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Ensaio Teórico

Marcas culturais na escrita do gênero resenha em português e espanhol: uma análise contrastiva

Darlene Ribeiro da Silva Andrade

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https://orcid.org/0000-0003-1175-6084


Palavras-chave

Retórica contrastiva
Gêneros textuais
Resenha

Resumo

Este artigo é um recorte de minha dissertação de mestrado, defendida em 2021, cujo objeto de estudo foi a organização retórica do gênero resenha escrito em língua estrangeira. Os estudos com ênfase nos gêneros textuais no Brasil, no campo das Ciências da Linguagem e da Linguística têm crescido e, assim, as diferentes formas de analisar textos no campo de estudo de gêneros também evoluíram, inclusive na perspectiva contrastiva, analisando semelhanças e diferenças dos textos. Para realizar uma análise contrastiva da organização retórica do gênero resenha escrito em português e em espanhol, o estudo baseou-se em um corpus de 40 resenhas acadêmicas, escritas por alunos brasileiros (estudantes de espanhol como língua estrangeira (LE)) e alunos argentinos (estudantes de português como LE do terceiro ano do ensino médio). As resenhas foram analisadas a partir do modelo de organização retórica de resenhas, apresentado por Bezerra (2001) e inspirado no modelo “Criando um espaço de pesquisa” (CARS) (SWALES, 1990). Constatamos que há semelhanças e diferenças na escrita dos textos em português e em espanhol como LE, assim como também há marcas específicas de cada cultura. Concluímos que a pesquisa poderá contribuir para uma compreensão mais abrangente acerca da organização retórica do gênero resenha e do trabalho com a escrita de alunos da Educação Básica em países da América Latina.

Introdução

O presente artigo é um recorte de minha dissertação1 de mestrado, defendida neste ano de 2021, cujo objeto de estudo foi a escrita do gênero resenha em língua estrangeira. A pesquisa teve como objetivo analisar a organização retórica do gênero resenha de série televisiva escrito por alunos brasileiros (estudantes de espanhol como LE2) e alunos argentinos (estudantes de português como LE) do terceiro ano do Ensino Médio3.

No presente texto, voltamos a atenção para a perspectiva dos gêneros como modelos culturais, ao entendermos que os gêneros são formas de comunicar de uma determinada cultura e que a troca intercultural dos gêneros se faz relevante, uma vez que gêneros funcionam na sociedade como formas de fazer coisas. É dizer, o “fazer cultural”, por meio da escrita de gêneros de uma determinada comunidade cultural, deve ser entendido também como forma de colaborar com diversas comunidades culturais.

Para analisar as semelhanças e diferenças encontradas nas resenhas, nossa abordagem se fundamentou em dois em dois pilares teóricos que dialogam entre si: a abordagem da Retórica Contrastiva (RC) e a abordagem de gêneros “swalesiana”. Os estudos da RC nos ajudaram a entender a linguagem e a escrita como fenômenos culturais e que, consequentemente, cada língua tem registros específicos. Por sua vez, para os estudos retóricos de gênero, tomamos como base o modelo de análise de movimentos e passos de Swales (1990), adaptado para diversos gêneros textuais, o qual, nos ajudou a entender como se dá a organização retórica do gênero resenha de série televisiva em português e em espanhol, nosso objeto de estudo.

Nesse sentido, o artigo está organizado da seguinte forma: primeiro, abordaremos as concepções da Retórica Contrastiva (RC); no segundo tópico, tratamos dos gêneros como modelos culturais. Em seguida, se fazem necessárias algumas considerações a respeito da abordagem de Swales para a análise de gêneros e, especificamente, a resenha/reseña no ensino de línguas. Por fim, analisamos, a partir de um quadro comparativo, as semelhanças e diferenças na organização retórica das resenhas em L2, escritas por alunos utilizando o modelo de Bezerra (2001).

1. Retórica contrastiva

Definida por diversos investigadores do campo teórico, a Retórica Contrastiva (RC) surge nos anos 60, como uma corrente de investigação para o tratamento dos estudos de línguas, por meio do estudo pioneiro na área por Robert B. Kaplan, com a publicação do artigo para a revista Language Learning, intitulado “Cultural thought patterns in intercultural education”.Sem dúvida, o artigo de Kaplan (1966) dá início à disciplina de Retórica Contrastiva nas pesquisas em Linguística Aplicada transculturais, partindo do pressuposto teórico do relativismo linguístico que, para Connor (1996, p. 28), “é a pedra angular da Retórica Contrastiva”.

A pesquisadora ainda assume que “a hipótese da relatividade linguística Sapir-Whorf, também chamada de hipótese whorfiana, sugere que diferentes idiomas afetam a percepção e o pensamento de diferentes maneiras” (CONNOR, 1996, p. 28). De um modo mais amplo, a hipótese do relativismo de Sapir-Whorf considera a linguagem como algo que determina a visão que a sociedade tem, a linguagem como mostra da cultura de um povo.

Essa teoria foi fortemente ampliada e retomada por Kaplan (neo-whorfiano), ao assumir que não apenas a linguagem, mas a lógica e a retórica são específicas de cada cultura. Em consonância óbvia com a teoria que sustentava seu trabalho inicial, Kaplan reforça que “a linguagem, por sua vez, é o efeito e a expressão de uma certa visão de mundo que se manifesta na cultura.” (KAPLAN, 1966, p.2).

Ulla Connor, outra pesquisadora posterior a Kaplan nos estudos de Retórica Contrastiva, colabora com nossa análise, afirmando que, “em 1966, Kaplan, reforçando a visão whorfiana de que cada língua impõe uma visão de mundo a seus usuários, afirmou que não só a linguagem falada, mas também a lógica e a retórica são específicas da cultura.” (CONNOR, 1966, p.30)4. Ou seja, ele assume que a retórica está diretamente relacionada com a língua e a cultura, muito embora não existam estudos de nenhum dos linguistas em relação a essa tese. Nesse sentido, Kaplan defende que:

A lógica (no sentido popular, e não no mundo lógico), que é a base da retórica, é desenvolvida a partir da cultura; não é universal. A retórica, portanto, também não é universal, mas varia de cultura para cultura e até do tempo de uma cultura. (KAPLAN, 1966, p.2).

