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Registro de Projeto

O estado enquanto um aspecto derivado: uma análise sintático- semântica

Letícia Meirelles

Universidade Federal de Uberlândia image/svg+xml

https://orcid.org/0000-0001-9913-1251


Palavras-chave

Semântica Lexical
Aspecto Lexical
Aspecto Derivado
Alternâncias Verbais
Propriedades Semânticas

Resumo

Neste texto, registramos o projeto de pesquisa intitulado “O estado enquanto um aspecto derivado: uma análise sintático-semântica”, desenvolvido sob a coordenação da professora Letícia Lucinda Meirelles, no Instituto de Letras e Linguística, da Universidade Federal de Uberlândia. Nosso objetivo é analisar sentenças que denotam o aspecto de estado de forma derivada, devido a uma interpretação gerada pela interação entre o aspecto lexical, inerente ao item verbal, a mudança da estrutura argumental dos verbos, o aspecto gramatical e outros sintagmas presentes nas sentenças, como mostram os exemplos: a garagem lá de casa abrigou um cachorro perdido (durante a madrugada); a mãe se preocupa com o mau comportamento do filho; pote de azeitona não (se) abre fácil; Belo Horizonte chove muito nessa época do ano. Nossa principal hipótese é de que, embora haja diferentes tipos de verbos, em diferentes tipos de sentenças, que participam desse fenômeno, deve haver alguma propriedade semântica comum a todos eles que permita a ocorrência dessa interpretação estativa das sentenças, mesmo que os verbos que as nucleiam denotem eventos. O presente projeto se insere na linha de pesquisa “Teoria, descrição e análise linguística”, mais especificamente na área de estudos da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por partir do pressuposto de que a realização dos argumentos na sintaxe é uma projeção das propriedades lexicais dos verbos, que são de natureza semântica.

Resumo para não especialistas

Neste projeto de pesquisa, temos como objetivo analisar por que alguns tipos de verbos do português brasileiro podem ocorrer em dois tipos distintos de sentenças: (i) em sentenças que denotam a realização de ações/eventos, indo de acordo ao sentido inerente dos verbos; e (ii) em sentenças que não denotam ações, indo contra ao esperado pelo sentido dos verbos. Vejamos alguns exemplos: (a) eu abriguei um cachorrinho perdido na garagem lá de casa durante a madrugada x (b) a garagem lá de casa abrigou um cachorrinho perdido durante a madrugada; (a) choveu demais em Belo Horizonte no mês de maio x (b) Belo Horizonte chove muito em maio. Enquanto as sentenças em (a) denotam a realização de eventos, as em (b) expressam espécies de características ou funções dos sujeitos sintáticos “a garagem lá de casa” e “Belo Horizonte”, sendo chamadas de sentenças estativas derivadas, uma vez que são formadas por verbos que originalmente expressam ações. Nosso objetivo é fazer um levantamento, por meio do dicionário de verbos de Borba (1990) e do banco de dados VerboWeb, de quais verbos basicamente eventivos podem ocorrer em sentenças estativas derivadas, procurando estabelecer se eles apresentam propriedades semânticas em comum. Por lidar com um fenômeno que envolve tanto a significação quanto o comportamento sintático verbal, nossa pesquisa será norteada pelos trabalhos na Interface Sintaxe-Semântica Lexical.

Introdução

Neste projeto, tomamos como objeto de estudo sentenças que denotam o aspecto de estado de forma derivada, devido a uma interpretação gerada pela interação entre o aspecto lexical, inerente ao item verbal, a mudança da estrutura argumental dos verbos, o aspecto gramatical e outros sintagmas presentes nas sentenças. Vejamos os exemplos a seguir.

(1) A garagem lá de casa abrigou um cachorro perdido (durante a madrugada).

(2) A mãe se preocupa com o mau comportamento do filho.

(3) Pote de azeitona não (se) abre fácil.

(4) Belo Horizonte chove muito nessa época do ano.

Ao analisarmos a interpretação aspectual das sentenças de (1) a (4), percebemos que todas denotam estados, pois não descrevem a realização de um evento, mas situações que não se desenvolvem ou progridem no tempo (Vendler, 1967; Comrie, 1976).[1] Porém, os verbos presentes nessas sentenças não denotam estados em sua forma aspectual inerente, conhecida como aspecto lexical básico (Smith, 1997; Cançado e Amaral, 2016). Vejamos:

(5) Eu abriguei um cachorro perdido na garagem lá de casa durante a madrugada.

(6) O filho preocupou a mãe (com seu mau comportamento).

(7) A cozinheira abriu o pote de azeitona com dificuldade.

(8) Choveu muito (em Belo Horizonte).

Os verbos dos exemplos de (5) a (8) foram conjugados no pretérito perfeito do modo indicativo, pois essa desinência modo-temporal parece ser a menos marcada no português brasileiro (PB) quanto à perfectividade, uma vez que pode ocorrer em sentenças com interpretação perfectiva (eu comprei livros ontem) ou imperfectiva (eu comprei livros durante toda minha vida).[1] Ao optarmos por uma desinência mais “neutra” quanto às leituras de perfectividade ou imperfectividade, ligadas ao aspecto gramatical, estamos tentando isolar qualquer interferência na interpretação do aspecto lexical básico do verbo. Assim, ao analisarmos as sentenças de (5) a (8), percebemos que todas elas denotam a realização de eventos, sejam eles mais durativos ou mais pontuais. Essa interpretação eventiva/não estativa vem do sentido inerente dos verbos que, por si só, denotam a realização de eventos no mundo.

Desse modo, o nosso objetivo principal é estudar quais as alterações morfossintáticas e quais propriedades semânticas permitem com que as sentenças de (1) a (4) sejam interpretadas como estados, mesmo contendo verbos basicamente eventivos.

O presente projeto se insere na linha de pesquisa “Teoria, descrição e análise linguística”, mais especificamente na área de estudos da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, e se estrutura da seguinte maneira: na seção 2 e em suas subseções, apresentamos nosso objeto de estudo, justificativas, hipóteses, objetivos e metodologia; na seção 3 e em suas subseções, explicamos o referencial teórico que norteará nossa pesquisa; e na seção 4, apresentamos nosso plano de trabalho, planejado para ser desenvolvido durante o período de cinco anos.

1. A pesquisa

1.1. Objeto de estudo: as sentenças com interpretação de estado enquanto um aspecto derivado

Como mencionamos anteriormente, as sentenças de (1) a (4) são interpretadas como estados, mesmo que seus verbos não denotem inerentemente esse aspecto. Uma interpretação estativa se refere a situações que não se desenvolvem ou progridem no tempo, de modo que a sentença não descreve a realização de nenhum tipo de ação, processo ou movimento. De acordo com Van Valin (2005), por não serem dinâmicos, os estados não respondem adequadamente à pergunta “o que aconteceu?”, como mostramos a seguir:

(9) A: O que aconteceu?

B: Eu abriguei um cachorro perdido na garagem lá de casa durante a madrugada.

#A garagem lá de casa abrigou um cachorro perdido (durante a madrugada).[1]

(10) A: O que aconteceu?

