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Relato de Pesquisa

Formação de professores de português como língua adicional: indo além das teorias comunicativas e em direção às pedagogias críticas interculturais

Michele Saraiva Carilo

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0002-2888-1415

Cristina Becker Lopes Perna

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Palavras-chave

Formação de professores
Português como língua adicional
Pedagogia crítica
Pedagogia intercultural

Resumo

Este relatório apresenta os resultados de um projeto de pesquisa no nível de pós-doutorado que culminou no desenvolvimento de um curso de uma especialização lato sensu em docência de Português como Língua Adicional (PLA). As seguintes questões norteadoras guiaram esse projeto: (1) quais são as fundamentações teórico-pedagógicas que informam a formação de professores de PLA e outras línguas adicionais (LAs)? e (2) quais são os principais critérios para a escolha daquelas fundamentações? Doze professores de seis instituições de ensino superior ministrando disciplinas relacionadas ao estágio docente obrigatório de línguas adicionais responderam um questionário. A análise das respostas demonstrou que (1) as abordagens comunicativas informam a formação de professores de LAs; e (2) o efeito retroativo contribui para a adoção de tais abordagens. As abordagens comunicativas, por servirem de base a vários exames de proficiência, têm informado a formação de professores de LAs. Construtos teórico-pedagógicos interculturais e críticos, mais recentemente aplicados ao campo da educação de LAs, questionam as abordagens comunicativas e atualizam as noções de língua, linguagem, competência e cultura. Propõe-se uma educação formadora e problematizadora contrária às hegemonias e aos estereótipos socioculturais, mas favorável ao empoderamento, à emancipação e à cidadania intercultural, cosmopolita e democrática. Desenvolvemos, então, um curso de formação para professores de PLA que promove, através de experiências pedagógicas, diversas representações, interpretações, expectativas, memórias e identificações culturais dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem enquanto a língua alvo é usada para (re)produzir, (re)negociar e (re)construir identidades socioculturais.

Introdução

A formação de docentes de Português como Língua Adicional (PLA) no Brasil enfrenta várias barreiras institucionais e no âmbito das políticas linguísticas. Entre elas, podemos citar a insuficiência de cursos de Licenciatura com ênfase em PLA e a tímida oferta de disciplinas nas grades curriculares dos cursos de Letras voltadas à formação específica de professores de PLA. Outra barreira que contribui para a estagnação da formação de professores de PLA é o efeito retroativo. Ou seja, a promoção do uso dos pressupostos teóricos relacionados às abordagens comunicativas que norteiam o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras)1 como base pedagógica para as práticas educacionais em PLA.

Tendo como suas principais fundamentações teóricas aquelas estabelecidas pela Abordagem Comunicativa (AC) e pelo Ensino de Línguas Baseado em Tarefas (ELBT), no exame Celpe-Bras, o uso de lingua(gem) visa à participação em diferentes situações comunicativas e de socialização em português (BRASIL, 2020). O exame é, portanto, elaborado de forma a possibilitar a avaliação do potencial dos examinandos em participar de tais situações em níveis e contextos distintos, ou seja, sua proficiência. Além disso, cultura é compreendida no exame como um conjunto de “significados interpretados pelos elementos que fazem parte de uma mesma realidade social, os quais a modificam e são modificados por ela (BRASIL, 2020, p. 29). As noções de língua, linguagem, proficiência e cultura estabelecidas e promovidas pelo exame Celpe-Bras não são suficientes para compreender a diversidade de propósitos linguísticos e socioculturais encontrada nos contextos de ensino e aprendizagem de PLA. Isso se dá, principalmente, pelo fato de o público-alvo do exame ser estudantes em contextos universitários (BRASIL, 2020). Por conta disso, fundamentar a formação de professores de PLA nos pressupostos teóricos do exame Celpe-Bras tende a limitar as práticas de ensino e, consequentemente, o processo de aprendizagem.

O objetivo deste relato é apresentar os resultados de um projeto de pesquisa de pós-doutorado durante o qual se investigou quais são as fundamentações teórico-pedagógicas que contribuem para a formação de professores de PLA e outras línguas adicionais (LAs) em cursos de graduação em Letras e quais são os critérios para a escolha dos embasamentos teóricos adotados. Para isso, um questionário on-line foi elaborado e aplicado a doze professores de disciplinas relacionadas ao estágio docente obrigatório de LAs em seis instituições de ensino superior. A análise de suas respostas indicou que as abordagens comunicativas servem como orientações principais ou únicas para a formação de professores de LAs nos contextos investigados. Os dados revelaram, também, que o efeito retroativo contribui para a adoção e promoção de daquelas abordagens. O projeto culminou no desenvolvimento de uma especialização em docência de PLA que vai ser oferecido em uma universidade situada na região sul do Brasil.

Visto que as crenças e práticas pedagógicas podem ser influenciadas pelos pressupostos teóricos desenvolvidos, estudados e/ou pesquisados durante a sua formação, esse projeto organizou tal curso com base nas perspectivas teórico-pedagógicas relacionadas às abordagens tradicionais da área de PLA. Além disso, introduziu-se, assim como tem ocorrido em contextos educacionais de outras Línguas Adicionais (LAs) – especialmente o inglês – perspectivas teóricas relacionadas à Pedagogia Crítica (PC) e à Pedagogia Intercultural (PI). Entre as maiores contribuições da PC e da PI para as áreas de LAs, destacamos a revisão das noções de língua, linguagem, competência e, principalmente, cultura. Ao propor tal revisão para os contextos de formação de professores de PLA, esperamos encontrar vantagens pedagógicas na atualização teórica que se afasta de uma exclusividade da AC e do ELBT para a introdução da PC e da PI.