Nesse artigo inicial de Kaplan (1966), que será utilizado ao longo dos dez primeiros anos das pesquisas em Retórica Contrastiva e que servirá como base para outros estudos, o teórico analisou textos sem maiores explicações, dando ênfase, especificamente, à organização de parágrafos elaborados por estudantes anglo-americanos, contrastando-os com os de estudantes não nativos de inglês como língua estrangeira/segunda língua, o que, por sua vez, mostra as diferenças recorrentes nos textos escritos por nativos e não nativos de inglês. No entanto, não conseguimos dar conta, ou não está tão evidente para nós, o conceito do termo “cultura” nesse artigo de Kaplan (1966).

Outros estudos que servirão de suporte teórico para o estudo, como os de Connor (1996), que tratam de análise em Retórica Contrastiva, afirmam que as estruturas linguísticas e retóricas da L1 interferem na escrita da LE. Trujillo (2000) também traz inúmeras contribuições para a Retórica Contrastiva contemporânea no que diz respeito às críticas a estudos anteriores, métodos e evolução. Porém, para fins desse recorte, não nos deteremos à evolução histórica, tampouco às especificidades da metodologia da Retórica Contrastiva, em razão do propósito deste artigo, que está em apresentar uma análise comparativa do gênero resenha escrito em língua estrangeira.

2. Os gêneros textuais como modelos culturais

Os gêneros textuais aparecem como forma de organizar os enunciados, possuindo particularmente um estilo próprio e agindo conforme necessidade da comunicação humana. Considerando o crescimento gradativo da ação de comunicar-se, bem como a dimensão do avanço tecnológico, os gêneros se desenvolvem na mesma proporção, de maneira que resultam objetos incontáveis e difíceis de se definir em seus tipos, formas e, de maneira mais abrangente, em suas organizações retóricas.

Porém, no contexto de sala de aula, especificamente no ensino de línguas, tanto materna quanto estrangeira, é pertinente refletir quem são os sujeitos que irão aprender a elaborar o discurso para utilizá-lo conforme as práticas sociais, ou seja, identificar o perfil da comunidade escolar, suas necessidades comunicativas e definir/selecionar os gêneros que mais se adequam ao perfil dos alunos de determinada sala de aula. "Estudamos gêneros para poder compreender com mais clareza o que acontece quando usamos linguagem para interagir em grupos." (MEURER, 2002, p. 12).

A proposta de trabalho com base nos gêneros de textos tem por objetivo colocar o aluno diante de diferentes textos, fazendo-o perceber que, à medida que a língua é utilizada como objeto de discurso, como ela é viva e está em constante transformação, cada enunciado em um determinado texto tem suas particularidades que fazem com que cada um seja diferente do outro.

Dessa forma, defendemos os gêneros como modelos culturais, uma vez que a escrita é algo estritamente particular e cultural de cada grupo social/indivíduo, ainda mais porque sem a linguagem a cultura seria impossível. John Lyons (1987), em um tópico a respeito da Linguagem e Cultura, ressalta que:

É costumeiro distinguir entre transmissão cultural e biológica (isto é, genética). No que diz respeito à linguagem, é bem possível que exista uma faculdade inata de aquisição da linguagem. Se isso é verdade ou não, não há dúvidas de que o conhecimento da própria língua nativa é culturalmente transmitido: é adquirido, embora não necessariamente aprendido, em virtude de o indivíduo ser membro de determinada sociedade. (LYONS, 1987, p. 244-245).

Devemos considerar que toda língua é adequada, de acordo com as necessidades sociais de uma determinada cultura. Partindo desse ponto de vista, podemos retomar o conceito da relatividade linguística dos antropólogos Sapir-Whorf, que, para Lyons (1987, p. 246), é normalmente apresentada como a combinação do “determinismo linguístico e relatividade linguística (não há limites para a diversidade estrutural das línguas)”.

Ao falarmos de língua, relacionamo-la à cultura e que esta está inserida em uma determinada sociedade que, por sua vez, se expressa através da linguagem por meio de textos escritos e falados. Swales (1990) parece nos explicar a relação entre gêneros e sociedade, ao mencionar que:

Os membros estabelecidos das comunidades do discurso empregam gêneros para alcançar comunicativamente os objetivos de suas comunidades. O conjunto compartilhado de propósitos de um gênero é, portanto, reconhecido — em algum nível de consciência — pelo estabelecido na comunidade de discursos dos pais: eles podem ser reconhecidos apenas parcialmente pelos membros aprendizes; e podem ser reconhecidos ou não reconhecidos por não membros. (SWALES, 1990, p. 52).

No que diz respeito à comparação dos textos, na perspectiva da análise de gêneros, Swales (1990) parece querer mostrar como a Retórica Contrastiva pode utilizar o conceito de gênero quando descreve as variações dos gêneros e menciona que o motivo das variações se dá pelo “grau em que os gêneros provavelmente exibem tendências universais ou específicas de cada língua” (SWALES, 1990, p. 64).

No que concerne às contribuições da análise de gêneros para a análise na Retórica Contrastiva, Trujillo (2000) elenca quatro contribuições:

[…] a primeira diz respeito ao conhecimento do ato da escrita (e de gêneros) como eventos comunicativos regidos pela finalidade do ato em si; a segunda, a aceitação de que é impossível comparar textos com diferentes finalidades, e que, por extensão, pertencem a diferentes gêneros; terceira, a importância do conceito de gêneros provocou um aumento de estudos de gêneros; e a quarta, a análise de gêneros contempla a Retórica Contrastiva pela explicação teórica para compreender a possível relatividade dos gêneros através das culturas e das línguas. (TRUJILLO, 2000, p. 69-70).

Ao se referir ao modelo “Criando um espaço de pesquisa” (CARS, na sigla em inglês) para a análise de gêneros, Trujillo (2000, p. 131) ressalta que Swales (1990) criou um “modelo cognitivo aceito socioculturalmente”. Ao utilizarmos o modelo de análise de “moves” e “steps” na nossa pesquisa, buscamos entender como se dá a organização retórica do gênero resenha, escrita em culturas distintas, dentro de um mesmo contexto educacional — a Educação Básica. Contudo, ressaltamos a necessidade de se criar um modelo5 que descreva os traços específicos da organização retórica de resenhas na escrita de brasileiros e argentinos aprendizes de uma língua estrangeira, considerando os propósitos comunicativos, a função social do gênero e a aprendizagem da escrita nesta pesquisa.