B: O filho preocupou a mãe (com seu mau comportamento).

#A mãe se preocupa com o mau comportamento do filho.

(11) A: O que aconteceu?

B: A cozinheira abriu o pote de azeitona com dificuldade.

#Pote de azeitona não (se) abre fácil.

(12) A: O que aconteceu?

B: Choveu muito (em Belo Horizonte).

# Belo Horizonte chove muito nessa época do ano.

Ao compararmos as sentenças de (5) a (8) com as de (1) a (4), percebemos que as primeiras funcionam como respostas adequadas à pergunta “o que aconteceu?”, enquanto as segundas não funcionam, o que evidencia o seu caráter estativo.

As sentenças de (1) a (4) são fruto do que é conhecido, em Interface Sintaxe-Semântica Lexical, como alternância verbal. De acordo com Levin (1993) e Cançado (2010), as alternâncias verbais dizem respeito a qualquer reorganização da expressão dos argumentos de um verbo e não apenas à variação entre uma forma transitiva e uma intransitiva, como na conhecida alternância causativo-incoativa (ex.: o menino quebrou o vaso; o vaso (se) quebrou).

A sentença em (1) apresenta o verbo abrigar, que, em sua forma básica, toma 3 argumentos para ter seu sentido saturado: aquele que faz a ação de abrigar, a entidade abrigada e o local no qual essa entidade é abrigada, como mostra a sentença em (5), eu abriguei um cachorro perdido na garagem lá de casa (durante a madrugada). Na sentença em (1), o argumento externo verbal, que exerce o papel de agente, é apagado, e o argumento que exerce o papel de locativo alça para a posição sintática de sujeito. De acordo com Meirelles (2024), esse tipo de alternância é um subtipo do fenômeno linguístico conhecido como inversão locativa (Hooper; Thompson, 1973; Bresnan, 1976; Levin; Rappaport Hovav, 1992, 1995; Levin, 1993; Duarte, 1995; Nagase, 2007; Munhoz; Naves, 2012; Pilati, 2016, dentre outros). Esse fenômeno se caracteriza pela presença de um sintagma nominal ou preposicionado, com função semântica de locativo, na posição pré-verbal, como ocorre na sentença essa casa/nessa casa já entrou ladrão e no exemplo em (1).

A sentença em (2) apresenta o verbo preocupar, que pode ter seus argumentos expressos de duas maneiras: o motivador da preocupação (o mau comportamento do filho) pode ocupar a posição de sujeito (exemplo em (6)) ou de objeto indireto do verbo, como na sentença (2) (Cançado; Amaral; Meirelles; Foltran, 2024).

A sentença em (3), com o verbo abrir, diz respeito a um tipo de alternância conhecida como média ou medial (Keyser; Hoeper, 1984; Levin; Rappaport Hovav, 1994; Souza, 1999; Cançado; Amaral; Meirelles, 2022). Essa alternância se caracteriza, assim como a alternância causativo-incoativa, por apresentar o clítico se, que marca a mudança do argumento na posição de objeto para a posição de sujeito. Assim como na forma incoativa, esse clítico é opcional em alguns dialetos do português e não tem função de complemento do verbo. Sentenças mediais denotam genericidade em relação ao processo descrito pelo verbo e, segundo Cançado, Amaral e Meirelles (2022), atribuem ao sujeito um tipo de estado, mais especificamente, uma propriedade.

Por fim, a sentença em (4) é típica de verbos que denotam fenômenos da natureza e também é considerada um tipo de inversão locativa. Cançado, Amaral e Meirelles (2022), baseadas em Costa, Augusto e Rodrigues (2014), consideram verbos do tipo chover como transitivos indiretos, sem a presença de um argumento externo.[1] Assim, na sentença em (8), choveu muito em Belo Horizonte, o sintagma preposicionado em Belo Horizonte, é um argumento do verbo que alça para a posição pré-verbal na inversão locativa (sentença (4)).

Acreditamos que as construções sintáticas de (1) a (4) sejam licenciadas por certas propriedades semânticas apresentadas pelos verbos, que, juntamente a alterações morfossintáticas feitas nas sentenças, permitem que estas sejam interpretadas como estados, mesmo contendo verbos basicamente eventivos.

1.2. Justificativa

A realização desta pesquisa se justifica, pois são escassos os trabalhos que tratam de forma aprofundada, sob uma perspectiva formal, a existência do aspecto de estado enquanto derivado da ocorrência de alternâncias de estrutura argumental junto a outras operações morfossintáticas feitas nas sentenças. Alguns exemplos apresentados na seção anterior são estudos de forma isolada, como a alternância medial e a inversão locativa. Porém, esses estudos não focam a mudança aspectual ocorrida nas sentenças nem tampouco objetivam uma análise unificada do que pode ser considerado um amplo tipo de alternância aspectual, a alternância evento-estado, na qual um verbo que denota basicamente um evento nucleia uma sentença que denota um estado.

Além disso, a hipótese de que existam propriedades semânticas que licenciem a ocorrência desse amplo fenômeno de alternância aspectual se justifica pelo fato de nem todos os verbos de nossa língua admitirem a sua realização, mesmo que pertençam à mesma classe verbal de verbos que a admitem. Os trabalhos na área da Interface Sintaxe-Semântica Lexical definem como classe verbal um grupo de verbos que apresenta a mesma estrutura argumental. Por estrutura argumental, entende-se o número de argumentos que um verbo toma para ter seu sentido saturado, a categoria morfológica desses argumentos e o seu tipo semântico, que pode ser definido por meio de papéis temáticos. Desse modo, o verbo colocar, por exemplo, pertence à mesma classe do verbo abrigar, pois ambos tomam 3 argumentos para ter seu sentido completo, e esses argumentos recebem os papéis temáticos de Agente, Tema e Locativo.

(13) Eu abriguei um cachorro perdido na garagem lá de casa.

(14) Eu coloquei a fruta na geladeira.

Nas sentenças em (13) e (14), o pronome eu recebe o papel de Agente e ocupa a posição sintática de sujeito; os sintagmas nominais um cachorro perdido e a fruta recebem o papel de Tema e ocupam a posição sintática de objeto direto; os sintagmas preposicionados na garagem lá de casa e na geladeira recebem a função semântica de Locativo e ocupam a posição sintática de segundo objeto do verbo, sendo um objeto indireto. Porém, embora pertençam à mesma classe verbal, o verbo colocar não realiza a alternância aspectual a qual nos propomos a analisar:

(15) *A geladeira colocou a fruta.

Por outro lado, existem verbos que pertencem a classes distintas, mas mesmo assim exibem a existência da alternância aspectual em questão:

(16) Pote de azeitona não abre fácil.

(17) Lote de100 m² vende fácil.