Assim, com o intuito de apresentar os resultados dessa pesquisa pós-doutoral, o presente relato de experiência está dividido em três partes: (1) revisão dos construtos teóricos tradicionais e alternativos nos quais a área de PLA é e pode ser baseada para fins de formação de professores; (2) síntese da metodologia utilizada para coleta e análise de dados; (3) discussão acerca das conclusões às quais chegamos a partir da análise dos dados para justificar as escolhas teórico-pedagógicas para o curso de formação proposto em uma instituição de ensino superior na região sul do Brasil.

1. Revisão teórica

Para justificar a introdução de PC e PI à formação de professores de PLA, a presente revisão teórica compreende uma explanação das perspectivas teórico-pedagógicas tradicionais no campo de PLA e, posteriormente, a apresentação das principais contribuições que a PC e a PI podem oferecer à área de PLA.

1.1. O efeito retroativo do exame Celpe-Bras na área de PLA

O desenvolvimento do exame Celpe-Bras pelo Ministério da Educação em 1998 foi uma das políticas linguísticas mais importantes para o avanço da área de PLA dentro e fora do Brasil (ZOPPI-FONTANA; DINIZ, 2008). Oliveira (2004) afirma que um certificado de proficiência representa um instrumento político e linguístico pelo qual a circulação de uma determinada língua pode ser guiada pelos representantes governamentais responsáveis. Corroborando tal argumento, o exame Celpe-Bras é uma das medidas institucionais oficiais que (a) promove o PLA; (b) influencia o ensino de PLA; (c) orienta a formação de professores de PLA; e (d) motiva pesquisas específicas (ZOPPI-FONTANA; DINIZ, 2008).

As influências do exame Celpe-Bras têm sido vistas como positivas (SCARAMUCCI, 2002, 2004, 2010; SCHLATTER; SCARAMUCCI; PRATI; ACUÑA, 2009). Entre elas, podemos destacar, por exemplo, as perspectivas de estudantes e professores de PLA quanto às práticas de sala de aula e avaliação. Para Scaramucci (2012), medidas, tais como fundamentar a formação de professores de PLA nos pressupostos teóricos que informam o Celpe-Bras, precisariam ser tomadas para que a influência do exame no ensino de PLA fosse completamente positiva. Faz-se necessário, contudo, analisar, junto às influências positivas, o efeito retroativo negativo que o exame Celpe-Bras pode gerar. Privilegiar os pressupostos teóricos nos quais o Celpe-Bras baseia-se, em detrimento de noções mais atualizadas de língua, linguagem, competência e cultura, pode limitar as experiências de ensino e de aprendizado a simulações de tarefas comunicativas aos moldes do exame.

De acordo com o Documento Base do Exame Celpe-Bras (BRASIL, 2020), o exame é desenvolvido de acordo com os seguintes pressupostos teóricos:

(1) a definição de uso de linguagem sugerida por Clark (1996) como uma ação social conjunta;

(2) a perspectiva de competência comunicativa de Bachman (1990), que combina competências linguísticas (e.g. conhecimento dos componentes utilizados para a comunicação), competências estratégicas (e.g. capacidade de implementar as competências linguísticas em usos de linguagem contextualizados socialmente) e mecanismos psicológicos (e.g. processos psiconeurológicos relacionados ao fenômeno físico da linguagem; e

(3) a noção de gêneros do discurso de Bakhtin (1968), que são gerados a partir das variadas esferas da atividade humana e são, portanto, infinitos, apesar de relativamente estáveis.

Por se tratar de um exame de proficiência com base nas abordagens comunicativas de avaliação, como AC e ELBT, as tarefas do Celpe-Bras visam avaliar a competência dos examinandos para o uso da linguagem para propósitos comunicativos socialmente e gramaticalmente adequados (SCARAMUCCI, 1995; SCHLATTER, 1996). As tarefas comunicativas que formam o exame Celpe-Bras representam um convite aos examinandos para interagir adotando um determinado papel comunicativo com vistas à produção de gêneros discursivos, contextualmente localizados, endereçados a interlocutores específicos e com um propósito comunicativo estabelecido (SCARAMUCCI, 2012; SCHLATTER et al., 2009). Apesar de promover a diversidade linguístico-comunicativa das interações contextualizadas, tais pressupostos teóricos parecem privilegiar noções de competência que visam avaliar o conhecimento e uso de linguagem através da mensuração de um conjunto particular de habilidades e competências. Tal conjunto deve ser acessado, reproduzido e transferido de uma tarefa comunicativa para outra de forma proficiente.

Scaramucci (1997, 2012) esclarece que os examinandos são, também, convidados a usar a língua portuguesa como uma ação social culturalmente organizada com o intuito de saber o que dizer, para quem, quando e como. Em outras palavras, os examinandos devem usar suas experiências prévias e interpretações de mundo a fim de desempenhar as tarefas propostas que representam interações envolvendo situações comunicativas em contextos diversos e, ao mesmo tempo, demandam dos examinandos a participação em processos socioculturais amplos. Cultura, no contexto do Celpe-Bras, é um elemento indissociável da língua que foca na adequação social, ou seja, usar a língua portuguesa adequadamente para desempenhar diferentes ações em contextos distintos com propósitos sociais. Um estudo desenvolvido para investigar a representação de Brasil, dos brasileiros e da cultura brasileira no Celpe-Bras demonstrou que o exame tende a se firmar a uma noção de cultura intrinsecamente atrelada à nacionalidade e a uma visão urbana e cosmopolita da sociedade brasileira (LIMA, 2008). O Celpe-Bras, como exame de proficiência, “pressupõe a familiaridade com diferentes práticas de letramento de que participam cidadãos escolarizados” (BRASIL, 2020, p. 30). Com isso, pode-se concluir que, como instrumento de política linguística, o exame Celpe-Bras promove certas variedades linguísticas e culturais encorajando, com isso, um ensino de PLA que desconsidera variedades não privilegiadas pelo exame.