No tocante ao ensino-aprendizagem de língua estrangeira, faz-se relevante, portanto, entender, conhecer e respeitar outra cultura, valores, crenças, histórias de outros povos e o funcionamento da língua como aspecto sócio-histórico, para que esse ensino-aprendizagem seja consolidado de maneira eficaz.

Trujillo (2000, p. 46) assume que “devemos responder à complexidade da escrita partindo de uma abordagem múltipla e variada.” A pesquisa na abordagem da Retórica Contrastiva (RC) nos ajuda, portanto, a refletir sobre os movimentos retóricos existentes nas produções textuais e sobre os elementos estruturais das resenhas escritas nas diferentes culturas para entender as diferenças na escrita do gênero resenha nas línguas portuguesa e espanhola.

Entendemos, neste trabalho, a escrita como artefato cultural, o que nos leva ao reconhecimento dos gêneros como “modelos culturais”, uma vez que se caracterizam através de convenções específicas na escrita de uma determinada cultura, a partir de propósitos comunicativos de uma determinada comunidade discursiva para agir socialmente, sendo reconhecidos tanto por seus leitores quanto por seus escritores.

A Retórica Contrastiva definiu a cultura como “um conjunto de padrões e regras compartilhados por uma comunidade particular”. (CONNOR, 1996, p. 101). As pesquisas em RC tornam-se relevantes por compreender a variedade dos múltiplos gêneros e favorecer trocas interculturais em língua estrangeira, uma vez que as análises identificam os motivos e preferências em modelos de escrita entre as culturas. Ressaltamos, pois, a importância de entender o conceito de cultura dentro do campo da Retórica Contrastiva, para então lançarmos mão da discussão sobre a cultura dos jovens de Recife e de Córdoba.

Ainda que não tenhamos a pretensão de esgotarmos o conceito de cultura nesta pesquisa, faz-se necessária uma breve revisão do conceito de cultura empreendido pela Retórica Contrastiva. Ulla Connor (1996, p. 101) menciona que: “uma definição de cultura amplamente aceita a considera um conjunto de regras e padrões compartilhados por uma determinada comunidade”.

Nesse sentido, ressaltar a cultura de um grupo de jovens6 pertencentes a uma determinada comunidade escolar e que partilham um conjunto de regras e valores nos ajudou a entender o reflexo desses elementos no processo de escrita de um determinado texto.

Connor (2011) parece querer ampliar os elementos que definem a cultura de um povo, ao mencionar que: “a cultura é tradicionalmente definida como o estilo de vida de um grupo de pessoas: valores, crenças, artefatos e comportamento, e padrões de comunicação.” (CONNOR, 2011, p. 25).

Em um estudo sobre os métodos de comparação em comum nos estudos de Retórica Contrastiva, Connor e Moreno (2005) mencionam que, para a construção do corpus nos estudos comparativos, é importante considerar o conceito de tertium comparationis ou plataforma comum de comparação. As teóricas explicam a importância do conceito em todos os níveis de pesquisa: “na identificação de textos para corpus, na seleção de conceitos textuais que se estudarão no corpus, e na identificação de características linguísticas que se utilizam para realizar esses conceitos.” (CONNOR; MORENO, 2005, p. 3).

Portanto, não contemplados apenas com as contribuições dos gêneros enquanto modelos culturais que sustentamos neste estudo, e buscando dialogar com a sugestão de desenvolvimento de uma pesquisa de estudo de caso, nos aproximamos do “terreno comum” mencionado por Connor e Moreno (2005). As pesquisadoras oferecem caminhos relevantes para os estudos comparados em culturas e idiomas, ao citarem que:

[…] é necessário que haja uma coincidência adequada para mapear uns aos outros. É necessário um tipo de construção rigorosa de corpus para que tenhamos uma boa linha de base de descrições dessas retóricas em si mesmas dentro de culturas e idiomas a fim de comparar y contrastar retóricas e gêneros entre culturas e idiomas. (CONNOR; MORENO, 2005, p. 3).

Buscamos, portanto, estabelecer, no corpus da nossa pesquisa, a mesma quantidade de resenhas escolares produzidas por alunos do mesmo ano escolar, terceiro ano do Ensino Médio, escritas em língua estrangeira. Para tal estudo, consideramos no tratamento das análises, a cultura dos jovens de Córdoba e dos jovens de Recife e sua relevância para o entendimento das semelhanças e diferenças na escrita das resenhas.

3. Análise de gêneros em Swales (1990)

As contribuições teórico-metodológicas da abordagem “swalesiana” para o estudo de gêneros estão sustentadas no ESP, com foco em estudos de análises de gêneros textuais, especificamente em contextos acadêmicos e profissionais.

Com o objetivo principal de situar nossa pesquisa no campo da abordagem sociorretórica para a análise de gêneros, tentaremos descrever os princípios teóricos que norteiam a análise de gêneros de Swales (1990), lançando mão do modelo de “moves” e “steps”,que propõe a análise das estruturas retóricas e gêneros, por exemplo: “os ‘movimentos’ estruturais utilizados pelo gênero para realizar seus objetivos, tais como a estrutura de três movimentos presente na introdução de artigos de pesquisa, conforme descrita por Swales (1990) no chamado modelo CARS.” (BAWARSHI; REIFF, 2013, p. 68). Esse modelo tem sido adaptado por diversos estudiosos do campo para o estudo e para a análise de gêneros em vários contextos e serviu de base para as pesquisas no contexto brasileiro.

Segundo Bawarshi e Reiff (2013), a abordagem do ESP existe desde os anos 1960, porém os estudiosos em gêneros só começaram a usá-la como ferramenta pedagógica e de pesquisa nos anos 1980, afirmando que a obra pioneira de Swales (1990) foi a que teorizou e desenvolveu de forma mais ampla a metodologia para introduzir a análise de gêneros em ESP.

A abordagem “swalesiana” para a análise de gêneros textuais vai além da organização retórica de um determinado gênero. Nela acrescenta-se a importância do contexto para interpretá-lo e realizar a comunicação. Podemos, portanto, observar como os gêneros podem ser analisados do ponto de vista formal e funcional nessa abordagem, lançando mão da relação entre texto e contexto e dos propósitos comunicativos dos gêneros dentro de uma determinada comunidade discursiva.

