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Theoretical Essay

Morphosyntactic evidences of portuguese, english and karitiana (tupi) for a compositional semantics of numerals suitable for the syntactic interface

Juliana Vignado

Universidade Estadual de Campinas image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0001-5719-8220


Keywords

Numeral
Formal Semantics
Composicionality

Abstract

This work aims to investigate the semantics of numerals from some approaches and their suitability to the syntactic interface considering the morphosyntax of numerals in three unrelated languages, Portuguese, English and Karitiana. Following the literature, it was assumed that numerals are constructed via syntax principles (complementation and coordination) and compositional principles of semantics (see Ionin & Matushansky, 2006; Hurford, 1987). The goal was to defend that numerals, such as two, and multipliers, such as hundred, have distinct morphosyntactic and semantic restrictions and that the semantics proposed by Rothstein (2013, 2017) is more suitable for the description and analysis of these words. For this author, the formation of compound numerals involves numerals <n>, numerals <e, t>, lexical multipliers <n <e, t >> and an addition operator << α> <α>, <α >>. Data from English, Portuguese and Karitiana showed that numerals and multipliers have different morphosyntactic restrictions in these languages, which reinforces the semantic differences between these elements. Finally, it was concluded that Rosthstein's semantic proposal reflects the differences found between numerals and lexical multipliers in natural languages.

Introdução

A pergunta que motivou esta investigação é a seguinte: como se pode modelar o significado dos numerais para poder explicar seu comportamento gramatical e semântico? Para respondê-la, buscou-se investigar a semântica de numerais a partir de algumas abordagens e sua adequação à interface sintática, considerando a morfossintaxe de três línguas não aparentadas: português, inglês e karitiana. Karitiana é uma língua indígena brasileira cuja comunidade, composta por cerca de 350 indivíduos, vive em uma reserva localizada próximo à cidade de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Essa língua pertence à família Tupi e à subfamília Arikém (RODRIGUES,1986 apud STORTO e ROCHA, 2012).

As expressões numerais que se referem a números inteiros e positivos são frequentemente chamadas de numerais ou numerais cardinais (COMRIE, 2005; HAMMARSTRÖM, 2010). Numerais cardinais são palavras ou sintagmas que denotam números cardinais, i.e, cardinalidades. Esses numerais podem ser simples, i.e., morfemas livres que denotam um número, ou compostos, i.e. aqueles que podem ser analisados a partir de subpartes cujos significados são combinados composicionalmente usando operações aritméticas como adição e multiplicação. Por exemplo, sete é um numeral simples que denota o número 7, já dezessete é uma única palavra, mas não é simples, é um numeral composto, já que é formado pelo prefixo {dez-} e o número sete.

É importante ressaltar que numeral e número são conceitos distintos: o número é um conceito da matemática enquanto numeral é uma categoria de palavras, que é o tópico de interesse da linguística. É comum encontrar na literatura o termo numerosidade para referir-se à quantidade que um numeral expressa, i.e., sua cardinalidade. Nesta análise optou-se por utilizar o termo cardinalidade, mas vale ressaltar que os termos são sinônimos. Assim, cardinalidade, ou numerosidade, se refere a quantia de entidades designada por um conjunto qualquer, ou seja, o tamanho do conjunto. Por exemplo, a cardinalidade de |dois meninos| é 2, na matemática, a cardinalidade de um conjunto A é expressa por |A| .

Seguindo a literatura, vai se assumir que numerais são construídos via princípios da sintaxe (complementação e coordenação) e princípios composicionais da semântica (ver Ionin & Matushansky, 2006; Hurford, 1987). A partir disso, a análise defende que numerais cardinais, como two, e multiplicadores lexicais, como hundred, têm semânticas diferentes, que estão ligadas à morfossintaxe dessas expressões. Rothstein (2017) propõe uma semântica para numerical words, isto é, toda palavra cuja referência esteja associada a uma cardinalidade, que captura essa distinção. Esta análise, contudo, vai focar apenas em numerais cardinais, i.e., aqueles que expressam números naturais (i.e. inteiros e positivos), mas ressalta a importância da investigação de outras palavras numerais como os numerais ordinais e os fracionários, por exemplo.

Diante da análise dos dados das línguas em questão, que apresentaram estruturas morfossintáticas distintas para numerais e multiplicadores, este trabalho defende que numeral e multiplicador são classes distintas e, por isso, considera a semântica de numerais proposta por Rothstein (2013, 2017) como mais adequada à interface sintática, já que essa proposta captura as diferenças semânticas entre numerais cardinais e multiplicadores.