1.2. A comunicação intercultural e a educação em línguas adicionais

O relacionamento entre língua, linguagem e cultura, especialmente no contexto de ensino e aprendizagem de LAs, é evidente – inclusive nos materiais didáticos como livros-textos; entretanto, a cultura pode ser tratada como um conjunto de informações adicionais localizado no final dos capítulos. Apesar de propor o ensino de língua como cultura, Byram e Kramsch (2008) reconhecem as dificuldades de exercer tal prática devido à dependência sócio-histórica que o entendimento de cultura carrega. Mesmo assim, abordar a linguagem como um evento tanto pessoal quanto histórico-cultural, permite proporcionar experiências que expandem referências socioculturais a partir das quais podemos desenvolver e acessar novos pontos de vista. Essas adições ao repertório sociocultural dos estudantes de LAs permitem a ampliação das possibilidades de interpretação de sua própria realidade e das realidades de outros.

A (re)significação da linguagem e dos contextos nos quais seu uso ocorre envolve uma combinação das experiências socioculturais dos estudantes de LAs e daqueles com quem interagem para que, dessa forma, a linguagem possa introduzir os “recentes usuários” da língua-alvo como membros de um novo território cultural (FANTINI, 2012). Ainda que tal percepção reconheça e privilegie a conexão entre língua, linguagem e cultura, ela não garante um relacionamento igualitário ou mutuamente benéfico já que língua e linguagem são limitadas a meios para determinados fins e língua e cultura são intrínsecas à nacionalidade. Kramsch (2009) afirma que, ao desassociar língua e cultura de nacionalidade, a língua passa a ser um sistema simbólico em meio a tantos outros, através dos quais os indivíduos podem entender os contextos nos quais se inserem ou não. Usar LAs, que adicionam suas dimensões únicas e particulares ao nosso eu significante, assim, é valer-se de práticas alternativas com o intuito de se posicionar de forma favorável durante as interações interculturais.

1.2.1. A competência comunicativa intercultural

Byram (1997) define Competência Comunicativa Intercultural (CCI) como um conjunto de atitudes, conhecimentos e habilidades, geralmente desenvolvidos devido à participação de um indivíduo em diferentes grupos socioculturais, necessárias àqueles envolvidos em interações interculturais. Cinco fatores, ou saberes, são destacados por Byram; entretanto, para os propósitos do presente relatório, somente o quinto saber, Consciência Cultural Crítica (CCC), é relevante. A CCC implica a habilidade de avaliar perspectivas, práticas e produtos culturais pertencentes às comunidades de todos os envolvidos na interação intercultural, de forma crítica e com base em critérios explicitados (BYRAM, 1997). A CCC, nesse caso, permite aos estudantes de LAs que percebam o aparato cultural que determina, consciente ou inconscientemente, seus pontos de vista e a maneira como veem e analisam as perspectivas de seus interlocutores.

Apesar de sua contribuição para a educação em LAs, o otimismo atrelado aos conceitos de CCI e CCC não são suficientes para lidar com a complexidade das interações interculturais, já que sua aplicabilidade parece requerer uma fusão harmoniosa de visões de mundo distintas, pertencentes a diferentes territórios nacionais (HOFF, 2014). Para Giroux (2003) e Guilherme (2012), as competências interculturais devem ser entendidas dentro de uma noção ampla de letramento, compreendendo tanto o protagonismo quanto a capacidade de reconhecer que as questões de diversidade estão intrinsecamente conectadas ao exercício do respeito, da tolerância, do diálogo e da responsabilidade em relação aos outros. É feita, nesse ponto de vista, uma distinção entre competências interculturais e experiências interculturais, ou momentos específicos durante os quais pessoas de culturas diferentes interagem em um determinado contexto social, já que não há um único modelo de competências que sirva para todas as experiências possíveis.

Essa distinção, entre competências interculturais e experiências interculturais, implica a necessidade de desenvolvimento de um repertório amplo de competências interculturais para que cada participação em diferentes experiências de uso da LA possa, potencialmente, ser uma oportunidade para aplicar e adquirir competências interculturais pessoais e coletivas. Para isso, Guilherme (2012) ainda esclarece que certas estratégias e princípios devem ser desenvolvidos para a busca de competências ligadas ao multiculturalismo, à interculturalidade e ao diálogo intercultural. Para Díaz (2013), esse desenvolvimento, em contextos educacionais de LAs, exige uma revisão das abordagens pedagógicas para a formação de cidadãos críticos e interculturais. Pode-se concluir que, enquanto a competência comunicativa, na qual a competência interacional avaliada pelo exame Celpe-Bras é baseada, pode ser medida a partir da contribuição para a interação daqueles que dela participam, a competência comunicativa intercultural é o constante desenvolvimento de estratégias para avaliação de uma situação interacional, adaptação das referências socioculturais para (inter)agir criticamente de acordo com o contexto e (re)organização das perspectivas sobre os papéis socioculturais daqueles envolvidos na construção de uma intercultura da qual todos os envolvidos na interação possam participar.

1.3. A pedagogia crítica e a pedagogia intercultural

Com base na noção de conscientização Freiriana – que representa o desenvolvimento do pensamento crítico com propósitos de libertação social (FREIRE, 1973), a PC apresenta o ensino e a aprendizagem como uma (re)produção de saberes, através de processos dialógicos e dialéticos, que pode facilitar o empoderamento ao promover o questionamento acerca do status quo (GUILHERME, 2012). A PC, portanto, propõe o rompimento da dinâmica tradicional professor-estudantes que coloca o professor em uma posição de protagonismo. A PC visa descentralizar e redefinir as fundamentações epistemológicas e sociológicas para que os contextos educacionais se tornem ambientes nos quais se discuta, se promova e se pratique a justiça social (GUILHERME; DIETZ, 2015). Em outras palavras, a PC encoraja explicitamente o rompimento das relações de poder existentes em sala de aula para que se leve essa prática para além dos contextos educacionais – especificamente, para dentro das estruturas socioculturais.

