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Research Report

Ancient grammars: popularizing linguistics historiography on instagram

Leonardo Ferreira Kaltner

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https://orcid.org/0000-0003-3690-3132

Melyssa Cardozo Silva dos Santos

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https://orcid.org/0000-0003-0279-1611


Keywords

Linguistic Popularization
Grammaticography
Linguistics Historiography
Missionary Linguistics

Abstract

This article is the result of a conference at the Abralin em Cena – Popularization of Linguistics event, held online, in 2021, by the Brazilian Association of Linguistics (Abralin). The text is linked to Grammaticography, the history of grammar, one of the lines of research of the Historiography of Linguistics (HL) (SWIGGERS, 2013; 2019), and has as its object of study the theme of the popularization of linguistics on Instagram, through the page Ancient Grammars. We divided our reflections into three thematic sections in the article: an introduction, to introduce the theoretical questions about the popularization of linguistics and Grammaticography, a second section, which describes the page and publications developed, and finally, the theoretical model used to to plan publications, which aims to disseminate studies on the history of linguistic thought in Brazil. The theoretical fundamentals to debating the popularization of science, a general field that encompasses the popularization of linguistics, is the studies of interdiscursivity (MOTTA-ROTH; SCHERER, 2016).

Resumo para não especialistas

O artigo trata de uma página do Instagram, chamada Gramáticas Antigas. Essa página é dedicada ao tema da gramática, mas em uma perspectiva histórica. A página apresenta a história da gramática no Brasil, indo das obras mais antigas, ainda da época da colônia, passando pelo período do Império, até nossos dias. A página responde a perguntas como: qual gramática era usada no Brasil para ensinar português no século XIX? Quais gramáticas estavam em uso à época da chegada dos portugueses, em 1500? É surpreendente sabermos que no Brasil, à época da colônia, foram escritas gramáticas para ensinar línguas indígenas e até uma língua da África. A página Gramáticas Antigas do Instagram é uma viagem no tempo, pela história do conhecimento linguístico no Brasil. O artigo explica como essa página surgiu, a equipe que a desenvolve, e porque temos interesse em divulgar a ciência nas redes sociais, o que chamamos de popularização. A página serve também como um canal de contato com o grupo de pesquisas que a desenvolve, o grupo “Filologia, línguas clássicas e línguas formadoras da cultura nacional” (FILIC/CNPq/UFF), sediado na Universidade Federal Fluminense.

Popularização da Linguística, Interdiscursividade e Gramaticografia

O artigo está vinculado à recente apresentação de trabalho “Gramáticas Antigas: popularização da ciência no Instagram” no evento Abralin em Cena – Popularização da Linguística, que foi realizado de maneira remota, no ano de 2021, pela Associação Brasileira de Linguística (Abralin). A apresentação teve como tema a página Gramáticas Antigas, da rede social Instagram. As reflexões oriundas da apresentação, e da página, são resultantes do projeto de pesquisa Regna Brasillica: o Brasil quinhentista à luz da Historiografia da Linguística, que tem encetado reflexões sobre a história do pensamento linguístico na América portuguesa quinhentista (KALTNER, 2020a, 2020b, 2020c, 2020d; KALTNER; SANTOS, 2020).

O projeto é desenvolvido no contexto do Grupo de Pesquisas “Filologia, línguas clássicas e línguas formadoras da cultura nacional” (FILIC/CNPq), sediado na Universidade Federal Fluminense, e investiga a recepção da corrente de pensamento do humanismo na gramaticografia da América portuguesa (KALTNER, 2022; KALTNER, 2019, KALTNER; SANTOS; TEIXEIRA, 2019; KALTNER; SILVA, 2019).