Para pensar na definição de gêneros no ESP, Swales (1990) apresenta algumas características e ressalta a “definição operacional” dos gêneros, conceituando-os na seguinte perspectiva:

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e, portanto, constituem a razão do gênero. A razão subjacente dá o contorno da estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo é o critério privilegiado que faz com que o escopo do gênero se mantenha relacionado estreitamente com uma determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões de similaridade, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público-alvo. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo que é altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um protótipo. (SWALES, 1990, p. 58).

O que se pode observar na definição de Swales é a complexidade de como o gênero é definido e situado com características marcantes que estão relacionadas para a identificação de um gênero. A respeito das características, Bawarshi e Reiff (2013, p. 64-65) colaboram para a discussão, ao mencionar que “a abordagem de gêneros é delineada por três conceitos-chave e inter-relacionados – comunidade discursiva, propósito comunicativo e gênero”. Entendemos, portanto, que as noções de gênero e comunidades discursivas estão relacionadas e que formam base para o compartilhamento de propósitos comunicativos por membros de uma determinada comunidade discursiva à qual pertencem.

Com o propósito de definir comunidades discursivas, Swales (1990, p. 9) menciona que são “redes sociorretóricas que se formam com a finalidade de atuar juntas em favor de um conjunto de objetivos comuns”. Ou seja, a comunidade desenvolve um conjunto de gêneros, cujos membros compartilham os mesmos objetivos e propósitos comunicativos.

Por fim, Swales (1990) define o propósito comunicativo como um critério privilegiado na identificação do gênero. Porém, em uma revisão posterior (SWALES, 2004), redefine o conceito, reconhecendo que o propósito comunicativo é um dos critérios envolvidos no percurso de análise dos gêneros, que acontece do texto para o contexto de forma provisória. O autor ressalta que:

[…] os propósitos sociais evoluem, podendo se expandir ou se retrair [ou seja] os quadros de atividade social e os padrões podem mudar […] características mais prototípicas podem ocupar posição mais central, atitudes institucionais podem se tornar mais ou menos amigáveis para os de fora, e até mesmo os atos de fala podem dar espaço para diferentes interpretações. (SWALES, 2004, p. 73).

Diante da flexibilidade dos gêneros e dadas as suas dinamicidade e funcionalidade na sociedade, compreendemos os propósitos comunicativos como sociais e dinâmicos, a exemplo da variação na escrita de resenhas em português e espanhol descrita neste estudo.

O modelo CARS para análise de artigos de pesquisa de Swales (1990), na abordagem do ESP, segundo Bawarshi e Reiff (2013), nos oferece um bom exemplo de análise linguística, textual e estrutural. Observemos o modelo elaborado por Swales (1990, p. 141):

Figure 1. Figura 1 — Modelo CARS para introduções de artigos de pesquisa (SWALES, 1990, p. 141).

Swales (1990, p. 142) explica as características para os três movimentos, que são, para nós, “unidades maiores”; e os passos, que são “unidades menores”. Apesar dessa denominação dada por nós, os movimentos e passos mostram a dinamicidade dos gêneros e sua capacidade de transitar de um movimento a outro e de um passo a outro. Entendemos, portanto, as “unidades maiores”, com características linguísticas que dão conta do propósito comunicativo de determinado movimento retórico, e as “unidades menores” como propósitos menores que dinamizam o conteúdo das “unidades maiores”.

Portanto, o movimento 1 está caracterizado por “estabelecer o território”, podendo realizar três passos, sendo eles: alegando centralidade, fazendo generalizações sobre o tópico e revisando itens de pesquisas prévias. Por sua vez, o movimento 2 caracteriza-se por “estabelecer o nicho” e realiza quatro passos, sendo eles apresentados como: contra-argumentando, indicando uma lacuna, levantando questões e continuando uma tradição. Por fim, o movimento 3 está caracterizado por “ocupar o nicho” realizando quatro passos, a saber: delineando os propósitos, anunciando a presente pesquisa, anunciando as descobertas principais e indicando a estrutura do A.

Conforme Bawarshi e Reiff (2013), “essa abordagem geral à análise de gêneros em ESP — da identificação do propósito à análise dos movimentos retóricos e de como esses movimentos se realizam textual e linguisticamente no gênero”. (BAWARSHI; REIFF, 2013, p. 69).

Com essa organização retórica, Swales (1990) inaugura uma nova área de estudo, a escrita em inglês para fins específicos (ESP), em diversos contextos, quando descreve as possíveis variações entre gêneros, o que corrobora para a análise de gêneros textuais em contexto brasileiro.

Para fins de realização deste estudo, utilizamos o modelo Bezerra (2001) adaptado a partir de Swales (1990), para analisar as resenhas de séries televisivas escritas em português e em espanhol como língua estrangeira. Nossa análise, como já dito em outros momentos deste estudo, observa as semelhanças e diferenças na escrita das resenhas e as ocorrências dos movimentos e dos passos na organização retórica em ambas as culturas.

O estudo analítico e descritivo de Bezerra (2001) comparou a organização retórica de resenhas escritas por escritores especialistas com resenhas escritas por alunos de graduação em Teologia. Tal estudo concluiu que a organização retórica das resenhas dos alunos está caracterizada por uma estrutura secundária e menos complexa, por se adaptar aos propósitos comunicativos específicos das resenhas dos alunos. Porém, segundo o autor, a maior complexidade das resenhas escritas por especialistas não implica hierarquia em relação às resenhas dos alunos.

Bezerra (2001) sugeriu o resultado de sua análise para o ensino superior, a partir do nível de graduação, com a justificativa de “dotar os alunos e alunas dos conhecimentos necessários a respeito da organização textual e das convenções relacionadas com gêneros específicos, como a resenha, por exemplo”. (BEZERRA, 2001, p. 108).

Nesta pesquisa, optamos por utilizar o modelo de organização retórica de resenhas escritas por alunos de Ensino Básico por três razões. A primeira deu-se em razão de a escrita de resenhas por alunos estar mais próxima da nossa realidade, ainda que as resenhas de alunos na pesquisa de Bezerra (2001) tenham se dado em contexto de graduação. A segunda dá-se pela conclusão elaborada pelo teórico, ao assumir a estrutura de resenhas de alunos como sendo menos complexa. E a terceira e última, pela adequação feita pelo teórico à nomenclatura do objeto resenhado, denominando “obra” no lugar de “livro”7.

