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Relato de Pesquisa

A variação terminológica e os gêneros textuais especializados: a comunidade discursiva da cana-de-açúcar do Brasil

Luis Henrique Serra

Universidade Federal do Maranhão image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0001-8796-044X


Palavras-chave

Discurso especializado
Comunidade discursiva
Gêneros e Texto especializado
cana-de-açúcar

Resumo

A Terminologia é um campo interdisciplinar que tem como foco diferentes aspectos da comunicação especializada. Desse modo, diferentes campos do saber humano têm se interessado pela comunicação em âmbito acadêmico e científico. A Linguística tem apresentado diferentes contribuições a essa área, apresentando propostas de análise da comunicação científica que têm sido instrumentos para explicar diferentes fenômenos terminológicos. Considerando isso, o presente texto tem como objetivo apresentar uma pesquisa sobre a variação terminológica denominativa no universo da cana-de-açúcar do Brasil e toma como base o conceito de comunidade discursiva de John Swales, apontando sua importância para os estudos terminológicos. Parte-se do pressuposto de que todos os fenômenos linguísticos encontrados nos discursos especializados têm origem nas diferentes relações que existem entre especialistas de uma comunidade de especialistas. A pesquisa apresenta um corpus composto por textos orais e escritos coletados em diferentes plataformas digitais, utilizada pelos especialistas em Agronomia da cana-de-açúcar. Os resultados mostram que a variação terminológica é uma realidade nesse universo e os aspectos comunicativa da comunidade de especialista dão elementos para a análise da variação encontrada

Introdução

Neste texto, entende-se que os fenômenos pertinentes à linguagem especializada podem ser explicados a partir das relações comunicativas entre os especialistas, entendidos como indivíduos de uma comunidade que não está limitada a um espaço físico ou a uma instituição social. Essa comunidade se delimita por tratar de temas especializados ou científicos e pelo uso estratégias comunicativas específicas, dentre elas, o emprego de léxico especializado. Nesse sentido, faz-se necessário compreender a comunicação dos grupos acadêmico-científicos a partir do pressuposto de que todo e qualquer ato de linguagem é dialógico (BAKHTIN, 2016) e que esse elemento constituinte da linguagem perpassa as diferentes formas de comunicação humana, inclusive a científico-acadêmica.

A partir dessas ideias, este trabalho toma como pressuposto basilar as teorias do texto, do gênero e do discurso e as discussões, dentro da Terminologia, que consideram o uso e a comunicação de forma geral como elementos importantes para a compreensão dos fenômenos terminológicos (CIAPUSCIO, 2003; HOFFMANN, 2015; FINATTO; AZEREDO, 2010; SERRA, 2019). Nessa direção, o texto propõe um diálogo entre as teorias dos gêneros textuais e do texto e as abordagens descritivistas da Terminologia, mais precisamente, a Teoria Comunicativa da Terminologia e suas abordagens.

Para cumprir o objetivo indicado, o presente trabalho baseou-se no conceito de comunidade discursiva, proposto por Swales (1990) e na Teoria Comunicativa da Terminologia, pensada por Cabré (2003), sobretudo a partir das abordagens da Terminologia de perspectiva textual. Na Terminologia, também tomamos como base o modelo das causas de variação terminológica, sugerido por Freixa (2002, 2013), focando nas causas funcionais de variação.

Com esses pressupostos, toma-se como objeto de análise a variação denominativa na terminologia da cana-de-açúcar do Brasil, sobre a qual é apresentada uma análise da variação que considera os fatores funcionais de variação terminológicas, dentre eles os gêneros textuais utilizados na comunidade discursiva dos agrônomos da cana-de-açúcar do Brasil.

O texto está organizado da seguinte maneira: para além da presente introdução, são apresentadas seções em que são comentados os pressupostos teóricos e metodológicos da Terminologia descritivista e algumas abordagens na Linguística Aplicada sobre o texto e sobre os gêneros textuais acadêmicos. Neste último aspecto, notadamente o trabalho de Swales (1990). Seguidamente, apresentaremos a metodologia do estudo, assim como alguns exemplos de análises de um corpus que representa o discurso especializado da comunidade discursiva da cana-de-açúcar do Brasil. Por fim, serão tecidas as considerações finais e apresentadas as referências que baseiam o presente estudo.