No artigo, debatemos como tema central a “popularização da linguística” tendo como objeto de análise postagens da página Gramáticas Antigas (KALTNER, 2020a). O conceito teórico de “popularização da linguística” é derivado do conceito geral de “popularização da ciência”, sendo tradução vernácula de “popularization of science”, que também pode ser traduzido por “divulgação científica” (SCHALL, 2000). O significado do conceito de “popularização da ciência” está, por sua vez, vinculado à difusão cultural dos saberes científicos e acadêmicos para uma comunidade geral e ampla, que é formada por um público que ultrapassa os especialistas na área científica que é divulgada, o que encontra no ambiente virtual uma nova forma de expressão, pelas ferramentas das redes sociais (BUENO, 2010; TREULIEB, 2021).

A “popularização da linguística” pode valer-se das novas mídias, como redes sociais, para a difusão e circulação do pensamento, formando novas comunidades virtuais e possibilitando a democratização do conhecimento. Isso permite, por exemplo, um diálogo com uma comunidade mais ampla do que os círculos acadêmicos tradicionais. Nosso grupo de pesquisas decidiu criar perfis em redes sociais diversas, com o objetivo de popularizar o tema da Gramaticografia. Especificamente, nos deteremos na página do Instagram do grupo, que foi o tema de debate no evento recente da Abralin.

Em recente artigo, no campo da interdiscursividade, Désirée Motta-Roth e Anelise Scotti Scherer (2016) debatem os aspectos críticos da “popularização da ciência”, ressaltando como jornalistas criam conteúdos específicos para divulgar o conhecimento científico. As linguistas citam três modalidades de discurso preponderantes para a divulgação e popularização científica: o discurso científico, o jornalístico e o pedagógico, que apresentam os conteúdos científicos em uma linguagem discursiva adaptada, a fim de tornar o conhecimento científico disponível em notas e notícias de imprensa.

O discurso científico, propriamente dito, como notícia, vale-se de termos técnicos para enfatizar a plausibilidade da notícia:

Discurso Científico: ênfase na plausibilidade da notícia, mobilizando termos técnicos, usando estratégias de mitigação próprias do discurso científico, marcado por hipóteses, como relativismos ou “verdades” provisórias passíveis de falseabilidade, em oposição ao jornalístico, marcado por retórica assertiva (modalização positiva) (MOTTA-ROTH; SCHERER, 2016, p. 177).

Essa modalidade discursiva caracteriza-se por manter os termos científicos, utiliza argumentação por hipóteses e mantém uma linguagem científica, para auferir credibilidade à informação transmitida. Trata-se de uma modalidade de síntese que não permite contudo ao receptor conferir a validade do conteúdo informado, por ausência dos instrumentos de pesquisa, como referências, processo de pesquisa e mesmo resultados, de forma mais abrangente. Todavia, o discurso científico permite uma comunicação direta com o receptor da mensagem. No desenvolvimento de nossa página, notamos que a manutenção de termos científicos, com pequenas definições é um instrumento útil para a composição das postagens, inclusive para diferenciar as páginas de popularização da ciência do mero entretenimento. As postagens precisam ser também informativas.

A segunda modalidade discursiva, o discurso jornalístico, enfatiza a “espetacularidade da notícia”, isto é, chamar a atenção do espectador para alguma novidade trazida pelo enunciador. Essa novidade pode consistir em diversos parâmetros, que têm por objetivo principal formar uma opinião específica, após essa captatio beneuolentiae (captação da atenção):

Discurso Jornalístico: ênfase no caráter de espetacularidade da notícia, marcado por celebração, assertividade, constatação de fatos (em oposição a hipóteses científicas) que devem ser expostos com “objetividade”, especialmente marcada pela convocação de vozes de atores sociais que avalizam a notícia ao demonstrarem que o relato noticiado não é apenas uma visão unilateral do jornalista (MOTTA-ROTH; SCHERER, 2016, p. 177).

No caso da nossa página do Instagram, o tema sobre as gramáticas antigas é o principal referente para o público que se engaja nas publicações. Nosso formato de postagens busca tratar como uma nota pública o tema da “história da gramática”, ou a história do pensamento linguístico, de forma geral. Nesse sentido, buscamos demonstrar com imagens documentais, de domínio público, textos históricos que não circulam muitas vezes fora dos meios acadêmicos. As imagens de domínio público formam a base de nosso acervo. O apoio na base documental auxilia na construção de uma narrativa que não é unilateral. Imagens de documentos e “perguntas retóricas” são os meios encontrados para iniciar a interação.