Para Giroux (2006), a PC propõe o entendimento de como as relações de poder funcionam a partir da produção, da distribuição e do consumo de conhecimentos; portanto, através da educação, é possível promover a criticidade para fins de mudanças sociais que possibilitem justiça, igualdade e liberdade na construção de um projeto de sociedade democrática. No contexto educacional de LAs, a CP amplia a noção de CCC de Byram (1997) por adicionar o compromisso com a justiça social e com o desenvolvimento de múltiplas identidades socioculturais (GUILHERME, 2012). Ser consciente, nesse caso, significa desafiar as próprias construções identitárias relacionadas às LAs, culturas e cidadania; portanto, privilegiam-se ambas, a interculturalidade e a criticidade.

Kramsch (2009) sugere que a PI deve considerar as diversas representações, interpretações, expectativas, memórias e identificações culturais dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de LAs para que o conteúdo surja a partir do compartilhamento de tais experiências, enquanto se usa a língua alvo para (re)produzir culturas. O que Kramsch parece sugerir é que o ensino de LAs, informado pelas PC e PI, possibilita a (re)negociação e a (re)construção de múltiplas identidades socioculturais. Lu e Corbett (2012) esclarecem que a reflexão crítica pode levar à atualização de ideologias e valores daqueles envolvidos no processo educacional, bem como suas perspectivas sobre as ideologias e valores dos outros. Assim, pode-se afirmar que a PC e a PI encorajam uma educação formadora de cidadãos capazes de problematizar as hegemonias dominantes e os estereótipos socioculturais que, muitas vezes, são encarados e promovidos como naturais. O papel da criticidade e da interculturalidade no ensino de LAs é, portanto, o de facilitar e apoiar o empoderamento, a emancipação e a cidadania intercultural, cosmopolita e democrática.

De acordo com Starkey e Osler (2003), a conexão entre comunidades multilíngues e multiculturais faz da educação em LAs a arena ideal para que se desenvolva a reflexão sobre identidades complexas e cidadania cosmopolita, para que se explore o entendimento e a aceitação dessas múltiplas identidades. A compreensão de suas próprias oportunidades de representação e protagonismo reforça a resistência às tentativas de homogeneização linguístico-cultural e etnocentrismo. Na sala de aula de LA, combina-se, compartilha-se e, idealmente, entende-se e respeita-se as diversas experiências e identidades socioculturais, individuais e coletivas.

Kramsch (2009, 2011) afirma que, para se construir uma realidade educacional multilíngue e multicultural justa, os professores de LAs devem considerar três dimensões-chave do sujeito ou entidade simbólica: o seu eu simbólico, a sua ação simbólica e a sua competência simbólica. Kramsch (ibid), portanto, adiciona uma dimensão simbólica à competência crítica e intercultural que, teoricamente, permite ao sujeito multilíngue adotar uma posição favorável dentro e entre sistemas simbólicos, ou LAs, para se valer das características necessárias a cada uma das interações das quais participa. Espera-se que esse sujeito tenha uma relação completa com os diferentes sistemas simbólicos que fazem parte de seu repertório linguístico-cultural, o qual envolve a manipulação, a interpretação e a capacidade de compreender e produzir sentido.

2. Metodologia

Considerando as fundamentações teórico-pedagógicas apresentadas na seção anterior acerca da Pedagogia Crítica (PC) e da Pedagogia Intercultural (PI) no contexto de ensino-aprendizagem de LAs, bem como as hipóteses de desenvolvimento de uma educação formadora de cidadãos cosmopolitas, ou seja, indivíduos que podem participar total e criticamente em espaços e interações interculturais – tanto locais quanto globais, as seguintes questões norteadoras serviram de base para o projeto de pesquisa pós-doutoral aqui relatado:

(1) Quais são as fundamentações teórico-pedagógicas que orientam a formação de professores de PLA e outras línguas adicionais (LAs)?

(2) Quais são os principais critérios para a escolha dessas fundamentações teórico-pedagógicas?

A presente pesquisa foi desenvolvida de acordo com as seguintes etapas:

- Identificação, especificação da questão de pesquisa e definição do corte de amostra para coleta de dados

- Recrutamento de participantes, desenvolvimento do questionário para ser aplicado aos participantes e aplicação do questionário on-line

- Análise inicial e final dos dados

- Organização curricular, dos módulos do curso, das leituras obrigatórias para cada módulo

- Apresentação da estrutura do curso para a comissão de revisão crítica, revisão da estrutura do curso a partir da revisão crítica da comissão

- Submissão do curso para a comissão coordenadora do programa de pós-graduação da instituição envolvida.

Para gerar dados que pudessem sanar as questões levantadas, um questionário contendo 12 perguntas divididas em três categorias (ver tabela 1 abaixo) foi elaborado e aplicado via Google Forms a trinta professores e professoras de oito instituições de ensino superior da região sul do Brasil que oferecem cursos de PLA para estudantes estrangeiros em seus campi. Os participantes foram escolhidos com base na sua experiência com docência em cursos de formação de professores em LAs (inglês, espanhol, francês, italiano e alemão). Dos trinta participantes em potencial para quem o questionário foi enviado, doze responderam representando seis das oito instituições de ensino superior previamente selecionadas. As perguntas realizadas aos participantes foram divididas em três categorias: (1) base teórico-pedagógica na qual a disciplina de estágio obrigatório é baseada; (2) grau de envolvimento dos estudantes de tais disciplinas na seleção e/ou adição da bibliografia recomendada para a disciplina; e (3) como as discussões teórico-pedagógicas que ocorrem durante as aulas da disciplina são traduzidas para a prática dos estagiários em sala de aula durante sua(s) prática(s) obrigatória(s).