1. A Terminologia e o estudo da variação terminológica: algumas considerações

A Terminologia como uma disciplina da Linguística vem estudando a variação linguística nos diferentes discursos especializados de modo amplo e considerando aspectos variados para a sua explicação. Abordagens e discussões em diferentes direções têm sido produzidas no campo dos estudos do léxico e discurso especializado e têm feito o conhecimento sobre a comunicação nos contextos especializados e científicos crescerem e contribuírem com a descrição das línguas naturais de um modo geral. Nesse sentido, cumpre notar, conforme explica Freixa (2013) que, na Terminologia, o estudo da variação terminológica hoje é amplamente aceito, a despeito de abordagens que veem a variação linguística como um atrapalho na comunicação.

A contribuição da Linguística Aplicada, notadamente dos estudos da Sociolinguística, dos estudos da tradução e da Política Linguística, levou a importantes mudanças dentro do escopo teórico da Terminologia e fez com que surgissem contribuições e diálogos com outras áreas de estudo que permitiram instaurar um aspecto linguístico dentro dos diferentes aspectos da comunicação terminológica.

Destaca-se entre os estudos linguísticos a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), que tem forte conotação sociolinguística e pragmática, sobretudo quando entende que a variação linguística nas terminologias é natural e que essa variação ocorre por necessidades naturais do contexto comunicativo dos especialistas das diferentes áreas do saber e fazer humano. Estudos anteriores à proposição da Teoria Comunicativa da Terminologia por Cabré (2003) também contribuem para essa discussão, com destaque para um campo de discussões amplo e que vê a comunicação numa esfera político-social, que é a Socioterminologia.

Inspiradas pela Socioterminologia e pela TCT, análises que veem o léxico, o texto e o discurso especializado como elementos linguísticos e que apresentam os mesmos fenômenos que são apresentados no discurso ordinário têm proliferado e dado elementos que permitem que o fenômeno da variação terminológica seja tratado a partir de suas diferentes dimensões. Dentre as propostas que analisam a variação terminológica, gostaríamos de dar destaque ao modelo de Freixa (2002), que organiza em seis categorias as causas da variação terminológica.

As causas da variação terminológica, segundo Freixa (2002)1 são: as (i)causas gerais ou naturais da linguagem, que são aquelas causadas por questões próprias do sistema linguístico (diversidade lexical, fonológica, morfológica das línguas naturais). Nesse sentido, a variação terminológica seria um fenômeno indissociável da língua(gem); as (ii)causas dialetais têm a ver com aspectos sociais e econômicos do mundo das ciências e das técnicas; (iii) as causas funcionais, que são aquelas ligadas à aspectos práticas e pragmáticos do mundo acadêmico-científico; (iv) as causas discursivas, que têm a ver com à materialidade e o estilo de produção do texto científico-técnico, que podem causar mudanças de denominações dos conceitos de uma área; (v) as causas cognitivas, que têm a ver com o modo diferente de conceptualização da realidade e do conhecimento que os especialistas de diferentes abordagens teóricas de um campo têm; (vi) e as causas interlinguísticas, ou seja, as traduções e as relações internacionais entre os diferentes teóricos e especialistas de diferentes nacionalidades e línguas.

Para Freixa (2002), todos esses fatores colaboram para a variação cognitiva e denominativa nas diferentes áreas do saber e do fazer humano. Por causa desses fatores, a variação terminológica torna-se algo inevitável e, por isso, apresenta-se como uma característica indispensável para o sucesso na comunicação entre especialistas da mesma área e de diferentes áreas do saber humano.

Para a discussão proposta neste trabalho, os fatores funcionais e discursivos são destacados, visto que eles miram o caráter pragmático-discursivo e textual, elementos indispensáveis para o tratamento do discurso especializado não apenas no nível lexical. Freixa (2002, 2006 e 2013) menciona que aspectos comunicativos da relação entre os especialistas são importantes. Adequações ao nível da língua (oralidade e escrita), do interlocutor (se outro especialista, um indivíduo em fase de aprendizado ou um leigo) obrigam o especialista a adaptar o texto, ou seja, a variar linguisticamente conforme a necessidade comunicativa do contexto em que está inserido Outros aspectos são a adequação ao contexto comunicativo (ou ao gênero textual), a economia linguística, a criatividade e a expressividade do especialista para denominar conceitos ou adequar seu discurso ao seu interlocutor.