Por fim, Motta-Roth e Schrerer citam o discurso pedagógico, que acreditamos ser o mais adequado para a utilização nas redes sociais, como estratégia de “popularização da linguística", no modo que estamos desenvolvendo:

Discurso Pedagógico: transferência da informação nova/científica para o âmbito do aprendiz, utilizando estratégias retóricas para fornecer “andaimes” para que o conhecimento científico seja recontextualizado à audiência de não-especialistas. Essa retórica é marcada pela explicitação de conceitos e princípios, por meio de estratégias discursivas como aposto e glosa para explicar termos técnicos do mundo da ciência em uma linguagem do cotidiano (MOTTA-ROTH; SCHERER, 2016, p. 177).

A página Gramáticas Antigas torna-se, assim, uma extensão de atividades desenvolvidas no âmbito da disciplina de pós-graduação em Historiografia da Linguística, campo teórico que analisa a história do pensamento linguístico (ALTMAN, 2019; BATISTA, 2019; AUROUX, 1992; KOERNER, 1996; SWIGGERS, 2019; SWIGGERS, 2013). A história do pensamento linguístico, que é uma categoria abstrata de análise, é apresentada nas postagens da página como explicações didáticas sumarizadas, curiosidades e informações gerais sobre um conteúdo específico, que muitas vezes é somente trabalhado em sala de aula e nas pesquisas de pós-graduação. Nesse intuito, observamos que as postagens geralmente acompanham os temas que estão sendo debatidos nas pesquisas desenvolvidas na universidade e na disciplina em curso, pelo grupo de pesquisas. Porém, como veremos mais adiante, podemos notar que as postagens costumam oscilar entre as três modalidades de interdiscursividade da “popularização da ciência”, conforme os pressupostos de Motta-Roth e Scherer (2016).

1. As postagens da página Gramáticas Antigas

Analisamos nesta seção do texto algumas das postagens da página, que conta com uma comunidade de cerca de trezentos perfis que interagem com suas publicações. A estratégia de comunicação em meio virtual consiste, geralmente, em apresentar uma pergunta, ou mesmo uma informação geral, sobre a história da gramática, seguido de um exemplo visual, de fonte documental digitalizada. Depois da apresentação da pergunta e da fonte documental, a conclusão da postagem busca surpreender o leitor, com informação específica do tema a ser “popularizado”.

Esta é a página inicial, em imagem retirada de uma captura de tela. Todo o layout das publicações é padronizado, em cores e formas constantes, sendo as postagens elaboradas pela plataforma Canva:

Figure 1. Figura 1. Página inicial (KALTNER, 2020a).

Note-se que a página apresenta em sua descrição a vinculação ao grupo de pesquisas FILIC/CNPq/UFF, utilizando o logotipo do grupo. Trata-se de uma página de caráter institucional, que serve também para a divulgação de livros gratuitos, de open source, para download e para a divulgação de eventos. Nesse sentido, a popularização busca integrar-se às ações extensionistas desenvolvidas pelo grupo de pesquisa.

A segunda imagem apresentada é um apanhado do perfil no Instagram das postagens, demonstrando como o layout padronizado auxilia a criação de uma identidade visual. Geralmente, as postagens são organizadas em blocos sequenciais (carrossel), com cerca de 4 a 6 imagens que formam uma narrativa com início, meio e fim. Os blocos sequenciais de postagens precisam formar um significado único, a fim de que o seguidor precise ler o conjunto de mensagens para acompanhar a reflexão iniciada.

Figure 2. Figura 2. Layout (KALTNER, 2020a).