1. Panorama teórico

Diante da busca por análises composicionais para as línguas naturais, é bastante frequente que a semântica formal trate numerais como determinantes (BARWISE & COOPER 1981; KEENAN & FALTZ, 1984; HURFORD, 1987; HOFWEBER, 2005). Línguas que não apresenta material funcional no sintagma nominal, como o karitiana (MULLER et al, 2006), são uma evidência contrária a tais abordagens. Essas línguas não têm determinantes (MULLER et al., 2006) e ainda assim apresentam numerais. No caso do karitiana, por exemplo, os numerais operam como elementos adverbiais que modificam todo o sintagma verbal (VIGNADO, 2019).

Rothstein (2017) mostra que existem boas evidências para não considerar numerais como determinantes. Essa autora defende tratar numerais cardinais como propriedades que operam como modificadores predicativos. Os dados do inglês e do português em (1) mostram diferentes usos dos numerais, como argumentos, em (1a) e (1c), e como modificadores de nominais, em (1b) e (1d).

1) a. six is bigger than two

b. one cat, three girls, four boys, six hamsters, eighteen stairs

c. dez é maior que oito

d. duas meninas inteligentes, um homem, três cachorros

Observando o comportamento dos numerais, a autora assume que eles têm dois modos de interpretação, como predicados e como argumentos, conforme é apresentado em (2).

2) (i) não saturada, onde operam como predicados <e,t>

a. two boys came to the party

b. dmeninas ganharam o concurso

(ii) saturada, em que operam como argumentos <n>

a. two is my favorite number

b. três é ímpar

Rothstein (2013, 2017) segue Chierchia (1985), que assume que os predicados de tipo <e,t> são associados a um indivíduo correspondente do tipo de propriedades π. Ou seja, nessa abordagem, predicados estão associados a uma propriedade correspondente. Assim, entidades podem ser:

3) i) indivíduos de tipo <e>, entidades como João ou a menina;

ii) proposições de tipo <t>, proposições são elementos saturados e tem valor de verdade, são verdadeiras ou falsas;

iii) indivíduos de tipo π, relacionados a propriedades como amarelo em amarelo é bonito;

Diante dessa introdução dos tipos semânticos, torna-se evidente que, para Rothstein (2017), numerais são predicados do tipo <e,t> em sua forma default, i.e., são predicados que tomam uma entidade de tipo <e> e retorna um valor de verdade. Em (4a) é apresentada a denotação genérica de um numeral n <e,t> e em (4b), como exemplo, o numeral dois<e,t>.

4) a. [[Numeral <e,t>]] = λx. |x| = n

b. [[dois<e,t> ]] = λx. |x| = 2

Seguindo Chierchia, a autora propõe que os predicados numerais do tipo <e,t> têm uma propriedade correlata de tipo <n>, subtipo de propriedades π especificado para numerais. Assim, numerais do tipo <n> são as propriedades individuais abstratas correlatas aos predicados numerais de tipo <e,t>. Isso significa dizer que numerais do tipo <n> são a instância de um tipo particular de propriedades, as propriedades cardinais.

Nessa perspectiva, a mudança de um tipo semântico para outro é possibilitada pelos operadores ‘up’ e ‘down’, propostos por Chierchia (1985). Esses operadores elevam ou rebaixam o tipo dos predicados/entidades em questão. A denotação de um numeral n <e,t> é apresentada em (5a) e o exemplo com o numeral quatro, em (5b); a denotação pode ser simplificada em derivações com o uso do algarismo, como em (5c).

5) a. [[Numeral<n>]] = λx. |x|= n

b. [[Quatro<n>]] = λx. |x|= 4

c. [[Quatro<n>]] = 4

Como foi mencionado na introdução, muitas línguas naturais, para além dos numerais básicos, apresentam numerais compostos que envolvem operações semânticas aritméticas em sua interpretação. Portanto, para a formação desses numerais, é preciso que a língua disponha de estruturas e de itens lexicais que veiculem tais operações. Por isso, para além da denotação do numeral n e do multiplicador m, a autora propõe também a operação de adição, que toma argumentos de mesmo tipo determina a operação de adição sobre eles. Em (6a) é apresentada a denotação genérica da adição e em (6b) um exemplo de derivação com o operador de adição com o numeral twenty-two ‘vinte e dois’.