Em suma, é importante mencionar que a variação terminológica é condicionada por fatores que implicam tanto no discurso geral quanto no especializado (causas gerais, dialetais), no entanto, existem alguns que são muito próprios da linguagem em situação específica das ciências e do conhecimento humano. Nesse contexto, é importante mencionar os fatores pragmático-comunicativos que estão na esteira da comunicação e da relação entre os especialistas de uma área e de áreas diferentes. Tais elementos concretizam uma comunidade de especialista, visto que o modo como eles são produzidos e utilizados por essa comunidade dá pistas da identidade comunicativa dessa comunidade. Todo campo do saber humano/universo especializado é uma comunidade de especialistas em um tema principal e que se organiza nos diferentes aspectos desse tema e seus subtemas/subáreas. Para além de sua organização epistemológica, essa comunidade se organiza também por aspectos que são culturais e linguísticos.

John Swales (1990, 2016) denomina comunidade discursiva uma comunidade de indivíduos especialistas em um campo do saber-fazer-humano com diferentes níveis de conhecimento e interações. Na próxima seção, apresentaremos alguns elementos da discussão e do conceito de Swales. Na nossa opinião, o conceito de Swales, juntamente com o trabalho de Freixa e Cabré apresenta elementos importantes para a Terminologia, sobretudo quando se pensa na comunicação viva e a relação entre especialistas de uma área, em diferentes níveis de conhecimento de um tema.

1.1. Os gêneros textuais especializados e a comunicação entre indivíduos de um campo do saber humano: o conceito de comunidade discursiva de Swales

A ideia de que características linguísticas e culturais são responsáveis pela união de indivíduos que compartilham dessas características tem sido muito produtiva na Linguística. No campo da comunicação produzida em ambientes acadêmico-científicos, não é diferente. Indivíduos que se interessam pelo mesmo tema geral e suas diferentes especificidades/subtemas formam uma comunidade física, local e universal sobre determinado tema. São exemplos desse tipo de agrupamento por tema as comunidades de especialistas em diferentes áreas do saber e do fazer humano: comunidade de médicos, juristas e advogados, agrônomos, artista etc.

O conceito de comunidade linguística ou de fala, muito prósperos na Sociolinguística e em outras áreas dos estudos da linguagem, denota um conjunto de indivíduos que podem ou não ocupar o mesmo espaço físico e que partilham de formas linguísticas em diferentes níveis, Bagno (2017, p. 53, grifos do original) define comunidade de fala da seguinte maneira: “comunidade de fala (ou, às vezes, comunidade linguística) inclui as pessoas que estão em contato habitual umas com as outras por meio da língua, seja por uma língua comum ou por modos compartilhados de interpretar o comportamento linguístico (...)”. Coelho et ali (2015, p. 68) comentam ainda, sobre a comunidade linguística de fala que: “(...) uma comunidade de fala não é apenas um grupo de falantes que usa as mesmas formas da língua, mas um grupo de falantes que, além disso, compartilha as mesmas normas a respeito do uso dessa língua (...).”.

A partir desses conceitos e de outras discussões sobre os grupos de indivíduos que se ligam por razões diversas é que John Swales propõe o conceito de comunidade discursiva. Para ele, toda ação que enquadra um gênero tem origem em um complexo esquema cultural e pragmático e que tem a ver com as pessoas organizam-se socialmente em grupos. Em outras palavras, Swales entende que toda e qualquer comunidade de indivíduos tem formas próprias de comunicação, o que inclui práticas comunicativas específicas relativamente estáveis (gêneros), além de um vocabulário específico. De um modo geral, Swales (1990, p.29, tradução livre) define uma comunidade discursiva a partir de 6 critérios: “Uma comunidade discursiva que eu tenho discutido encontra seis critérios para definição: objetivos em comum, mecanismos de participação, troca de informações, gêneros textuais específicos, terminologia específica e um alto níveis de experiência2.”.