O caráter da página é pedagógico, no sentido de levantar temas gerais, mas também apresenta comentários específicos sobre esses temas gerais, com aparato científico. Uma das últimas postagens teve como tema a seguinte indagação: “Linguistas podem ler gramáticas?”, que é uma questão específica para o público de linguistas, mas quando exposta para o público em geral, a questão se redimensiona. As possíveis polêmicas que a pergunta em tela levanta são o motivo para que o leitor busque ler o que vem a seguir, no “carrossel”.

A resposta à pergunta é que os linguistas da área de HL leem as gramáticas pela área de gramaticografia, a história da gramática. Na postagem da página, não especificamos quais eram os “linguistas” a que nos referíamos, pelo fato de ser uma postagem para a divulgação científica, assim o termo linguista foi generalizado. As postagens subsequentes definem o que é a gramaticografia para o público leigo e dá um exemplo de uma gramática do século XIX, que foi utilizada no Brasil.

Figure 3. Figura 3. Postagem sobre gramáticas (KALTNER, 2020a).

As postagens remetem a temas que são tratados por comunidades de linguistas, mas adaptadas para que o público em geral do Instagram possa acompanhar. São temas reais da área de Historiografia da Linguística, recortados de debates teóricos desenvolvidos em apresentações de congressos e artigos acadêmicos. Esse recorte “metonímico” parece ser o método mais eficiente na construção de um “carrossel” científico, que se utiliza do recurso textual e visual.

Outra postagem da página, que teve até agora o maior número de interações, é centrada também em uma pergunta à primeira vista polêmica: “As línguas africanas são línguas clássicas do Brasil?”. Esse tipo de indagação permite uma série de reflexões e por si só justificaria diversas metodologias para se abordar o tema. A pergunta retórica tem um poder de síntese grande em termos de economia linguística, e o seu uso parece adequado para uma comunicação que se desenvolve de maneira instantânea, como no Instagram.

A resposta à indagação na postagem também não tem caráter conclusivo e busca suscitar a percepção do leitor a um problema de natureza cultural e linguística, levantar outras reflexões e estabelecer uma conclusão própria. A natureza da pergunta retórica adotada possui duas possíveis respostas: sim e não, sendo necessária uma justificativa para se concordar ou discordar desse pensamento. Em nosso desenvolvimento da questão, tratamos a perspectiva afirmativa, em que as línguas africanas podem ser consideradas também línguas clássicas do Brasil, por sua influência histórica e cultural.

Figure 4. Figura 4. Postagem sobre línguas africanas (KALTNER, 2020a).

Para exemplificar um documento que justifique esse debate, apresentamos a Arte da língua de Angola, de 1697, uma gramática da língua africana conhecida por quimbundo, muito falada no período colonial do Brasil, tendo sido a possível língua em uso no Quilombo dos Palmares. A gramática, escrita por um missionário jesuíta, é um dos documentos estudados pela Gramaticografia. Nossa apresentação do documento se dá por imagem tirada de edição digital, apenas da capa da obra, sem ingressar em tópicos específicos.

Figure 5. Figura 5. Arte da língua de Angola (KALTNER, 2020a).

Por fim, nessa postagem, objetivamos proporcionar um primeiro contato com a obra, sem o intuito de gerar um debate acadêmico de tópicos linguísticos, como ocorre nos eventos científicos e textos no formato tradicional. A finalidade é transformar o documento em uma notícia no Instagram, divulgar a sua existência e um campo científico que o pesquisa, trazendo um dos possíveis problemas de pesquisa que os linguistas abordam na descrição do documento. Na próxima seção do artigo, debatemos o modelo teórico que orienta nossa seleção de temas para a página, para a divulgação da história do pensamento linguístico no Brasil.

