PPC do curso de Ciência de Dados para Negócios, da seção Objetivos do curso. O modalizador capazes possui uma dupla função modal, sendo elas epistêmica habilitativa e avaliativa. A noção habilitativa é ativada quando o locutor afirma que os profissionais formados, pelo curso Ciência de Dados para Negócios, possuem a capacidade de enfrentar e superar os paradigmas oriundos das novas interações sociais e dentre outras situações. Dessa maneira, o modalizador capazes pertence a modalização epistêmica habilitativa, pois “expressa a capacidade de algo ou alguém realizar o conteúdo do enunciado” (Nascimento; Silva, 2012, p. 93). Ao mesmo tempo que o modalizador capazes expressa a noção de capacidade, ele também apresenta uma avaliação sobre os profissionais, uma vez que o locutor os considera capazes (pois possuem habilidade, inteligência, conhecimentos técnicos, dentre outros) para atuar no mercado de trabalho e enfrentar as diversidades do mundo moderno. Assim, o modalizador capazes também possui características da modalização avaliativa.

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Modalizador com dupla função modal: epistêmico asseverativo e avaliativo.

Trecho 18 – PPC 06 HIST

Em atendimento às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores no Brasil (CNE/CP nº 2/2015), às Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de História (CNE/CES nº 492/2001), e, à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o curso de Licenciatura em História da Universidade Federal da Paraíba está comprometido com a preparação e aperfeiçoamento das dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas inerentes à ação de profissionais do magistério da educação básica, incluindo-se a educação escolar indígena, a educação escolar do campo e a educação escolar quilombola.

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O trecho 18 – PPC 06 HIST foi extraído do PPC do curso de Licenciatura em História, da seção Objetivos do curso. O modalizador comprometido possui duas funções modais, sendo elas avaliativa e asseverativa. O adjetivo comprometido atua como um modalizador avaliativo, pois “expressa uma avaliação ou ponto de vista, excetuando-se qualquer caráter deôntico ou epistêmico”. (Nascimento; Silva, 2012, p. 93). Logo, o adjetivo comprometido expressa uma avaliação do locutor em relação ao curso de História, uma vez que esse possui um compromisso e empenho na preparação e formação dos profissionais do magistério da educação básica. Porém, simultaneamente, o modalizador comprometido assume uma função asseverativa, uma vez que “expressa o conteúdo como algo certo e verdadeiro” (Nascimento; Silva, 2012, p. 93). Assim, o locutor utiliza o modalizador supramencionado para afirmar, sem qualquer dúvidas, que o curso de História possui um compromisso na formação profissional. Ao expressar uma certeza sobre o comprometimento do curso, o locutor se compromete com o conteúdo do enunciado.

5. Considerações finais

Diante dos PPC analisados, podemos afirmar que alcançamos os nossos objetivos propostos, uma vez que analisamos o funcionamento semântico-argumentativo e enunciativo, em especial o fenômeno da Modalização Discursiva, presente no gênero Projeto Pedagógico de Curso do ensino superior. Como também, investigamos a ocorrência de modalizadores discursivos presentes no gênero projeto pedagógico de curso; descrevemos e analisamos o funcionamento semântico-argumentativo e pragmático dos modalizadores catalogados; e identificamos quais os tipos de modalizadores se correlacionam com a função socio discursiva do gênero.

Percebemos que determinados tipos de modalizadores são recorrentes em nosso corpus, sendo eles: delimitador, deôntico de obrigatoriedade, avaliativo e deôntico de possibilidade. O modalizador delimitador surge no documento para delimitar o conteúdo do enunciado, fazendo o seu interlocutor considerar esses limites para a compreensão global do enunciado. Um exemplo dessa atuação, trata-se da menção do tipo de formação proporcionada pela instituição acadêmica, essa que é de origem profissional. Nesse caso, os modalizadores delimitador mais utilizados são: profissional, técnicas, educacionais, institucional, dentre outros.

A modalização deôntica de obrigatoriedade aparece em nosso corpus, imprimindo o efeito de sentido de obrigação, que muitas vezes recai sobre os agentes pedagógicos da instituição acadêmica. Podemos observar essa atuação através do uso do verbo no infinitivo, esses que surgem na seção do PPC, intitulada Competências e Habilidades Profissionais. Dentre esses modalizadores, destacamos os seguintes: exercer, desenvolver, atuar, realizar, dentre outros.

Já a modalização avaliativa imprime um juízo de valor do locutor sobre o conteúdo do enunciado. Essa avaliação é realizada de diferentes formas: sobre os objetivos do curso, as competências profissionais, as áreas de atuação, dentre outros. Dentre os modalizadores avaliativos que surgiram em nosso corpus destacamos os seguintes: crítica, basilar, diferentes, básicas, dentre outros.

A modalização deôntica de possibilidade expressa o conteúdo do enunciado como algo facultativo ou permissão para que algo aconteça. Nos PPC analisados, a maioria dos casos desse tipo de modalização expressam o conteúdo como facultativo, principalmente quando mencionava as áreas de atuação que o egresso pode exercer a sua profissão. Dentre os modalizadores deônticos de possibilidade que surgiram em nosso corpus, destacamos os seguintes: pode, podendo, permite, poderá, dentre outros.