6) a. Operação de adição : [[+]]= λmλn.n+m

b. [[twenty-two<n>]] = [[+]] ([[twenty<n>]])([[two<n>]])

[[+]] ([[twenty<n>]])([[two<n>]]) = λmλn.m+n (20)(2) (aplicação funcional)

[[twenty-two<n>]] = 22

Para a autora, palavras como hundred e thousand não são numerais, são multiplicadores lexicais (M) de tipo <n,<e,t>>. É interessante observar que em sua formalização sintática, Hurford (1987, 2006, 2010) também considera que essas palavras não são numerais, ele as chama de bases morfêmicas multiplicadoras. Assim o autor propõe uma teoria sintática para numerais compostos em que numerais e multiplicadores projetam estruturas diferentes.

Em (7a) é apresentada a denotação genérica de um multiplicador m qualquer, e em (7b) há um exemplo de derivação com o numeral two hundred ‘duzentos’.

7) a. Multiplicador lexical: [[M<n,<e,t>>]]= λn λx.│x│= m × n

b. [[two hundred<e,t>]] = [[hundred]] ( [[two]] )

[[hundred<n,<e,t>>]] ([[two<n>]]) = λn λx.│x│= 100 × n (2)

[[two hundred<e,t>]] = 200

Em resumo, na semântica de Rothstein há três componentes básicos na formação de numerais compostos: (i) numerais, que podem ser de tipo <n> ou tipo <e,t>; (ii) multiplicadores lexicais de tipo <<n><e,t>>; e (iii) um operador de adição de tipo <<α><α>,<α>>. As denotações semânticas genéricas desses elementos estão sumarizadas em (8).

8) Numerais: [[Numeral <e,t>]] = λx. |x| = n

[[Numeral<n>]] = λx. |x|= n

Operação de adição: [[+]]= λmλn.n+m

Multiplicador lexical: [[M]]= λn λx.│x│= m × n

Rothstein (2013, 2017) opta por atribuir denotações semânticas distintas a numerais predicativos, a numerais argumentais e a multiplicadores lexicais, diferentemente do que fazem Ionin & Matushansky (2006), por exemplo, que propõem uma teoria semântica em que numerais cardinais e multiplicadores têm a mesma denotação semântica. Para essas autoras, tanto numerais quanto multiplicadores são predicados de tipo <<e,t><e,t>>, o que resulta em uma semântica bastante uniforme, mas que, como será exposto nos dados a seguir, não contempla as diferenças morfossintáticas entre esses elementos. Nessa proposta, é preciso assumir o mecanismo de existencial closure para numerais em posição argumental. Em outras palavras, um predicado <<e,t><e,t>> precisa de um argumento <e,t> para ser saturado; no caso de esse predicado ser utilizado em posição argumental, o mecanismo de existencial closure garante que ele seja saturado.

Vai-se assumir que, na derivação sentencial, numerais de tipo <e,t> modificam predicados de tipo <e,t>, como em dois homens, via operação de modificação de predicados, como proposto por Heim & Kratzer (1998). Assim, não é preciso assumir que numerais são modificadores de tipo <<e,t>,<e,t>> e nem o mecanismo de existencial clousure.

Esta seção apresentou a proposta semântica de Rothstein (2017) que considera que numerais e multiplicadores têm semânticas distintas. A próxima seção traz os dados do inglês, português e karitiana, que mostram que numeral e multiplicador são classes diferentes, não somente na semântica, mas também na morfossintaxe.

2. Apresentação dos dados e análise

Esta seção apresenta os dados de numerais do inglês, português e karitiana (Tupi), nessa ordem, que mostram a diferença na morfossintaxe entre palavras numerais e palavras multiplicadoras. Os dados do inglês são baseados na argumentação de Rothstein (2017). Já os dados do português foram propostos pela autora deste artigo e confirmados via consulta pessoal a outros falantes nativos. Por fim, os dados do karitiana foram coletados pela autora em 2018 com duas falantes nativas durante o desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado.

Como mostram os dados em (9), no inglês, os multiplicadores lexicais que são morfemas livres podem ocorrer em posição argumental quando precedidos por determinante, como em (9a), precedidos por quantificador, como em (9b) e se receberem marca de plural como em (9c).

9) a. We lost our last battle a hundred years ago

b. The benefits can be in the range of several hundred dollars

c. Hundreds of detainees had to receive treatment.

Já os numerais em posição argumental podem ser precedidos por um quantificador, como em (10a), porém, diferentemente dos multiplicadores, não podem ser precedidos por determinante (10b) e nem receber marca de plural (10c).