Biasi-Rodrigues, Hemais e Araújo (2009, p. 23) comentam que a noção de gênero textual concebida por Swales – que vê o gênero textual como evento comunicativo que tem um propósito, uma razão e formas específicas – subjaz o conceito de comunidade discursiva. Além do gênero, a produção social do texto é outro elemento importante para que se entenda o conceito de comunidade discursiva. Nas palavras dos autores, “Swales (1990) concebe a definição de comunidade discursiva, relaciona à produção de textos como uma atividade social que se realiza de acordo com convenções discursivas específicas e releva o comportamento social e o conhecimento dos membros do grupo.”.

Cumpre destacar que o conceito de comunidade discursiva de Swales tem como ponto de partida a prática linguística de uma comunidade de cientistas e acadêmicos. O conceito de Swales nos permite observar a escrita e a leitura como um processo amplo e complexo e que está relacionado com um conjunto de aspectos culturais e comunicativos que os diferentes âmbitos do saber humano têm. Em outras palavras, o que Swales denomina de comunidade discursiva é o que se chama em terminologia de universo especializado.

O conceito de universo especializado em Terminologia não é tão discutido de maneira direta ou focalizada, mesmo sendo um aspecto fundamental para entendermos a linguagem especializada nos diferentes campos do saber humano. Entender as diferentes culturas dos diferentes grupos de especialistas, as relações entre os membros dessa comunidade, como eles trocam experiências e quais os gêneros estão na base do conhecimento dos especialistas são aspectos importantes para entender a variação terminológica nesses universos, visto que é nesse aspecto que os especialistas buscam adequar sua fala aos diferentes contextos comunicativos que as comunidades discursivas em que um especialista está situado apresentam, ou seja, quando um especialista comunica-se com outro especialista, com um especialista em formação e/ou um leigo, a variação terminológica é fundamental para que a comunicação ocorra de modo que não aconteça problemas na compreensão tanto na comunicação quanto na relação de um indivíduo com a comunidade discursiva da qual ele faz parte.

2. Metodologia: o universo canavieiro e o corpus da pesquisa

O Brasil é um dos maiores produtores e cultivadores da cana-de-açúcar do mundo. O setor do agronegócio e, em especial, da cultura da cana-de-açúcar é um importante elemento da economia brasileira. O setor industrial da cana-de-açúcar apresenta um número grande de associações e aglomerados de empresas em todas as regiões do Brasil, muito embora o destaque da produção da cana-de-açúcar e seus derivados sejam as regiões nordeste e centro-oeste.

Além de apresentar um poderoso e extenso parque industrial, o setor canavieiro apresenta uma extensa rede de comunicação que é composta desde programas de TV, revistas e sites. É importante mencionar também que outros gêneros mais acadêmicos como artigos científicos, dissertações e teses, além de relatórios técnicos são amplamente produzidos e divulgados na comunidade. Encontros entre especialistas em simpósios e feiras de negócios é muito comum e recorrente. Esses e outros gêneros orais e escritos produzidos pelos indivíduos que compõem essa comunidade servem de elementos de análise tanto da variação terminológica quanto de aspectos linguísticos dessa comunidade.

O corpus de análise deste trabalho é composto por um conjunto de textos orais e escritos que se materializam a partir de gêneros textuais próprios da comunidade discursiva de engenheiros agrônomos da cana-de açúcar do Brasil. O corpus foi montado considerando os diferentes níveis de especialistas que existem nessa comunidade, a saber: (i)o especialista prototípico, ou seja, aquele que tem formação e produz material de orientação da comunidade e que é uma referência entre os especialistas dessa comunidade; (ii) o especialista em formação, ou seja, o especialista que ou está em formação em um curso técnico ou de graduação ou pós-graduação em agronomia ou tem pouca experiência nesse setor e que é acompanhado por um outro especialista que tem maior experiência; e (iii)o leigo, ou seja, o indivíduo que não é dessa comunidade e que tem pouco ou conhecimentos gerais sobre os temas da área.

Dessa forma, na pesquisa, foram selecionados três gêneros que representam eventos que estão relacionados com os diferentes níveis que um indivíduo pode ocupar na comunidade:

CATEGORIA Gêneros orais Gêneros escritos
especialista Palestras Artigos científicos
aprendiz Aulas Apostila
leigo Entrevistas em programas de TV Artigo de divulgação em revistas e sites
Table 1. Quadro 01 – Textos que compõem o corpus da análise Fonte: própria

Os textos foram coletados na internet, tanto na plataforma google comum e acadêmico, em sites variados do setor agrícola, nos sites das empresas e no site da EMBRAPA. Os textos orais foram coletados na rede social de vídeos Youtube, que pertence à empresa Google.com®.