Além dos modalizadores supracitados, encontramos também a coocorrência de modalizadores, na qual os modalizadores atuam em um mesmo enunciado, podendo gerar atenuação ou acentuação do efeito de sentido, como vimos no Trecho 63 - PPC 02 MED. Como também encontramos casos de um único modalizador possuir uma dupla função modal, nesse fenômeno as funções coexistem dentro do enunciado dentro do enunciado, e não sofrem nenhuma interferência em seus efeitos de sentido, como podemos observar no Trecho 36 - PPC 01 COMP.

Em relação à função socio discursiva do gênero PPC, constatamos que o documento orienta os seus interlocutores em razão das informações pedagógicas da instituição acadêmica, especificamente do curso de graduação. Na elaboração do documento, o locutor utiliza os modalizadores delimitadores, deônticos de obrigatoriedade, avaliativos e deônticos de possibilidade; devido à maior frequência desses tipos de modalizadores em nosso corpus, podemos afirmar que eles constituem a argumentatividade do PPC e se relacionam com a função sociodiscursiva do gênero.

Cada tipo dos modalizadores supracitados assume uma função específica no texto: o modalizador delimitador, como o próprio nome sugere, delimita o conteúdo do enunciado. Ele é utilizado para delimitar os tipos de área de atuação profissional, tipos de setores, a natureza de determinadas atividades que envolvem o curso específico, dentre outros. Por se tratar de um documento oficial, é esperado que a Modalização Deôntica de Obrigatoriedade ocorra com mais frequência no PPC, pois esse tipo de Modalização apresenta orientações direcionadas aos docentes e agentes pedagógicos de caráter obrigatório que devem acontecer.

Apesar de tentarmos manter a neutralidade nos discursos em documentos oficiais, evidentemente trazemos nossos pontos de vista e valores axiológicos nos discursos. E isso acontece no PPC, especificamente quando o locutor imprime avaliações e pontos de vistas através do uso da Modalização Avaliativa, que surge em todas as seções constituintes do gênero discursivo Projeto Pedagógico de Curso. Já em relação a Modalização Deôntica de Possibilidade aparece, com maior frequência, na seção Áreas/Campos de atuação profissional, pois imprimia o conteúdo como algo facultativo, ou seja, fica facultado ao egresso as áreas que pode atuar ou exercer a sua profissão.

Como o gênero PPC é um dos documentos essenciais que regulamentam o curso, em especial de graduação, pois orienta no planejamento dos afazeres pedagógicos e das questões administrativas do curso. E, por esse motivo, é necessária a realização de pesquisas científicas sobre o gênero e sua função socio discursiva, e sobre a atuação de fenômenos e estratégias argumentativas (como é o caso da Modalização Discursiva) nos enunciados que compõem o PPC. Já que esse gênero é responsável por instruir e orientar a comunidade acadêmica, e a presença desses fenômenos argumentativos podem impactar nas tomadas de decisões e nas orientações a respeito do gênero PPC.

Diante dessa análise, podemos constatar que a ocorrência desses modalizadores ativam diferentes efeitos de sentido em nosso corpus, sendo eles: de delimitação, de obrigação, de valor axiológico, de permissão, entre outros. Portanto, podemos observar a atuação dos modalizadores discursivos no PPC, e como eles constroem a argumentatividade no gênero em questão e orientam o interlocutor para determinadas conclusões sobre o conteúdo do enunciado.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

A autora declara não haver conflito de interesses.

Declaração de Disponibilidade de Dados

Todo o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Declaração de Uso de IA

A autora declara que nenhuma ferramenta de IA foi usada na criação deste manuscrito ou em qualquer aspecto da pesquisa relatada nele.

Referências

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Trad., organização, posfácio e notas de Paulo Bezerra. 1 ed. São Paulo: Editora 34, [1952-1953] 2016.

CARIBÉ, Rita de Cássia do Vale; BRITO, Marcílio de. Prolegômenos do projeto pedagógico de curso: estudo da literatura. REBECIN, v.2, n.2, p.37-65, jul./dez. 2015.

CASTILHO, A. T.; CASTILHO, C. M. M. de. Advérbios Modalizadores. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do Português Falado v. II: Níveis de Análise Lingüística. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.

DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Revisão técnica da tradução Eduardo Guimarães. Campinas SP: Pontes, 1987.

DUCROT. Polifonia y Argumentación: Conferencias del Seminario Teoría de la Argumentación y Análisis del Discurso. Cali: Universidad del Valle, 1988.

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<http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/DocDiretoria.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2023.

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NASCIMENTO, Erivaldo P. A modalização como estratégia argumentativa: da proposição ao texto. In: ANAIS do VI Congresso Internacional da Abralin. João Pessoa: Idéia, 2009. CD ROM. p. 1369-137.

NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do; SILVA, Joseli Maria da. O fenômeno da modalização: estratégia semântico-argumentativa e pragmática. In: NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do (org.). A Argumentação na Redação Comercial e Oficial: estratégias semântico-discursivas em gêneros formulaicos. João Pessoa, Editora da UFPB, 2012.

NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do; ALVES, Maria Eduarda de Oliveira; SILVA, Vanessa Santos da. Fenômenos de argumentação no gênero petição: a polifonia enunciativa e os modalizadores argumentativos. Revista Humanidades & Inovação, v. 9, n. 21, p. 286-294, 2022.

VEIGA, I. P. A. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória? Cadernos CEDES, Campinas (SP), v.23, n.61, p.267-281, dez. 2003.

VEIGA, I. P. A. Educação superior: projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus, 2012. 139 p.

Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N5.ID804.R

Decisão Editorial

EDITOR 1: Tiago de Aguiar Rodrigues

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5120-0908

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

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EDITOR 2: Dermeval da Hora Oliveira

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9303-5664

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

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EDITOR 3: Jan Edson Rodrigues Leite

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9054-0673

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

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EDITOR 4: Alvaro Magalhães Pereira da Silva

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1980-9750

AFILIAÇÃO: Instituto Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil.

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EDITOR 5: Erivaldo Pereira do Nascimento

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4595-1550

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil

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CARTA DE DECISÃO: O artigo "OS MODALIZADORES DISCURSIVOS NO GÊNERO PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO DO ENSINO SUPERIOR" representa uma contribuição significativa para a área do conhecimento da linguística e da análise do discurso. O trabalho se destaca por sua análise aprofundada do funcionamento semântico-argumentativo e enunciativo dos modalizadores discursivos empregados em Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) do ensino superior. A relevância do estudo reside em sua capacidade de revelar como marcas de subjetividade se inscrevem em documentos que, por sua natureza, buscam apresentar uma fachada de neutralidade e objetividade. Ao investigar, descrever e analisar o funcionamento pragmático desses modalizadores, o artigo não apenas oferece um catálogo da sua atuação, mas também evidencia o posicionamento dos autores e as implicações desses discursos na organização e condução dos cursos de graduação.

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Maria da Conceição Gomes da Silva Dério

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9722-8524

AFILIAÇÃO: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, Brasil.

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AVALIADOR 2: Alvaro Magalhães Pereira da Silva

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1980-9750

AFILIAÇÃO: Instituto Federal de Sergipe, Sergipe, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2025-03-19 | 10:57 PM

O artigo buscou analisar o funcionamento semântico-argumentativo e enunciativo e os efeitos de sentidos dos modalizadores utilizados em projetos pedagógicos de alguns cursos de graduação. Como resultados, o estudo revela o posicionamento de seus autores inscrito em tais documentos públicos por meio dos modalizadores utilizados.

O artigo buscou analisar o funcionamento semântico-argumentativo e enunciativo e os efeitos de sentidos dos modalizadores discursivos utilizados em projetos pedagógicos de alguns cursos de graduação. Para tanto, investigou, descreveu e analisou o funcionamento semântico-argumentativo e pragmático dos modalizadores encontrados no refeirido corpus. Como resultados, o estudo apresenta tanto um catálogo da atuação dos modalizadores utilizados, quanto o posicionamento dos respectivos autores inscritos nesses documentos que orientam determinadas conclusões, condutas impactantes na organização e condução dos cursos em questão. O estudo é relevante e traz a necessidade de melhor compreensão do funcionamento e efeitos de sentido desse fenônendo linguístico em documentos públicos que se forjam neutros, em especial, em projetos pedagógicos de cursos de ensino superior.

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AVALIADOR 2

2025-05-30 | 04:59 PM

O trabalho atende aos requisitos esperados para um artigo acadêmico, ao realizar uma análise da modalização em Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) do ensino superior, com embasamento teórico nas proposições de Nascimento. O artigo oferece uma contribuição relevante ao descrever marcas de subjetividade do locutor em um gênero que, tradicionalmente, busca distanciar-se de formas textuais classificadas como opinativas. Recomenda-se apenas uma revisão textual e, possivelmente, uma breve redução da conclusão.

Resposta dos Autores

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N5.ID804.A

RODADA 1

2025-07-21

Prezados,

Agradeço pelas contribuições feitas sobre o presente trabalho. A partir das orientações, o manuscrito passou por reformulações na seção da Introdução, como também na seção das Considerações Finais para atender aos critérios de um artigo científico (em especial, no primeiro parágrafo da seção supramencionada). Vale salientar que, o manuscrito passou por revisões textuais para deixar o texto mais fluído e coeso, conforme sugerido pelos editores da revista.

Atenciosamente, Vanessa Santos.

How to Cite

SILVA, V. S. da. Discursive Modalizers in the Genre of Pedagogical Project of a Higher Education Course. Cadernos de Linguística, Campinas, SP, Brasil, v. 6, n. 5, p. e804, 2025. DOI: 10.25189/2675-4916.2025.v6.n5.id804. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/804. Acesso em: 31 dec. 2025.

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