10) a. There is only one employee per each two leaving service

b. #the twelve is my number

c. # I saw twos boys

d. # My reasons are fours

A tabela 1 resume a distribuição de numerais e multiplicadores em posição argumental no inglês quando precedidos por determinante, quantificador e marca de plural. Pode-se observar que, apesar de ambos poderem ser precedidos por quantificador, há uma diferença clara no comportamento morfossintático desses elementos.

Numeral Multiplicador
Determinante - +
Quantificador + +
Marca de plural - +
Table 1. Tabela 1. Posição argumental / inglês

Um fato interessante que destaca a diferença entre numeral e multiplicador é que os numerais só podem ser pluralizados em contextos em que funcionam como multiplicadores e são precedidos por um numeral, como no caso do ensino de tabuada, como no exemplo (11). Isso mostra que apenas multiplicadores lexicais podem ser pluralizados.

11) two twos are four

Os dados em (12) mostram que, quando predicados, os multiplicadores do inglês não ocorrem nus, mas os numerais ocorrem sem problemas.

12) a. Two/One/A hundred people stood in line

b. # Hundred people stood in line

c. The hundred lucky people who got tickets came to the show

Apenas multiplicadores lexicais podem ser precedidos por numerais, numerais cardinais não. Os exemplos (13b) e (13c) abaixo ilustram dois itens lexicais cuja semântica envolve o valor cardinal 20, twenty e score, mas que pertencem a classes diferentes, i.e., um é numeral e o outro é multiplicador.

13) a. two hundred cats ‘duzentos gatos’

b. two score cats ‘quarenta gatos’

c. # two twenty cats

A palavra score é um multiplicador, por isso pode ocorrer precedido por um numeral plural, como os exemplos em (13a) e (13b), diferentemente dos numerais, como em (13c). Assim, ainda que score e twenty signifiquem 20, o contraste entre (13b) e (13c) mostra que o contraste entre numeral é multiplicador é uma diferença gramatical, não somente semântica.

A tabela 2 abaixo resume as diferenças entre numeral e multiplicador quando predicados em inglês. Pode-se observar com clareza a diferença morfossintática desses elementos.

Numeral Multiplicador
Numeral - +
Nu + -
Table 2. Tabela 2. Predicado/ inglês

Nos exemplos a seguir são apresentados os dados do português. Em (14) observa-se que em português, assim como em inglês, o multiplicador livre pode ocorrer em posição argumental precedido por determinante (14a), precedido por quantificador (14b) e receber marca de plural (14c). Já a sentença (14d) mostra que o multiplicador pode ser precedido com determinante e por quantificador universal.

14) a. Ele me deu a centena que prometeu (no contexto de uma conversa sobre figurinhas)

b. A cada centena somam-se 3

c. Milhões perderam o emprego no novo governo

d. Ele perdeu todos os milhões que ganhou

Já os numerais em posição argumental não podem ser precedidos por quantificador e nem podem ser pluralizados, como mostram os dados em (15a) e (15b) respectivamente, mas diferentemente do inglês, pode ser precedido por determinante como em (15c).

15) a.*Muito vinte cinco vieram ao simpósio

b. *Eu tenho trezes (cachorros)

c. O sete é um número mágico

d. Todos os vinte e cinco vieram à aula

Já na sentença 15(c), o determinante, representado pelo artigo, precede o numeral, essa é uma estratégia para nominalizar o numeral, assim como acontece em (15b), ou, ainda, como acontece em os bonitos chegaram hoje. O quantificador universal, representado por todos, garante que todos os elementos contidos na expressão os vinte e cinco foram à aula. Esse também é o caso da sentença em (14d), o que mostra que no português há estratégias para nominalizar tanto numerais, quanto multiplicadores.

Abaixo, a tabela 3 resume a distribuição de numerais e multiplicadores em posição argumental no português quando precedidos por determinante, quantificador e marca de plural.

Numeral Multiplicador
Determinante + +
Quantificador - +
Quantificador universal + determinante + +
Marca de plural - +
Table 3. Tabela 3. Posição argumental / português

Também como no inglês, como predicado, apenas multiplicadores podem ser precedidos por numerais, numerais cardinais não, como mostram os dados em (16).

16) a. Vieram duas mil pessoas à assembleia

b. Comprei duas dúzias de bananas

c. *Comprei dois doze de ovos

Os exemplos em (16b) e (16c) mostram que dúzia é um multiplicador e doze, um numeral. Esse é um caso análogo ao de score e twenty do inglês. Em português, tanto dúzia quanto doze valem 12, contudo, o contraste entre (16b) e (16c) é mais uma evidência de que essa é uma diferença gramatical, não somente semântica.