O verbo abrir faz parte de uma classe verbal conhecida como “classe dos verbos de mudança de estado” (Fillmore, 1970; Levin, 1993; entre vários outros), que, como o próprio nome já diz, denota uma mudança de estado sofrida por um dos argumentos do verbo – o argumento interno. Por denotarem esse conteúdo semântico, todos os verbos dessa classe realizam a conhecida alternância causativo-incoativa. No PB, pertencem à classe dos verbos de mudança de estado mais de 450 verbos, como abrir, quebrar, machucar, dentre vários outros (Cançado; Amaral; Meirelles, 2022): a cozinheira abriu o pote de azeitona/ o pote de azeitona (se) abriu; a queda quebrou o vaso de barro/ o vaso de barro (se) quebrou; o acidente machucou a menina/ a menina (se) machucou. Por sua vez, o verbo vender não pertence a essa classe, pois não denota uma mudança de estado em seu argumento interno e, consequentemente, não participa da alternância causativo-incoativa: o corretor vendeu o lote de 100 m²/ *o lote de 100 m² (se) vendeu.

Assim, a pergunta que surge é: existem propriedades semânticas, não determinadas pelas classes verbais, comuns a todos os verbos que admitem a realização dessa alternância aspectual evento-estado? Se sim, quais são elas? Essas são as principais questões que pretendemos responder com a realização desta pesquisa.

1.3. Hipóteses e Objetivos

Como mencionamos na seção anterior, o fenômeno que pretendemos analisar pode ser considerado um amplo tipo de alternância aspectual, no qual um verbo basicamente eventivo nucleia uma sentença com leitura estativa. A nossa principal hipótese é de que, embora haja diferentes tipos de verbos, em diferentes tipos de sentenças, que participam desse fenômeno, deve haver alguma propriedade semântica comum a todos eles que permita a ocorrência dessa interpretação estativa. Essa hipótese é inovadora, pois nenhum trabalho considera a alternância aspectual evento-estado como um fenômeno único do PB, motivado semanticamente.

A fim de corroborar nossa hipótese, elencamos os seguintes objetivos.

Objetivo geral:

- contribuir para a descrição do sistema linguístico do PB através da análise de um amplo fenômeno sintático-semântico que vem sendo tratado de forma isolada e secundária nos estudos dessa língua.

Objetivos específicos:

- descrever a alternância aspectual evento-estado, detalhando, sintática e semanticamente, os diferentes subtipos de alternâncias verbais que compõem esse fenômeno;

- verificar se há alguma propriedade semântica comum entre todos os verbos que participam da alternância aspectual evento-estado;

- comparar a leitura aspectual de estado das sentenças com os verbos que apresentam o aspecto lexical básico de estado, como amar, gostar, saber, existir, entre outros, objetivando estabelecer um paralelo entre o que podemos chamar de “estados puros” e “estados derivados”.

Na próxima seção, apresentamos a metodologia que iremos seguir para alcançar nossos objetivos.

1.4. Metodologia

Para o estudo da alternância aspectual evento-estado no PB, seguiremos os pressupostos gerais da Interface Sintaxe-Semântica Lexical. Essa linha de pesquisa procura mostrar como o significado lexical é estruturado, de modo que possa motivar a sintaxe. Adotaremos uma metodologia composta basicamente de duas etapas: coleta de verbos e análise dos dados à luz do referencial teórico adotado, que será explicitado na seção seguinte.

Coletaremos os verbos que participam da alternância aspectual evento-estado por meio do dicionário de verbos de Borba (1990) e do VerboWeb (Cançado; Amaral; Meirelles, 2022). Esse último é um banco de análises verbais do PB, composto por dados de introspecção que ilustram os diferentes comportamentos sintáticos dos verbos de acordo com suas propriedades semânticas. Para cada verbo, faremos uma análise de seu aspecto lexical inerente por meio dos testes aspectuais propostos por Vendler (1967), Morgan (1969), Comrie (1976), Dowty (1979), Van Valin (2005) e por Cançado e Amaral (2016), para o PB. Após essa análise, atribuiremos uma sentença básica para cada verbo e uma sentença com a leitura aspectual de estado.

Neste ponto, justificamos o uso de dados de intuição. Desejamos fazer uma ampla coleta dos verbos que permitem a ocorrência da alternância aspectual evento-estado, e trabalhar com corpora de dados reais poderia limitar bastante o número de verbos que encontraríamos. Além disso, precisaremos testar aqueles verbos que não permitem a alternância, ou seja, trabalharemos com a evidência negativa, que não é encontrada em dados reais.

Após coletados os verbos, os separaremos em grupos de acordo com o tipo de alternância de estrutura argumental que apresentam. Em cada grupo verbal, analisaremos quais as propriedades semânticas dos verbos permitem a sua participação em cada alternância específica. Essa análise será feita por meio de testes como paráfrases, testes de acarretamento lexical, classificação do aspecto lexical, atribuição de papéis temáticos, entre outros.

Por fim, verificaremos se existe alguma propriedade semântica comum a todos os verbos que permitem a realização da alternância aspectual evento-estado e qual a relação desta com cada alternância de estrutura argumental específica.

2. Referencial Teórico

2.1. A Interface Sintaxe-Semântica Lexical

A importância do componente lexical para as teorias linguísticas tem se tornado cada vez mais clara, uma vez que ele deixou de ser tratado como um simples repositório de papéis temáticos e certas exceções gramaticais, dando lugar a postulação da existência de um léxico estruturado e atuante na aquisição do nosso conhecimento linguístico (Fillmore, 1970; Fillmore; Kay; O’Connor, 1988; Kiparsky, 1982, 1985; Pinker, 1989; Jackendoff, 1983, 1990; Levin, 1993; Levin; Rappaport Hovav, 1992, 1995, 2005, dentre outros trabalhos; Pustejovsky, 1995; Wunderlich, 2012; Cançado; Amaral, 2016; Cançado; Amaral; Meirelles, 2022).

A Interface Sintaxe-Semântica Lexical ou simplesmente Semântica Lexical é um campo de estudo que surgiu a partir dos trabalhos de Fillmore (1968, 1970) e que estuda o significado dos itens lexicais sob a ótica da Semântica Representacional, uma vez que relaciona a língua às representações mentais. De acordo com Levin e Rappaport Hovav (2005), desde a década de 1980, muitas teorias da gramática têm sido construídas baseadas no pressuposto de que a realização sintática dos argumentos verbais é motivada pela semântica do verbo. Essas teorias são chamadas de teorias de projeção, pois assumem que a realização dos argumentos na sintaxe é uma projeção das propriedades lexicais dos verbos, que são de natureza semântica.

Assim, o objetivo dos estudos em Interface Sintaxe-Semântica Lexical é propor representações semânticas para os verbos que possam servir de base para a explicação de sua sintaxe. São de grande importância nessa linha de pesquisa os estudos sobre as classes verbais, como veremos a seguir.