O processo de análise dos dados coletados deu-se em três distintas etapas: (1) indução analítica – a partir de comparações entre os dados para formular uma hipótese inicial para a construção de uma categoria conceitual; (2) dedução analítica – que foram codificados os dados de acordo com a bibliografia revisada; e (3) abdução analítica – em que realizou-se a combinação das análises indutivas e dedutivas com o intuito de justificar e explicar as interpretações acerca dos dados gerados nas quais a teoria construída baseia-se (MILLS; BONNER; FRANCIS, 2006).

É importante enfatizar que as etapas acima descritas não foram desenvolvidas de forma linear; pelo contrário, elas ocorreram simultaneamente ou alternadamente já que cada etapa informou etapas anteriores e/ou posteriores (CHARMAZ; BELGRAVE, 2012). Em outras palavras, a análise começou a ser realizada enquanto os dados estavam sendo gerados. A simultaneidade das etapas de geração e análise de dados pôde, eventualmente, apontar para a dispensabilidade de uma revisão mais completa ou detalhada da bibliografia nas áreas de estudo relevantes, geração de dados ou recrutamento de participantes adicionais.

As respostas oferecidas pelos participantes dessa pesquisa, através do preenchimento do questionário aplicado, foram resumidas na tabela abaixo.

Figure 1. Tabela 1. Resumo das respostas dos participantes ao questionário aplicado

Como a tabela 1 resume, a maioria dos participantes – professores ministrando disciplinas de estágio obrigatório em LAs – afirmaram que as bases teórico-pedagógicas que informam suas práticas e, consequentemente, às de seus estagiários estão relacionadas às AC e ELBT. Além disso, os estagiários não são, em sua maioria, encorajados a propor perspectivas teórico-pedagógicas alternativas àquelas estabelecidas pela bibliografia selecionada para as disciplinas de estágio em LAs. Finalmente, somente quatro dos nove participantes afirmaram que as discussões feitas em sala de aula informaram, de fato, a prática dos estagiários de forma geral, enquanto cinco afirmaram que tais discussões informaram parcialmente a prática de seus estagiários.

3. Discussão e apresentação do curso de formação para professores de PLA

Esta seção apresenta a discussão da análise dos dados e a apresentação da proposta de atualização teórico-pedagógica para a elaboração do curso de especialização em docência de PLA. Detalha-se as implicações de tal atualização nos processos referentes ao desenvolvimento e implementação curriculares e seleção e/ou design de materiais. Por fim, os módulos do curso são introduzidos.

3.1. Discussão acerca da análise dos dados

As etapas exploratório-analíticas confirmaram as hipóteses de que a educação em LAs é amplamente baseada nos pressupostos teóricos-pedagógicos das AC e ELBT. Além disso, solidificaram-se as justificativas para a proposta de uma atualização teórico-pedagógica para a formação de professores de PLA com o intuito de introduzir a PC e a PI – principalmente, suas noções atualizadas de língua, linguagem, competência e cultura. Para representar completamente o tecido social multicultural e multilíngue da sala de aula, os educadores de LAs devem considerar também a multiplicidade dos estudantes ou, como Kramsch (2009, p. 188) se refere, as “três dimensões do sujeito multilíngue: o eu simbólico, a ação simbólica e a competência simbólica”.

Tendo em vista que as políticas linguísticas e as políticas para educação de línguas (re)produzem, política e ideologicamente, as perspectivas sobre a relação entre língua e sociedade, elas podem influenciar todos os aspectos dos ambientes educacionais. Para Liddicoat (2013), a diversidade linguística e cultural é percebida como uma ameaça ou uma fonte de enriquecimento pelas políticas de linguagem na educação. Uma atualização teórica para a formação de professores de PLA que se mova em direção às pedagogias críticas e interculturais implica a inclusão de questões como justiça social e cidadania – que são, de forma geral, desconsideradas por completo ou usadas, somente, como pano de fundo por abordagens comunicativas.

3.1.1. Implicações da proposta de atualização teórico-pedagógica no currículo

Pudemos constatar que as abordagens comunicativas orientam o construto teórico que é amplamente promovido nas disciplinas de estágio em LAs; portanto, a atualização teórico-pedagógica que propomos também apresenta implicações ao desenvolvimento curricular e à elaboração de materiais pedagógicos. De acordo com essas perspectivas, um currículo, como um trabalho em constante andamento, deve ser um projeto educacional, que representa e reflete objetivos pedagógicos determinados, e um instrumento pelo qual as pessoas mudam e são mudadas através do conhecimento. Para ser um projeto educacional em constante andamento, um currículo precisa ser flexível, contextualizado socialmente, desenvolvido democraticamente e problematizado criticamente.

Nation e Macalister (2010) propõem um modelo para o desenho curricular que interliga vários elementos, ainda que igualmente importantes (por exemplo: metas, princípios, necessidades, ambiente) a um conjunto de processos e subprocessos consistentes e completos que orientam o ensino e a aprendizagem. A avaliação é o fio que entrelaça esses elementos, que enfatiza a importância de ter um currículo em constante desenvolvimento. As necessidades pedagógicas dos estudantes, embora sejam centrais no desenvolvimento do currículo, devem ser um ponto de partida e não um fator limitante de todo o processo. Um currículo de PLA teoricamente atualizado teria que ir além do desenvolvimento das habilidades linguísticas dos estudantes, que podem ser facilmente reconhecidas e replicadas em tarefas comunicativas.

Um currículo para LA deve apresentar uma dimensão política com o objetivo de promover políticas culturais e educação para a cidadania democrática. Na formação de professores de PLA, a emancipação cultural pode ser alcançada quando o currículo encoraja uma postura crítica em relação à língua, cultura e sua influência na sociedade; além disso, questionar o status quo da sociedade, construído em termos linguísticos e culturais, permite uma representação mais justa e democrática. Nesse sentido, a formação de PLA para a cidadania cosmopolita deve ter um currículo que (1) promova o engajamento linguístico, cultural e social dos estudantes, rompendo as fronteiras geográficas; e (2) permita que os professores de PLA aproveitem as identidades multiculturais e multilíngues do estudante e do Brasil.