2. O modelo de história do pensamento linguístico no Brasil para a criação de conteúdo: periodização dos documentos e postagens

Para organizar as postagens da página no Instagram sobre a história do pensamento linguístico no Brasil, de que deriva a história da gramática, nos valemos de um modelo teórico específico para periodização das obras gramaticais (KALTNER, 2022; CAVALIERE, 2012). Esse modelo divide em três grandes períodos institucionais no Brasil a história do pensamento linguístico e os documentos relativos às postagens: o primeiro é o período missionário, relacionado à época da América portuguesa, como colônia do reino de Portugal, estado absolutista e confessional nesse contexto histórico; já o segundo período é o secular, relativo à chegada da corte e ao Império do Brasil; por fim, o terceiro período é o científico, iniciado com o desenvolvimento da Província de São Paulo, em finais do século XIX, e na República, após a Abolição.

Figure 6. Quadro 1. Periodização para as postagens na página. Elaborado pelos autores.

Categorizamos o período missionário como um período pré-moderno, o período secular como uma entre-modernidade e por fim o período científico como moderno, em relação ao alinhamento com o desenvolvimento de pensamento linguístico no mundo ocidental. Os círculos intelectuais da América portuguesa do período missionário, entre os séculos XVI e XVIII, na pré-modernidade, eram formados por teólogos de ordens religiosas, enquanto os círculos intelectuais do período secular, nos séculos XVIII e XIX, eram formados por acadêmicos com formação de cunho filosófico-iluminista; já os círculos intelectuais do período científico, dos século XIX em diante, eram e são formados por cientistas, como trabalhadores especializados.

No período missionário, que também pode ser descrito como a pré-modernidade, o latim e a gramática latina ocupavam lugar central na descrição linguística, algo que não ocorreu após a secularização, mesmo no ensino de latim. A gramática latina De Institutione Grammatica Libri Tres (ÁLVARES, 1572) (Instituição gramatical em três livros) de Pe. Manuel Álvares, SJ (1526-1583), que foi uma das principais obras desse período, apresenta como suas fontes obras gramaticais latinas que não teriam influência direta no desenvolvimento da gramática racionalista. Álvares cita os latinos Varrão, Quintiliano, Aulo Gélio, Probo, Diomedes, Foca, Donato e Prisciano (FARIA, 1958) como suas principais fontes para a redação de sua gramática humanística:

Suscepto itaque onere, operam dedi ne officio meo deessem. Fontes ipsos adii, M. Varronis Romanorum omnium eruditissimi libros de Etymologia, atque Analogia; duodecim Fabii Quintiliani de Institutione Oratoria, qui mihi magnum adiumentum attulerunt; Auli Gellii Noctium Atticarum undeuiginti; Probi, Diomedis, Phocae, Donati, Prisciani Institutiones Grammaticas, ut potui perlegi, quorum postremus ante mille annos Iustiniani Principis aetate Athenis floruit (ÁLVARES, 2020, p. 52)[3].

O modelo de gramática do período missionário era a gramática humanística, tanto a latina quanto a vernácula, de que derivou a gramática missionária, como as que foram escritas no Brasil por missionários, como a Arte de Angola, que é um texto típico desse período histórico, um morfótipo de sua época, assim como a Arte de gramática da lingua mais usada na costa do Brasil, de Anchieta (ANCHIETA, 1595; ASSUNÇÃO, 2005; ZWARTJES, 2011; RODRIGUES, 1986; RODRIGUES, 1958; NAVARRO, 2013). Além da gramática latina, em Portugal, a gramática quinhentista de português de João de Barros foi muito influente à época, inclusive nas colônias ultramarinas (BARROS, 1540; BECHARA, 2009; BUESCU, 1984).

O modelo de gramática do período secular era a gramática racionalista, cuja base era a descrição do vernáculo francês (CAVALIERE, 2001; CAVALIERE, 2012). No período secular, foram escritos no Brasil os primeiros textos filológicos sobre as línguas indígenas, ainda porém com uma visão etnocêntrica, contextualizando as culturas autóctones do Brasil como “primitivas”. Essas questões históricas e culturais são abordadas pelo aporte do conceito de “linguagem preconceituosa”, em perspectiva interdisciplinar com a ecolinguística (COUTO, 2007), para a análise dos documentos. Somente no período científico, o método-histórico comparativo teria sido implantado, dando início à Linguística Moderna propriamente dita.