2.1.1. Classes verbais

Não é qualquer agrupamento semântico de verbos que constitui uma classe verbal. Grimshaw (2005), por exemplo, aponta que, apesar de o inglês possuir muitos verbos relacionados com a noção de cor (paint ‘pintar’, color ‘colorir’, bleach ‘corar’, redden ‘avermelhar’ e stain ‘manchar’), não há nada particular na realização de seus argumentos que faça com que possam ser agrupados em uma mesma classe verbal. Do mesmo modo, Pesetsky (1995), mostra que, na língua inglesa, não há diferenças sintáticas entre verbos que denotam emissão de sons altos (bellow ‘berrar’, shout ‘urrar’) e verbos que denotam emissão de sons baixos (whisper ‘sussurrar’, murmur ‘murmurar’). No entanto, segundo o autor, a distinção entre verbos que denotam a maneira de falar (sussurrar, murmurar, berrar e urrar) e verbos que denotam um conteúdo de fala (say ‘dizer’, speak ‘falar’, propose ‘propor’) é relevante para a divisão dos verbos em classes verbais, uma vez que, no inglês, apenas os verbos do segundo tipo aceitam um complemento sentencial, como em Mary said that she is angry ‘Mary falou que ela está furiosa’, mas não *Mary whispered that she is angry ‘Mary sussurrou que ela está furiosa’.

Portanto, é consensualmente assumido nos trabalhos da Interface Sintaxe-Semântica Lexical que apenas algumas partes do significado de um verbo são relevantes para a realização de seus argumentos. Esses componentes semânticos são isolados a partir de uma observação minuciosa do comportamento sintático verbal, de modo que verbos que apresentam a mesma sintaxe devem possuir os mesmos componentes de significado.

Peguemos, por exemplo, alguns verbos do PB que tomam como argumento interno uma entidade afetada pela ação verbal.[1]

(18) a. O menino quebrou o vaso de flor.

b. O vaso de flor quebrou.

(19) a. O menino abriu a porta do quarto.

b. A porta do quarto abriu.

(20) a. O fazendeiro chicoteou o cavalo.

b. *O cavalo chicoteou.

(21) a. O homem martelou o prego.

b. *O prego martelou.

Embora os argumentos internos dos verbos de (18) a (21) sejam afetados pelas ações descritas pelos verbos quebrar, abrir, chicotear e martelar, apenas os dois primeiros itens verbais realizam a alternância causativo-incoativa. Desde Fillmore (1970), diversos trabalhos na Interface Sintaxe-Semântica Lexical têm mostrado que esta é uma alternância típica de verbos que compartilham o significado de mudança de estado, acarretando o sentido de tornar-se/ ficar estado:

(22) O vaso de flor ficou quebrado.[1]

(23) A porta ficou aberta.

(24) *O cavalo ficou chicoteado.

(25) *O prego ficou martelado.

Como podemos ver em (24) e (25), os verbos chicotear e martelar não acarretam que seus respectivos argumentos internos passam a ficar em um determinado estado, o que faz com que não aceitem a forma incoativa.

Portanto, embora os verbos quebrar, abrir, chicotear e martelar apresentem em comum o fato de denotarem a afetação da entidade que representa seu argumento interno, esta não é uma propriedade semântica relevante para a formação de uma classe verbal que compartilhe os mesmos comportamentos sintáticos. É trabalho do semanticista lexical encontrar que propriedades são essas.

2.1.1.1. O aspecto lexical e as classes verbais

Uma das propriedades semânticas que os verbos pertencentes a uma mesma classe apresentam em comum é o aspecto lexical. Os verbos da classe de mudança de estado (quebrar, abrir, machucar, etc.), por exemplo, denotam um tipo de evento que possui um início, desencadeado por um agente ou uma causa, um meio, que corresponde ao desenvolvimento do evento, e um resultado final. Por se desenrolarem no tempo dessa maneira, eles veiculam um aspecto lexical chamado de accomplishment. Nesta seção, veremos como as classes aspectuais são definidas, focando o aspecto lexical inerente aos verbos.

A origem da noção de aspecto começou com Aristóteles por meio da distinção entre ações que tendem a um ponto final, chamadas de kinesis, e ações que se prolongam no tempo, sem ter um ponto final específico, chamadas de energia. Nos estudos linguísticos, o primeiro autor a propor a divisão aspectual, chamada de aspecto lexical, foi Vendler (1967).

Esse aspecto pode ser entendido, de modo geral, como o tempo não dêitico, pois não está relacionado às noções de passado, presente e futuro. De acordo com Comrie (1976) e Lyons (1977), o aspecto refere-se à constituição temporal interna de uma situação, pois descreve a maneira como esta se desenvolve/ desenrola no decorrer do tempo. Vejamos as sentenças a seguir:

(26) a. A Gisele Bündchen desfilou ontem.

b. A Gisele Bündchen desfilava sempre.

(27) a. O menino entrou em casa.

b. O menino correu ontem.

O verbo desfilar está flexionado no tempo passado em ambas as sentenças em (26). Contudo, (26a) descreve uma situação que aconteceu em um intervalo de tempo específico, enquanto (26b) descreve uma situação habitual. Essa é uma diferença relacionada àquilo que chamamos de aspecto gramatical, pois um mesmo verbo apresenta uma situação de duas maneiras distintas.

Já os verbos entrar e correr, em (27), encontram-se flexionados no tempo passado e ambos descrevem uma situação que aconteceu em um intervalo de tempo específico. Contudo, a primeira sentença, com o verbo entrar, descreve uma situação pontual, enquanto a segunda, com o verbo correr, descreve uma situação durativa. Essa é uma diferença relacionada àquilo que chamamos de aspecto lexical, pois embora os verbos apresentem o mesmo tempo verbal e o mesmo aspecto gramatical, eles descrevem situações que se desenrolam temporalmente de maneira distinta.

Exploremos, primeiramente, a noção de aspecto gramatical e sua marcação canônica no português brasileiro (PB). De acordo com Comrie (1976), o aspecto gramatical é chamado de aspecto do ponto de vista, pois nos permite descrever uma mesma situação sob diferentes perspectivas. No PB, ele é marcado através das desinências verbais, dividindo-se basicamente em dois tipos: perfectivo e imperfectivo.

O primeiro é conhecido como aspecto do ponto de vista externo, pois é utilizado para descrever situações como um tudo que acontece em um intervalo de tempo específico. É representado canonicamente pelo pretérito perfeito (a menina correu ontem; a Gisele Bündchen desfilou na semana passada; o menino entrou na sala às 15h).

O segundo é conhecido como aspecto do ponto de vista interno, pois é utilizado para descrever situações que progridem no tempo ou que representam hábitos. Divide-se em habitual e contínuo. O aspecto imperfectivo habitual é canonicamente representado pelo presente e pelo pretérito imperfeito (a Gisele Bündchen desfila/desfilava). Já o aspecto imperfectivo contínuo é atualizado pela perífrase verbal estar + gerúndio e pelo pretérito imperfeito, acrescido de algum sintagma que indique uma leitura não habitual (a Gisele Bündchen está/estava desfilando; a Gisele Bündchen desfilava no dia das eleições).

De acordo com Travaglia (1985), não há uma relação necessária entre a marcação flexional de tempo e a de aspecto. Para o autor, o futuro não atualiza nenhum aspecto gramatical. Vejamos os exemplos a seguir:

(28) A professora escreverá/vai escrever uma carta.

(29) No ano que vem, o João vai trabalhar duro.