Programas de formação de professores de LAs devem oferecer aos professores oportunidades para desenvolver habilidades específicas relacionadas à criticidade – como interpretação, análise e avaliação de diversas perspectivas. Esse argumento ecoa as perspectivas de Byram (2012) sobre a importância de facilitar o desenvolvimento da consciência cultural crítica dos estudantes. A formação de professores de PLA precisa fechar a lacuna entre as abordagens limitadas de ensino e aprendizagem, nas quais ela se baseia atualmente, e pedagogias criticamente e interculturalmente informadas. Assim, os professores de PLA adotariam uma posição de promover o engajamento dos estudantes e o encorajamento a inquéritos críticos envolvendo agência sociocultural e cidadania cosmopolita, através do uso da língua-alvo.

A atual natureza comunicativa das salas de aula de PLA é um reflexo, em certa medida, dos programas de licenciatura e/ou formação de professores, cursos e/ou seminários oferecidos aos professores de PLA (CARILO, 2018). Uma sala de aula de LA comunicativa se concentra no ensino de línguas que promove uma negociação semiritualística para a construção de significado por meio da emulação de gêneros do discurso que devem se encaixar nos padrões de produção e recepção de um falante nativo monolíngue idealizado (KRAMSCH, 2009). Uma atualização teórica que envolve o desenvolvimento de professores na formação de professores de PLA requer que o ensino desta modalidade inclua a construção de identidade, o uso da linguagem para explorar, entender, construir e apresentar seu próprio eu, seus próprios contextos socioculturais e as perspectivas de outros e de seus mundos (LIDDICOAT; SCARINO, 2013).

3.1.2. Implicações da proposta de atualização teórico-pedagógica nos materiais

O repertório linguístico de professores e estudantes de LAs molda-se tanto pela(s) línguas(s) quanto pelas múltiplas ocorrências históricas e culturais significativas em suas vidas, como indivíduos e/ou como parte de uma determinada comunidade. Os professores de PLA devem, portanto, ser incentivados a (1) permitir uma participação ativa e crítica na sala de aula de PLA; e (2) colocar os estudantes de PLA no centro dos processos de ensino e aprendizagem. Phipps e Gonzalez (2004) definem essa combinação como languaging – o que ocorre quando professores e estudantes de LAs colaboram em um desenvolvimento linguístico, cultural, social e crítico contínuo, dialógico e mútuo. Em sala de aula, languaging reflete-se nos materiais pedagógicos e nas discussões que se promovem através deles.

A influência das pedagogias críticas e interculturais nos processos de elaboração de materiais pedagógicos para a educação de PLA ressoa com (1) as variedades de línguas que estão sendo promovidas e/ou esperadas dos estudantes de PLA; (2) a noção de cultura intrínseca aos materiais e/ou debates em sala de aula; e (3) as ferramentas de avaliação e as definições de adequação. Devido ao impacto das abordagens comunicativas, os materiais pedagógicos para o ensino e aprendizagem de PLA tendem a conceder a qualidade de materiais autênticos aos textos escritos e orais que não foram originalmente projetados para fins pedagógicos. Além disso, as produções textuais dos estudantes de PLA são avaliadas em comparação aos "textos autênticos" que são apresentados como modelos. No entanto, a autenticidade desses textos pode ser questionada devido à falta de diversidade linguística e cultural (CARILO, 2018).

No contexto de formação de professores de PLA, para que a linguagem ocorra, os materiais pedagógicos devem procurar incentivar os estudantes a fazer mais do que trocar experiências culturais, comparando a "cultura brasileira" à "cultura dos países dos estudantes". Pelo contrário, os materiais pedagógicos precisam permitir que a sala de aula se torne um ambiente social real, em vez de um local onde um conjunto de tarefas de comunicação é usado para simular interações. Uma sala de aula de LA é onde professores e estudantes, como seres sociais, experimentam, observam e avaliam criticamente suas próprias interações e as de outras pessoas, a fim de moldar entendimentos. Além disso, é onde professores e estudantes (1) aprendem quem são e quem podem ser de acordo com diferentes perspectivas; (2) compartilham seus conhecimentos anteriores e os novos conhecimentos que se tornarem disponíveis nas interações; e (3) interagem com outras pessoas interculturalmente.

Languaging envolve transformar a maneira como somos e dar sentido ao mundo enquanto o moldamos; os materiais pedagógicos elaborados, crítica e interculturalmente, para a formação de professores de PLA não devem desconsiderar a diversidade de maneiras pelas quais o mundo é construído. Guilherme (2002) e Byram (2011) argumentam que é na sala de aula que as perspectivas socioculturais e posições políticas dos professores e dos estudantes, em contextos locais, nacionais e globais, devem ser renegociadas para que o engajamento político e crítico compartilhado possa se tornar um esforço em busca de conhecimento. Esse engajamento político e crítico pode implicar em desafios pedagógicos para os professores de PLA, acostumados a pedagogias comunicativas e/ou materiais inspirados nas tarefas do Celpe-Bras, que tendem a evitar questões controversas. No entanto, como sugere Crozet (2017), os professores de LAs podem ter que procurar novos conhecimentos e considerar vários pontos de vista políticos e ideológicos nos quais sua prática pode se basear.