3. A variação terminológica na comunidade discursiva da cana-de-açúcar do Brasil: fatores funcionais

A variação terminológica pode ocorrer em dois sentidos: no nível conceitual e no nível denominativo do signo terminológico. Neste trabalho, o foco estará sobre a variação denominativa, considerando que ela reflete também a variação conceitual, muito embora esse não seja um aspecto importante nesta discussão. Cumpre, desse modo, entender a variação denominativa como a característica de uma unidade lexical terminológica apresentar duas ou mais denominações para um conceito (entendido como uma unidade de conhecimento partilhada por especialistas dentro de uma comunidade discursiva, no caso, a comunidade discursiva dos agrônomos especializados na cana-de-açúcar). Para a análise, foram selecionados 10 conceitos ou unidades de conhecimento e a variação denominativa desses conceitos.

Os conceitos selecionados pertencem ao campo conceitual “plantação”, que abrange conhecimentos que vão desde o preparo da terra para o plantio até a colheita ou corte da cana-de-açúcar. Para coletar as denominações em cada grupo de gênero, foi utilizado o software gratuito AntConc3, que é um pacote de programas de extração e organização de textos digitais. Por meio das ferramentas Keyword e Concordance do programa, foi possível fazer uma lista dos 10 termos e suas variantes, além de observar esses termos em contexto, para confirmar que a utilização dele no contexto equivaleria ao sentido do conceito selecionado.

Para selecionar os conceitos e ter segurança na seleção das unidades conceituais, foram consultados, além de dicionários técnicos da Agronomia, apostilas e material didático disponíveis na internet de cursos de graduação em Agronomia, na disciplina de cana-de-açúcar desses cursos, já que não foi possível contar com a consulta de um agrônomo especialista na área.

O quadro 02, a seguir, apresenta os dados da variação no corpus oral e escrito de diferentes gêneros utilizados pela comunidade de especialistas em cana-de-açúcar. No quadro, é possível observar 5 colunas e 7 linhas. Na primeira coluna, apresenta-se o canal comunicativo a partir do qual os textos dos gêneros são materializados (oralidade e escrita); Na segunda coluna, são apresentados os gêneros que materializam um conjunto de regras comunicativas da comunidade; em seguida, os 10 conceitos que serviram de parâmetro para investigar a variação denominativa; nas colunas seguintes, são apresentados o número de denominações dentro do universo dos 20 conceitos dentro de cada gênero e o índice de variação denominativa em cada gênero, ou seja, a razão simples entre o número de conceito e denominação.

CANAL GÊNERO CONCEITOS DENOMINAÇÕES ÍNDICES
Oralidade Palestra 10 16 1,6
Aula 10 14 1,4
Entrevista 10 10 1,0
Escrita Artigo Científico 10 16 1,6
Apostila 10 20 2,0
Artigo de Divulgação 10 15 1,5
Table 2. Quadro 2. dados gerais sobre a variação na terminologia da cana-de-açúcar Fonte: autor

Como se observa, a variação denominativa é um fenômeno detectável nesse discurso especializado, visto que todos os índices de variação mostram que há, em média, pelo menos, mais de uma denominação para cada conceito. Por Exemplo, o conceito descrito como “Caule da planta de cana-de-açúcar” recebe as denominações colmo da cana-de-açúcar, colmo da cana, caule, colmo da planta, caules da cana-de-açúcar, colmo da cana, haste e talo. O conceito descrito pela definição “Matéria orgânica que sobra da cana-de-açúcar após o processo de produção industrial e a quantidade de massa física de uma planta de cana-de-açúcar” recebe as denominações Iomassa da cana, fitomassa. Não encontramos, no corpus, um conceito com apenas uma definição. Todos os conceitos selecionados apresentam mais de uma, o mínimo de duas denominações.