Após analisar as resenhas, especificamente as resenhas dos alunos do curso de graduação em Teologia, Bezerra (2001) descreveu quatro movimentos retóricos na produção de resenhas acadêmicas. Esses movimentos são as unidades maiores, denominadas pelo teórico por unidades retóricas, a saber: introduzir a obra, sumarizar a obra, criticar a obra e concluir a análise da obra. No modelo de Bezerra (2001), foram encontradas duas subunidades que ampliam o modelo de Motta-Roth (1995) que correspondem às unidades menores e que são denominadas de subunidades pelo pesquisador.

Os conectores “e/ou” observados no modelo indicam que as subunidades admitem flexibilidade e maleabilidade, relacionadas às escolhas feitas pelos escritores das resenhas. O Quadro 1 descreve a organização retórica de resenhas de acordo com as análises do corpus de pesquisa trabalhado pelo teórico.

Unidade retórica 1 – Introduzir a obra
Subunidade 1 - Definindo o tópico geral e/ou
Subunidade 2 - Argumentando sobre a relevância da obra e/ou
Subunidade 3 - Informando sobre o autor e/ou
Subunidade 4 - Fazendo generalizações sobre o tópico e/ou
Subunidade 5 - Referindo-se a publicações anteriores
Unidade retórica 2 - Sumariar a obra
Subunidade 6 - Descrevendo a organização da obra e/ou
Subunidade 7 - Apresentando/discutindo o conteúdo
Unidade retórica 3 – Criticar a obra
Subunidade 8 - Avaliando positiva/negativamente
Unidade retórica 4 - Concluir a análise da obra
Subunidade 9 - Recomendando a leitura
e/ou
Subunidade 10 - Indicando leitores em potencial
Table 1. Quadro 1 — A organização retórica de resenhas de alunos (BEZERRA, 2001, p. 86).

Como vimos, o modelo de organização retórica de resenhas de Bezerra (2001) apresenta uma reformulação do modelo CARS. Os movimentos retóricos presentes nos dois modelos descritivos para a produção escrita de resenhas admitem a identificação dos três fundamentos básicos da abordagem “swalesiana” para a análise de gêneros, como antes mencionados: o propósito comunicativo, exercendo a função social a quem é destinado o texto; a comunidade discursiva, onde esse gênero é inscrito; e, por fim, o padrão retórico do gênero realizado nas características do texto.

4. O gênero resenha/reseña no ensino de línguas

No contexto contemporâneo, com o avanço da tecnologia, as novas exigências da sociedade e a publicação de documentos que norteiam o ensino de línguas, é necessário que a escola faça do seu espaço um lugar de aprendizagem e de participação efetiva e crítica nos meios sociais, já que seu papel é formar cidadãos cônscios e críticos para atuar ativamente em sociedade a fim de saber discursivizar e envolver os outros no discurso para que sejam capazes de interagir na língua-alvo.

O ensino com gêneros textuais tem sido possível para o desenvolvimento das habilidades comunicativas na língua estrangeira porque tem possibilitado aos aprendizes produzir e receber na língua-alvo, já que essa aprendizagem se dá através de textos. Marcuschi (2002) acrescenta que é impossível se comunicar verbalmente, a não ser por algum texto. Dessa forma, os professores de língua estrangeira, ao propor o trabalho com gêneros aos aprendizes de LE, fazem com que os alunos interajam em diversas situações comunicativas da língua.

A respeito da complexidade de ensinar e aprender uma língua estrangeira na escola em uma perspectiva comunicativa de ensino, Almeida Filho (2013, p. 18) nos ajuda a refletir, mencionando que “a nova língua para desestrangeirizar, vai ser aprendida para e na comunicação sem se restringir apenas ao ‘domínio’ de suas formas e do seu funcionamento enquanto sistema”.

Nesse sentido, a escrita merece atenção nas aulas de língua estrangeira, dada a complexidade que a comunicação escrita possibilita, sobretudo entre as culturas em diferentes contextos sociais. Dessa forma, o desenvolvimento dessa prática se apresenta como uma alternativa possível na Educação Básica, fundamentada no ensino dos gêneros textuais, possibilitando que os alunos interajam em diversas situações comunicativas da língua. Ao refletir a respeito do ensino de línguas em diversos contextos, Rajagopalan (2003, p. 70) corrobora com nosso estudo, mencionando que “o verdadeiro propósito do ensino de línguas estrangeiras é formar indivíduos capazes de interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir. Significa transformar-se em cidadãos do mundo”.

O trabalho com o gênero resenha em salas de aula de língua estrangeira abre diversas possibilidades para o ensino, por ser um gênero que permite analisar e avaliar não apenas o objeto resenhado, possibilitando também a análise e a avaliação tanto por professores que o utilizam como objeto avaliativo, no que diz respeito a avaliar o desenvolvimento da escrita na língua estrangeira e outros aspectos, quanto por alunos que o utilizam como objeto de aprendizagem escrita.

A respeito dos professores e alunos em salas de línguas, Moita Lopes (1996) ressalta que: “a aprendizagem de uma LE (língua estrangeira), ao contrário do que podem pensar alguns, fornece o material primeiro para tal entendimento de si mesmo e de sua própria cultura, já que facilita o distanciamento crítico através da aproximação com uma outra cultura”. (MOITA LOPES, 1996, p. 43).

No que se refere às habilidades e competências, as OCEM (BRASIL, 2006) ressaltam que os conteúdos a serem incluídos na aprendizagem de Língua Estrangeira são o desenvolvimento inter(pluricultural); o desenvolvimento da competência comunicativa; o desenvolvimento da compreensão e produção oral; o desenvolvimento da compreensão leitora; e o desenvolvimento da produção escrita, que é o eixo para nosso trabalho de pesquisa, arrolado da seguinte forma no documento mencionado:

[…] o desenvolvimento da produção escrita, de forma a que o estudante possa expressar suas ideias e sua identidade no idioma do outro, devendo, para tanto, não ser um mero reprodutor da palavra alheia, mas antes situar-se como um indivíduo que tem algo a dizer, em outra língua, a partir do conhecimento da sua realidade e do lugar que ocupa na sociedade. (BRASIL, 2006, p. 152).