A criticidade pode permitir que professores e estudantes de PLA questionem e desafiem a neutralidade superficial sob a qual os textos dos exames Celpe-Bras estão posicionados. Além disso, os materiais pedagógicos para o ensino de PLA devem incentivar a problematização desses textos e de todos os textos escolhidos para fazer parte de uma determinada aula e/ou unidade temática. Segundo Kramsch (2009, 2011), os professores de LAs devem oferecer aos estudantes muitas oportunidades para desenvolver a capacidade de manipular, interpretar, criar e transmitir significado, a fim de se posicionar de forma adequada e favorável durante as interações interculturais. O principal objetivo pedagógico dos materiais para o ensino de PLA, portanto, seria ajudar professores e estudantes a entender e conectar línguas, culturas e contextos através de reflexão crítica ao usar a língua alvo. Assim, a formação de professores de PLA tem o potencial de ser movida para um nível crítico e intercultural, no qual se promove a intervenção sociopolítica em contextos socioculturais em que professores e estudantes de PLA circulam e/ou pretendem circular.

3.2. Curso de formação para professores de PLA

O currículo para o curso de formação de professores de PLA, como um trabalho em constante andamento, foi idealizado como um projeto educacional, que representa e reflete objetivos pedagógicos determinados, e um instrumento pelo qual as pessoas mudam e são mudadas através do conhecimento. Para ser um plano educacional flexível, o currículo foi elaborado para ser contextualizado socialmente, desenvolvido democraticamente e problematizado criticamente. O modelo proposto interliga vários elementos, ainda que igualmente importantes, a um conjunto de processos e subprocessos consistentes e completos que orientam a formação geral e específica de professores de PLA.

O currículo (1) apresenta dimensões políticas com o objetivo de promover ideologias culturais e educação para a cidadania democrática; (2) encoraja uma postura crítica em relação à língua, à linguagem, à cultura e suas influências na sociedade; (3) questiona o status quo da sociedade, construído em termos linguísticos e culturais; e (4) permite uma representação mais justa e democrática dentro e fora dos contextos de sala de aula. Nesse sentido, a formação de PLA promove a agência linguística, cultural e social dos professores enquanto permite o acesso às identidades multiculturais e multilíngues de seus estudantes.

A PC e a PI, na formação de professores de PLA, guiam o entendimento dos diferentes papéis de agenciamento socioculturais que podem ser desempenhados em uma sala de aula de PLA – onde professores e estudantes, como seres sociais, experimentam, observam e avaliam criticamente suas próprias interações e as de outras pessoas. Essa visão crítica molda entendimentos e incentiva o professor a aprender quem é e quem pode ser de acordo com diferentes perspectivas, a compartilhar seus conhecimentos anteriores e os novos conhecimentos que se tornam disponíveis nas interações e a interagir com outras pessoas. Com o objetivo de integrar diversos aspectos à formação de professores de PLA, propusemos sua divisão nos seguintes módulos:

(1) Módulo 1 – Abordagens Comunicativas aplicadas ao Português como Língua Adicional: o primeiro módulo, que conta com uma carga horária de três créditos (totalizando 45 horas), busca oferecer uma contextualização da área de PLA. Com isso, o ensino de PLA é introduzido em sua forma tradicional, ou seja, baseado em uma perspectiva de uso da língua como prática social. Os especializandos têm a oportunidade de analisar tarefas pedagógicas baseadas em uma perspectiva dialógica de gêneros discursivos para, posteriormente, elaborar tarefas pedagógicas voltadas ao ensino de PLA a partir dessa perspectiva teórica;

(2) Módulo 2 – Teorias Pragmáticas (see IFANTIDOU, 2014; TAGUCHI; KIM, 2018; MOLSING; PERNA; IBAÑOS, 2020) aplicadas à docência de Português como Língua Adicional: o segundo módulo, que conta com uma carga horária de quatro créditos (totalizando 60 horas), apresenta o estudo dos objetivos e escopo da pesquisa em Aquisição de Segunda Língua (ASL). A partir da análise das perspectivas pragmáticas da ASL, da avaliação pragmática e ensino por tarefas, os especializandos são convidados a acessar uma fundamentação teórica essencial sobre pragmática de corpus e sua aplicação na prática como professor de PLA;

(3) Módulo 3 – Pedagogias Críticas e Interculturais aplicadas à docência de Português como Língua Adicional: o terceiro módulo, que conta com uma carga horária de quatro créditos (totalizando 60 horas), visa o estudo das principais teorias relacionadas à Pedagogia Crítica e à Pedagogia Intercultural. Através da análise das características de tais pedagogias que sejam aplicáveis ao ensino e à aprendizagem de PLA, os especializandos são encorajados a observar contextos variados de ensino e aprendizado para reflexão crítica sobre os objetivos educacionais norteadores das práticas pedagógicas em questão;

(4) Módulo 4 – Bilinguismo e Multilinguismo: o quarto módulo, que conta com uma carga horária de dois créditos (totalizando 30 horas), busca trabalhar os conceitos básicos associados ao processamento da linguagem e da cognição no bilinguismo e no multilinguismo em uma interface com os estudos psicolinguísticos e neurolinguísticos incluindo novos métodos de estudos da linguagem. Além disso, os especializandos são convidados a analisar a interface entre a teoria contemporânea de ASL, estudos psicolinguísticos e estudos neurolinguísticos incluindo novos métodos de estudos da linguagem com aplicações na prática de PLA;

(5) Módulo 5 – Literatura Brasileira no contexto de Português como Língua Adicional: o quinto módulo, que conta com uma carga horária de um crédito (totalizando 15 horas), aborda questões de representação como método de análise e de crítica. Através do estudo de obras canônicas da Literatura Brasileira, tendo como foco a representação das diferentes culturas que constituem no arquipélago cultural do Brasil, encoraja os especializandos a analisar, questionar, criticar e fundamentar instâncias textual-estilísticas como um dos itens caracterizadores dessas culturas;

(6) Módulo 6 – Representações Culturais e Literárias no contexto de Português como Língua Adicional: o sexto módulo, que conta com uma carga horária de um crédito (totalizando 15 horas), foca no estudo teórico-prático da realidade da escola e de outros ambientes de aprendizagem de LAs, nos quais as comunidades de leitores podem acessar múltiplos letramentos enquanto metodologias de análise literária e ensino de literatura;