Os índices nos mostram que dentro de cada um dos gêneros, seja oral ou escrito, a variação denominativa é uma realidade. Outro fator importante de se observar nos dados é que muito embora a variação esteja presente em todos os gêneros, é importante destacar que a volume de variação em cada um dos gêneros é diferente. O gênero apostila apresentou o maior índice de variação, 2,0. Na média, para cada conceito encontrado nos textos desse grupo, é possível encontrar, no mínimo, duas denominações. Cumpre explicar, no entanto, que o resultado indica que cada conceito tenha exatamente duas denominações, mas que, no índice geral dos conceitos encontrados nos textos desse gênero, é possível dividir duas denominações por conceito. Desse modo, é possível encontrar, dentro desses gêneros, conceitos com apenas uma e com 4 denominações, conforme já foi possível observar, em outro momento, esse resultado (cf. SERRA, 2019), que, por questões de espaço e foco, não foram trazidos para este texto.

Na amostra selecionada para este trabalho, por outro lado, é possível observar, no gênero entrevista, o índice de variação baixo, ou seja, de um modo geral, o número de denominações encontradas no corpus é de uma denominação para cada conceito. Isso ocorre porque alguns conceitos selecionados não apresentaram variação considerável, ou seja, o conceito só se apresenta a partir das denominações mais comuns ou padrões, como o conceito “cavidade alongada feita no canavial para a produção de linha de cana-de-açúcar”, que recebe duas denominações, como fileira e sulco de plantio, que é praticamente uma descrição das características do objeto, que é um buraco longilíneo.

Em termos de índice de variação, é possível produzir grupos de gêneros apresentaram maior variação denominativa na amostra selecionada para este estudo.

MAIOR VARIAÇÃO VARIAÇÃO MÉDIA MENOR VARIAÇÃO
Palestra, artigo científico e apostila Aula e artigo de divulgação entrevista
Table 3. Quadro 03. grupos de gêneros a partir do índice de variação denominativa Fonte: autor

A partir do quadro 03, é possível perceber melhor o grupo de gêneros que variam mais dentro dessa comunidade. É importante observar, a partir dele, que alguns gêneros, que têm materializações diferente, como é o caso da palestra e do artigo científico, em que se tem um oral e o outro escrito, apresentam índices de variação semelhante ou estão no mesmo grupo de gêneros, o que indica que, na amostra selecionada, o fator materialização dos gêneros não foi relevante. Nessa direção, é preciso observar outros fatores, mais funcionais, que podem dar respostas sobre a variação denominativa apresentada.

Cumpre lembrar que os artigos científicos e as palestras são produzidas por especialistas que são consagrados na comunidade, portanto, conhecem um número de denominações maior, e tem maior liberdade para apresentar essa variação, sobretudo porque o público-alvo desses textos é outro especialista, que, na maioria das vezes, apresenta um considerável conhecimento da terminologia da área. A apostila, por outro lado, apresenta também uma variação denominativa considerável talvez porque quem escreve o texto também considera o seu público, que é de aprendizes, mostrando como os conceitos apresentados podem ser denominados naquela comunidade.

É curioso, por outro lado, observar que os gêneros aula e artigo de divulgação apresentam-se no mesmo grupo de gêneros, com a mesma média. É importante pensar que ambos ocorrem em contextos comunicativos diferentes (um didático e o outro na divulgação de ciência em revistas destinada a esse meio) e podem apresentar esse índice porque o público-alvo também é de não-especialistas e o contexto em que eles circulam é para um público variado e diverso. Uma hipótese nesse sentido é que na tentativa de esclarecer os conceitos para um público de especialistas em formação (aula) e para um público leigo (artigo de divulgação), os especialistas desse campo buscam denominar com diferentes denominações os conceitos, às vezes, para deixar o conceito evidente por meio de paráfrases ou por denominações mais claras que revelam o conteúdo delas, além da denominação padrão, amplamente reconhecida naquela comunidade de especialistas.

Por fim, a entrevista apareceu na amostra com menor índice de variação. As entrevistas utilizadas para esse estudo são entrevistas em que os especialistas se comunicam com um público mais amplo e elas são relativamente curtas. São entrevistas feitas em programa de televisão em canais específicos para o setor do agronegócio. Os especialistas em uma técnica ou um conhecimento sobre o plantio de cana-de-açúcar são chamados para falar sobre suas descobertas para um público mais amplo, composto não apenas por especialistas consagrados ou em formação, mas também por leigos e indivíduos que estão se informando sobre o setor canavieiro. Nesses contextos, os especialistas, além de terem um tempo reduzido para falar, estão sendo controlados pelos repórteres, sobretudo no tema em que eles estão dialogando. Nesse sentido, o controle da comunicação e o tempo disponível para falar podem ser fatores desse gênero nessa comunidade que colaborem para que o índice de variação seja menor, visto que o especialista precisa utilizar-se de uma denominação mais ampla e reconhecida em sua comunidade, sem muito tempo para a utilização de denominações variadas, até para que o leigo possa fixar o conceito que é apresentado no programa. Dessa forma, o fator pragmático e contextual em que o texto é produzido podem ter sido fatores relevantes para que a variação denominativa nesse grupo não fosse tão expressiva.