Ambos os verbos das sentenças em (28) e (29) descrevem situações que ocorrerão no futuro. Contudo, em (28) há uma situação que possui um início, um meio e um fim (escrever uma carta), enquanto (29) apresenta apenas uma atividade de alguém, sem que haja um limite de tempo específico. Essa diferença de leitura entre os dois verbos está relacionada ao aspecto lexical, que definiremos melhor um pouco mais adiante.

É importante frisar que mostramos as marcações canônicas do aspecto gramatical no PB. Contudo, esse tipo de aspecto pode vir marcado de outras formas, como aponta Tenuta (1995). Observemos os dois exemplos a seguir:

(30) Desce o menino a montanha, atravessa o mundo todo, chega ao grande rio, com as mãos recolhe quanto de água lá cabia, volta o mundo atravessar, pelo monte se arrasta, três gotas que lá chegaram, bebeu-as a flor com sede.

(trecho de “A maior flor do mundo”, de José Saramago, 2001. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/maior-flor-do-mundo-jose-saramago/#goog_rewarded).

(31) João correu durante a vida toda.

Em (30), os verbos em negrito apresentam marca morfológica de presente, mas denotam um evento concluído no passado. Trata-se de um tipo de estratégia narrativa chamada de presente histórico ou narrativo. Já em (31), o verbo correr está conjugado no pretérito perfeito, mas a sentença descreve uma situação habitual, marcada pela presença da expressão durante a vida toda. Falaremos mais sobre casos como esses na próxima seção.

Passemos agora para a descrição do aspecto lexical, também conhecido como aspecto acional ou aktionsart, que está relacionado ao sentido inerente dos verbos, ou seja, os itens verbais trazem esse aspecto marcado no léxico, em sua entrada lexical. É importante ressaltar que, diferentemente do aspecto gramatical, o aspecto lexical não é marcado morfologicamente. De acordo com Vendler (1967), existem quatro tipos de classes aspectuais: estados, atividades, accomplishments e achievements. Cada um desses tipos pode ser caracterizado em termos de valores/propriedades aspectuais, que, segundo Comrie (1976), são: estatividade x dinamicidade; pontualidade x duratividade e telecidade x atelicidade.

Comecemos pela descrição dos verbos de estado, os quais dizem respeito a situações que não se desenvolvem ou progridem no tempo, não sendo necessário nenhum tipo de força, ação ou movimento para que essas situações ocorram. Caracterizam-se da seguinte forma quanto aos valores/propriedades aspectuais: (i) são estativos, pois não apresentam dinamicidade; (ii) são durativos, pois se estendem no tempo; (iii) são atélicos, pois não se encaminham para um estado final. São exemplos de verbos que inerentemente denotam estados:

(32) João tem uma casa.

(33) João gosta/ama/odeia/adora chocolate.

Como já mencionamos anteriormente, de acordo com Van Valin (2005), por não serem dinâmicos, os verbos de estado não respondem adequadamente à pergunta ‘o que aconteceu?’:

(34) A: O que aconteceu?

B: # João tem uma casa.

# João gosta de chocolate.

Os verbos de estado são os únicos que não são dinâmicos. Por isso, os verbos das demais classes aspectuais respondem adequadamente à pergunta ‘o que aconteceu?’:

(35) A: O que aconteceu?

B: O atleta correu. → verbo de atividade

O menino quebrou o vaso de barro. → verbo de accomplishment

O homem morreu. → verbo de achievement

Os verbos de atividade, assim como os verbos de estado, denotam situações durativas e que não possuem um resultado final. Porém, contrariamente aos segundos, os primeiros são dinâmicos, pois descrevem eventos desencadeados por entidades. Assim, verbos de atividade apresentam os seguintes valores aspectuais: (i) dinamicidade; (ii) duratividade; e (iii) atelicidade, pois qualquer parte do evento pode ser caracterizada do mesmo modo que o evento como um todo. Além do verbo correr, são exemplos de verbos que inerentemente denotam atividades:

(36) A bailarina dançou sem parar.

(37) O menino bochechou o chá de boldo

Como dissemos, por serem atélicos, qualquer parte do evento pode ser caracterizada do mesmo modo que o evento como um todo. Isso quer dizer que em cada intervalo do evento de dançar, por exemplo, a bailarina realiza a ação de dançar. Um teste, muito conhecido, que evidencia a atelicidade dos verbos de atividade é chamado de “paradoxo do imperfectivo”. Para realizá-lo, utiliza-se a perífrase estar + gerúndio (aspecto gramatical imperfectivo contínuo) e verifica-se se há o acarretamento da forma perfectiva (pretérito perfeito).

(38) João estava dançando. ├ João dançou.[1]

Contrariamente, verbos que são télicos, como construir, não exibem esse tipo de acarretamento, pois cada intervalo do evento de construir uma casa, por exemplo, não é igual ao evento como um todo.

(39) Ricardo estava construindo uma casa. ~├ Ricardo construiu uma casa.[1]

O verbo construir apresenta o aspecto lexical de accomplishment, pois denota um evento que têm um início, se desenvolve no tempo e se encaminha para um ponto final determinado. Esse tipo de verbo se caracteriza pelos seguintes valores aspectuais: dinamicidade, duratividade e telicidade. São exemplos de verbos que inerentemente denotam accomplishments:

(40) O Ricardo construiu uma casa.

(41) O menino quebrou o vaso.

(42) O bombeiro desentupiu a pia.

O teste mais conhecido para evidenciar os verbos de accomplishment é o teste da ambiguidade com o advérbio quase, proposto por Morgan (1969). Como os verbos dessa classe aspectual são eventos complexos que possuem dois subeventos (um que denota o desencadear do evento e outro que denota o resultado), eles formam sentenças ambíguas quando combinados com o advérbio quase, pois esse advérbio pode incidir sobre o evento como um todo ou apenas sobre o segundo subevento.

(43) O Ricardo quase construiu uma casa.

a. O que o Ricardo quase fez foi construir uma casa. → pensou e desistiu/ nem começou

a construir.

b. O que o Ricardo fez foi quase construir uma casa. → começou, mas não terminou.

Os demais eventos, por não serem eventos complexos, não geram sentenças ambíguas quando combinados com o advérbio quase: todos têm a leitura de que o evento nem mesmo foi iniciado.

(44) O menino quase correu. → verbo de atividade: o evento nem sequer foi iniciado.

(45) O menino quase caiu (da cama). → verbo de achievement: o evento nem sequer foi

Iniciado.

Verbos de achievement, como cair, descrevem eventos pontuais e possuem os seguintes valores aspectuais: dinamicidade, pontualidade e telicidade. Um teste, proposto por Dowty (1979), bastante utilizado para evidenciar esse aspecto lexical é o fato de verbos dessa classe aspectual não se combinarem com a expressão parar de, exatamente por serem eventos pontuais que não podem ser interrompidos.

(46) ?A professora parou de entrar na sala.

(47) O menino parou de cair da cama.

A sentença em (47) é aceitável apenas se entendermos que o menino sempre caía da cama, como um hábito, mas parou de cair. Nesses casos, temos uma leitura aspectual derivada, como explicaremos na seção seguinte.