Como pontos de ancoragem para o período missionário, estabelecemos a primeira missa no Brasil, em 1500, como marco inicial, no início da processualidade de uma “ecologia do contato de línguas” entre missionários europeus, com formação escolástica e humanística, e comunidades linguísticas indígenas da América portuguesa; já como marco final, delimitamos a publicação do Diretório das povoações dos índios do Pará e Maranhão, em 1757, de Marquês do Pombal (KALTNER, 2022).

Há um interregno até a chegada da corte portuguesa, e o ponto de ancoragem para o início do período secular é a publicação da gramática de Antônio de Morais Silva em 1806, que seguiu a gramática racionalista e a filosofia iluminista como base teórica (CAVALIERE, 2012). O marco de encerramento do período secular, nessa perspectiva teórica, poderia situar-se na publicação da segunda edição da gramática de Sotero dos Reis. A tarefa intelectual ainda não era uma atividade remunerada como uma especialização do mercado de trabalho em uma sociedade capitalista como nos dias de hoje, dependendo ainda os professores de “favores reais” e mecenato. O modelo racionalista era o hegemônico:

O modelo de descrição nesta fase da produção gramatical brasileira, que viria a contar com nomes expressivos, dentre eles o do maranhense Francisco Sotero dos Reis (1800-1871), pauta-se no modelo racionalista levado ao Brasil principalmente pela Gramática filosófica (2004 [1822]) de Jerônimo Soares Barbosa (1737-1816) (CAVALIERE, 2012, p. 219).

Já o período científico tem como marco inicial a publicação da obra de Júlio Ribeiro, na Província de São Paulo e é contínuo até os dias de hoje. A principal marca é a difusão das teorias linguísticas modernas e sua recepção contínua no Brasil:

Um segundo período historiográfico no século XIX inaugurar-se-ia com a geração de professores que passaram a trabalhar as teses histórico-comparativistas, que renderiam extensa e qualificadíssima bibliografia sobre o português no Brasil ao longo de várias décadas (cf. Cavaliere 2002 e Fávero e Molina 2006). Esse período, dito científico, conta com uma fase inicial de gramáticos que escreveram seus textos inspirados na escola comparativista alemã e nos volumes de língua vernácula francesa e inglesa (CAVALIERE, 2012, p. 219).

As postagens da página abordam os três períodos distintos de desenvolvimento da história do pensamento linguístico no Brasil e buscam divulgar e difundir a produção histórica de conhecimento linguístico e nossas tradições de pensamento, algo que muitas vezes não é conhecido do grande público. Por fim, o objetivo da página é trazer essa discussão para uma comunidade mais ampla do que a tradicionalmente vinculada à academia.

Projeta-se em futuras postagens utilizar cada vez mais dos recursos da rede social, com o propósito de difundir também eventos, artigos acadêmicos, e-books gratuitos, dentre outros, com a finalidade de tornar a página um recurso da extensão acadêmica. Ainda está em estudo, pelo grupo de pesquisas, a utilização dos recursos de vídeos e transmissões ao vivo, a fim de criar “rodas de conversas”, ou debates interativos, com a linguagem apropriada para a popularização científica, que acreditamos ser um meio-termo entre o debate acadêmico e a produção de conteúdo para entretenimento.

Informações Complementares

Conflito de Interesse

Os autores não têm conflitos de interesse a declarar.

Declaração de Disponibilidade de Dados

O compartilhamento de dados não é aplicável a este artigo, pois nenhum dado novo foi criado ou analisado neste estudo.

Fonte de Financiamento

Bolsa de Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/DS).

Avaliação

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2022.V3.N2.ID660.R

Decisão Editorial

Lou-Ann Kleppa

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0317-9440

Editora 1: Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, Brasil.

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Cecilia Farias de Souza

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2340-2390

Editora 2: Universiade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

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Hélio de Oliveira

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4271-6237

Editor 3: Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil.