Obviamente que as explicações apresentadas neste trabalho podem variar de acordo com a situação comunicativa e pragmática de cada um dos eventos que ocorrem nessa comunidade. Não é possível pensar, lógico, em um evento padrão que se repete em todas as circunstâncias, mas sim, em modelos comunicativos próprios de uma comunidade de especialistas que é relativamente estável (gênero), apresentando um sem-número de variações e circunstâncias. Não resta dúvidas de que esses elementos, que são próprios da comunicação em qualquer instância do saber e fazer humano, são elementos importantes para a compreensão dos fenômenos da linguagem, e a variação terminológica não se exclui desse aspecto. O que apresentamos neste estudo é apenas uma amostra das muitas possibilidades que estão na base da variação denominativa encontrada. O que precisa ficar claro é que a variação denominativa e conceitual são circunstanciadas por aspectos que são próprios da cultura acadêmica de um modo geral, assim como por aspectos próprios da cultura de cada universo especializado investigado.

É importante que os estudos sobre os fenômenos terminológicos também considerem as circunstâncias, a cultura e o modo de se comunicar das diferentes comunidades de especialistas que são os usuários das terminologias que são analisadas. Não é possível, nessa perspectiva, analisar um termo apenas como uma unidade de conhecimento e denominação, outros aspectos também precisam ser considerados e, para isso, os estudos sobre o uso e sobre os gêneros podem dar importante contribuição.

4. Algumas umas últimas considerações

O presente estudo buscou analisar o fenômeno da variação denominativa a partir das discussões sobre a cultura, o contexto e sobre os gêneros textuais especializados do universo da cana-de-açúcar. Por meio da pesquisa, foi possível observar que a variação denominativa é uma realidade no universo da cana-de-açúcar do Brasil e isso mostra o quanto a terminologia técnica utilizada nesse contexto é composta por aspectos linguísticos da comunicação praticada por essa comunidade, conforme preconizam os pressupostos teóricos linguísticos da Terminologia.

Ampliou-se essa discussão para o conceito de comunidade discursiva de Swales, que oferece importantes contribuições para a compreensão da realidade linguística das diferentes comunidades discursivas que são analisadas pelos estudos terminológicos. O trabalho de Swales amplia a discussão e coloca elementos culturais, práticos e linguísticos na discussão sobre a linguagem que é utilizada pelas ciências e pelas diferentes áreas do saber humano. É importante destacar que a Terminologia, há muito, trabalha com o conceito de comunidade, no entanto, o faz sem mencionar aspectos dessa comunidade e sem que ele seja um elemento importante para a análise. Nesse sentido, Braz e Silva (2019, p.89) comentam que:

(...) as áreas de especialidade às quais as abordagens terminológicas se referem são equivalentes ao que Swales denomina de comunidades discursivas, esse conceito é presença constante nas investigações e aplicações. Entretanto, mencionando diretamente este autor, são relativamente poucos os trabalhos que o fazem.

Por fim, sugere-se um diálogo mais intenso e direto entre a Terminologia e as disciplinas que estudam a linguagem em uso, com destaque para disciplinas e discussões teóricas que veem a língua a partir do contexto e do uso linguístico, como a pragmática, a Linguística do Texto e os estudos dos gêneros textuais de um modo geral. O conceito de comunidade discursiva, de Swales, apresenta-se como um importante instrumento teórico nessa direção, muito embora outros campos da Linguística também possam colaborar.

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Como Citar

SERRA, L. H. A variação terminológica e os gêneros textuais especializados: a comunidade discursiva da cana-de-açúcar do Brasil. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 2, n. 4, p. e479, 2021. DOI: 10.25189/2675-4916.2021.v2.n4.id479. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/479. Acesso em: 23 nov. 2024.

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