2.1.1.1.1. O aspecto derivado: casos de alternâncias aspectuais

Alguns autores que seguem a vertente funcionalista, como Hopper (1979) e Givón (1984), argumentam que não é possível conceber as classes aspectuais como categorias estanques inerentes ao sentido dos verbos. Esses autores defendem que o aspecto lexical dos itens verbais pode variar de acordo com as sentenças em que ocorrem:

(48) O atleta correu a maratona.

(49) O engenheiro construía casas.

(50) Pessoas morrem na guerra todos os dias.

Em (48), temos o verbo correr, que, a princípio, apresenta o aspecto lexical de atividade. Contudo, nessa sentença, ele denota um accomplishment, pois parece remeter a um resultado final, que é a corrida da maratona. O verbo construir, por sua vez, veicula, inicialmente, o aspecto lexical de accomplishment, mas, na sentença em (49), denota uma atividade, um hábito. Já o verbo morrer que, a princípio, apresenta o aspecto de achievement, também se comporta como um verbo de atividade. Evidenciamos isso, mostrando que o verbo correr, em (48), no teste do paradoxo do imperfectivo, não acarreta que o evento foi realizado, enquanto o contrário é acarretado pelos verbos construir e morrer ao nuclearam as sentenças em (49) e (50).

(51) O atleta está correndo a maratona. ~├ O atleta correu a maratona.

(52) O engenheiro construía casas. ├ O engenheiro construiu casas.

(53) Pessoas estão morrendo na guerra todos os dias. ├ Pessoas morreram na guerra todos os dias.

Autores formalistas, como Smith (1997), propõem que o que acontece nas sentenças de (48) a (50) é uma interação entre o aspecto lexical, inerente aos verbos, e o aspecto gramatical, além de outros sintagmas presentes nas sentenças. Para Smith (1997), há o aspecto lexical básico do verbo e um aspecto derivado da sentença, que é gerado de acordo com o tipo de marcação morfossintática do verbo, com o tipo de complemento verbal e até mesmo por meio da presença de adjuntos. A proposta da autora é adotada por Cançado e Amaral (2016) para os verbos do PB.

Vejamos, portanto, como as sentenças de (48) a (50) são analisadas de acordo com essa proposta. O verbo correr é um verbo de atividade intransitivo que, quando combinado ao sintagma a maratona, passa a ter uma leitura télica. Desse modo, a sentença em (48), e não o verbo correr por si só, expressa o aspecto derivado de accomplishment. [1]

O contrário ocorre com os verbos construir e morrer, que são basicamente télicos, denotando, respectivamente, um evento de accomplishment e um de achievement. A sentença em (49) apresenta o aspecto derivado de atividade, pois o verbo construir está morfologicamente conjugado no aspecto gramatical imperfectivo habitual e possui um complemento plural. Do mesmo modo, a sentença em (50) também denota o aspecto derivado de atividade, pois o verbo morrer igualmente apresenta marcação de aspecto gramatical imperfectivo habitual, além de um adjunto de tempo que denota a ideia de hábito (todos os dias).

Esse é o tipo de análise que adotaremos em nossa pesquisa, pois acreditamos que os verbos, independentemente das sentenças que nucleiam, apresentam um esquema temporal básico, pré-estabelecido em sua entrada lexical.

Assim, verbos do tipo abrigar, preocupar, abrir e chover denotam basicamente eventos, porém, ao nuclearem suas respectivas formas alternadas, as sentenças apresentam uma interpretação estativa, como evidenciado nos exemplos de (9) a (12). Como já mencionamos, acreditamos que essa interpretação seja fruto da própria alteração da estrutura argumental do verbo, aliada a outras questões relativas ao aspecto gramatical e a outras mudanças nas sentenças, como a presença de adjuntos.

3. Plano de trabalho

Este projeto seguirá o seguinte cronograma, correspondente ao período de 5 anos de estudo:

Figure 1.

4. Considerações finais

Neste projeto de pesquisa, mostramos a existência de uma ampla alternância aspectual evento-estado, que ocorre quando verbos basicamente eventivos nucleiam sentenças que denotam uma interpretação estativa. Acreditamos que essa alternância aspectual decorra de alternâncias de estrutura argumental que, embora sejam de diferentes tipos, devem apresentar propriedades semânticas em comum que permitam a leitura estativa das sentenças. Nosso principal objetivo é encontrar que propriedades semânticas são essas, contribuindo, assim para a descrição do sistema linguístico do PB, por meio de um amplo fenômeno sintático-semântico de nossa língua.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

A autora não tem conflitos de interesse a declarar.

Declaração de Disponibilidade de Dados

O compartilhamento de dados não é aplicável a este artigo, pois nenhum dado novo foi criado ou analisado neste estudo.

Referências

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Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N3.ID795.R

Decisão Editorial

EDITOR: Janayna Maria da Rocha Carvalho

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2353-1336

AFILIAÇÃO: Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.

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CARTA DE DECISÃO: Tendo acompanhado as discussões sobre o projeto O estado enquanto um aspecto derivado: uma análise sintático-semântica, submetido por Letícia Lucinda Meirelles, considero que o texto está pronto para ser publicado na revista Cadernos de Linguística. Isso se deve não só à robustez do projeto, que propõe uma questão de pesquisa calcada em trabalhos pregressos da autora sobre a interface sintaxe-semântica lexical, mas na sua capacidade de dialogar com as pareceristas sobre aspectos da avaliação, o que mostra que o texto, embora no formato de um projeto, revela um conhecimento profundo da interação entre sintaxe e semântica lexical.

Rodadas de Avaliação

AVALIADOR 1: Arabie Bezri Hermont

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2551-6145

AFILIAÇÃO: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil.

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AVALIADOR 2: Adriana Leitão Martins

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0510-2586

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

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RODADA 1

AVALIADOR 1

2025-01-31 | 09:08 PM

A seguir, apresento o parecer relativamente ao texto “O estado enquanto um aspecto derivado: uma análise sintático-semântica”, de Letícia Lucinda Meirelles.

O texto ora submetido deve ser aprovado, pois apresenta uma boa colaboração para o entendimento do sistema linguístico do português brasileiro, em especial, do verbo e suas idiossincrasias, tais como a alternância verbal, e sua relação com o aspecto lexical e gramatical. Acrescente-se que a autora atingiu os objetivos estabelecidos e os dados apresentados apoiam suas conclusões.

A alternância verbal é um fenômeno ligado ao verbo que pode variar na organização sintática em que se encontra. Uma das formas de se garantir a alternância verbal é a ergatividade, em que ora temos uma estrutura SUJEITO (de natureza agentiva) + VERBO + OBJETO (paciente/ tema), ora temos uma organização com o mesmo verbo na sentença SUJEITO (paciente/ tema) + VERBO. Utilizando dados apresentados pela autora, temos o exemplo (19.a) O menino abriu a porta do quarto e (19. b) A porta do quarto abriu.