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A partir do texto “Gramáticas Antigas: popularizando a historiografia linguística no Instagram” é possível acompanhar um olhar da Linguística para o passado, por exemplo, para as primeiras gramáticas que chegaram ao Brasil colonial. Os autores mencionam, entre outros compêndios, uma gramática da língua de Angola, escrita no país pelo jesuíta Pedro Dias, além de tematizarem as implicações de tais obras na formação do português brasileiro contemporâneo, em um percurso identificado como “uma viagem no tempo, pela história do conhecimento linguístico no Brasil”. O objetivo da popularização da Linguística não é a alfabetização dos que nada sabem para que possam acompanhar um raciocínio desenvolvido ao longo do texto, mas fazer o leitor entender as linhas gerais, a ideia, não o conceito ou termo técnico.

Rodadas de Avaliação

Vitor Hochsprung

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3772-266X

Avaliador 1: Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, Brasil.

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Mário Eduardo Viaro

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5714-1611

Avaliador 2: Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

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Aldo Luiz Bizzocchi

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9129-3819

Avaliador 3: Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

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RODADA 1

Avaliador 1

2022-08-24 | 04:39

O relato de pesquisa enviado à revista Cadernos de Linguística cumpre com o gênero que se propõe. Os autores apresentam a página "Gramáticas Antigas" e a enquadram como uma estratégia de popularização da linguística, sobretudo no que diz respeito aos estudos históricos desta área, que são bastante fundamentados no texto. No arquivo postado na página da CadLin, há comentários sobre a revisão, mas para garantir acesso, transcrevo-os para este espaço (gostaria, contudo, de lembrar que muitos deles têm caráter de sugestão e cabe aos autores decidir se vão ou não abraçar o apontamento).

Resumo: há uma repetição quando vão apresentar a estrutura. "[...] uma introdução para introduzir". Eu sugiro a troca de 'introduzir' por 'apresentar'. Ver no abstract também!

Seção 1, parágrafo 1 - Sugestão: acrescentar o título da apresentação entre aspas.

P.3, parágrafo 2 - Veja: eu não diria que a comunidade geral e ampla para qual a popularização da ciência é formada por esse público apenas. Eu convido à reflexão: especialistas também podem consumir divulgação científica. O fato de estarmos na rede social contribui muito para isso: especialistas trocam comentários, mensagens e contribuições. Eu entendo essa ideia de que a divulgação deve ser feita para o público geral, mas eu não excluiria a comunidade científica desse público. Por conta disso, eu sugiro uma modalização deste trecho. Talvez algo como: "[...] comunidade geral e ampla, que é formada por um público que ultrapassa os especialistas na área científica que é divulgada", algo assim, porque acho que não ignora os especialistas consumidores de DC. Isso, contudo, é apenas uma sugestão. Os autores podem se sentir livre para incluir ou não essa modalização no texto, mas não pude deixar de convidar para a reflexão, porque também me deparo com ela em vários momentos.

Logo no outro parágrafo, vocês amplificam o público, mas não ignoram os círculos acadêmicos. Acho que é bem isso!

p. 4, parágrafo 3 - quando fala de "imagens documentais": Eu acho importante que vocês relatem que possuem algum tipo de autorização para o compartilhamento dessas imagens. Mesmo se forem de domínio público, acho que essa informação deve constar.

p.6/7 - sobre o uso do termo 'thread': ele é mais comum quando estamos falando do twitter. No instagram, vejo mais o termo 'Carrossel'. Por mais que tenham a mesma ideia de sequência, acho que são produtos diferentes.

p. 7 - antes da figura 3: Eu especificaria que vocês estão tratando de linguistas que estão inseridos nessa área de estudo. Penso que os linguistas lemos gramáticas por outros objetivos também e de outras formas. Talvez seja até interessante que vocês especifiquem que, para o post, acharam melhor tratar dessa forma mais geral, justificando justamente que o objetivo do perfil é de divulgação científica.

p. 9 - sobre o quadro: foi elaborado pelos autores para este artigo? Acho importante colocar a fonte (mesmo que tenha sido elaborado agora)

Referências: algumas delas estão fora do padrão (não consta o primeiro nome do autor, apenas as iniciais). Rever.