(7) Módulo 7 – Português para estrangeiros em contextos específicos: o sétimo módulo, que conta com uma carga horária de três créditos (totalizando 45 horas), aborda o ensino de PLA para fins acadêmicos e suas implicações. A partir da análise de materiais didáticos voltados para o ensino de práticas letradas em contextos acadêmicos, as diferentes implicações e os diversos objetivos relacionados ao ensino e à aprendizagem são analisados através de observações e do estudo de práticas de ensino fundamentadas em pesquisas empíricas e em relatos de experiências de profissionais na área de PLA em contextos acadêmicos;

(8) Módulo 8 – Multiletramentos e Recursos Tecnológicos (see ROJO; MOURA, 2012; THEISEN; LEFFA; PINTO, 2014; CHAPELLE; SAURO, 2017): o oitavo módulo, que conta com uma carga horária de três créditos (totalizando 45 horas), proporciona o estudo de teorias sobre letramentos de diferentes vertentes e suas implicações tecnológicas. Além disso, propõe uma discussão sobre as concepções de ensino face-a-face, a distância e online, considerando temas como inovação, tecnologia e o ensino de LAs. A partir da análise crítica de ferramentas tecnológicas e de materiais didáticos para o ensino de PLA, especializandos são convidados a mover suas perspectivas relacionadas ao ensino de LAs para os contextos educacionais atuais;

(9) Módulo 9 – Oficina de Desenvolvimento e Planejamento Pedagógicos: o nono módulo, que conta com uma carga horária de três créditos (totalizando 45 horas), orienta os especializandos nos processos de (i) desenvolvimento curricular para contextos variados de PLA (ii) organização de sequência pedagógica; (iii) elaboração de materiais pedagógicos; e (iv) seleção de instrumentos variados de avaliação para fins específicos. A partir de observações de práticas pedagógicas em salas de aulas de PLA variadas, os especializandos são encorajados a basear sua prática aos fundamentos teórico-pedagógicos que proporcionem experiências positivas de ensino e aprendizagem; e

(10) Módulo 10 – Orientação de Trabalho de Conclusão de Curso: o décimo e último módulo busca oferecer orientações para a elaboração do trabalho de conclusão de curso. Encoraja-se que os especializandos conduzam uma análise temática e metodológica dos resultados e conclusões acerca das diversas pesquisas e tendências teórico-pedagógicas no campo da educação em PLA.

4. Conclusão

Este relato de pesquisa teve como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa pós-doutoral que culminou em um curso de formação de professores de PLA em caráter de especialização para ser oferecido em uma universidade da região sul do Brasil. Oferecemos uma discussão acerca de pressupostos tradicionais envolvendo a educação de PLA e outras LAs para, enfim, propor uma atualização das perspectivas teórico-pedagógicas que informam a área de PLA – principalmente, no que diz respeito à formação de professores. A atualização proposta baseia-se nas contribuições que as pedagogias críticas e interculturais oferecem à educação de LAs com o intuito de ajustar sua aplicação ao contexto de PLA.

Resultados da análise de dados gerados a partir de um questionário aplicado aos participantes do projeto de pesquisa revelaram que a formação de docentes de PLA baseia-se, principalmente, em fundamentações teóricas que informam a Abordagem Comunicativa e o Ensino de Línguas Baseado em Tarefas. Ainda, concluímos que o exame Celpe-Bras, que, também, se firma teoricamente nessas abordagens comunicativas, pode ser um fator influenciador tanto o processo de ensino-aprendizado de PLA quanto a formação de professores na área.

Entendemos que as noções de língua, linguagem, competência e cultura promovidas através do exame Celpe-Bras não são suficientes para compreender a diversidade de propósitos linguísticos e socioculturais em contextos variados nos quais se dão o ensino, a aprendizagem e até o uso PLA devido à sua priorização por contextos acadêmicos. Por consequência, compreendemos que fundamentar a formação de professores de PLA nos pressupostos teóricos do exame Celpe-Bras pode limitar experiências de ensino e de aprendizagem.

Desenvolvemos, portanto, uma especialização em docência de PLA que se organiza ao redor de perspectivas teórico-pedagógicas relacionadas à Pedagogia Crítica e à Pedagogia Intercultural. Justificamos tais pressupostos pela atualização conceitual que essas pedagogias propõem às noções de língua, linguagem, competência e cultura – que vão além dos propósitos comunicativos e avançam a busca pela autonomia e participação social, intercultural e crítica. A adoção dessas pedagogias na formação de professores de PLA acarretaria, como demonstramos, inúmeras implicações ao processo de ensino e aprendizagem. Entre as principais mudanças na prática educacional e na formação de professores, destacamos aquelas relacionadas ao desenvolvimento e implementação curricular e, ainda, a elaboração de materiais pedagógicos.

Isso se deve ao fato de que é através do currículo e dos materiais pedagógicos que se reflete a nova postura esperada pelos professores de PLA que desenvolvem sua prática de forma crítica e intercultural. O uso da língua adicional, dentro e fora da sala de aula, deixa de ser somente um instrumento de comunicação e passa a ser meio pelo qual professores e estudantes compartilham, interpretam e (re)significam suas posições socioculturais e a de outros. Essa posição crítica e intercultural permite a professores e estudantes o enfrentamento e/ou a transformação do status quo para a construção colaborativa de novos papéis a serem desempenhados na posição de agentes sociais, de cidadãos cosmopolitas.

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Como Citar

CARILO, M. S.; PERNA, C. B. L. Formação de professores de português como língua adicional: indo além das teorias comunicativas e em direção às pedagogias críticas interculturais. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 2, n. 2, p. e375, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2021.v2.n2.id375. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/375. Acesso em: 25 dez. 2024.

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