O que é interessante é que Meirelles associa determinadas construções em que há alternância verbal ao aspecto lexical estado. Utilizando exemplos como ‘a garagem lá de casa abrigou um cachorro perdido (durante a madrugada)’; ‘a mãe se preocupa com o mau comportamento do filho’; ‘pote de azeitona não (se) abre fácil’; ‘Belo Horizonte chove muito nessa época do ano’, a autora estuda o aspecto lexical estado derivado da mudança na organização sintática. Ou seja, ao trabalhar com tais estruturas, a autora demonstra que a mudança dos argumentos verbais (que fazem as vezes de sujeito e de complementos dos verbos) pode desencadear o aspecto estado de forma derivada. Nessa perspectiva, Meirelles também procura diferenciar o aspecto ‘estado puro’ – que ocorreria em estruturas com os verbos ‘amar’, ‘gostar’, ‘existir’ – do aspecto ‘estado derivado’ – que está presente nas quatro construções anteriores, em que se pode ter o verbo com outras organizações sintáticas, que foram apresentadas no texto da seguinte forma: ‘(5) Eu abriguei um cachorro perdido na garagem lá de casa durante a madrugada. (6) O filho preocupou a mãe (com seu mau comportamento). (7) A cozinheira abriu o pote de azeitona com dificuldade. (8) Choveu muito (em Belo Horizonte)’.

O texto analisado serve a alunos e a professores de graduação e de pós-graduação da área de linguística e a estudiosos da língua portuguesa do Brasil, em geral. Nesse contexto, vale a pena enfatizar que pesquisas como a que se apresenta são muito importantes para o esclarecimento de surgimento de estruturas ergativas e sobre a categoria verbal aspecto, noção esta que, embora tenha ganhado certo status na academia nos últimos anos, ainda é pouco conhecida por grande parte de professores de ensino básico. Em uma abordagem tradicional, as estruturas (5 a 8) do texto de Meirelles não teriam espaço e nem seriam compreendidas. Porém, numa perspectiva linguística, que pretende descrever a língua tal como ela é (está), as considerações trazidas por Meirelles são muito esclarecedoras.

Não ficou explícito a qual quadro teórico a pesquisa se encaixa. Temos que inferir, já que a autora cita nomes afiliados a uma e a outra corrente linguística, por vezes antagônicas. Se isso pode ser apontado, por algum estudioso, como um ponto frágil do texto, acredito que, nos últimos tempos, também há um movimento de se considerar o que de cada corrente linguística –  gerativista, linguística cognitiva, sociolinguística – pode colaborar para o melhor entendimento de alguns fenômenos. Por outro lado, Meirelles traz em seu texto uma boa revisão bibliográfica sobre aspecto verbal, apresentando Vendler (1967), Comrie (1976), Smith (1997), que são obras clássicas para o estudioso do tema aspecto. Outro ponto forte é que há a demonstração de estratégias para se verificar os tipos de aspectos lexicais, tal como a proposta de realizar a pergunta ‘O que aconteceu?’ para verificar se o verbo é ou não estativo. Se se consegue responder adequadamente, o verbo não pode ser caracterizado pelo traço de estatividade.

Ainda como ponto positivo do texto é que a autora cita vários autores para ancorar sua abordagem sobre a alternância verbal: Hooper; Thompson (1973); Bresnan (1976); Levin; Rappaport Hovav (1992, 1994, 1995); Levin (1993); Duarte (1995); Nagase (2007); Munhoz; Naves (2012); Pilati (2016), Keyser; Hoeper (1984); Levin; Rappaport Hovav (1994); Souza (1999); Cançado; Amaral; Meirelles (2022); Costa, Augusto e Rodrigues (2014). A presença desses autores confere sustentação na teoria e demonstração de excelente conhecimento sobre o tema, o que permitiu à autora apresentar seu objeto de pesquisa de forma clara, concisa e profunda ao mesmo tempo.

Passemos, agora, a alguns comentários que visam a melhorar o texto. Acredito que o texto pode ser reorganizado como um artigo de caráter mais teórico. Da forma como se apresenta ainda não está adequado, pois está no formato de ‘projeto’, explicitado diversas vezes pela autora. A sugestão é que todos os itens ‘Justificativa’, ‘Hipóteses’, ‘Objetivos’ sejam colocados sob forma de texto ‘corrido’ e que a seção ‘Metodologia’ seja apresentada após o ‘Referencial Teórico’. Enfatizo ainda que o uso de verbos no tempo futuro (como no último parágrafo da página 8, ‘iremos seguir’; e na página 9’, ‘separaremos’ e ‘analisaremos’) devam ser substituídos pelo uso do tempo passado. O mesmo ocorre na página 19, penúltimo parágrafo antes das ‘Referências’, em que a autora ainda usa o verbo no futuro, como ‘adotaremos’.  Também aqui vale a colocação do verbo no passado. A ideia, na perspectiva atual, é que o estudo já foi realizado. Nas ‘Considerações Finais’, há novamente a menção à palavra ‘projeto de pesquisa’ e o último parágrafo remete ao objetivo do trabalho. Acredito que essa parte deva ser reestruturada com um ‘resumo do que foi apresentado’, ‘os principais achados’ e, aí sim, entram as ‘perguntas para futuras pesquisas’, que, certamente, serão realizadas.

No parágrafo que segue os exemplos de 5 a 8, há afirmação de que o pretérito perfeito parece ser a forma menos marcada no português. Isso talvez deva ocorrer em  relação ao pretérito imperfeito, mas o tempo presente (também imperfectivo) é também não marcado e é considerado default, já que podemos usar: ‘Ontem, Maria levanta, toma banho, escova os dentes, toma café e sai’ ou ‘Amanhã começa tudo de novo. Eu acordo, levanto, coloco uma roupa, tomo café e saio’, Assim, sugere-se que seja realizada essa consideração nem que seja em nota de rodapé.

Outro ponto importante a ser destacado é a colocação de que o verbo ‘chover’ em ‘Chove muito em Belo Horizonte’ como transitivo indireto. A razão dessa interpretação deve ser pela presença do sintagma preposicional ‘em Belo Horizonte’ que faria as vezes de objeto indireto. Ainda que haja muitas discussões sobre a transitividade ou não desse tipo de verbo em construções similares à que se apresenta, penso que valeria a pena colocar uma nota de rodapé esclarecendo a tomada de posição da autora, que diverge de muitas gramáticas normativas, que apontariam ‘em Belo Horizonte’ como adjunto adverbial de lugar. Isso se torna mais relevante exatamente pelo uso, por parte de Meirelles, de uma taxonomia própria da gramática normativa, tal como ‘transitivo indireto’.

Algo que me pareceu importante enfatizar é a presença de vários exemplos no ‘Referencial Teórico’. Não sei se são dos autores citados ou da autora do texto analisado. Acredito que seja importante esclarecer isso.

Em algumas páginas, apresenta-se o verbo ‘quebrar’ em sentenças como um verbo de accomplishment. No exemplo 35B: ‘O menino quebrou o vaso de barro’, não me parece correta tal classificação. Para mim, trata-se de um achievement. Pode-se pensar em um garoto quebrando parte por parte de um vaso (aí sim teríamos um accomplishment), mas pode-se pensar também que o ‘o menino esbarrou no vaso’ e este quebrou-se no chão. Temos então um achievement.