Segundo o documento, o ensino de línguas propõe formar a opinião crítica do aluno, dar espaço às produções escritas para que o aluno consiga, em sua formação, seja ela em qualquer nível de escolaridade, desenvolver seu senso crítico e o poder argumentativo, sendo capaz de se colocar em relação ao outro e de saber comunicar-se em qualquer atividade comunicativa, seja ela escrita ou falada.

Nessa perspectiva, o ensino com os gêneros pode servir como instrumento de diálogos, de provação de debates e de ativação de sentido, no que diz respeito à elaboração de enunciados que estão relacionados diretamente com a habilidade comunicativa, cumprindo propósitos comunicativos para o uso da língua estrangeira-alvo através da prática da escrita na língua estrangeira em situações interculturais de ensino.

No tocante ao ensino-aprendizagem de línguas, os documentos que norteiam o ensino em Córdoba e na Argentina orientam a produção de gêneros textuais no contexto escolar, em especial a produção do gênero resenha no Ensino Médio, nosso objeto de pesquisa.

Em particular, no Brasil, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), no eixo que trata das atividades de produção e de recepção de textos, especifica a escrita do gênero resenha, como podemos observar no quadro a seguir (Quadro 2) o fragmento recortado do documento, com o termo resenha ressaltado em negrito por nós.

Atividades de retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos, orais ou escritos, tomados como base ou fonte
Como tais atividades se caracterizam pela produção de um novo texto a partir de outro, ocorre mudança de propósito em relação ao texto que se toma como base ou fonte. Isso pode ser realizado, por exemplo, em tarefas de produção de resumos, resenhas e pesquisas bibliográficas.
Table 2. Quadro 2 — Produção de resenhas nas OCEM/Brasil (BRASIL, 2006, p. 37).

Por sua vez, o documento que orienta o Ensino Médio em Córdoba/Argentina, intitulado “Ciclo básico da educação secundária”, também orienta o ensino do gênero resenha no Ensino Médio, no eixo de leitura e produção escrita do documento, como apresentado no quadro a seguir (Quadro 3).

Lectura y Producción escrita
Construcción (a partir de la lectura asidua) de saberes específicos en relación con géneros discursivos propios del ámbito personal, social, académico (notas en revistas especializadas, artículos de divulgación científica, informes, recensiones, monografías).
Table 3. Quadro 3 — Produção de resenhas no Ciclo básico da Educação Secundária/Córdoba (ARGENTINA, 2011 p. 13).

Nesse contexto, é fundamental investigar o papel do professor e da escola no processo de produção escrita, no que concerne ao espaço, ao tempo e ao conteúdo a ser abordado, alguns aspectos cognitivos que influenciam no desenvolvimento da escrita, a motivação dos alunos e o uso de algumas sequências didáticas (estratégias didáticas) para a efetivação da escrita em sala de aula.

Portanto, iremos nos preocupar aqui com o ensino-aprendizagem da escrita, considerando a produção textual baseada nas abordagens de gêneros como atividade importante na escola e na sala de aula de língua estrangeira, a partir da organização retórica da do gênero resenha de séries televisivas, a qual indica marcas culturais na escrita do gênero, que se apresenta no quadro contrastivo na próxima seção.

5. Análise contrastiva da organização retórica de resenhas de séries televisivas em português e espanhol como LE

O corpus para análise da pesquisa foi gerado e coletado8 a partir de proposição de atividade de escrita, na qual foi solicitada a produção do gênero resenha de séries da plataforma Netflix, nas aulas de língua espanhola e nas aulas de língua portuguesa — em contexto brasileiro (LE) e argentino (LE), respectivamente. Nosso corpus foi composto por 40 resenhas, sendo 20 resenhas escritas em espanhol e 20 resenhas escritas em português como LE, do terceiro ano do Ensino Médio, em ambos os contextos.

Para fins de análise do corpus da pesquisa, utilizamos os aportes teóricos de Swales (1990), tomando como base o modelo de Bezerra (2001) para análise de resenhas inspirados no CARS. O modelo CARS de análise, apesar de ter sido adaptado para vários gêneros, em especial para as resenhas, ainda apresenta limitações que dizem respeito aos movimentos retóricos e estratégias (BIASI; ARAÚJO; SOUSA, 2009). Para a análise do nosso corpus, adotamos a abordagem analítica proposta por Swales (1990) na perspectiva sociorretórica, que nos orientou na organização dos movimentos retóricos (moves) que podem ser adaptados para a análise do gênero resenha.

A abordagem da Retórica Contrastiva proposta por Kaplan (1966) e Connor (1996) e difundida por outros pesquisadores vem realizando investigações com análise de gêneros textuais. Swales (1990), por sua vez, no campo investigativo de inglês para fins específicos (ESP), ajuda-nos a refletir sobre os movimentos retóricos existentes nas produções e sobre os elementos estruturais de textos escritos em diferentes culturas, o que nos auxiliou a entender as semelhanças e diferenças na escrita do gênero resenha.

Entendemos que o modelo proposto por Bezerra (2001) foi mais adequado para a adaptação do nosso corpus de pesquisa, pois descreve os movimentos retóricos de alunos de graduação de Teologia e escolhe o termo “obra” para caracterizar o objeto e descrever as unidades e subunidades retóricas. Conforme Bezerra (2001), o termo “obra” abrange, de forma geral, outros objetos, como livros, artigos etc. Por sua vez, para nosso estudo, o modelo descritivo pode ser aplicado e adaptado com maior facilidade para o tratamento das resenhas de séries televisivas.

É importante destacar que, para uma melhor visualização da organização retórica nas resenhas aqui analisadas, optamos por destacar, com diferentes cores, as unidades e subunidades retóricas no quadro elaborado por Bezerra (2001), a fim de deixar mais evidentes as ocorrências das unidades e subunidades retóricas nos quadros descritivos elaborados no estudo e optamos por destacar as subunidades encontradas9 na análise do corpus da pesquisa e apresentadas nos quadros descritivos — nas Figuras 2 e 3 deste estudo.

Figure 2. Figura 2 — Ocorrências da organização retórica dos padrões de RE como LE10 (elaboração da autora).

Figure 3. Figura 3 – Ocorrências da organização retórica dos padrões de RP como LE (elaboração da autora).

Como apresentado, para esse primeiro contato de análise com o corpus, elaboramos dois quadros para a análise de organização retórica individual das resenhas nos padrões de RP e de RE, a fim de observar as ocorrências e o aparecimento, ou não, de outras subunidades retóricas.