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Avaliador 2

2022-08-31 | 11:53

Peço desculpas, mas, apesar de o artigo ser interessante, está bem longe das minhas especialidades. Mesmo se tratando de um texto sobre Historiografia, a minha pouca familiaridade e tolerância com o tema de popularização por meio de redes sociais impede-me de prosseguir à avaliação do texto.

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Avaliador 3

2022-09-14 | 06:55

O artigo está bem formulado, bem estruturado, bem redigido e trata de tema relevante, qual seja, a divulgação científica da linguística, focando um aspecto interessante dessa ciência: a gramaticografia. Aliás, o próprio objeto de estudo do artigo, no caso, o perfil do Instagram que faz essa divulgação, é digno de mérito.

Quanto ao artigo propriamente dito, tem todas as condições de ser publicado. No entanto, peço que os autores façam as correções e alterações sugeridas por mim e apresentadas no arquivo Word anexo.

Resposta dos Autores

DOI: https://doi.org/10.25189/2675-4916.2022.V3.N2.ID660.A

RODADA 1

2022-09-15

Todas as indicações sugeridas pelos pareceristas foram incorporadas no texto. Buscamos adequar a redação para a inclusão das indicações. Atualizamos o resumo e o abstract, adotamos a modalização sugerida na definição de público geral, para que incluísse a noção de comunidade científica.

Acrescentamos a informação sobre os direitos autorais e as imagens utilizadas, todas de domínio público. Alteramos o termo thread por carrossel. Revisamos o quadro e acrescentamos a informação de sua autoria.

Agradecemos a leitura e as indicações dos pareceristas para adequação do artigo, que nos permitiram alcançar a redação em sua forma final.

Referências

  1. ALTMAN Cristina. Historiografia da Linguística. 2019.
  2. ÁLVARES Manu. Introdução Eustáquio Sanchez Salor, Juan María Gomez. 2020.
  3. ANCHIETA José d. Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. 1695.
  4. ASSUNÇÃO Carlos, FONSECA Maria do Céu. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela. 2005.
  5. AUROUX Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. 1992.
  6. BATISTA Ronaldo de Oliveira, BATISTA, Ronaldo de Oliveira.. Historiografia da Linguística. 2019.
  7. BARROS João de. Gramática da língua portuguesa. 1640.
  8. BECHARA Evanildo. Moderna gramática da língua portuguesa. 2009.
  9. BUENO Wilson Costa. Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais. Informação & Informação. 2010.
  10. BUESCU Maria L. Historiografia da Língua Portuguesa. 1984.
  11. CAVALIERE Ricardo Stavola. Anchieta e a língua falada no Brasil do século XVI. Revista Portuguesa de Humanidades. 2001.
  12. CAVALIERE Ricardo Stavola. Gramaticografia da língua portuguesa no Brasil: tradição e inovação. Limite. 2012.
  13. COUTO Hildo Honório. Ecolingüística. Estudo das relações entre língua e meio ambiente. 2007.
  14. FARIA Ernesto. Gramática Superior da Língua Latina. 1958.
  15. KALTNER Leonardo Ferreira. As ideias linguísticas no discurso De Liberalium Artium Studiis (1548). Confluência. 2019.
  16. KALTNER Leonardo Ferreira, SANTOS Melyssa Cardozo Silva dos, TEIXEIRA Viviane Lourenço. Gaspar da Índia: o língua e o Brasil quinhentista. Confluência. 2019.
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How to Cite

KALTNER, L. F.; SANTOS, M. C. S. dos. Ancient grammars: popularizing linguistics historiography on instagram. Cadernos de Linguística, [S. l.], v. 3, n. 2, p. e660, 2022. DOI: 10.25189/2675-4916.2022.v3.n2.id660. Disponível em: https://cadernos.abralin.org/index.php/cadernos/article/view/660. Acesso em: 29 mar. 2024.

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