Tanto numerais quanto multiplicadores podem ocorrer nus como predicados, como mostram os dados em (17).

17) a. Três pessoas morreram no acidente.

b. Eu compro mil

A tabela 4, abaixo, resume as diferenças entre numeral e multiplicador quando predicados em português.

Numeral Multiplicador
Numeral - +
Nu + +
Table 4. Tabela 4. Predicado/ português

Por fim, os exemplos do karitiana não são tão diversificados quanto os exemplos do que os do inglês e do português; ainda assim, pode-se notar as diferenças entre numeral e multiplicador. Em karitiana, numerais podem ser argumento em estrutura de cópula, como na sentença em (18)1.

18) sypomp naakat par

sypomp na-aka-t par

dois DECL-cop.-NFUT par

‘dois é par’

Vignado (2017) argumenta que há multiplicadores na língua que são expressos por palavras de partes do corpo como mãos e pés. Multiplicadores nessa língua não ocorrem como numerais, como se pode observar em (19), reforçando a diferença entre esses elementos.

19) *yjpi ota yn naokyt boroja

yj-pi ota yn na-oky-t boroja

1pl.incl-pé outro eu DECL-matar-NFUT cobra

‘eu matei quinze cobras (quinze vezes)’

Por fim, há o contraste entre as palavras yjpy ‘nossa mão’ e yjpyt ‘cinco’. Em karitiana, todo numeral ocorre com o sufixo {-t}. A palavra yjpy ‘nossa mão’ forma o numeral cinco com esse sufixo, mas também é um multiplicador que vale 5, como é apresentado em (20) e (21), respectivamente.

20) yjpyt

‘cinco’

21) sypomp yjpy ota ot

dois mão outra pegar

‘sete’

Nesta seção foram apresentados os dados que mostram que nessas línguas os numerais têm restrições morfossintáticas distintas das restrições apresentadas pelos multiplicadores lexicais. Isso está de acordo com a hipótese inicial de que esses elementos se comportam diferentemente porque pertencem a classes diferentes.

3. Considerações finais

Este artigo buscou reunir evidências a favor da hipótese de que numerais e multiplicadores são classes de palavra distintas e, por isso, têm semânticas diferentes. Para isso, foram considerados dados de três línguas não aparentadas.

Os dados do inglês, português e karitiana evidenciaram que numerais e multiplicadores têm restrições morfossintáticas diferentes nessas línguas. Assim, buscou-se mostrar que evidências morfossintáticas das diferenças entre numerais e multiplicadores reforçam que esses elementos têm semânticas diferentes.

A análise defende a proposta de Rosthstein (2013, 2017) em que numerais são propriedades como a mais adequada para a descrição e a análise dessas palavras, pois captura os dois modos de interpretação dos numerais sem precisar assumir um mecanismo de existencial closure para numerais na posição de argumento e contempla, assim, as diferenças semânticas e morfossintáticas entre numeral e multiplicador.

Este artigo considera que essa proposta semântica reflete as diferenças morfossintáticas encontradas entre numerais e multiplicadores lexicais nas línguas naturais, respeitando dessa forma as condições de interface. Atribuir denotações semânticas distintas para numerais e multiplicadores também está de acordo com a sintaxe dos numerais proposta por Hurford (1987) em que numerais e multiplicadores projetam estruturas diferentes.

Em síntese, seguindo autores como Hurford e Rothstein, a análise mostrou que fatos morfossintáticos dos numerais de três línguas não aparentadas evidenciam as diferenças entre numerais e multiplicadores e, por isso, conclui-se que a proposta de Rothstein é mais adequada e explicativa para lidar com a semântica dos elementos envolvidos na formação de numerais.

Agradecimentos

Agradeço ao CNPq pela concessão de uma bolsa de mestrado que possibilitou o desenvolvimento desse trabalho.

Dedico este trabalho à memória de Susan Rothstein, linguista que tive o prazer de conhecer em vida e que me inspirou boas ideias e o interesse por numerais.

How to Cite

VIGNADO, J. Morphosyntactic evidences of portuguese, english and karitiana (tupi) for a compositional semantics of numerals suitable for the syntactic interface. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 1, n. 2, p. 01–13, 2020. DOI: 10.25189/2675-4916.2020.v1.n2.id159. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/159. Acesso em: 19 apr. 2024.

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