A descrição da organização retórica do gênero resenha neste estudo11 reflete um recorte das práticas culturais dos alunos do Ensino Médio de Córdoba e de Recife. O modelo de Bezerra (2001) descreve as práticas sociais de alunos de graduação em Teologia para a escrita de resenhas de livros.

Em seguida, analisamos, a partir da elaboração de um quadro comparativo, as semelhanças e diferenças encontradas nas resenhas nos padrões de RP e RE, considerando que contribuem para uma prática de escrita enriquecedora em ambas as culturas e ressaltando que as diferenças não anulam a escrita da cultura do outro. As ocorrências das unidades e subunidades encontradas na aplicabilidade do modelo proposto por Bezerra (2001) e as subunidades retóricas encontradas em ambos os padrões de RP e RE favorecem para a identidade do gênero resenha na pesquisa.

Podemos, então, observar, após a aplicabilidade do corpus ao modelo de Bezerra (2001), a escrita em língua estrangeira em cada cultura, possibilitando, assim, uma visibilidade mais ampla das unidades e subunidades retóricas nos padrões de resenhas em LE, além de sugerir a observação da escrita em outra cultura como parte da representação da cultura dos jovens de Recife e de Córdoba e como algo enriquecedor para a aprendizagem da própria escrita, tratando-se de contexto de ensino-aprendizagem.

Ao contrastar a organização retórica, conseguimos perceber como cada cultura escreve, e perceber que há similaridades e diferenças que muitas vezes fogem de uma constante, mas reforçam, sobretudo, a flexibilidade dos gêneros quando escritos por escritores e contextos diferentes.

Considerando os objetivos da RC de observar as semelhanças e diferenças na escrita de texto, neste caso em LE e culturas diferentes, ao examinar as resenhas, fez-se necessária a elaboração de um quadro comparativo, a fim de apresentar a organização retórica da escrita de resenhas de séries televisivas das duas culturas, nos padrões RE e RP e discutir as diferenças encontradas.

Para a elaboração do quadro comparativo (Quadro 4), consideramos o parâmetro que adotamos para inclusão/exclusão12 das subunidades, permanecendo, portanto, as subunidades frequentes na escrita em português e em espanhol como LE.

Figure 4. Quadro 4 — Análise contrastiva da organização retórica de resenhas de série televisiva (Elaborado pela autora).

Ao analisarmos os padrões de RP e RE presentes na Unidade 1, é importante observarmos a diferença específica nas resenhas em português como LE, nas quais percebemos a ausência da subunidade 2, que se refere à informação sobre a relevância da obra.

Observamos que há uma maior frequência na subunidade 2, acontecendo em dez resenhas nos padrões de escritas em espanhol como LE, e em seis resenhas nos padrões de escritas em português como LE. A subunidade 2 “Argumentando sobre a relevância da obra e/ou” aparece com escritas diferentes, na tentativa de mostrar a importância da série. O propósito comunicativo parece ser ora tentar convencer o público-leitor e telespectadores de séries a assisti-las, ora apresentar a aceitação da série no meio midiático, como observamos no Quadro 5.

Figure 5. Quadro 5 — Apresentando sobre a relevância da obra (elaboração da autora).

Bezerra (2001) menciona que, nessa subunidade, o aluno deve ressaltar a importância da obra para a área disciplinar, e concluiu que há menos ocorrência desta subunidade nos textos escritos pelos alunos do que nos de escritores especialistas.

No caso dos padrões de RP e RE, as resenhas apresentam variações nos argumentos para informar a relevância da obra, como mencionados nos exemplos do Quadro 14. Observando a resenha de referência RE1, percebemos que o aluno tenta apresentar a relevância da obra a partir do tema tratado pela série, que pode despertar o interesse pela visualização da série. Já nas referências RP6, RP9, RE2 e RE3, é possível observar ocorrências da Sub2 pelos alunos, utilizando outros recursos para apresentar através de premiações, ou até mesmo enaltecer o local em que a filmagem da série foi realizada. Em outras resenhas do nosso corpus, os alunos utilizam outros recursos discursivos como forma de argumentar sobre a relevância da obra para o leitor da resenha.

A ausência da subunidade nos sugere um aprofundamento mais amplo, uma vez que se trata de uma subunidade relevante, já que muitas vezes ela determina visibilidade ou não da obra/série pelo leitor, a partir da informação dada pelo resenhista.

Um outro aspecto relevante observado nas diferenças de escrita está na subunidade encontrada no corpus da pesquisa, denominada “Apresentando avaliação direcionada e/ou”. Percebe-se menor frequência nos padrões de resenhas RE, o que resultou na permanência da subunidade na Un4 apenas nos padrões de RP, de acordo com o parâmetro de inclusão/exclusão, conforme ilustra o Quadro 6.

Figure 6. Quadro 6– Apresentando avaliação direcionada e/ou (elaboração da autora).

A subunidade está interligada à Sub8 “Avaliando positiva/negativamente” do modelo apresentado por Bezerra (2001), por direcionar a avaliação do resenhista à cena que mais gostou ou não da série, episódio favorito, ou algumas temáticas específicas, como na referência RP11 tratadas pela obra. Está marcada por expressões como: “uma das minhas cenas favoritas”, “gostei”, “Não gostei de/da/do”.

Os padrões de RP apresentaram essa subunidade em oito resenhas, em relação aos padrões de RE, que apresentaram um número bastante inferior, totalizando a presença em quatro resenhas de um total de 20, como apresentamos acima, na Figura 2, que trata das frequências das subunidades.

A subunidade retórica denominada neste estudo como “Apresentando nota do crítico” realiza-se especificamente em onze resenhas escritas em português como LE, mostrando-se ausente nos padrões de RE. Essa subunidade cumpre o propósito comunicativo de avaliar a série televisiva correspondente a um sistema de classificação e atribuição de qualidade comum a séries televisivas, inclusive na própria plataforma Netflix, que, por sua vez, convida os usuários a classificar a série assistida. Ora se observa a nota com o número 5, ora com as cinco estrelas, como na RP2. Observemos o Quadro 7, que apresenta alguns exemplos da subunidade nos padrões de resenhas escritas em português como LE com base no modelo de Bezerra (2001).

Figure 7. Quadro 7– Apresentando nota do Crítico (Elaboração da autora).