Onde se encontra ‘tão pouco’ na página 6, deve ser ‘tampouco’. Na página 17, ‘se quer’ deve ser substituído por ‘sequer’. Na página 11, a palavra verbais foi escrita como ‘verbaias’. Deve-se proceder à correção.

Na página 16, há duas notas de rodapé em que se cita CANN (1993). Essa referência não foi registrada ao final do texto. Ainda no que diz respeito às Referências, não vi, no texto, a menção a ROSENBERG, G. R.; MENUZZI, S. M. Articulação Informacional. In: PIRES DE OLIVEIRA, R.; MIOTO, C. (org.). Percursos em Teoria da Gramática. Florianópolis, SC: Ed. da UFSC, p. 205-236, 2011.

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AVALIADOR 2

2025-03-16 | 12:00 PM

O projeto de pesquisa “O estado enquanto um aspecto derivado: uma análise sintático-semântica” apresenta objetivos e hipóteses bem delineados, sendo os objetivos compatíveis com o tempo previsto para a execução da pesquisa (cinco anos). A pertinência da pesquisa a ser empreendida está no fato de o fenômeno linguístico a ser investigado no português brasileiro (doravante PB) ter um caráter inédito. Apesar de o fenômeno de alternância aspectual ser amplamente investigado no PB, não se identifica ainda na literatura aspectual dessa língua um mapeamento das propriedades sintáticas e semânticas das sentenças em que se verifica a alternância evento-estado, como ilustrado em “A cozinheira abriu o pote de azeitonas com dificuldade” (verbo que denota evento) versus “Pote de azeitonas não (se) abre fácil” (sentença que dispara leitura estativa). Sobre o referencial teórico, destaco a amplitude e coerência das obras selecionadas para embasar a pesquisa a ser empreendida. Com relação ao plano de trabalho da pesquisa, aponto uma lacuna no projeto, uma vez que, apesar de a autora afirmar que, “na seção 4, apresentamos nosso plano de trabalho, planejado para ser desenvolvido durante o período de cinco anos” (p. 3), tal plano não está contemplado no texto, que carece dessa seção. Acerca da metodologia delineada para o estudo, ressalto sua adequação aos objetivos da pesquisa. Contudo, destaco a importância em se apresentar uma justificativa clara para a inclusão de verbos coletados na plataforma X, uma vez que a autora justifica o uso de dados de intuição e afirma que “trabalhar com corpora de dados reais poderia limitar bastante o número de verbos que encontraríamos” (p. 9). Nesse sentido, sendo as produções textuais extraídas da plataforma X dados reais de uso, a inclusão de dados dessa plataforma no estudo parece gerar uma contradição interna na metodologia da pesquisa.

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RODADA 2

AVALIADOR 1

2025-05-11 | 08:55 AM

As alterações realizadas são satisfatórias.

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AVALIADOR 2

2025-04-29 | 05:58 PM

A versão final do manuscrito está adequada e contempla as alterações sugeridas por mim no parecer emitido previamente. Reitero que o projeto de pesquisa tem grande potencial de contribuição para estudos em linguística formal que se voltam para a interface sintaxe-semântica. Mais especificamente, a condução da pesquisa possibilitará a descrição do modo como a interação entre propriedades sintáticas e semˆanticas dos verbos pode interferir na interpretação aspectual de sentenças em português.

Resposta dos Autores

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2025.V6.N3.ID795.A

RODADA 1

2025-04-29

Prezada editora responsável,

Como solicitado, apresento os comentários de cada parecerista e o resumo das alterações feitas no manuscrito.

Parecerista Arabie Hermont

(i) Comentário: “há afirmação de que o pretérito perfeito parece ser a forma menos marcada no português. Isso talvez deva ocorrer em “relação ao pretérito imperfeito, mas o tempo presente (também imperfectivo) é também não marcado e é considerado default”.Ajuste: foi acrescentada a informação de que o pretérito perfeito é a forma menos marcada quanto à perfectividade.

(ii) Comentário: “[...] valeria a pena colocar uma nota de rodapé esclarecendo a tomada de posição da autora, que diverge de muitas gramáticas normativas, que apontariam ‘em Belo Horizonte’ como adjunto adverbial de lugar”.Ajuste: a nota foi acrescentada.

(iii) Comentário: “Em algumas páginas, apresenta-se o verbo ‘quebrar’ em sentenças como um verbo de accomplishment. No exemplo 35B: ‘O menino quebrou o vaso de barro’, não me parece correta tal classificação. Para mim, trata-se de um achievement. Pode-se pensar em um garoto quebrando parte por parte de um vaso (aí sim teríamos um accomplishment), mas pode-se pensar também que o ‘o menino esbarrou no vaso’ e este quebrou-se no chão. Temos então um achievement.”

Ajuste: Foi explicada à parecerista a posição da autora, a saber: O menino quebrou o vaso de barro denota um accomplishment, pois ao formarmos uma sentença com o advérbio quase, temos uma sentença ambígua, o que indica a existência de dois subeventos – o menino quase quebrou o vaso de barro = o menino pensou em quebrar, mas não o fez; ou o menino tentou quebrá-lo, mas não conseguiu/interrompeu o evento no meio. É consensual na literatura que a forma transitiva dos verbos de mudança de estado como quebrar denota um evento de accomplishment, enquanto a forma intransitiva/inacusativa denota um achievement.

(v) Comentário: “Na página 16, há duas notas de rodapé em que se cita CANN (1993). Essa referência não foi registrada ao final do texto. Ainda no que diz respeito às Referências, não vi, no texto, a menção a RODRIGUES, G. R.; MENUZZI, S. M. Articulação Informacional. In: PIRES DE OLIVEIRA, R.; MIOTO, C. (org.). Percursos em Teoria da Gramática. Florianópolis, SC: Ed. da UFSC, p. 205-236, 2011.”

Ajuste: Foi acrescentada a obra de Cann (1993) nas referências e apontado à parecerista a localização da citação de Rodrigues e Menuzzi (2011).

Parecerista Adriana Leitão Martins

(i) Comentário: “o plano [de trabalho] não está contemplado no texto, que carece dessa seção.”Ajuste: foi inserida uma seção com o plano de trabalho proposto para a execução do projeto.

(ii) Comentário: “Nesse sentido, sendo as produções textuais extraídas da plataforma X dados reais de uso, a inclusão de dados dessa plataforma no estudo parece gerar uma contradição interna na metodologia da pesquisa”.

Ajuste: foi explicado à parecerista e acrescentado ao texto que a “plataforma X” é um banco de análises verbais do PB, composto por dados de introspecção que ilustram os diferentes comportamentos sintáticos dos verbos de acordo com suas propriedades semânticas. Assim, não há incoerência metodológica na utilização do banco. Foi descuido meu não esclarecer isso.As versões corrigidas forma enviadas às pareceristas e ambas confirmaram o aceite da publicação do manuscrito.

Cordialmente,

Letícia Lucinda Meirelles

Como Citar

MEIRELLES, L. O estado enquanto um aspecto derivado: uma análise sintático- semântica. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 6, n. 3, p. e795, 2025. DOI: 10.25189/2675-4916.2025.v6.n3.id795. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/795. Acesso em: 3 out. 2025.

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