Geralmente, as notas do resenhista são apresentadas ao final da resenha como forma de posicionar-se, saindo do lugar do texto para o de resenhista que assistiu a série e que agora está na posição de avaliador, qualificando a obra com estrelas.

Como foi observado nos dois quadros descritivos (Figuras 2 e 3), as semelhanças entre a organização retórica das resenhas em RP e RE se dão, potencialmente, na ausência das subunidades 4 e 5, ao introduzir a obra. Ambas as escritas não apresentam estas subunidades. Aqui, vale ressaltar que a inexistência talvez se dê pela mudança do objeto de análise desta pesquisa em relação ao objeto de análise do corpus de Bezerra (2001).

O quadro comparativo nos ajuda a considerar a composição escrita do gênero resenha pelos alunos como parte de suas estruturas culturais e a flexibilidade dos gêneros textuais. Neste trabalho, a Retórica Contrastiva nos ajuda a analisar as semelhanças e diferenças, a fim de apresentar aos alunos e aos professores que é possível utilizá-las como recurso retórico para a construção do gênero resenha em ambas as culturas. Entende-se, assim, o gênero como formas flexíveis pertencentes a diferentes grupos sociais e que, consequentemente, terão suas escritas variadas, o que inviabiliza seu caráter prescritivo, como forma a ser apreendida ou aprendida.

Portanto, refletimos uma prática de escrita acadêmica crítica, a qual assume que “a consideração mais importante na escrita crítica não é a diferença, mas a atitude que adotamos diante dela.” (CANAGARAJAH, 2002, p. 11). Essa perspectiva crítica nos ajuda a entender que, ao invés de desvalorizar uma cultura ou criticar uma escrita em LE como limitada, devemos adotar a perspectiva crítica para observarmos essas diferenças entre a escrita em duas ou mais culturas.

No caso da comparação em nossa pesquisa, uma cultura pode observar como a outra escreve e ampliar a retórica a partir de uma escrita crítica, considerando que, para Connor (1996, 2011), a escrita está inserida na cultura e estas podem realizar trocas linguísticas e culturais reciprocamente. Nessa perspectiva, deixam-se de lado as diferenças como déficit e as diferenças como estranhamento, porque são perspectivas limitantes, segundo Canagarajah (2002).

6. Considerações finais

Este trabalho de pesquisa limitou-se a uma análise na Retórica Contrastiva e na perspectiva sociorretórica de gêneros, em que descreveu as marcas culturais na organização retórica do gênero resenha de série televisiva, baseada em modelos inspirados no CARS para análise do gênero resenha. As semelhanças e diferenças encontradas no estudo fornecem exemplos explícitos de preferências linguísticas e retóricas presentes nas culturas dos jovens de Córdoba e de Recife, mas que se fazem úteis para qualquer contexto de escrita de resenha de séries por alunos do Ensino Médio.

Consideramos, portanto, que a descrição do gênero resenha de série televisiva no estudo é uma “tendência” de como se escreve o gênero no Ensino Médio em culturas distintas em língua estrangeira e, através das análises, observamos que a organização básica do gênero nas duas culturas está caracterizada pelas quatro unidades retóricas: introduzir, descrever, avaliar e concluir. As ocorrências, no corpus de pesquisa, das subunidades do modelo de Bezerra (2001) e, também, algumas subunidades e deslocamentos observados em nossa análise, caracterizam a escolha dos resenhistas para a escrita do gênero resenha.

No entanto, algumas resenhas carecem de algumas subunidades retóricas, como: Definindo o tópico geral, “Descrevendo a organização da obra”, “Indicando telespectadores em potencial” nos padrões de RE como LE nas resenhas de referências RE13, RE14, RE18, RE19 e RE20 e percebido nos padrões de RP como LE, nas referências RP4, RP6, RP13 e RP16, o que caracteriza menos síntese de conteúdo retórico pelos alunos. A limitação encontrada nessas produções deu-se pela falta de informações para a construção do gênero resenha.

As semelhanças nos ajudam a refletir que os gêneros possuem uma “prototipicidade” reconhecida por uma determinada cultura e que está relacionada aos propósitos comunicativos do gênero. Ainda, as semelhanças encontradas na escrita das resenhas ilustram um recorte de uma escrita de 40 resenhas representadas por uma delimitação da cultura de jovens de Córdoba e de Recife, e não uma conjuntura cultural de dois países em sua totalidade.

Importante refletir que as semelhanças e diferenças nos registros escritos associados à cultura dos grupos jovens em cada cidade especificada e a vivência cultural e escolar dos alunos pesquisados têm forte reflexo na escrita e no conhecimento do gênero resenha.

As diferenças encontradas no corpus são entendidas na pesquisa como formas possíveis de trocas interculturais a partir dos gêneros como “modelos culturais” em ambas as culturas, considerando a escrita em LE. Embora marcada apenas por algumas Subunidades Retóricas, não demostram a possibilidade de dois gêneros diferentes escritos por alunos do mesmo ano de curso escolar. As subunidades encontradas inicialmente no corpus, como: “Descrevendo os personagens da obra”, “Descrevendo a ambientação da obra”, “Apresentando a avaliação direcionada”, “Retomando o tema central da obra”, “Apresentando a nota do crítico”, evidenciam a capacidade da flexibilidade da escrita do gênero resenha, conforme o objeto resenhado.

As variações específicas em cada cultura sinalizam possíveis contribuições para a ampliação dos estudos comparados e, especificamente, para a descrição da organização retórica do gênero resenha de série televisiva em língua estrangeira escrito por alunos da Educação Básica.

A organização retórica do gênero resenha de série descrita no trabalho pode colaborar para estudos posteriores de organização retórica de resenhas diversas, como de revistas, de filmes, de CDs, de peças teatrais, de filmes, sofrendo as devidas adaptações aos objetos resenhados na perspectiva de análise em ESP, minimizando, assim, as dificuldades da escrita nos diversos contextos de produção do referido gênero.

7. Agradecimentos

Agradeço à Capes/PROSUC pela bolsa com a qual estou me especializando em nível de doutorado e desenvolvendo pesquisas voltadas para o estudo dos gêneros textuais como forma de ação social.

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Como Citar

ANDRADE, D. R. da S. Marcas culturais na escrita do gênero resenha em português e espanhol: uma análise contrastiva. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 2, n. 4, p. e441, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2021.v2.n4.id441. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/441. Acesso em: 21 nov. 2024.

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